Acessibilidade / Reportar erro

Gerenciamento e disciplina algorítmica: uma análise focalizada em plataformas de emprego de elevada qualificação

Algorithmic management and algorithmic discipline: an analysis focused on highly qualified employment platforms

Resumo

O artigo discute as práticas de gerenciamento e disciplina algorítmica no contexto das plataformas digitais de trabalho, com um foco particular em plataformas digitais de emprego de elevada qualificação, estruturando-se em quatro seções. Uma primeira seção busca caracterizar, de maneira geral, as plataformas digitais de trabalho. Uma segunda seção aborda especificamente as características das plataformas digitais de emprego de elevada qualificação, destacando as do trabalho freelance associado a estas plataformas, correlacionado a argumentos da literatura que discute estas transformações dos mercados de trabalho. Uma terceira seção discute o papel das práticas de gerenciamento algorítmico nas plataformas digitais de trabalho. Uma quarta seção aborda a questão da “disciplina algorítmica” em plataformas digitais de trabalho, referenciando esse processo às características de plataformas digitais de trabalho com maior qualificação. Uma última seção sumariza as principais conclusões e aponta desdobramentos desse programa de pesquisa.

Palavras-chave
Plataformas digitais; Algoritmos e trabalho; Emprego qualificado

Abstract

The article discusses management practices and algorithmic discipline in the context of digital work platforms, with a particular focus on high-skilled digital employment platforms, structured in four sections. A first section seeks to characterize, in general, the characteristics of digital work platforms. A second section specifically addresses the characteristics of highly skilled digital employment platforms, highlighting the characteristics of freelance work associated with these platforms, correlated with arguments in the literature that discuss these transformations in labor markets. A third section discusses the role of algorithmic management practices in digital work platforms. A fourth section addresses the issue of “algorithmic discipline” in digital work platforms, referring this process to the characteristics of digital work platforms with higher qualifications. A last section summarizes the main conclusions and points out the developments of this research program.

Keywords
Digital platforms; Algorithms and work; Qualified employment

1 Introdução

A emergência de uma grande variedade de plataformas digitais, desde o final da década de 1990, provocou uma mudança econômica radical e uma reorganização de mercados e arranjos de trabalho. A economia de plataforma não está apenas mudando a forma como o trabalho é realizado e remunerado, os mercados de trabalho também estão se transformando drasticamente, levando a uma situação em que o “emprego padrão” é cada vez mais suplementado ou substituído por trabalho temporário “fora do padrão”, mediado por plataformas (Kässi e Lehdonvirta, 2016KÄSSI, O.; LEHDONVIRTA, V. On-line labour index: measuring the on-line gig economy for policy and research. Paper presented at Internet, Politics & Policy, 22-23 Sept. Oxford, 2016. Available at: https://mpra.ub.uni-muenchen.de/74943/1/MPRA_paper_74943.pdf.
https://mpra.ub.uni-muenchen.de/74943/1/...
). Num contexto de crescente instabilidade macroeconômica, de desregulamentação das relações de trabalho – em função do impacto disruptivo de tecnologias digitais na intermediação dessas relações –, verifica-se a emergência de novas formas de emprego “fora do padrão” (Eurofound, 2018EUROFOUND. Employment and working conditions of selected types of platform work. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2018.; ILO, 2018ILO – International Labour Office. Digital labour platforms and the future of work: towards decent work in the on-line world. Geneva: International Labour Office, 2018.), que reforçam diversos tipos de “flexibilidade” – temporal, espacial, gerencial e funcional, dentre outras. Grande parte destas novas formas de emprego está vinculada à mediação de plataformas digitais, que conectam ofertantes e demandantes de trabalho. Termos como gig work, contingent work, on-demand work, on-line outsourcing, on-line work, contract work e freelance work são apenas algumas das denominações do fenômeno encontradas na literatura (Agrawal et al., 2015; Barnes et al., 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.; Coyle, 2017; Dolan et al., 2015; Kuek et al., 2015KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing. World Bank Group, 2015.).

As plataformas digitais facilitam a articulação entre ofertantes e demandantes de trabalho que, de outra forma, poderiam ter dificuldades para interagir entre si, tornando a realização de transações mais eficiente do que seria possível em relacionamentos bilaterais entre as partes, fornecendo infraestrutura e regras para sua realização (Eisenmann et al., 2006; Evans, 2003; Gawer, 2014; Kenney e Zysman, 2017KENNEY, M.; ZYSMAN, J. The next phase in the digital revolution: platforms, automation, growth, and employment. VALLAS, SP.; KOVALAINEN, A. (Ed.). Work and Labor in the Digital Age. Binkley, UK: Emerald, 2017, p. 13-41.). No âmbito destas plataformas, a correspondência (matching) entre ofertantes e demandantes de trabalho pode ser feita de forma eficaz, por exemplo, usando algoritmos que diminuem a quantidade de tempo usado para encontrar trabalhadores adequados para tarefas específicas, além de oferecer a base para o controle-gerenciamento dessas tarefas.

A utilização de algoritmos está vinculada a uma estratégia de alinhar ofertas e demandas, configurando um processo de “matching”, a partir de dados dos agentes envolvidos, o que é possível com a construção de estruturas de Big Data e a utilização crescente de Inteligência Artificial (Blazquez; Domenech, 2018BLAZQUEZ, D.; DOMENECH, J. Web data mining for monitoring business export orientation. Technol. Econ. Dev. Econ. On-line, v. 24, n. 2, p. 1-23, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.3846/20294913.2016.1213193.
https://doi.org/10.3846/20294913.2016.12...
). Considerando o potencial dos algoritmos que permitem conectar ofertas e demandas em uma plataforma de comercialização de trabalho, é possível destacar que esse trabalho não é, essencialmente, plataformizado e, sim, algoritimizado, pois são principalmente os algoritmos que permitem conectar e estabelecer uma correspondência (matching) entre demandantes e ofertantes de trabalho vinculados a essas estruturas.

No contexto considerado, a algoritimizaçao é um conceito que pode ser associado ao processo por meio do qual empresas digitais, responsáveis por plataformas e aplicativos, utilizam algoritmos para metrificar, vigiar e gerenciar trabalhadores e conectá-los com clientes em potencial (Flores, 2017; Filgueiras; Antunes, 2020FILGUEIRAS, V.; ANTUNES, R. Plataformas digitais, uberização do trabalho e regulação no capitalismo contemporâneo. Contracampo, v. 39, n. 1, p. 27-43, 2020. DOI: https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38901.
https://doi.org/10.22409/contracampo.v39...
). A algoritimização é configurada como uma forma de trabalho estruturada, executada, medida e gerida por meio de algoritmos. Observa-se que a algoritimização está no cerne da discussão de uma nova revolução industrial, justamente pela possibilidade de robôs imateriais e digitais ocuparem um protagonismo nos processos de trabalho. Em particular, a gestão algorítmica torna-se uma nova faceta do mundo do trabalho, permitindo que o trabalho seja cada vez mais disperso e a sua gestão e controle cada vez mais concentrados.

Neste contexto, a força de trabalho torna-se mais vulnerável, pois as leis trabalhistas ainda se encontram baseadas em um antigo sistema “binário”, segundo o qual se você é um empregado, você recebe direitos – por exemplo, pagamento por doença, aviso de demissão ou férias pagas –, mas se você é um contratado, o acesso a esses direitos tende a ser restringido. Assim, se o modelo de plataformas de trabalho com a interveniência de uma gestão algorítmica oferece vantagens de flexibilidade sobre formas convencionais de organização e gestão do trabalho, este modelo coloca como questão relevante a distribuição de oportunidades, benefícios e riscos entre os agentes envolvidos, bem como os possíveis custos sociais advindos de uma eventual precarização das relações de trabalho.

A motivação para o trabalho está na observação da entrada de novas empresas intermediadoras de trabalho, que utilizam estruturas digitais para captar demandas de trabalho e interligá-las com ofertantes de um determinado serviço, por meio da mediação de algoritmos. É amplamente reconhecida a tendência dessas empresas buscarem indivíduos capazes de ofertar serviços de baixa qualificação tal como entregadores e motoristas. Mas, além desse fenômeno, observa-se também uma nova configuração de estruturas vinculadas a novas relações de trabalho entre profissionais qualificados e plataformas de serviço. Em particular, observa-se um aumento de empresas que buscam por serviços de profissionais qualificados, tais como médicos, psicólogos, advogados, designers e professores. Desse modo, mesmo com perfis diferentes, observa-se uma conexão clara entre profissionais com e sem qualificação: a tendência à algoritmização de seus serviços.

Neste contexto, o artigo discute o fenômeno do trabalho algoritimizado em expansão na atualidade. Para atingir este objetivo, procura-se construir uma base conceitual a respeito da algoritimização do trabalho, que procura integrar aspectos teóricos sobre o tema e apontar aspectos capazes de nortear pesquisas empíricas sobre a temática. Em especial, o artigo discute as práticas de gerenciamento e disciplina algorítmica no contexto das plataformas digitais de trabalho, com um foco particular em plataformas digitais de emprego de elevada qualificação, estruturando-se em quatro seções. Uma primeira seção busca caracterizar, de maneira geral, as plataformas digitais de trabalho. Uma segunda seção aborda especificamente as características das plataformas digitais de emprego de elevada qualificação, destacando as características do trabalho freelance associado a estas plataformas, abordando argumentos da literatura que discute estas transformações dos mercados de trabalho. Uma terceira seção discute o papel das práticas de gerenciamento algorítmico nas plataformas digitais de trabalho. Uma quarta seção aborda a questão da “disciplina algorítmica” em plataformas digitais de trabalho, referenciando esse processo às características de plataformas digitais de trabalho com maior qualificação. Uma última seção sumariza as principais conclusões e aponta desdobramentos desse programa de pesquisa.

2 Plataformas digitais de trabalho

2.1 Plataformas digitais e novos modos de organização do trabalho

Em essência, as plataformas digitais são coordenadas por empresas que implantam uma infraestrutura digital para reunir dois ou mais grupos de usuários (Srnicek, 2016), especificamente trabalhadores e clientes, no caso de plataformas de trabalho. Como a relação cliente-trabalhador dura o tempo de um único projeto ou tarefa, excluindo qualquer compromisso de longo prazo, os trabalhadores são normalmente interpretados como autônomos, a plataforma se apresenta como mero intermediário. Embora as plataformas de trabalho digital apresentem grandes diferenças, todas elas desempenham três funções específicas: (1) adequar os trabalhadores à demanda; (2) fornecer um conjunto comum de ferramentas e serviços que permitem a entrega de trabalho em troca de compensação; e (3) estabelecer regras de governança pelas quais os bons atores são recompensados e o mau comportamento é desencorajado (Choudary, 2019).

O impacto da constituição dessas plataformas digitais pode ser associado a três aspectos-chave da organização da correspondência (matching) entre oferta e demanda de trabalho. Em primeiro lugar, as plataformas fornecem ferramentas (“algoritmos”) que permitem promover uma correspondência entre fornecedores e demandantes de mão de obra. O processo resultante, supostamente, seria mais eficaz em termos de encontrar trabalhadores disponíveis com habilidades para tarefas específicas. No entanto, a correspondência por meio de plataformas pode diminuir a alocação eficiente no mercado de trabalho se enfraquecer a posição dos trabalhadores e lhes der incentivos para assumir tarefas abaixo de seu nível de qualificação, favorecendo a desqualificação do trabalho. Algumas plataformas também aumentam a demanda por trabalhos ou tarefas (clickwork) com pouco ou nenhum conteúdo de habilidade ou oportunidade de aprendizado.

Em segundo lugar, a tecnologia reduz os custos de transação para empregadores/clientes na medida em que as plataformas também podem facilitar microtransações de compra e venda de trabalho. Ao mesmo tempo, porém, a mediação do trabalho por meio de plataformas pode acarretar altos custos de transação para os trabalhadores. De fato, as evidências mostram que os trabalhadores da plataforma geralmente passam muito tempo esperando e procurando um trabalho adequado. Quando a tarefa aparece, os trabalhadores precisam estar disponíveis para concluí-la no local e no “timing” requerido. Na ausência de determinadas regulamentações, como uma remuneração mínima, as plataformas podem ter pouco incentivo para investir em algoritmos que permitam aos trabalhadores procurar trabalho com maior eficiência.

Em terceiro lugar, as plataformas fornecem serviços que diminuem ou gerenciam os riscos envolvidos nas transações de mercado, contribuindo para a correção de falhas de mercado, como informações incompletas sobre o provedor de mão de obra ou o risco de algum tipo de trapaça resultante de posturas oportunistas por parte dos agentes envolvidos. Esses serviços também incluem sistemas de reputação e monitoramento, bem como mecanismos de seguro e serviços jurídicos para proteção em relação a fraude. Práticas de monitoramento e controle, estabelecidas para lidar com falhas de mercado, do ponto de vista legal, representam um fator que converte as plataformas em mais do que mercados tradicionais.

Neste sentido, a economia de plataforma oferece uma organização de trabalho mais flexível, que modifica substancialmente as regras formais que regem o local e o horário do trabalho e o limite entre atividades profissionais e as não relacionadas a ele. Outra mudança importante relacionada à economia de plataforma é a reorganização do conteúdo do trabalho, muitas vezes associada à divisão de trabalhos em tarefas, que são executadas por diferentes trabalhadores, às vezes em diferentes partes do mundo. Essa reorganização de tarefas também reduz o controle individual sobre o processo de trabalho e remove as recompensas relacionadas a ver o produto do seu trabalho. Neste sentido, o trabalho por meio de plataformas digitais se enquadra em uma tendência mais ampla relacionada à consolidação de um local de trabalho “fissurado” em que grandes empresas terceirizam para empresas menores ou contratam empreiteiros, freelancers e consultores dentro da força de trabalho flexível e sob demanda. Essas transformações são cada vez mais facilitadas pelo desenvolvimento tecnológico.

Segundo Dieuaide e Azaïs (2020), a digitalização substitui o contrato de trabalho da relação de trabalho padrão por uma relação triangular “trabalhador-plataforma-cliente”. Nesse modelo, os limites da relação de trabalho tornam-se opacos e mais incertos: o vínculo de subordinação desaparece, o direito do trabalho dá lugar ao direito comercial e as figuras do empregador e do empregado perdem visibilidade institucional. Nesse contexto, seria possível associar estas plataformas à consolidação de uma “zona cinzenta do emprego” (Dieuaide; Azaïs, 2020) baseada em “espaços intermediários de regulação”, que são relativamente autônomos e dotados de dinâmicas próprias. A noção de “zona cinzenta” permite traçar um quadro de análise que não separa os trabalhadores conectados do contexto e das condições particulares em que exercem suas atividades. No interior dessa zona cinzenta, os trabalhadores das plataformas formam uma população de “figuras emergentes”, difíceis de identificar. Sem ser exaustiva, essa população pode ser classificada em três categorias principais (Azaïs, 2019): i) trabalhadores mais vulneráveis que não conseguem um emprego fixo e são compelidos a usar plataformas digitais para sobreviver; são aqueles cujo status de trabalho se deteriorou e cuja autonomia, remuneração, direitos e proteção foram reduzidos; ii) trabalhadores integrados a essas plataformas em um período de transição, à espera de um emprego mais adequado, operando como trabalhadores em stand-by, que aceitam temporariamente um estágio ou situação precária na esperança de obter mais tarde um emprego estável e devidamente remunerado; e iiii) “trabalhadores do conhecimento”, que dominam uma parte significativa do conhecimento e habilidades cognitivas transversais básicas exigidos por tarefas mais complexas, incluindo engenheiros ou trabalhadores altamente qualificados, que não hesitam em deixar uma oportunidade onde já são bem pagos para ingressar em uma nova, onde receberão um salário melhor. A noção de zona cinzenta surge como um espaço de relações sociais e de trabalho imerso em territórios particulares, constituindo um espaço habitado por figuras díspares com estratégias e interesses divergentes. Uma zona cinzenta pode, portanto, ser uma zona de conflito, retraimento ou fechamento, ou, inversamente, uma zona de cooperação social e inovação. Essa noção também ajuda a esclarecer as razões pelas quais essas forças bloqueiam ou, ao contrário, pressionam por mudanças institucionais. A noção de zona cinzenta refletiria uma tensão na busca de um equilíbrio sociopolítico entre o exercício do trabalho guiado pela necessidade (trabalhar para ganhar a vida) e o trabalho que promove a emancipação e/ou a liberdade.

Além disso, as plataformas digitais de trabalho poderiam ser articuladas à noção de “modelo de local de trabalho fissurado” (Weil, 2014WEIL, D. The fissured workplace: why work became so bad, for so many and what can be done to improve it. Boston: Harvard University Press, 2014.). Em particular, elas refletem o processo através do qual as empresas têm confiado cada vez mais nas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) para impor padrões de qualidade na ausência de relações trabalhistas padrão, permitindo-lhes coordenar atividades periféricas por meio de mecanismos de mercado e transferir riscos e responsabilidades para outras. Na visão de Wood e Lehdonvirta (2021)WOOD A. J.; LEHDONVIRTA, V. Platform precarity: surviving algorithmic insecurity in the gig economy. Working paper presented at AI at Work: Automation, Algorithmic Management, and Employment Law’ On-line Workshop at the University of Sheffield. 2021. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3795375.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
e De Stefano (2016)STEFANO, V. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office, 2016. Available at: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/--protrav/---.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, as plataformas digitais de trabalho representam uma forma de trabalho fissurado, na medida em que permitem – em maior escala – a terceirização de atividades pessoais para indivíduos, em vez de estruturas empresariais complexas. Em particular, estas plataformas muitas vezes intensificam o trabalho, aumentando o monitoramento, controlando seu ritmo, minimizando lacunas no fluxo de trabalho e estendendo a atividade de trabalho além do local convencional e do dia de trabalho (Felstead et al., 2019FELSTEAD, A.; GALLIE, D.; GREEN, F.; HENSEKE, G. Conceiving, designing and trailing a short form measure of job quality: a proof-of concept study. Industrial Relations Journal, v. 50, n. 1, p. 2-19, 2019.; Green, 2004GREEN, F. Why has work effort become more intense? Industrial Relations, v. 43 n. 4, p. 709-741, 2004.). Além disso, os mecanismos de gestão algorítmica (classificação, vigilância digital etc.) podem resultar em horas extras, aumentando a intensidade do trabalho e resultando em maior exposição dos trabalhadores a riscos psicossociais.

2.2 Tipologias de plataformas digitais de trabalho

Pesquisas sobre gerenciamento algorítmico se concentraram no trabalho mediado por plataformas digitais, na qual os trabalhadores estabelecem contratos não padronizados, geralmente se comprometendo apenas a curto prazo com uma determinada organização (Harms; Han, 2019HARMS, PD; HAN, G. Algorithmic leadership: the future is now. Journal o Leadership Studies, v. 12, n. 4, p. 74-75, 2019.; Jarrahi; Sutherland, 2019JARRAHI, M. H.; SUTHERLAND, W. Algorithmic management and algorithmic competencies: understanding and appropriating algorithms in gig work. In: INTERNATIONAL Conference on Information, Washington, DC, USA, Cham, Switzerland: Springer, March 31-April 3, p. 578-589, 2019.). As plataformas de trabalho digital são analisadas como parte de uma “economia de plataforma” muito maior, que pode ser caracterizada a partir da estruturação de marketplaces on-line que envolvem pelo menos três partes. O provedor da plataforma serve como um intermediário que provê a infraestrutura através da qual conecta e coordena a oferta e a demanda das outras duas partes. Esse papel de intermediário permite que o provedor da plataforma transfira a maior parte dos custos, riscos e responsabilidades para as outras duas partes. A economia de plataforma não apenas modifica a forma como o trabalho é realizado e remunerado, mas também transforma drasticamente as características de emprego, levando a uma situação em que o “emprego padrão” é cada vez mais suplementado ou substituído por um trabalho temporário “fora do padrão”, mediado por plataformas (Kässi; Lehdonvirta, 2016).

O trabalho por meio de plataformas é usualmente classificado como trabalho plataformizado ou, como observam Filgueiras e Antunes (2020)ANTUNES, R. Trabalho digital, “indústria 4.0” e uberização do trabalho. In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (Org.). Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020., “trabalho uberizado”, termo cunhado em função da popularidade do aplicativo Uber no mercado e da grande inserção de indivíduos naquela plataforma. Nos últimos anos, observou-se um aperfeiçoamento e criação de novas plataformas com o foco em entregar soluções oriundas de trabalho qualificado, como os sites GetNinjas e Hotmart, que concentram uma grande quantidade de profissionais ofertando seus serviços. A maioria da literatura discute a natureza dessas transformações, principalmente considerando tarefas de baixa qualificação, como serviços de transporte e limpeza (Bregiannis et al., 2017; De Stefano, 2016STEFANO, V. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office, 2016. Available at: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/--protrav/---.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
; Dokko et al., 2015). No entanto, o trabalho freelance e o trabalho terceirizado estão muitas vezes associados a tarefas mais complexas, que exigem maior nível de habilidade e levam mais tempo para serem executadas, conforme exigido, por exemplo, em projetos de software e consultoria (Accenture, 2017; Agrawal et al., 2015; Barnes, 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.; Kuek et al., 2015KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing. World Bank Group, 2015.).

A análise de Schmidt (2017)SCHMIDT, F. A. Digital labour markets in the platform economy: mapping the political challenges of crowdwork and gig work. Friedich Ebert Stiftung, 2017. Available at: https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd.
https://library.fes.de/pdffiles/wiso/131...
desenvolve uma categorização de plataformas de trabalho digital baseada em duas dimensões: i) a possibilidade dos serviços e tarefas coordenados por meio dessas plataformas estarem vinculadas a um local específico; e ii) a possibilidade dos serviços e tarefas estarem ou não vinculados a uma pessoa específica. Se a tarefa não for baseada em localização e puder ser feita remotamente, pela internet, define-se a situação de um trabalho na nuvem. Se a tarefa não for dada a um indivíduo específico, mas a um grupo indefinido de pessoas on-line, define-se a situação como trabalho coletivo. Se a tarefa for subdividida em pequenas unidades para viabilizar um trabalho fragmentado, define-se a situação como trabalho baseado em microtarefas, que podem ser realizadas por grupos amplos de forma competitiva, configurando um trabalho de multidão. Se, ao contrário, a tarefa não pode ser subdividida, é oferecida, paralelamente, a um grupo amplo de trabalhadores (multidão). Porém, ao final, apenas um resultado é usado e pago, definindo-se a situação de um trabalho coletivo baseado em concurso. No entanto, quando uma tarefa tem que ser feita em um local e horário específicos, por uma pessoa específica que é responsável pela tarefa, define-se como situação usual de trabalho temporário. Como resultado, definem-se seis tipos básicos de plataforma de trabalho digital. Por um lado, um grupo de “trabalho digital baseado na web”, que contempla três alternativas: a) Trabalhos do tipo freelance contratados individualmente; b) Trabalho de multidão de microtarefas; e c) Trabalho de multidão criativo baseado em concurso. Por outro, a possibilidade de um trabalho contratado de forma digital, mas baseado em uma localização específica, em função da natureza do serviço prestado: a) Serviços de acomodação; b) Serviços de transporte e entrega (trabalho gig); e c) Serviços domésticos e serviços pessoais realizados in loco (trabalho temporário). Em todas estas categorias, identificam-se desafios políticos no que diz respeito a questões como autonomia, privacidade, proteção de dados, leis trabalhistas, remuneração justa e ao papel dos mecanismos de “gestão algorítmica” (relacionados à classificação e rastreamento automatizado de contratados independentes).

A Figura 1 (Digital Future Society, 2019DIGITAL FUTURE SOCIETY. The future of work in the digital era: the rise of labour platforms. Digital Future Society. Dec. 2019.), por sua vez, ilustra uma diferenciação hierárquica entre diferentes tipos de plataformas de trabalho, evoluindo daquelas que procuram gerenciar microtarefas simples, baseadas em trabalho de baixo nível de qualificação, com baixa remuneração e condições relativamente precárias, para as plataformas de trabalho digital orientado para projetos mais complexos, mobilizando trabalho altamente qualificado, que exige a formação correspondente. Entre estes dois extremos, localizam-se plataformas direcionadas para o atendimento de serviços específicos sob demanda, atingindo trabalhadores operacionais nas linhas de produção (trabalhadores blue-collar), progressivamente evoluindo para trabalhadores freelancers direcionados para atividades administrativas e gerenciais (trabalhadores white-collars) e, por fim, avançando para trabalhadores com elevado nível de especialização (top experts). Exemplos de plataformas digitais de trabalho associadas aos diferentes “níveis” dessa hierarquia podem ser identificados. Na prática, a estruturação dessas plataformas reflete um processo mais geral de “autonomização”/“individualização” do trabalho, baseado na emergência de novas formas de emprego. Esta autonomização muitas vezes é vinculada à noção de trabalho freelance, discutida em maior detalhe na próxima subseção.

Figura 1
Tipos de plataformas digitais de emprego segundo as tarefas e o nível de qualificação de trabalhadores

Uma característica comum dessas plataformas é a intermediação do trabalho realizado virtual ou localmente por freelancers para clientes que estão dispostos a pagar por estes serviços. Tais plataformas fornecem um serviço de correspondência, que vincula a demanda de mão de obra com sua oferta por meio de um mecanismo de busca (Drahokoupil e Fabo, 2016DRAHOKOUPIL, J.; PIASNA, A. Work in the platform economy: deliveroo riders in Belgium and the SMart arrangement. Eur. Trade Union Inst., Brussels, 2019. (Work. Pap., 2019.01).; Kenney e Zysman, 2017KENNEY, M.; ZYSMAN, J. The next phase in the digital revolution: platforms, automation, growth, and employment. VALLAS, SP.; KOVALAINEN, A. (Ed.). Work and Labor in the Digital Age. Binkley, UK: Emerald, 2017, p. 13-41., 2019KENNEY, M.; ZYSMANJ. Work and value creation in the platform economy. Research in the Sociology of Work, v. 33, 2019.). Desse modo, as plataformas freelance geralmente conectam três atores principais: (1) proprietários da plataforma que fornecem a infraestrutura para intermediar o trabalho; (2) trabalhadores freelances que realizam e enviam trabalho para obter algum tipo de compensação; e (3) compradores que exigem que as tarefas sejam concluídas para compensação (Barnes et al. al., 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015., Zanatta et al., 2016ZANATTA, A. L.; MACHADO, L. S.; PEREIRA, G. B.; PRIKLADNICKI, R.; CARMEL, E. Software crowdsourcing platforms. IEEE Software, v. 33, n. 6, p. 112-116, 2016.).

A classificação mencionada pode também ser sobreposta a uma distinção entre trabalho de baixa e alta qualificação, executados virtualmente ou localmente, conforme discutido por Taskinen (2018)TASKINEN, Jaakko. High-skilled freelance platforms: the impact of trust building mechanisms on attracting top freelance software professionals. Master’s Thesis. Helsinki, Sept. 4, 2018. e ilustrado na Quadro 1. Considerando estes critérios, um freelancer pouco qualificado pode ser descrito como alguém que exerce um trabalho que não requer habilidades complexas ou alto nível de educação, enquanto o freelancing altamente qualificado exige. Além disso, o trabalho freelance pode ser realizado remota ou localmente. O foco da análise desenvolvida se concentra especificamente no trabalho freelance de alta qualificação e complexidade, tanto virtual quanto baseado em localização.

Quadro 1
Tipos de trabalho em economia freelance

Vallas e Schor (2020) incorporam uma diferenciação entre trabalhadores de plataforma com base nos níveis de habilidade, na natureza do trabalho que está sendo feito, se é realizado on-line ou off-line, enraizado em uma determinada localidade ou disperso globalmente, e o tipo de produto que está sendo produzido para distinguir cinco tipos de trabalho de plataforma, reconhecendo sobreposições e limites variados entre eles.

Uma primeira categoria inclui trabalhadores qualificados – como programadores, engenheiros e tecnólogos –, responsáveis pela configuração das próprias das plataformas, incluindo os próprios fundadores, funcionários altamente qualificados e contratados independentes. Esses trabalhadores projetam e mantêm as infraestruturas digitais das plataformas. Como tais, os produtos de seu trabalho têm implicações para as condições ocupacionais que outros tipos de trabalhadores de plataforma provavelmente enfrentarão. Um segundo tipo de trabalho de plataforma é realizado por consultores ou freelancers baseados em nuvem, que oferecem serviços profissionais por meio de plataformas como UpWork ou Freelancer. Assim como arquitetos e tecnólogos, esses trabalhadores prestam serviços profissionais, mas são usuários e não criadores de plataformas. Seu trabalho geralmente não está vinculado a um local de trabalho individual ou local geográfico. Esta categoria, em geral, possui um alto nível de habilidade técnica em áreas como design gráfico, programação de computadores e criação de conteúdo, com trabalhadores tipicamente envolvidos em projetos específicos. Para estes agentes, a garantia de uma renda estável requer a manutenção de uma lista suficiente de clientes.

Uma terceira categoria são os trabalhadores temporários que prestam serviços associados a um baixo nível de qualificação e são contratados por meio de plataformas, mas cujos serviços geralmente são executados off-line, como carona, entrega de comida, consertos e serviços domésticos, trabalho de assistência e cuidados, e trabalho de tarefas avulsas. Esse arranjo proporciona ao prestador flexibilidade de horários e autonomia, no entanto, os trabalhadores temporários devem não apenas assumir a responsabilidade pelos custos e riscos operacionais, renunciando às proteções desfrutadas pelos empregos tradicionais, mas também se adequando aos ritmos temporais da demanda do cliente, o que pode reduzir substancialmente sua autonomia. Um quarto tipo de trabalho de plataforma é realizado inteiramente on-line, envolvendo o que é chamado de microtarefa, que requer algum tipo “inteligência humana” que os computadores não podem executar. Esses trabalhos geralmente exigem menos treinamento e experiência do que o trabalho de consultores e freelancers baseados em nuvem. Exemplos incluem descrever ou classificar o conteúdo de imagens, editar texto gerado por computador, validar contas de usuários em mídias sociais ou transcrever breves clipes de áudio (Wood et al. 2018WOOD, A. J.; GRAHAM, M.; LEHDONVIRTA, V.; HJORTH, I. Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, v. 33, n. 1, p. 56-75, 2019.), com o pagamento vinculando-se à conclusão da tarefa, mas com sua precificação sendo realizada em condições extremamente competitivas, fazendo com que o gerenciamento das microtarefas se convertam no “modelo organizacional” dominante para empresas que anteriormente dependiam de empregos internos. Por fim, outro tipo de trabalhador de plataforma é o que existe numa espécie de “penumbra” das mídias sociais, o qual inclui os produtores de conteúdo e influenciadores que realizam o que Duffy (2017) chama de “trabalho aspiracional”, com o trabalho de plataforma geralmente sendo fornecido sem remuneração, na esperança de obter um nível suficiente de proeminência na denominada “economia da atenção” (Marwick, 2013) para estabelecer uma fonte regular de receita, que pode estar vinculada a um nível de risco bastante elevado.

3 Crescimento das plataformas digitais de trabalho

Estudo realizado por economistas de Harvard e Princeton indica que 94% do crescimento líquido de empregos nos Estados Unidos, entre 2005 e 2015, estaria baseado em “trabalho alternativo” (Katz e Krueger, 2016KATZ, L. F.; KRUEGER, A. B. The rise and nature of alternative work arrangements in the United States, 1995-2015. Princeton University and NBER, Mar. 2016.). Este estudo identifica cerca de 600.000 “trabalhadores independentes”, o que representa cerca de 0,4% do emprego no país, estimando-se que este número esteja crescendo rapidamente. O surgimento de novas formas de trabalho estaria particularmente associado a novas formas de organização da prestação de serviços na vida cotidiana através do que ficou conhecido como economia de “compartilhamento”, baseada na criação de plataformas digitais que tornam mais fácil vincular um cliente, que deseja um serviço, com alguém disposto a fornecê-lo. As evidências indicam que há 49 milhões de pessoas nos Estados Unidos e em cinco países da Europa cuja principal fonte de renda é o trabalho autônomo (McKinsey, 2017MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. Jobs lost, jobs gained: workforce transitions in a time of automation. Dec. 2017.). Porém, incluindo-se aqueles que trabalham sozinhos, por necessidade ou visando complementar a renda, chega-se a 162 milhões de pessoas, o que indicaria que apenas 30% exercem esses trabalhos por “opção”.

Segundo informações do World Employment and Social Outlook (2021a), publicado pela ILO-OIT, o número de plataformas de trabalho on-line baseadas na web e plataformas de trabalho baseadas em localização (táxi e entrega) aumentou de 142 em 2010 para mais de 777 em 2020. O número de plataformas de trabalho on-line baseadas na web triplicou nesse período, enquanto o número de plataformas de táxi e entrega cresceu quase dez vezes. Uma grande proporção dessas plataformas está concentrada em apenas alguns locais, incluindo os Estados Unidos (29%), a Índia (8%) e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (5%). A estimativa do tamanho real da força de trabalho mediada por plataformas é um desafio devido à não divulgação de dados por parte delas. Pesquisadores e agências estatísticas na Europa e na América do Norte entre 2015 e 2019 sugerem que a proporção da população adulta que realizou trabalho em plataforma varia entre 0,3 e 22%.

Considerando uma perspectiva comparativa internacional, a ILO-OIT (2021b)ILO – International Labour Office. Digital platforms and the world of work in G20 countries: status and policy action. Paper prepared for the Employment Working Group under Italian G20 Presidency. Jun. 2021b. apresenta os resultados de pesquisas em vários setores entre 2017 e 2020, abrangendo cerca de 12.000 trabalhadores em 100 países para entender as oportunidades e desafios nas plataformas digitais de trabalho. Cerca de 6.680 trabalhadores entrevistados estavam nos países do G20 em plataformas baseadas em localização e em plataformas de trabalho on-line baseadas na web. Os trabalhadores das plataformas baseadas em localização foram pesquisados apenas em alguns países em desenvolvimento e emergentes (Argentina, China, Índia, Indonésia e México). Nessas pesquisas, os dados do Brasil incluem apenas plataformas de trabalho on-line baseadas na web. A maioria dos trabalhadores nessa condição tem menos de 35 anos, variando de 27 anos (China) a 37 anos (Canadá, Alemanha, Reino Unido e EUA). Em plataformas de trabalho on-line baseadas na web, cerca de quatro em cada dez trabalhadores eram mulheres nos países do G20 e variavam entre 17% (Índia) e 58% (Itália). No entanto, nos países em desenvolvimento e emergentes do G20 apenas cerca de três em cada dez trabalhadores eram mulheres, em comparação com 50% nos países desenvolvidos. No Brasil, a parcela de mulheres entrevistadas chegou a 20%, um dos níveis mais baixos da pesquisa.

Os trabalhadores em plataformas on-line baseadas na web são altamente qualificados e isso é especialmente verdade nos países em desenvolvimento, onde mais de 65% dos trabalhadores obtiveram um diploma universitário em comparação com cerca de 58% nos países desenvolvidos. A principal motivação para os trabalhadores se envolverem no trabalho de plataforma variava dependendo do tipo de plataforma. Nas plataformas freelance, a flexibilidade (59%) foi o principal motivo; nas plataformas de microtarefas ganha destaque a possibilidade de complementar a remuneração (43%), e, por fim, nas plataformas vinculadas à programação e serviços de TI destaca-se a possibilidade de incrementar as habilidades e oportunidades de carreira (85%). Existem algumas diferenças nas motivações e preferências para trabalhar em plataformas nos países do G20. A principal motivação para muitos trabalhadores no Brasil é conseguir uma remuneração complementar, mas, em comparação com outros países, observamos uma alta parcela de motivações relacionadas à dificuldade de encontrar outro emprego e à possibilidade de ser mais bem remunerado em comparação com outros empregos disponíveis. No que diz respeito aos rendimentos dos trabalhadores, o trabalho em plataforma é a principal fonte de rendimento para cerca de 28% dos inquiridos do G20 em plataformas on-line baseadas na web e varia entre 13% (Rússia) e 52% (Brasil), o nível mais elevado dentre os países investigados. O ganho médio por hora em uma semana típica em plataformas on-line baseadas na web é de cerca de US$ 3,60 (ajustado pelo PPP) e cerca de 50% dos trabalhadores ganhavam menos de US$ 2,40 (ajustado pelo PPP) nos países do G20. Esses rendimentos médios variam, entre US$ 1,30 na Indonésia e US$ 5,40 nos Estados Unidos, chegando a aproximadamente US$ 2,70 no Brasil. Os ganhos médios são maiores em plataformas de trabalho freelance (US$ 10,30) do que em plataformas de microtarefas (US$ 3,60). A mediana dos ganhos atinge cerca de US$ 7,80 em plataformas freelance e US$ 2,50 em plataformas de microtarefas.

3.1 Plataformas digitais de trabalho: evidências para o Brasil

Evidências coletadas pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI, 2021CEPI. Center of Education and Research on Innovation at FGV Direito SP. Gig economy and work on platforms in Brazil: from concept to platforms. São Paulo: FGV Direito SP, 2021.) destacam os seguintes exemplos da presença da “economia de plataforma” no Brasil: i) o Uber possui 5 milhões de motoristas no mundo, dos quais 1 milhão no Brasil e 93 milhões de usuários no mundo, dos quais 22 milhões no Brasil, com atuação em mais de 500 cidades do país; ii) o iFood possui 160 mil entregadores ativos cadastrados na plataforma e mais de 250 mil entregadores em restaurantes, com 60 milhões de pedidos entregues e mais de 5 milhões de downloads de aplicativos por mês, atuando em mais de 1.200 cidades do país; iii) 99: 600 mil motoristas e 18 milhões de motociclistas operando em mais de 1.000 cidades; iv) FreteBras possui mais de 13.609 empresas cadastradas para ofertar fretes e mais de 1.944 cidades atendidas; v) Singu possui cerca de 200.000 clientes cadastrados na plataforma e mais de 500.000 pedidos realizados; e vi) Jurídico Certo possui 84 mil escritórios e empresas já solicitaram serviços na plataforma. Segundo a mesma fonte, em 2018, de mil pessoas entrevistadas na cidade de São Paulo 76% eram usuários de carros particulares e serviços de táxi e 25% utilizavam mais de um aplicativo. De acordo com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2020, 3,8 milhões de brasileiros trabalhavam com plataformas digitais, refletindo a existência de 700 mil entregadores de mercadorias no país. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2020) indicaram que o número total de trabalhadores em aplicativos de transporte e entrega de produtos no Brasil passou de 1,253 milhão em janeiro de 2015 para 1,988 milhão em abril de 2019, um aumento de cerca de 700 mil empregos em quatro anos. Segundo o Instituto Locomotiva, 32,4 milhões de trabalhadores adultos – 20% da força de trabalho do país – ganham a vida trabalhando em aplicativos digitais.

O CEPI (2021)CEPI. Center of Education and Research on Innovation at FGV Direito SP. Gig economy and work on platforms in Brazil: from concept to platforms. São Paulo: FGV Direito SP, 2021. também realizou um mapeamento das plataformas digitais de intermediação de trabalhos que operam no Brasil. A partir de uma base inicial de 190 plataformas encontradas, uma base reduzida de 101 plataformas foi classificada e analisada, considerando os seguintes critérios: nome da plataforma, abrangência espacial, atividade econômica e tipo de plataforma. A análise destes elementos foi suportada por informação disponível nos sites das plataformas e nos seus termos de serviço (quando disponíveis). Com base no mapeamento feito, a análise identificou que a maioria das plataformas trabalha com trabalhos localizados geograficamente, ou seja, os serviços vinculados a elas exigem a presença física do trabalhador em determinado local, como a entrega de produtos, o transporte de passageiros ou serviços de limpeza doméstica. Algumas plataformas oferecem apenas serviços baseados na web, nos quais os trabalhadores realizam tarefas on-line, como sessões de terapia, serviços de design, programação ou criação de conteúdo. Algumas plataformas operam em ambas as áreas, como alguns serviços jurídicos ou médicos, nos quais estão disponíveis tanto atendimento on-line quanto atendimento presencial, dependendo do caso.

Carneiro et al. (2023)CARNEIRO, L. L.; MOSCON, D. C. B.; DIAS, L. M. M.; OLIVEIRA, S. M. D.; ALVES, H. M. C. Digiwork: reflections on the scenario of work mediated by digital platforms in Brazil. Revista de Administração Mackenzie, v. 24, n. 2, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR230060.en.
https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR2...
elaboraram um mapa das plataformas ativas na economia brasileira, destacando a diversidade desses serviços e o número crescente de trabalhadores nesse arranjo, argumentando que essa tendência pode contribuir para enfraquecer a relação trabalhador-empregador. Neste mapa, foram excluídas as plataformas internacionais que contratam trabalhadores brasileiros para realizar serviços 100% digitais, mas que não estão oficialmente localizadas no Brasil ou não possuem interface em português (como é o caso da MTurk), bem como as plataformas digitais nas quais a natureza da intermediação de mão de obra não era explícita, plataformas caracterizadas como comunidades de compartilhamento e empresas sem um mínimo de informação necessária disponível (possivelmente por ser um lançamento recente ou ainda em fase de testes). Foram identificadas mais de 100 empresas atuantes no país, absorvendo profissionais com diferentes formações e níveis de escolaridade, refletindo um movimento de incentivo ao afrouxamento das relações de trabalho, que as individualiza e informaliza. No total, foram catalogadas 127 plataformas, que estão classificadas em 11 categorias de serviços. Dentre as 11 categorias de plataformas identificadas por Carneiro et al. (2023)CARNEIRO, L. L.; MOSCON, D. C. B.; DIAS, L. M. M.; OLIVEIRA, S. M. D.; ALVES, H. M. C. Digiwork: reflections on the scenario of work mediated by digital platforms in Brazil. Revista de Administração Mackenzie, v. 24, n. 2, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR230060.en.
https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR2...
, quatro tipos podem estar relacionados a trabalhadores qualificados (ver Quadro 2). A primeira envolve serviços de saúde oferecidos por profissionais de nível superior, de diversas áreas, como medicina, psicologia, nutrição, fisioterapia, educação física, entre outras, por meio de atendimento remoto ou presencial. A segunda envolve plataformas de educação nas quais professores, tutores e instrutores ministram aulas/lições ou acompanham alunos em diversas disciplinas e especialidades, incluindo ensino fundamental, médio, superior e idiomas. A terceira envolve plataforma especializada em produção de textos ou vídeos/comunicação digital/serviços de publicidade e marketing, mobilizando profissionais qualificados dessas áreas. A quarta envolve serviços de consultoria e assessoria em áreas específicas do ensino superior, como direito, arquitetura e engenharia, seja para pessoas físicas ou jurídicas. Essas quatro categorias compreendem 36 plataformas, correspondendo a 27,69% das plataformas mapeadas na pesquisa.

Quadro 2
Plataformas de intermediação digital no Brasil especializadas em trabalhadores qualificados de acordo com a classificação do tipo de serviço prestado

Em relação ao número de profissionais cadastrados, o acesso a essas informações costuma ser difícil, pois apenas algumas empresas as divulgam em seus sites ou aplicativos, geralmente de forma resumida. Esta dificuldade decorre, muitas vezes, da relutância das plataformas em apresentar estes dados de forma transparente, e também ao fato de alguns trabalhadores estarem simultaneamente ativos em várias plataformas, durante o mesmo dia (De Stefano, 2016STEFANO, V. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office, 2016. Available at: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/--protrav/---.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
). Além disso, há casos em que o trabalho realizado através de plataformas digitais é complementar em relação à forma de trabalho principal (Brawley, 2017BRAWLEY, A. M. The big, gig picture: we can’t assume the same constructs matter. Industrial and Organizational Psychology, v. 10, n. 4, p. 687-696, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1017/iop.2017.77.
https://doi.org/10.1017/iop.2017.77...
; Schulte et al., 2020SCHULTE, J.; SCHLICHER, K. D.; MAIER, G. W. (). Working everywhere and every time? chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift Für Angewandte Organisationspsychologie (GIO), v. 51, n. 1, p. 59-69, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3.
https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503...
). As evidências mostram a heterogeneidade dos tipos de trabalho abrangidos pelas plataformas digitais, refletindo a disseminação de arranjos alternativos ao emprego tradicional para diferentes segmentos de trabalhadores, especialmente no contexto da crise econômica desencadeada pela pandemia, com reflexos na intensificação do trabalho remoto. Algumas plataformas dedicam-se exclusivamente à prestação de serviços que requerem formação superior, permitindo aos trabalhadores maior autonomia para tomar decisões sobre o seu trabalho (Spreitzer et al., 2017SPREITZER, G. M.; CAMERON, L.; GARRETT, L. Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, v. 4, n. 1, p. 473-499, 2017. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332.
https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych...
). De fato, para alguns trabalhadores qualificados e com elevado nível de especialização/conhecimento, a integração nestes regimes alternativos de trabalho pode ser uma experiência mais positiva, permitindo uma vida profissional mais flexível e alinhada com as suas aspirações e necessidades pessoais.

Segundo Spreitzer et al. (2017)SPREITZER, G. M.; CAMERON, L.; GARRETT, L. Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, v. 4, n. 1, p. 473-499, 2017. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332.
https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych...
, trabalhadores com alto nível de especialização/conhecimento tendem a ser disputados pelas empresas por seu talento; ter maior autonomia para decidir quando, onde e como o trabalho será realizado, o qual muitas vezes envolve um conteúdo interessante e que requer algum grau de criatividade. As diferenças entre os perfis dos trabalhadores, segundo a qualificação exigida para o serviço prestado, estendem-se ao grau de autonomia que lhes é conferido pela plataforma relativamente às formas de remuneração. Em algumas plataformas com trabalhadores qualificados, os profissionais apresentam o orçamento, o cliente contrata o serviço com base no valor orçado e uma porcentagem do pagamento recebido é destinada à plataforma (por exemplo, DogHero, 99Freelas). Trabalhadores qualificados podem rejeitar atividades se o horário for pesado ou quando deixar de ser interessante para eles. Porém, em um contexto marcado pela retração progressiva de oportunidades no mercado formal de trabalho, como é a realidade brasileira (IBGE, 2021), cabe refletir sobre o que a inserção nessas plataformas pode – mesmo para trabalhadores qualificados – ser considerada uma escolha voluntária ou imposta pelas condições do mercado de trabalho.

4 Empregos qualificados em plataformas digitais

4.1 Classificação de plataformas digitais de trabalho de elevada qualificação

Dentre as diversas classificações das plataformas digitais, um aspecto importante, nem sempre considerado adequadamente, refere-se aos níveis de habilidade exigidos. A classificação, proposta por De Groen et al. (2016)DE GROEN, W. P.; MASELLI, I.; FABO, B. The digital market for local services: a onenight stand for workers? An example from the on-demand economy. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016. DOI: https://doi.org/10.2788/536883.
https://doi.org/10.2788/536883...
, distingue o trabalho como de alta, baixa e média qualificação. Os autores discriminam entre provedores de serviços virtuais/globais, realizados a distância, e serviços físicos que devem ser executados localmente. Uma segunda classificação, desenvolvida pela Eurofound (2018)EUROFOUND. Employment and working conditions of selected types of platform work. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2018., classifica os trabalhos de plataforma em três grupos principais: altamente qualificados; baixa/média qualificação; e pouco qualificados, evidenciando a estratificação de competências no mercado de trabalho digital. Mais recentemente, foi desenvolvida uma terceira tipologia (Mexi, 2019MEXI, M. Social dialogue and the governance of the digital platform economy: understanding challenges, shaping opportunities. Geneva: ILO, 2019.), utilizando os mesmos critérios de classificação propostos por De Groen et al. (2016)DE GROEN, W. P.; MASELLI, I.; FABO, B. The digital market for local services: a onenight stand for workers? An example from the on-demand economy. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016. DOI: https://doi.org/10.2788/536883.
https://doi.org/10.2788/536883...
. Nesse caso, no entanto, o trabalho realizado on-line é classificado com mais detalhes em três subgrupos adicionais: microtarefas, macrotarefas e trabalho digital baseado em concurso. Isso possibilita distinguir dois tipos de plataformas digitais nas quais são executados trabalhos de alta qualificação: trabalho digital baseado em macrotarefas, nos quais as plataformas distribuem tarefas mais complexas relacionadas, por exemplo, à análise de dados e programação de aplicativos móveis; e plataformas para trabalho digital criativo baseado em concurso, onde elas distribuem uma tarefa criativa, como projetar um logotipo, para um grupo especializado de trabalhadores que participam de um concurso. Estas classificações, no entanto, devem ser vistas como distinções analíticas que muitas vezes correspondem a formas empíricas híbridas, nas quais é difícil distinguir entre trabalho on-line e off-line, e em que trabalhadores altamente qualificados muitas vezes realizam tarefas não qualificadas, enquanto trabalhadores sem carteira assinada e qualificações limitadas realizam atividades tradicionalmente realizadas por profissionais.

No contexto mais geral do impacto das tecnologias de base digital na aceleração do trabalho freelance, é possível identificar uma demanda crescente aqueles altamente qualificados. Isso pode ser visto no número crescente de projetos maiores e mais complexos mediados por plataformas freelance que levam mais tempo para serem concluídos e exigem habilidades e conhecimentos especializados (Barnes et al., 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.; Kuek et al., 2015KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing. World Bank Group, 2015.). Os trabalhadores qualificados têm várias motivações para trabalhar como freelancers, como mais diversidade, flexibilidade e autonomia na sua vida profissional, o que pode ser acompanhado por rendimentos potencialmente mais elevados.

No entanto, a tarefa de tentar medir o trabalho de plataforma altamente qualificado não é simples. De acordo com Fabo et al. (2017)FABO, B.; KARANOVIC, J.; DUKOVA, K. In search of an adequate European policy response to the platform economy. Transfer: European Review of Labour and Research, v. 23, n. 2, p. 163-175, 2017., 16% das plataformas que operam na Europa envolvem trabalhadores altamente qualificados e outros 6% envolvem trabalhadores com qualificações média-alta. Assim, cerca de um quarto das plataformas digitais de trabalho que operam na Europa envolvem uma proporção relevante de trabalhadores de média alta qualificação. Outra fonte de informação é o On-line Labor Index (OLI) (Kassi; Lehdonvirta, 2018LEHDONVIRTA, V. Flexibility in the gig economy: managing time on three on-line piecework plat-forms. New Technology, Work and Employment, v. 33, n. 1, p. 13-29, 2018.), que fornece um panorama atualizado das principais ocupações nas cinco maiores plataformas on-line de língua inglesa do mundo, que na verdade são predominantemente tarefas de alta qualificação. A OLI mostra que cerca de um terço das ofertas são em software e tecnologia de desenvolvimento (33,9%), mais de um quarto em ocupações criativas e multimídia (27,5%), 11,9% são tarefas relacionadas com escrita e tradução e 8,5% dizem respeito a serviços profissionais. Segundo informações da pesquisa Colleem (Pesole et al., 2018PESOLE, A.; URZÍ BRANCATI, MC; FERNÁNDEZ-MACÍAS, E.; BIAGI, F.; GONZÁLEZ VÁZQUEZ, I. Platform workers in Europe. Luxembourg, Luxembg.: Publ. Off. Eur. Union, 2018. (Tech. Rep., EUR 29275 EN).), seria possível também identificar diferenças importantes entre países nessa distribuição. Em um extremo, a Croácia e a Romênia são os países com maior oferta de serviços não profissionais, enquanto a França e a Holanda se destacam por uma alta taxa de serviços, como desenvolvimento de software, consultoria profissional e serviços de ensino, que exigem altas habilidades profissionais. Esta pesquisa mostra que os trabalhadores da plataforma são mais instruídos do que a população média, sugerindo que podem ser super-qualificados em relação à tarefa realizada.

4.2 Trabalho freelance de alta qualificação

Da mesma forma que o trabalho autônomo (freelance) em geral, também as plataformas digitais de trabalho podem ser divididas com base no nível de habilidade do trabalho e na maneira como ele é realizado. Como o mercado de trabalho digital não é homogêneo, existem plataformas que fornecem serviços virtuais que podem ser realizados em qualquer lugar, independentemente da localização, e plataformas que fornecem serviços físicos que precisam ser realizados localmente (De Groen et al., 2016DE GROEN, W. P.; MASELLI, I.; FABO, B. The digital market for local services: a onenight stand for workers? An example from the on-demand economy. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016. DOI: https://doi.org/10.2788/536883.
https://doi.org/10.2788/536883...
). A maioria dos estudos se concentra em plataformas que mediam o trabalho remoto, enquanto as plataformas que oferecem trabalho presencial e baseado em localização são relativamente pouco estudadas (Kuhn; Maleki, 2017KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017.).

Algumas plataformas buscam intermediar um trabalho baseado em conhecimento complexo, a partir de projetos que tendem a ser relativamente exigentes e especializados – como desenvolvimento de software, ciência de dados, consultoria e web design –, que geralmente são bem pagos (Kuek et al., 2015KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing. World Bank Group, 2015.; Schmidt, 2017SCHMIDT, F. A. Digital labour markets in the platform economy: mapping the political challenges of crowdwork and gig work. Friedich Ebert Stiftung, 2017. Available at: https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd.
https://library.fes.de/pdffiles/wiso/131...
). Esses serviços são customizados, sendo utilizados principalmente para fins comerciais, demandando algum tempo para execução após a criação dos contratos específicos do projeto (Lin et al., 2018LIN, L.; LASSITER, T.; OH, J. et al. Algorithmic hiring in practice: recruiter and HR Professional’s perspectives on AI use in hiring. In: THE PROCEEDINGS of the AAAI/ACM Conference on Artificial Intelligence, Ethics, and Society (AIES 2021). A virtual conference. New York: Association for Computing Machinery (ACM), May, 19-21, 2021.). Segundo Schmidt (2017)SCHMIDT, F. A. Digital labour markets in the platform economy: mapping the political challenges of crowdwork and gig work. Friedich Ebert Stiftung, 2017. Available at: https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd.
https://library.fes.de/pdffiles/wiso/131...
, nestas plataformas, os clientes escolhem individualmente os freelancers, com base em suas habilidades, e seus pagamentos são negociados individualmente. Além disso, estas plataformas fornecem serviços que facilitam a busca de matching (correspondências) adequadas para freelancers e clientes (Fu, 2017FU, J. Cost of hiring full-time vs. freelance software developers. Codementor, 2017. Available at: https://www.codementor.io/blog/cost-of-hiring-full-time-and-freelance-software-developers-1nqgg7b19d#true-cost-comparison.
https://www.codementor.io/blog/cost-of-h...
; Zheng et al., 2016ZHENG, A.; HONG, Y.; PAVLOU, P. A. Matching in two-sided platforms for IT services / Evidence from on-line labor markets. 2016.).

No caso das plataformas que envolvem trabalho de maior qualificação, os contratos de projeto podem ser baseados nos resultados (outputs) ou nos insumos (inputs) mobilizados. Os contratos baseados em resultados usualmente envolvem um preço fixo e o sucesso do projeto é avaliado principalmente pela verificação de que o produto do projeto atende a todos os requisitos acordados e é entregue no prazo (Lin et al., 2018LIN, L.; LASSITER, T.; OH, J. et al. Algorithmic hiring in practice: recruiter and HR Professional’s perspectives on AI use in hiring. In: THE PROCEEDINGS of the AAAI/ACM Conference on Artificial Intelligence, Ethics, and Society (AIES 2021). A virtual conference. New York: Association for Computing Machinery (ACM), May, 19-21, 2021.). A compensação é baseada nos resultados e os freelancers recebem um pagamento fixo quando o projeto é concluído com sucesso (Liang et al., 2016). Projetos em uma plataforma digital de trabalho altamente qualificado podem ter um preço fixo definido pelo cliente ou pelo fornecedor da plataforma. Em algumas plataformas, os freelancers são solicitados a licitar o trabalho (Barnes et al., 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.). Os contratos baseados em insumos (inputs), por sua vez, não possuem preço fixo, pois os clientes pagam pelo tempo e materiais incrementais gastos no projeto (Lin et al., 2018LIN, L.; LASSITER, T.; OH, J. et al. Algorithmic hiring in practice: recruiter and HR Professional’s perspectives on AI use in hiring. In: THE PROCEEDINGS of the AAAI/ACM Conference on Artificial Intelligence, Ethics, and Society (AIES 2021). A virtual conference. New York: Association for Computing Machinery (ACM), May, 19-21, 2021.). Esses contratos são usualmente definidos por hora, determinando uma compensação baseada no número de horas que o freelancer gastou no projeto e nos salários por hora definidos no contrato (Liang et al., 2016).

As plataformas de intermediação de trabalho qualificado diferem bastante umas das outras e, portanto, tendem a atrair certos tipos de freelancers e clientes. Alguns aspectos podem ser considerados na diferenciação destas plataformas. Quanto à estrutura, em geral, estas plataformas envolvem projetos complexos, mas os níveis de habilidade necessários variam expressivamente. Já quanto ao tamanho e duração dos projetos, estes geralmente são maiores e levam muito tempo para serem executados. Os modelos de negócios, em geral, envolvem comissões (normalmente entre 10 e 20%) para conectar freelancers com clientes. Os clientes variam de pequenas a grandes organizações. A remuneração dos trabalhadores autônomos geralmente é negociada individualmente, sendo geralmente bem paga. Quanto aos serviços auxiliares, as situações observadas variam de mercados sem assistência a serviços extremamente personalizados em gerenciamento de projetos e matchmaking.

As características dos freelancers altamente qualificados em países de alta renda podem ser comparadas àqueles em países de baixa renda e freelancers pouco qualificados. Em termos financeiros, o trabalho freelancer altamente qualificado em países de alta renda proporciona retornos mais estáveis comparativamente a rendimentos baixos e inseguros no caso de trabalhadores freelancer pouco qualificados, enquanto o trabalho freelancer altamente qualificado em países de baixa renda aufere uma renda de baixa a média, muitas vezes insegura. Em termos de flexibilidade, autonomia e equilíbrio trabalho/vida, o trabalho freelancer altamente qualificado em países de alta renda é mais flexível e proporciona maior autonomia, pois é principalmente criativo, especialmente em caso de desenvolvimento e design de software, permitindo um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Quanto a esta dimensão, o trabalho freelancer pouco qualificado é flexível, mas o nível de autonomia é baixo e o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal não é bom, pois trabalhadores pouco qualificados realizam várias tarefas por dia e em várias plataformas diferentes, muitas vezes não sendo freelancers por opção. O trabalho freelancer pouco qualificado, em geral, realiza uma grande variedade de tarefas curtas, enquanto o trabalho freelancer altamente qualificado em geral realiza desde projetos curtos (medidos em dias) até projetos mais longos e complexos (medidos em meses ou anos). No caso do trabalho freelancer pouco qualificado identificam-se problemas como discriminação, falta de regulamentação, insegurança no emprego, desigualdade, falta de benefícios e proteção insuficiente. Ao contrário, o trabalho de freelancer altamente qualificado, os problemas são menos graves e os benefícios superam as desvantagens.

4.3 Benefícios/estímulos para agentes envolvidos em plataformas digitais de emprego de elevada qualificação

No contexto mais geral do impacto das tecnologias de base digital na aceleração do trabalho freelance, observa-se uma demanda crescente por profissionais altamente qualificados. Isso pode ser percebido no número crescente de projetos maiores e mais complexos mediados por plataformas freelance, que levam mais tempo para serem concluídos e exigem habilidades e conhecimentos especializados (Barnes et al., 2015BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.; Kuek et al., 2015KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing. World Bank Group, 2015.). Isso refletiria um contexto no qual empresas competem crescentemente entre si para que os melhores talentos trabalhem para elas em tempo integral, enquanto esses trabalham cada vez mais como freelancers (Kasriel, 2017). Há indícios de que a maioria dos trabalhadores altamente qualificados e talentosos é cada vez mais difícil de encontrar, e as empresas estão cada vez mais dispostas a se ajustar a essa situação utilizando plataformas freelance altamente qualificadas. A crescente demanda por esse tipo de trabalho estimula a montagem rápida de equipes distribuídas que completam seus projetos e ficam novamente livres para outros em novas equipes (Accenture, 2017).

Younger (2016) identifica alguns fatores que impulsionam o uso da força de trabalho freelance de maior qualificação pelas empresas, destacando o acesso a profissionais com conhecimentos técnicos especializados difíceis de encontrar, com velocidade, flexibilidade e capacidade para incorporar inovações. As plataformas de intermediação de trabalho qualificado fornecem essa flexibilidade e eficiência num contexto de maior instabilidade e incerteza para as organizações, que tendem a demandar novas habilidades como meio para acelerar processos inovativos e reforçar sua competitividade. Além da maior flexibilidade, o uso de freelancers pode reduzir os riscos que estão presentes na contratação de funcionários em tempo integral. Novas habilidades podem ser adquiridas e testadas sem as barreiras relacionadas ao emprego em tempo integral, incluindo diversos custos indiretos com a contratação de empregados regulares. Dokko et al. (2015) também argumentam que o uso de mão de obra freelance de maior qualificação pode reduzir os custos de treinamento que são típicos no emprego tradicional.

Em particular, as plataformas digitais de trabalho oferecem vários benefícios para os freelancers. Em primeiro lugar, permitem que os trabalhadores se concentrem mais em seus recursos principais, em vez de usar o tempo para adquirir novas oportunidades de trabalho. As plataformas também facilitam a correspondência de freelancers com clientes e, portanto, reduzem a necessidade de venda de serviços (Fu, 2017FU, J. Cost of hiring full-time vs. freelance software developers. Codementor, 2017. Available at: https://www.codementor.io/blog/cost-of-hiring-full-time-and-freelance-software-developers-1nqgg7b19d#true-cost-comparison.
https://www.codementor.io/blog/cost-of-h...
). Um segundo benefício é que a afiliação da plataforma reduz a incerteza do cliente sobre a qualidade e motivação do freelancer, uma vez que a maioria das plataformas veta e certifica trabalhadores, ajudando-os a obter novos projetos (Claussen et al., 2018CLAUSSEN, J.; KHASHABI, P.; KRETSCHMER, T.; SEIFRIED, M. Knowledge work in the sharing economy: what drives project success in on-line labor markets? 2018.; Hagiu; Rothman, 2016HAGIU, A.; ROTHMAN, S. Network effects aren’t enough. Harvard Business Review, v. 94, n. 4, p.17, 2016.). Isso é útil especialmente para freelancers iniciantes que não têm experiência anterior nesse contexto. Muitas vezes, os freelancers carecem de meios para estabelecer por conta própria um relacionamento de confiança com as empresas clientes, o que, por sua vez, é possível por meio de plataformas digitais, que são, acima de tudo, mecanismos de construção de confiança que reduzem a incerteza entre esses profissionais e empresas clientes. No entanto, antes que isso seja possível, também o provedor da plataforma precisa estabelecer um relacionamento de confiança com freelancers e clientes.

Neste sentido, em contraste com o argumento de que poucos são os trabalhadores freelancers por escolha própria, no mercado dos EUA uma parcela crescente de pessoas, atualmente 63% de acordo com os estudos mais recentes, realiza trabalhos freelance por vontade própria e 50% dos freelancers sequer aceitariam um emprego tradicional de tempo integral, não importa o quanto eles sejam oferecidos (Edelman Intelligence, 2017). Essa tendência também pode ser observada na Europa, especialmente entre os profissionais altamente qualificados. Há evidências de que o número de freelancers altamente qualificados está aumentando constantemente na Europa e muitos deles estão rejeitando empregos em tempo integral porque preferem ser freelancers (Leighton, 2016). Portanto, há indícios de que trabalhadores altamente qualificados em países de alta renda percebem alguns benefícios claros no freelance, desligando-se de empregos tradicionais, em busca de mais flexibilidade, autonomia, diversidade, melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, renda potencialmente mais alta e melhor acesso ao trabalho (Dolan et al., 2015; Graham et al., 2017; Kalleberg; Dunn, 2016KALLEBERG, A. L.; DUNN, M. Good jobs, bad jobs in the gig economy. LERA for Libraries, v. 20, n. 1-2, 2016.; Liebman; Lyubarsky , 2016; Schmid-Drüner , 2016).

Apesar de muitos estudos destacarem os rendimentos inseguros de freelancers que estão relacionados aos riscos que carregam como empreendedores e contratados independentes (Graham et al., 2017; Liebman; Lyubarsky , 2016; Schmid-Drüner , 2016), evidências da Edelman Intelligence (2017) indicam que 36% dos freelancers nos EUA estão ganhando mais de US$ 75 mil anualmente e que esta participação está crescendo constantemente. Assim, seria possível argumentar que os rendimentos dos freelancers altamente qualificados são bastante estáveis. O número crescente de freelancers altamente qualificados na Europa implica que a parcela desses trabalhadores altamente remunerados também está crescendo na área. Ao todo, dois em cada três freelancers altamente qualificados dizem que seus rendimentos são maiores em comparação com seus empregos tradicionais anteriores (Edelman Intelligence, 2017). Isso seria especialmente verdadeiro entre os profissionais de TI, que tenderiam cada vez mais a escolher o freelance em vez de empregos tradicionais devido à maior liberdade e renda mais alta (Harbert, 2015).

4.4 Impactos sobre eficácia e eficiência do mercado de trabalho

A discussão sobre os impactos das plataformas de trabalho freelance altamente qualificado sobre a eficiência e eficácia do mercado de trabalho pode ser discutida à luz de argumentos da literatura que discutem estes aspectos, elaborada a partir dos conceitos de assimetrias de informação, custos de transação e custos de agência que condicionam o comportamento dos agentes nesses mercados, visando promoção de um matching (correspondência) entre demandas e ofertas de trabalho crescentemente fragmentadas, mas, paradoxalmente, orientadas para um mercado que ultrapassa limites temporais e territoriais mais estritos em função do impacto crescente das tecnologias de base digital.

Considerando os problemas de assimetrias de informações inerentes a mercados de trabalhos crescentemente globalizados e fragmentados, é possível destacar o papel crítico da construção de confiança em plataformas digitais associadas a um trabalho altamente qualificado. Neste contexto, as interações são geralmente caracterizadas por um alto grau de complexidade e incertezas das transações (Jarvenpaa; Teigland, 2017JARVENPAA, S.; TEIGLAND, R. January. Introduction to trust, identity, and trusted systems in digital environments minitrack. In: Proceedings of the 50th Hawaii International Conference on System Sciences, 2017.). Um aspecto crítico das plataformas é construir confiança entre freelancers, clientes e a própria plataforma. Esta confiança pode ser construída, por exemplo, por meio de processos de triagem e diferentes mecanismos de reputação e matchmaking, que criam trade-offs estratégicos relacionados ao design e governança das plataformas (Kuhn; Maleki , 2017KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017.; Pavlou; Gefen , 2004PAVLOU, P. A.; GEFEN, D. Building effective on-line marketplaces with institution-based trust. Information Systems Research, v. 15, n. 1, p. 37-59, 2004.; Gwebuet al., 2007GWEBU, K. L.; WANG, J.; TROUTT, M. D. A conceptual framework for understanding trust building and maintenance in virtual organizations. Journal of Information Technology Theory and Application, v. 9, p. 43-63, 2007.). Neste sentido, Kuhn e Maleki (2017)KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017. apontam que a confiança baseada na instituição é um fator que distingue o trabalho neste tipo de plataforma da contratação independente tradicional, na qual os freelancers vendem serviços diretamente aos clientes.

Para construir confiança entre as partes, a plataforma precisa superar diferentes tipos de incertezas predominantes, que podem ser divididas em incertezas comportamentais e incertezas ambientais. A incerteza comportamental está relacionada às habilidades e qualidade do freelancer, bem como à quantidade de esforço que ele exercerá no projeto, a qual pode ser associada a argumentos tradicionalmente mencionados pela literatura sobre o mercado de trabalho da “teoria da agência”, enquanto a incerteza ambiental está relacionada às especificações do projeto e à empresa cliente (Claussen et al., 2018CLAUSSEN, J.; KHASHABI, P.; KRETSCHMER, T.; SEIFRIED, M. Knowledge work in the sharing economy: what drives project success in on-line labor markets? 2018.).

O design de plataforma é definido como um esquema capaz de criar condições para sustentar o negócio, facilitando e regulando a criação de valor (Tura et al., 2017TURA, N.; KUTVONEN, A.; RITALA, P. Platform design framework: conceptualisation and application. Technology Analysis & Strategic Management, p. 1-14, 2017.). Ele também se refere à variedade de funcionalidades e recursos que são incluídos na plataforma para reduzir custos de busca, custos de transação e/ou custos de desenvolvimento de soluções (Hagiu, 2014HAGIU, A. Strategic decisions for multisided platforms. MIT Sloan Management Review, v. 55, n. 2, p. 71-80, 2014.). As estruturas e mecanismos de governança estratégica são essenciais para o sucesso da plataforma, abrangendo decisões táticas que afetam diferentes processos, como mecanismos de controle e estruturas de preços (Schreieck et al., 2016SCHREIECK, M.; WIESCHE, M.; KRCMAR, H. Design and Governance of Platform Ecosystems – Key concepts and issues for future research. ECIS, Jun. 2016.). Em uma perspectiva neoinstitucionalista, estas formas de governança complexas inserem-se dentre as denominadas “formas híbridas”– combinando elementos de estímulos de mercado, mecanismos de coordenação e princípios de confiança –, que pode se mostrar mais funcional para viabilizar determinados tipos de transações – neste caso, aquelas que envolvem trabalho e tarefas baseadas em maior nível de qualificação.

No plano concreto das práticas de governança, embora a definição de preços seja um aspecto crítico na forma de governar uma plataforma multifacetada, também existem outras maneiras de regular as ações dos diferentes lados. Além da precificação, as questões estratégicas da dinâmica da plataforma devem ser resolvidas usando outros instrumentos estratégicos que vão além da fixação de preços. Essas regras de governança não-preço podem ser divididas em duas grandes categorias: regras que regulam o acesso dos agentes à plataforma; e regras que regulam as interações entre agentes no interior da plataforma (Hagiu, 2014HAGIU, A. Strategic decisions for multisided platforms. MIT Sloan Management Review, v. 55, n. 2, p. 71-80, 2014.). As regras que regulam o acesso definem quem, em última análise, tem permissão para ingressar na plataforma enquanto as regras de interação definem aquilo que os lados estão autorizados a fazer. Essas regras determinam o nível de abertura da plataforma, que se refere ao grau em que um participante depende das permissões do proprietário ou provedor da plataforma para acessar ou interagir nela. Assim, as decisões de governança estratégica envolvem trade-offs entre crescimento e retorno, bem como entre qualidade-confiabilidade e quantidade (Hagiu, 2014HAGIU, A. Strategic decisions for multisided platforms. MIT Sloan Management Review, v. 55, n. 2, p. 71-80, 2014.; Parker; Van Alstyne, 2017PARKER, G.; VAN ALSTYNE, M. Innovation, openness, and platform control. Management Science, 2017.).

Outro aspecto crítico para uma boa governança das plataformas digitais de trabalho de maior qualificação refere-se à facilitação de mecanismos de matchmaking (correspondência) entre oferta e demanda de trabalho, com impactos diretos na redução de Custos de Transação. Neste sentido, um problema importante que os mercados de trabalho mais fragmentados enfrentam é identificar trabalhadores de alta qualidade e, portanto, encontrar as correspondências certas para os cargos (Barach, 2015BARACH, M. A. Search, screening, and information provision: personnel decisions in an on-line labor market. 2015. Available at: https://moshebarach.com/files/JMP.pdf.
https://moshebarach.com/files/JMP.pdf...
). Basicamente, as plataformas freelances fornecem serviços de correspondência que permitem reduzir os custos de pesquisa e transação para freelancers e clientes, usando tecnologia de assistência em graus variados. Assim, as funcionalidades de matchmaking são recursos de design estratégicos cruciais para estas plataformas. Os freelancers são selecionados para projetos com base em avaliações de desempenho habilitadas pela tecnologia da plataforma. Além disso, os mecanismos de matchmaking e reputação estão intimamente ligados entre si, oferecendo sinais importantes de desempenho futuro para reduzir a incerteza quanto às habilidades e motivação dos freelancers. A correspondência entre freelancers e clientes pode ser feita de forma eficaz, por exemplo, usando algoritmos que diminuem a quantidade de tempo usado para encontrar trabalhadores adequados para tarefas específicas.

Apesar do objetivo de reduzir os custos de pesquisa, o matchmaking é problemático em plataformas freelances em função de diversos aspectos. Uma das principais questões é obter uma quantidade suficiente de informações sobre freelancers e clientes. Neste sentido, há evidências de que fornecer informações mais precisas de um freelancer para um cliente diminui a incerteza e, como resultado, a plataforma cria mais confiança, aumentando o volume de transações e melhorando, em sequência, a qualidade do matchmaking. O sucesso e o valor do matchmaking em plataformas digitais podem ser avaliados medindo o quanto eles reduzem os custos de transação e busca de freelancers e clientes (Hagiu, 2014HAGIU, A. Strategic decisions for multisided platforms. MIT Sloan Management Review, v. 55, n. 2, p. 71-80, 2014.). A eficiência desse processo depende também do nível de custos de transação inesperados que surgem de projetos realizados por meio de uma plataforma. Existem vários fatores no nível do freelancer, cliente e projeto que podem reduzir ou aumentar os custos de transação e, portanto, levar a avaliações mais altas ou mais baixas do projeto. Claussenet et al. (2018)CLAUSSEN, J.; KHASHABI, P.; KRETSCHMER, T.; SEIFRIED, M. Knowledge work in the sharing economy: what drives project success in on-line labor markets? 2018. e Zheng et al. (2016)ZHENG, A.; HONG, Y.; PAVLOU, P. A. Matching in two-sided platforms for IT services / Evidence from on-line labor markets. 2016. indicam que o sucesso prévio dos freelancers, a complexidade do projeto, a experiência dos clientes, o desenho contratual e a quantidade de incerteza e a expectativa de geração de valor desempenham um papel importante no sucesso do projeto e, portanto, precisam ser levados em consideração no processo de matchmaking.

Alguns fatores condicionantes do sucesso do matching, e da consequente redução de custos de transação podem ser destacados. Em primeiro lugar, o sucesso prévio, ou seja, a alta pontuação de reputação reduz a incerteza de contratação dos clientes, o que reduz seus custos de transação. Em segundo lugar, projetos altamente complexos aumentam a incerteza, pois tendem a levar mais tempo para serem executados, são mais difíceis de definir em termos de resultados desejados e, portanto, os resultados são menos propensos a atender às expectativas do cliente. Em terceiro lugar, a experiência anterior do cliente com o uso de plataformas e força de trabalho freelance reduz a incerteza em relação a eles, pois os clientes já aprenderam a gerenciar projetos dessa forma. Em quarto lugar, contratos de preço fixo entre freelancers e clientes resultam em resultados mais positivos do que projetos pagos por hora, uma vez que projetos de preço fixo costumam ter metas, cronograma e outras especificações mais bem definidas, o que reduz o risco de mal-entendidos. No entanto, os contratos de preço fixo aumentam os custos iniciais do projeto devido aos recursos adicionais que são necessários do lado do cliente no planejamento do projeto, embora haja menor probabilidade de enfrentar custos inesperados resultantes de problemas de gerenciamento de projetos típicos em contratos menos especificados. Finalmente, freelancers e clientes enfrentam incertezas sobre preços: os freelancers muitas vezes não sabem quanto pedir por seus serviços e os clientes não têm certeza sobre o valor do trabalho que estão comprando (Zheng et al., 2016ZHENG, A.; HONG, Y.; PAVLOU, P. A. Matching in two-sided platforms for IT services / Evidence from on-line labor markets. 2016.). Isso reduz sua disposição para realizar transações, a menos que a plataforma seja capaz de reduzir estas incertezas de valor, aprimorando o matching e agilizando as transações.

É possível destacar também a relação entre as formas de governança das plataformas digitais de trabalho freelance e o impacto sobre fatores de engajamento das partes envolvidas, a qual pode ser conectada analiticamente ao papel de “sistemas de incentivos” discutidos pela abordagem do mercado de trabalho da Teoria da Agência. Este aspecto também está relacionado aos relacionamentos que as plataformas criam com os freelancers para estabelecer e manter a confiança. A relação do freelancer com uma plataforma é influenciada pelo nível de autonomia que têm e quão dependentes eles são da plataforma. Por um lado, Kuhn e Maleki (2017)KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017. apontam que os trabalhadores estão sujeitos a vários graus de controle diretivo dos provedores de plataforma. Neste sentido, como maior autonomia é uma das principais razões para o freelancing altamente qualificado, os provedores de plataforma devem considerá-la em seus mecanismos de governança. Neste sentido, as plataformas freelances existentes costumam ter abordagens diferentes envolvendo, por exemplo, aspectos como controlar salários, escolher possíveis correspondências e formas de mensuração do desempenho. Lin et al. (2018)LIN, L.; LASSITER, T.; OH, J. et al. Algorithmic hiring in practice: recruiter and HR Professional’s perspectives on AI use in hiring. In: THE PROCEEDINGS of the AAAI/ACM Conference on Artificial Intelligence, Ethics, and Society (AIES 2021). A virtual conference. New York: Association for Computing Machinery (ACM), May, 19-21, 2021. argumentam que sistemas que monitoram o desempenho de freelancers, como gravações de teclas, capturas de webcam e capturas de tela aleatórias de computadores de freelancers podem ser valiosos para construir confiança entre eles e os clientes.

No tocante aos sistemas de incentivos, observa-se que como tarefas mais complexas geralmente estão associadas a salários mais altos, elas também envolvem maior controle do trabalhador. No entanto, em plataformas freelance altamente qualificadas, os trabalhadores têm uma autonomia substancial para decidir, por exemplo, a natureza, os termos e as condições de seu trabalho (Kuhn e Maleki, 2017KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017.). Profissionais com alto nível de qualificação e que prestam serviços altamente diferenciados têm mais controle sobre suas horas e prazos de trabalho nas plataformas em comparação com trabalhadores pouco qualificados. Além das condições de autonomia e controle, também há diferenças na dependência do trabalhador freelance altamente qualificado em relação à plataforma, com reflexos nos investimentos destes trabalhadores no relacionamento da plataforma e na percepção de fontes alternativas de renda (Kuhn; Maleki, 2017KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017.).

4.5 A qualidade do trabalho em plataformas digitais de trabalho de alta qualificação

Ao discutir a qualidade das condições de trabalho experimentado por trabalhadores de plataforma que realizam trabalhos altamente qualificados é importante considerar que os limites entre baixa e alta qualificação são, em alguns casos, confusos, pois as mesmas pessoas podem desempenhar trabalhos de baixa e alta qualificação ao mesmo tempo. Neste sentido, cabe destacar os critérios para diferenciação da “qualidade” do trabalho de maior qualificação em plataformas digitais de trabalho discutidos por Pais et al. (2021)PAIS, Ivana; BORGHI, Paolo; MURGIA, Annalisa. High-skilled platform jobs in Europe: trends, quality of work and emerging challenges. Sociologia del Lavoro, v. 160, 2021., com base nos critérios definidos por Gosetti (2015)GOSETTI, G. Lavoro, qualita e sicurezza: laprospettivadeglioperatoridellaprevenzione. Studi Organizzativi, n. 1, p. 124-153, 2015. DOI: https://doi.org/10.3280/SO2015-001006.
https://doi.org/10.3280/SO2015-001006...
:

Ambiente físico: Em comparação com outras formas de trabalho de plataforma, os serviços altamente qualificados são prestados principalmente a distância, através dos mercados de trabalho on-line, e não exigem proximidade entre os trabalhadores e os seus clientes (Fabo et al., 2017FABO, B.; KARANOVIC, J.; DUKOVA, K. In search of an adequate European policy response to the platform economy. Transfer: European Review of Labour and Research, v. 23, n. 2, p. 163-175, 2017.).

Intensidade do trabalho: Este aspecto está particularmente ligado às especificidades do modelo organizacional das plataformas digitais que, por um lado, apresenta fronteiras indistintas entre trabalho e não-trabalho (Arcidiacono et al., 2019ARCIDIACONO, D.; BORGHI, P.; CIARINI, A. Platform work: from digital promises to labor challenges. Partecipazione e Conflitto, v. 12, n. 3, p. 611-628, 2019. DOI: https://doi.org/10.1285/i20356609v12i3p611.
https://doi.org/10.1285/i20356609v12i3p6...
) e, por outro, possibilita novas formas de controle ao reproduzir uma retórica de responsabilidade individual (Miele; Tirabeni, 2020MIELE, F.; TIRABENI, L. Digital technologies and power dynamics in the organization: a conceptual review of remote working and wearable technologies at work. Sociology Compass, v. 14, n. 6, p. e12795, 2020. DOI: https://doi.org/10.1111/soc4.12795.
https://doi.org/10.1111/soc4.12795...
).

Qualidade do tempode trabalho: quanto a essa dimensão, há evidências de que os trabalhadores da plataforma dispõem de uma certa liberdade nas suas decisões sobre o horário de trabalho, independentemente do nível de qualificação, o que é um elemento distintivo do trabalho de plataforma em comparação com o trabalho off-line.

Ambiente social: Quanto a esta dimensão, considera-se em que medida os trabalhadores vivenciam as relações sociais de apoio, bem como o comportamento social adverso. Neste sentido, um problema para os trabalhadores personalizados das plataformas digitais é a falta de referências organizacionais, resultando na falta de âncoras e amortecedores, não obstante a possibilidade de compensação parcial a partir do uso de espaços de coworking ou encontros e workshops como forma de socialização e networking com outras pessoas, mesmo que a dimensão competitiva pareça sempre prevalecer sobre a colaborativa.

Habilidades e autonomia: Considerando as oportunidades de aprendizado e treinamento no trabalho, há indícios de que os trabalhadores da plataforma que realizam trabalhos altamente qualificados dispõem de um alto grau de autonomia. Por outro lado, há indícios de que algumas plataformas associadas a empregos de maior qualificação regulam as ofertas de emprego, rejeitando os perfis de trabalhadores com competências já disponíveis na plataforma.

Perspectivas: Esta dimensão combina vários indicadores, incluindo perspectivas de progressão na carreira e a probabilidade de perder o emprego. As possibilidades de trabalhar e melhorar de posição estão vinculadas ao sistema organizacional da plataforma. A “morte da distância” nos mercados on-line parece ser excessivamente otimista; assim, no âmbito dos empregos qualificados, a diferença salarial entre países de alta e média renda pode dar a esses uma vantagem.

Ganhos: Quanto à renda mensal dos trabalhadores, trabalhadores de plataforma que realizam trabalhos de alta qualificação obviamente recebem uma remuneração mais alta do que outros trabalhos on-line, mas inferior aos seus homólogos off-line.

5 Gerenciamento algorítmico em plataformas digitais de trabalho

5.1 Definição de algoritmos

O Dicionário Merriam-Webster define um algoritmo como “um procedimento para resolver um problema matemático (como encontrar o máximo divisor comum) em um número finito de etapas que frequentemente envolve a repetição de uma operação” (Merriam-Webster, 2020). Um algoritmo é um “processo ou conjunto de regras a serem seguidas em cálculos ou outras operações de resolução de problemas” (OED On-line, 2021). Mais especificamente, um algoritmo geralmente se refere a um programa, ou código de computador, que possui e processa dados para realizar uma determinada tarefa ou atingir um determinado objetivo. Pelo termo “algoritmo” considera-se qualquer tipo de sistema digital baseado em dados – desde simples reconhecimento de palavras-chave até sistemas de aprendizado de máquina muito complexos – usado para realizar tarefas como classificação, filtragem, classificação ou conversão de entradas em saídas em uma forma sistemática de acordo com um conjunto de regras internas. Os algoritmos são criados por vários motivos, geralmente envolvendo eficiência, pois são capazes de classificar grandes quantidades de dados muito mais rápido do que um humano.

Os algoritmos auxiliam na realização de tarefas em diversas áreas da vida cotidiana, sem que as pessoas tenham plena consciência, constituindo instrumentos eficientes e poderosos para a tomada de decisões e a alocação de recursos; porém, se não forem controlados, podem ter efeitos negativos potenciais sobre os indivíduos e a sociedade. A discussão sobre estes impactos vem se ampliando continuamente, incluindo aspectos como o papel da tecnologia algorítmica nas mídias sociais, dos mecanismos de busca e até mesmo da vigilância algorítmica de espaços públicos, tomando como referência diversos impactos com potencial problemático, como, por exemplo, o uso de algoritmos para influenciar eleitores ou como meio para rastrear pessoas. O uso de algoritmos e da Inteligência Artificial (IA) no local de trabalho também vem ganhando crescente atenção, verificando paulatinamente uma mudança do foco do impacto de robôs sobre empregos para uma discussão mais ampla sobre os impactos de algoritmos e IA sobre o processo de trabalho em várias dimensões (acesso, contratação, gerenciamento, controle etc.).

Os impactos dos algoritmos no processo de trabalho refletem transformações contínuas do mercado de trabalho, ocorridas ao longo de dois séculos, que permitiram que a força de trabalho fosse localizada em múltiplos lugares. Em particular, a crescente incorporação de tecnologias algorítmicas para aumentar a produtividade do trabalho requer uma contínua adaptação de habilidades; nesse sentido, embora grande parte da discussão sobre a adaptação de tecnologias algorítmicas tenha girado em torno da preocupação em relação à substituição da força de trabalho humana, um crescente foco de atenção direciona-se para a inter-relação dinâmica entre seres humanos e tecnologia, que cooperam ou se complementam na execução de diferentes tarefas (Autor, 2015AUTOR, D. H. Why are there still so many jobs? The history and future of workplace automation. The Journal of Economic Perspectives, v. 29, n. 3, p. 3-30, 2015. DOI: https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3.
https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3....
; Bailey; Barley, 2019BAILEY, D. E.; BARLEY, S. R. Beyond design and use: how scholars should study intelligent technologies. Information and Organization, 30 (2), Jun. 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.2019.100286.
https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.201...
; Grønsund; Aanestad, 2020GRØNSUND, T.; AANESTAD, M. Augmenting the algorithm: emerging human-in-the-loop work configurations. The Journal of Strategic Information Systems, v. 29, n. 2, p. 101614, 2020.; Markus, 2017MARKUS, M. L. Datification, organizational strategy, and IS research: what’s the score? The Journal of Strategic Information Systems, v. 26, n. 3, p. 233-241, 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jsis.2017.08.003.
https://doi.org/10.1016/j.jsis.2017.08.0...
).

5.2 A funcionalidade de algoritmos

Uma análise que procura sistematizar impactos capazes de orientar o posicionamento de organizações sindicais, elaborado pela UNI Global Union (2020), identifica três grandes áreas de impacto dos algoritmos sobre o processo de trabalho. Uma primeira área diz respeito à disseminação de algoritmos de “recrutamento”, caracterizada como uma área de grande crescimento. Dentre esses, destacam-se algoritmos de análise textual usados na concepção do texto de anúncios de emprego, algoritmos de marketing usados na colocação direcionada de anúncios de emprego on-line, chatbots que são usados para orientar candidatos, algoritmos de triagem de currículos e algoritmos de teste, que usam testes psicométricos ou baseados em competências para fornecer um filtro de triagem adicional para candidatos.

Uma segunda área de aplicação de algoritmos, talvez a categoria de impactos mais amplos, é aquela que abrange as decisões do dia a dia no local de trabalho, o que pode ser considerado uma atividade típica do gerente de linha, que agora está sendo apoiado, aconselhado ou totalmente substituído por algoritmos de computador. Neste caso, apesar da grande amplitude de utilizações, o uso de algoritmos, em geral, compreende quatro grandes áreas: (1) alocação de turnos e tarefas, em que as decisões são cada vez mais aconselhadas por complexas projeções de computador; (2) atividade de RH de autoatendimento de rotina; (3) uso de algoritmos para ajudar a redesenhar as estruturas do local de trabalho, como alocar trabalhadores entre equipes ou projetos diferentes; e (4) algoritmos que alocam tarefas diárias no local de trabalho aos trabalhadores. Neste caso, um aspecto dos algoritmos é que eles podem processar muitos dados, mais rapidamente do que os gerentes humanos jamais poderiam, o que permite não apenas análises mais rápidas, mas também novos tipos de análises.

Uma terceira área de aplicação de algoritmos refere-se à gestão do desempenho de trabalhadores no processo de trabalho, cobrindo aspectos como a vigilância e a avaliação da força de trabalho. Dentre estes, incluem-se algoritmos que rastreiam a atividade física ou digital do trabalhador, verificando quando as pessoas fazem login e logout, se estão em suas mesas ou quais softwares estão abertos em seus computadores, algoritmos que leem o conteúdo de e-mails de funcionários e outras mensagens, procurando palavras-chave ou realizando análises de sentimentos; algoritmos que medem e avaliam os trabalhadores em relação aos resultados ou metas de desempenho ou outros benchmarks; e algoritmos que usam classificações de clientes para medir o desempenho dos funcionários. Em todos esses casos, existem sérias preocupações sobre o grau de vigilância que isso pode levar, bem como questões importantes sobre consentimento, transparência e como os dados coletados estão sendo usados.

5.3 Instrumentos de gerenciamento algorítmico

O uso de algoritmos de software para automatizar funções organizacionais tradicionalmente executadas por gerentes humanos tem sido denominado “gerenciamento algorítmico” e identificado tanto no “trabalho de plataforma” quanto nas configurações convencionais de emprego. O termo gerenciamento algorítmico foi cunhado pela primeira vez por Lee et al. (2015)LEE, MK; KUSBIT, D.; METSKY, E.; DABBISH, L. Working with machines: the impact of algorithmic, data-driven management on human workers. In: PROCEEDINGS of the 33rd Annual ACM SIGCHI Conference, Seoul, South Korea, 18-23 April. New York: ACM Press, 2015. p. 1603-1612. , que a definiu como relacionada a “algoritmos de software que assumem funções gerenciais e dispositivos institucionais circundantes que suportam algoritmos na prática”. O “gerenciamento algorítmico” em oposição ao “uso de algoritmos pelo gerenciamento” se concentra em algoritmos de software, definidos como “procedimentos programados por computador para transformar dados de entrada em uma saída desejada” (Kellogg et al., 2020KELLOGG, K. C.; VALENTINE, M.; CHRISTIN, A. Algorithms at work: the new contested terrain of control. Academy of Management Annals, v. 14, n. 1, p. 366-410, 2020.; Gillespie, 2014GILLESPIE, T. The relevance of algorithms. In: GILLESPIE; BOCZKOWSKI; FOOT (Ed.). Media technologies: essays on communication, materiality, and society, 167. 2014.). De acordo com Lee et al. (2015)LEE, MK; KUSBIT, D.; METSKY, E.; DABBISH, L. Working with machines: the impact of algorithmic, data-driven management on human workers. In: PROCEEDINGS of the 33rd Annual ACM SIGCHI Conference, Seoul, South Korea, 18-23 April. New York: ACM Press, 2015. p. 1603-1612. , a progressiva ampliação do gerenciamento algorítmico implica que os trabalhos humanos sejam cada vez mais atribuídos, otimizados e avaliados por meio de algoritmos. Da mesma forma, Mateescu e Nguyen (2019, p. X)MATEESCU, A.; NGUYEN, A. Explainer algorithmic management in the workplace. New York: Data & Society, 2019. definem o gerenciamento algorítmico como “um conjunto diversificado de ferramentas e técnicas tecnológicas para gerenciar remotamente as forças de trabalho, contando com a coleta de dados e a vigilância dos trabalhadores para permitir a tomada de decisões automatizada ou semi-automatizada”.

Três tendências principais apoiaram a ascensão do gerenciamento algorítmico. Primeiro, mudar as normas do que constitui trabalho (por exemplo, arranjos de trabalho centrados em projetos, trabalho em plataforma e contratos fora do padrão); segundo, a expansão das capacidades técnicas de algoritmos baseados em aprendizado de máquina para substituir tarefas gerenciais discretas (Khan et al., 2019KHAN, M.; JAN, B.; FARMAN, H. Deep learning: convergence to big data analytics. Singapore: Springer, 2019.); e terceiro, microinstâncias em larga escala de escolha organizacional para usar gerenciamento algorítmico devido a objetivos econômicos e estratégicos particulares.

O gerenciamento algorítmico em sua forma típica ideal, em que algoritmos assumem completamente funções gerenciais e atuam de forma autônoma, tende, na realidade, a ser relativamente raro, não apenas pela dificuldade técnica de criar sistemas que possam dar conta de toda a gama de tarefas, incerteza e contingência com que os gerentes humanos lidam, mas também porque esses sistemas eventualmente violariam as leis que regulam o mercado de trabalho. Nesse contexto, mesmo quando tecnicamente viável, é mais provável que o gerenciamento algorítmico tome a forma de um conjunto sistemático e integrado de atuantes humanos e algorítmicos por razões legais e de eficiência.

Na prática, a gestão algorítmica implica que os trabalhadores aceitem tarefas e horários atribuídos automaticamente a eles, além do estabelecimento da direção na forma como eles realizam seu trabalho por meio de um software de computador, que dita o prazo que eles têm para completá-lo. Também pode envolver a avaliação em tempo real e contínua do desempenho do trabalho gerado a partir de diversos tipos de dados, como índices de satisfação do cliente e métricas comportamentais, emocionais e biológicas. A avaliação algorítmica dos trabalhadores pode até ocorrer antes de um trabalhador ser contratado, com análise preditiva usada para classificar os candidatos de acordo com o histórico de trabalho, informações de identificação, disponibilidade de horário, verificação de antecedentes e avaliações de personalidade e habilidades.

Num plano teórico mais amplo, é razoável considerar a gestão algorítmica como um conceito sociotécnico que reflete a maneira como a gestão algorítmica pode influenciar o poder existente e as estruturas sociais dentro das organizações, e a forma como atuam rastreiam o desempenho do trabalhador, realizam correspondência de trabalho, geram classificações de funcionários e podem até resolver disputas entre trabalhadores (Duggan et al., 2019DUGGAN, J.; SHERMAN, U.; CARBERY, R. et al. Algorithmic management and app-work in the gig economy: a research agenda for employment relations and HRM. Human Resource Management Journal, v. 30, n. 1, p. 114-132, 2019.; Wood et al, 2019WOOD, A. J.; GRAHAM, M.; LEHDONVIRTA, V.; HJORTH, I. Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, v. 33, n. 1, p. 56-75, 2019.). Nestes casos, os sistemas algorítmicos surgem dentro de dinâmicas de poder pré-existentes entre gerentes e trabalhadores, que reflete e redefine papéis, relacionamentos, dinâmicas de poder e trocas de informações pré-existentes.

De uma maneira geral, a noção de gerenciamento algorítmico, em suas diferentes formas, é a intensificação de práticas de controle e vigilância, em boa medida inseridas num contexto mais amplo do denominado “capitalismo de vigilância” (Zuboff, 2015ZUBOFF, S. Big other: surveillance capitalism and the prospects of an information civilization. J. Inf. Technol., v. 30, n. 1, p. 75-89, 2015., 2019DIGITAL FUTURE SOCIETY. The future of work in the digital era: the rise of labour platforms. Digital Future Society. Dec. 2019.), caracterizado por um regime institucional ubíquo, marcado pela presença de um novo tipo de mão invisível, chamada “Big Other”, que aniquila as liberdades conquistadas com a instituição do Estado de Direito, e se configura como um “regime de fatos independentes e controlados independentemente que suplanta a necessidade de contratos, governança e o dinamismo de uma democracia de mercado” (Zuboff, 2015ZUBOFF, S. Big other: surveillance capitalism and the prospects of an information civilization. J. Inf. Technol., v. 30, n. 1, p. 75-89, 2015., p. 81).

6 Disciplina algorítmica em plataformas digitais de trabalho

6.1 Características da disciplina algorítmica

O gerenciamento algorítmico de trabalhadores é onipresente nas plataformas digitais de trabalho. Nestas plataformas, uma forma particularmente importante de controle digital é o “gerenciamento algorítmico” através de sistemas de classificação e reputação que impõem uma “disciplina algorítmica” nos mercados de trabalho. Os algoritmos determinam a atribuição de tarefas, avaliação de desempenho, classificações e aceitação ou rejeição do trabalho. Eles também determinam horários de trabalho, bem como acesso a futuras oportunidades, tanto em plataformas on-line baseadas na web quanto em plataformas baseadas em localização. Tais questões têm sérias implicações para a noção de flexibilidade, bem como autonomia e controle sobre o trabalho em plataformas digitais. Nesse contexto, a “disciplina algorítmica” envolve a punição e recompensa dos trabalhadores para promover a cooperação e impor a conformidade. Com base nessa definição, Kellogg et al. (2020)KELLOGG, K. C.; VALENTINE, M.; CHRISTIN, A. Algorithms at work: the new contested terrain of control. Academy of Management Annals, v. 14, n. 1, p. 366-410, 2020. identificam dois mecanismos principais através dos quais a disciplina é exercida: “recompensar” e “substituir”. A “recompensa algorítmica” abrange mecanismos que recompensam trabalhadores de alto desempenho com mais oportunidades, salários mais altos e promoções (Kellogg et al., 2020KELLOGG, K. C.; VALENTINE, M.; CHRISTIN, A. Algorithms at work: the new contested terrain of control. Academy of Management Annals, v. 14, n. 1, p. 366-410, 2020.).

Em outros casos, as recompensas vêm na forma de maior e melhor visibilidade para os clientes. É o caso de plataformas de macrotarefas que tornam a reputação e os rankings dos trabalhadores visíveis para clientes e comunidade, e muitas vezes até para usuários não registrados; fornecendo títulos de status (pro, platinum ou top rated), histórias pessoais curtas e listas dos melhores profissionais (Gerber; Krzywdzinski, 2019GERBER, C.; KRZYWDZINSKI, M. Brave new digital work? New forms of performance control in crowdwork. In: VALLAS, S. P.; KOVALAINEN, A. (Ed.). Work and labor in the digital age. Emerald Publishing Limited, 2019. p. 121-143. DOI: https://doi.org/10.1108/S0277-283320190000033008.
https://doi.org/10.1108/S0277-2833201900...
). Existem também plataformas que usam sistemas de status/pontuação de atualização, emblemas ou experiência, que podem ser obtidos concluindo um certo número de projetos, ganhando uma certa quantia, recebendo avaliações e também concluindo conquistas “estratégicas”, como licitar em um determinado número de projetos, respondendo rapidamente aos clientes ou efetuando login todos os dias durante um período de tempo (Schörpf et al., 2017SCHMIDT, Florian Alexander. The good, the bad and the ugly: why crowdsourcing needs ethics. In: Third International Conference on Cloud and Green Computing (CGC), 2013, p. 531-535.). No Upwork, os perfis de trabalhador contêm uma “pontuação de sucesso do trabalho”. Essa plataforma também fornece aos trabalhadores o status Rising Talent e fornece o status Resposta em 24 horas aos trabalhadores que respondem constantemente dentro desse período (Jarrahi et al., 2020JARRAHI, M. H.; SUTHERLAND, W.; NELSON, S. B.; SAWYER, S. Platformic management, boundary resources for gig work, and worker autonomy. Computer Supported Cooperative Work (CSCW), v. 29, n. 1, p. 153-189, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s10606-019-09368-7.
https://doi.org/10.1007/s10606-019-09368...
).

Já a “substituição algorítmica” implica “disparar através do algoritmo”. Evidências indicam que trabalhadores de plataformas de carona como Uber e Lyft, nos EUA, estão expostos à desativação automática caso suas classificações caiam abaixo de um determinado nível, sem que esses trabalhadores tenham o direito de recorrer da decisão (Wood, 2021WOOD A. J.; LEHDONVIRTA, V. Platform precarity: surviving algorithmic insecurity in the gig economy. Working paper presented at AI at Work: Automation, Algorithmic Management, and Employment Law’ On-line Workshop at the University of Sheffield. 2021. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3795375.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Em outras plataformas de crowdwork, os trabalhadores podem ser banidos se não atenderem às demandas da empresa ou se falham em um certo número de propostas, como no caso do Upwork. Nesse caso, a disciplina por meio da punição também é reforçada por causa da assimetria de informações, considerando que os trabalhadores não sabem quantas propostas fracassadas levam ao banimento (Bucher et al., 2021BUCHER, E.; SCHOU, P.; WALDKIRCH, M. Pacifying the algorithm: anticipatory compliance in the face of algorithmic management in the gig economy. Organization, v. 28, n. 1, p. 44-67, 2021.). Em outras plataformas, não estar constantemente disponível pode ter consequências negativas para o status dos trabalhadores, o que, por sua vez, restringe-os de chances para conseguir clientes (Schörpf et al., 2017SCHMIDT, F. A. Digital labour markets in the platform economy: mapping the political challenges of crowdwork and gig work. Friedich Ebert Stiftung, 2017. Available at: https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd.
https://library.fes.de/pdffiles/wiso/131...
).

O impacto da disciplina algorítmica pode também ser associada a “métricas de desempenho” e, em menor grau, na real desativação de trabalhadores com baixo desempenho (Veen et al., 2020VEEN, A.; BARRATT, T.; GOODS, C. Platform-capital’s ‘appetite’ for control: a labour process analysis of food-delivery work in Australia. Work, Employment and Society, v. 34, n. 3, p. 388-406, 2020.). Na prática, classificações baixas não necessariamente resultam em desativação, pois as plataformas exigem muitos trabalhadores para atender à demanda do cliente e os limites podem ser ajustados localmente. Como os sistemas de desempenho muitas vezes operam como “caixas pretas” para os trabalhadores, muitos deles trabalhavam com a impressão de que poderiam ser desativados automaticamente se seu desempenho ficasse abaixo de certos limites. O efeito disciplinar relacionado à percepção do algoritmo – o chamado “medo do feiticeiro” – é destacado por Bucher et al. (2021)BUCHER, E.; SCHOU, P.; WALDKIRCH, M. Pacifying the algorithm: anticipatory compliance in the face of algorithmic management in the gig economy. Organization, v. 28, n. 1, p. 44-67, 2021., tomando como referência o caso da plataforma Upwork. Como os algoritmos são desconhecidos pelos trabalhadores, existem mitos sobre como isso pode afetá-los e sobre as consequências reais de seu comportamento (o “gerente sombra”), o que faria com que os trabalhadores reforçassem o poder do algoritmo por meio de suas práticas de conformidade antecipada.

Por outro lado, a gestão algorítmica pode reduzir a necessidade de as empresas investirem em habilidades e, como argumenta Delfanti (2019)DELFANTI, A. Machinic dispossession and augmented despotism: digital work in an Amazon warehouse. New Media & Society, v. 23, n. 1, p. 39-55, 2019., facilitar relações de emprego instáveis e fissuradas, como o alto número de trabalhadores temporários usados pela Amazon, ou o uso autônomos de plataforma, reduzindo os custos de substituição de trabalhadores. Assim, no trabalho em plataforma, o poder da avaliação algorítmica e da disciplina também contribui para a alta intensidade e longas horas de trabalho.

6.2 Disciplina algorítmica em plataformas digitais de trabalho qualificado

Observa-se que em determinadas plataformas de trabalho, os algoritmos são normalmente usados para combinar oferta e demanda usando dados de acordo com critérios definidos (classificações positivas do trabalhador, localização geográfica, habilidades comprovadas etc.). Ainda, esses mesmos algoritmos servem como monitores e disciplinadores de trabalhadores em plataformas, como olhos que os vigiam e são capazes de puni-los e incentivá-los. Muitos modelos de negócios dependem da velocidade, por isso os trabalhadores que demoram para aceitar uma tarefa podem perdê-la. O algoritmo não considera os motivos do atraso, que podem ser tão básicos quanto atender um telefonema pessoal urgente. Para o trabalhador, não ser rápido o suficiente para responder pode significar perder o trabalho por uma hora, o que resulta em uma hora não remunerada. Embora um sistema baseado em algoritmos possa ser mais eficiente, ter que lidar com um sistema em vez de um humano é uma frustração comum entre os trabalhadores da plataforma, privando-os de oportunidades de discussão ou negociação. A falta de intervenção humana ou empatia para atender às necessidades dos trabalhadores pode ter consequências a longo prazo, com o gerenciamento algorítmico abrindo novos caminhos para controlar os trabalhadores e seu comportamento no trabalho. Além disso, embora plataformas muitas vezes tenham informações completas sobre o serviço prestado e o preço exato cobrado ao cliente, nem trabalhadores nem reguladores têm acesso a esses dados, configurando uma situação de falta de transparência algorítmica. Isso cria assimetrias de informação, dando às plataformas a vantagem de decidir como lidar com tais questões.

Outro desafio relacionado ao uso de algoritmos e à forma como determinadas plataformas são projetadas é a falta de acesso ou controle que os trabalhadores têm sobre seus próprios dados, o que pode levar ao “lock-in” e amarrá-los a uma única plataforma. Muitas vezes, a experiência dos trabalhadores e o trabalho concluído para uma determinada plataforma – a sua atividade, tipo de tarefas concluídas, pontuações de reputação, avaliações de clientes e projetos bem-sucedidos –, são armazenados e não podem ser utilizados pelo trabalhador em um currículo ou portfólio on-line. Este aspecto é reforçado pelo fato de que a reputação é um dos critérios usados tanto por algoritmos de plataforma quanto por clientes humanos ao selecionar candidatos. Sair de uma plataforma significa que os trabalhadores precisam começar do zero, reconstruindo um perfil e reputação em uma nova plataforma.

Outra consequência da gestão e disciplina algorítmica é que a insegurança, a rotinização e o trabalho intenso que ela pode gerar podem provocar atos de resistência dos trabalhadores. Wood et al. (2019)WOOD, A. J.; GRAHAM, M.; LEHDONVIRTA, V.; HJORTH, I. Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, v. 33, n. 1, p. 56-75, 2019. apontam que os trabalhadores da plataforma remota aprendem a contornar o monitoramento automatizado de seu trabalho, aprendendo quando as capturas de tela de sua área de trabalho serão feitas e usando monitores secundários. Os jornalistas também resistiram à avaliação de disciplina algorítmica de seu trabalho, manipulando as variáveis que inserem nos sistemas de avaliação para obter a pontuação que desejavam (Christin, 2017CHRISTIN, A. Algorithms in practice: comparing web journalism and criminal justice. Big Data & Society, v. 4, n. 2), 2017. DOI: https://doi.org/10.1177/2053951717718855.
https://doi.org/10.1177/2053951717718855...
). Da mesma forma, há evidências de que profissionais jurídicos e policiais podem implementar ações para obscurecer a avaliação algorítmica de seu trabalho, bloqueando a coleta de dados ou produzindo mais dados (Brayne; Christin, 2020BRAYNE, S.; CHRISTIN, A. Technologies of crime prediction: the reception of algorithms in policing and criminal courts. Social Problems Epub ahead of print, 2020.).

Observa-se que as consequências do gerenciamento e disciplina algorítmica para alguns trabalhadores incluem a redução da capacidade de escolha de como realizar seu trabalho, bem como a autonomia limitada sobre a ordenação de suas tarefas do dia a dia. No entanto, algumas evidências também sugerem que mesmo a autonomia formal reduzida pode ser experimentada como maior autonomia do processo de trabalho devido à ausência de gerentes e supervisores humanos diretos que supervisionam o processo de trabalho (Wood et al., 2019WOOD, A. J.; GRAHAM, M.; LEHDONVIRTA, V.; HJORTH, I. Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, v. 33, n. 1, p. 56-75, 2019.). O uso de sistemas de agendamento algorítmicos potencializa o uso de turnos precários, curtos e horários instáveis e imprevisíveis (Wood, 2020WOOD, A. J. Despotism on demand: how power operates in the flexible workplace. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2020.). A direção, a avaliação e a disciplina algorítmicas intensificam o esforço de trabalho aumentando o monitoramento, o ritmo exigido dos trabalhadores, minimizando as lacunas no fluxo de trabalho e estendendo a atividade de trabalho além do local e do dia de trabalho convencional. Por fim, o uso de algoritmos viesados e não transparentes para a tomada de decisões gerenciais gera sentimento de insegurança entre os trabalhadores e pode levar ao tratamento injusto e à negação do devido processo legal no ambiente de trabalho.

Conclusões

A discussão sobre os impactos das plataformas de trabalho altamente qualificado sobre a eficiência e eficácia do mercado de trabalho pode ser discutida à luz de argumentos da literatura elaborada a partir dos conceitos de assimetrias de informação, custos de transação e custos de agência que condicionam o comportamento dos agentes nesses mercados, visando promoção de um matching (correspondência) entre demandas e ofertas de trabalho crescentemente fragmentadas, mas, paradoxalmente, orientadas para um mercado que ultrapassa limites temporais e territoriais mais estritos em função do impacto crescente das tecnologias de base digital.

Considerando os problemas de assimetrias de informações inerentes a mercados de trabalhos crescentemente globalizados e fragmentados, é possível destacar o papel crítico da construção de confiança em plataformas digitais associadas a um trabalho altamente qualificado. Ao reunir freelancers e clientes, torna-se necessária uma coordenação do provedor da plataforma para gerenciar contribuições muito heterogêneas do lado freelancer e para orquestrar as interações dos clientes. O papel principal das plataformas é construir confiança entre freelancers, clientes e a própria plataforma.

Assim, o provedor da plataforma tem um papel na redução desses tipos de incertezas por meio de recursos apropriados de governança, gerenciamento e disciplina que exercem algum tipo de controle sobre quem possui acesso aos seus ambientes. Por exemplo, a Upwork não possui processo de verificação detalhada de freelancers, transferindo a responsabilidade de triagem para empresas clientes, enquanto a Toptal possui um processo de triagem rigoroso de cinco etapas antes que um freelancer seja aceito na rede. Processos de triagem funcionam como um sinal de qualidade para outros participantes da plataforma. Portanto, uma triagem mais rigorosa reduz a incerteza comportamental sobre a qualidade do freelancer. Independentemente do propósito do processo de triagem no controle de qualidade, governança e disciplina nestas plataformas, é importante considerar o seu impacto na construção da confiança entre os agentes envolvidos.

É possível destacar também a relação entre as formas de governança das plataformas digitais de trabalho freelance e o impacto sobre fatores de engajamento das partes envolvidas, a qual pode ser conectada analiticamente ao papel de “sistemas de incentivos” discutidos pela abordagem do mercado de trabalho da Teoria da Agência. Por outro lado, é possível observar “sistemas de punição” que os algoritmos são capazes de criar nos perfis desses trabalhadores, como em uma estrutura panóptica-foucaultiana. Este aspecto também está relacionado aos relacionamentos que as plataformas criam com os freelancers para estabelecer e manter a confiança.

Em geral, os trabalhadores freelancers podem ser altamente dependentes da plataforma se não tiverem outras fontes de clientes ou se não obtiverem reputação em nenhuma outra plataforma. Como resultado, esses profissionais ficam sujeitos à disciplina, controle e gerenciamento de robôs virtuais que podem puni-los ou incentivá-los, a depender das expectativas do algoritmo.

Por fim, é necessário refletir sobre o futuro dessas plataformas nas relações de trabalho altamente qualificado e seus impactos socioeconômicos em diferentes sociedades. Há, cada vez mais, trabalhadores buscando renda em plataformas e seus direitos continuam turvos, resultando em incertezas sociais e legais. Sistemas de trabalho gerenciados por algoritmos trazem notórios ganhos em produtividade, contudo, há um recrudescimento de uma classe trabalhadora informal e extremamente vulnerável, dependente, em muitos casos, de ofertas de monopólios (e oligopólios) digitais que os vigiam, gerenciam e disciplinam.

  • JEL: O33, O15, O17.

Referências bibliográficas

  • ANTUNES, R. Trabalho digital, “indústria 4.0” e uberização do trabalho. In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (Org.). Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020.
  • ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • ARCIDIACONO, D.; BORGHI, P.; CIARINI, A. Platform work: from digital promises to labor challenges. Partecipazione e Conflitto, v. 12, n. 3, p. 611-628, 2019. DOI: https://doi.org/10.1285/i20356609v12i3p611.
    » https://doi.org/10.1285/i20356609v12i3p611
  • AUTOR, D. H. Why are there still so many jobs? The history and future of workplace automation. The Journal of Economic Perspectives, v. 29, n. 3, p. 3-30, 2015. DOI: https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3.
    » https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3.
  • BAILEY, D. E.; BARLEY, S. R. Beyond design and use: how scholars should study intelligent technologies. Information and Organization, 30 (2), Jun. 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.2019.100286.
    » https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.2019.100286
  • BARACH, M. A. Search, screening, and information provision: personnel decisions in an on-line labor market. 2015. Available at: https://moshebarach.com/files/JMP.pdf
    » https://moshebarach.com/files/JMP.pdf
  • BARNES, S. A.; GREEN, A.; HOYOS, M. Crowdsourcing and work: individual factors and circumstances influencing employability. New Technology, Work and Employment, v. 30, n. 1, p. 16-31, 2015.
  • BLAZQUEZ, D.; DOMENECH, J. Web data mining for monitoring business export orientation. Technol. Econ. Dev. Econ. On-line, v. 24, n. 2, p. 1-23, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.3846/20294913.2016.1213193.
    » https://doi.org/10.3846/20294913.2016.1213193
  • BRAWLEY, A. M. The big, gig picture: we can’t assume the same constructs matter. Industrial and Organizational Psychology, v. 10, n. 4, p. 687-696, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1017/iop.2017.77.
    » https://doi.org/10.1017/iop.2017.77
  • BRAYNE, S.; CHRISTIN, A. Technologies of crime prediction: the reception of algorithms in policing and criminal courts. Social Problems Epub ahead of print, 2020.
  • BUCHER, E.; SCHOU, P.; WALDKIRCH, M. Pacifying the algorithm: anticipatory compliance in the face of algorithmic management in the gig economy. Organization, v. 28, n. 1, p. 44-67, 2021.
  • CARNEIRO, L. L.; MOSCON, D. C. B.; DIAS, L. M. M.; OLIVEIRA, S. M. D.; ALVES, H. M. C. Digiwork: reflections on the scenario of work mediated by digital platforms in Brazil. Revista de Administração Mackenzie, v. 24, n. 2, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR230060.en.
    » https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMR230060.en
  • CEPI. Center of Education and Research on Innovation at FGV Direito SP. Gig economy and work on platforms in Brazil: from concept to platforms. São Paulo: FGV Direito SP, 2021.
  • CHRISTIN, A. Algorithms in practice: comparing web journalism and criminal justice. Big Data & Society, v. 4, n. 2), 2017. DOI: https://doi.org/10.1177/2053951717718855.
    » https://doi.org/10.1177/2053951717718855
  • CLAUSSEN, J.; KHASHABI, P.; KRETSCHMER, T.; SEIFRIED, M. Knowledge work in the sharing economy: what drives project success in on-line labor markets? 2018.
  • DE GROEN, W. P.; MASELLI, I.; FABO, B. The digital market for local services: a onenight stand for workers? An example from the on-demand economy. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016. DOI: https://doi.org/10.2788/536883.
    » https://doi.org/10.2788/536883
  • DE STEFANO, V. Negotiating the algorithm: automation, artificial intelligence and labour pro-tection. International Labour Office, 2018. (Employment Working Paper, n. 246).
  • DELFANTI, A. Machinic dispossession and augmented despotism: digital work in an Amazon warehouse. New Media & Society, v. 23, n. 1, p. 39-55, 2019.
  • DIGITAL FUTURE SOCIETY. The future of work in the digital era: the rise of labour platforms. Digital Future Society. Dec. 2019.
  • DRAHOKOUPIL, J.; PIASNA, A. Work in the platform economy: deliveroo riders in Belgium and the SMart arrangement. Eur. Trade Union Inst., Brussels, 2019. (Work. Pap., 2019.01).
  • DUGGAN, J.; SHERMAN, U.; CARBERY, R. et al. Algorithmic management and app-work in the gig economy: a research agenda for employment relations and HRM. Human Resource Management Journal, v. 30, n. 1, p. 114-132, 2019.
  • EUROFOUND. Employment and working conditions of selected types of platform work Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2018.
  • FABO, B.; KARANOVIC, J.; DUKOVA, K. In search of an adequate European policy response to the platform economy. Transfer: European Review of Labour and Research, v. 23, n. 2, p. 163-175, 2017.
  • FELSTEAD, A.; GALLIE, D.; GREEN, F.; HENSEKE, G. Conceiving, designing and trailing a short form measure of job quality: a proof-of concept study. Industrial Relations Journal, v. 50, n. 1, p. 2-19, 2019.
  • FILGUEIRAS, V.; ANTUNES, R. Plataformas digitais, uberização do trabalho e regulação no capitalismo contemporâneo. Contracampo, v. 39, n. 1, p. 27-43, 2020. DOI: https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38901.
    » https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38901
  • FU, J. Cost of hiring full-time vs. freelance software developers. Codementor, 2017. Available at: https://www.codementor.io/blog/cost-of-hiring-full-time-and-freelance-software-developers-1nqgg7b19d#true-cost-comparison
    » https://www.codementor.io/blog/cost-of-hiring-full-time-and-freelance-software-developers-1nqgg7b19d#true-cost-comparison
  • GERBER, C.; KRZYWDZINSKI, M. Brave new digital work? New forms of performance control in crowdwork. In: VALLAS, S. P.; KOVALAINEN, A. (Ed.). Work and labor in the digital age. Emerald Publishing Limited, 2019. p. 121-143. DOI: https://doi.org/10.1108/S0277-283320190000033008.
    » https://doi.org/10.1108/S0277-283320190000033008
  • GILLESPIE, T. The relevance of algorithms. In: GILLESPIE; BOCZKOWSKI; FOOT (Ed.). Media technologies: essays on communication, materiality, and society, 167. 2014.
  • GOSETTI, G. Lavoro, qualita e sicurezza: laprospettivadeglioperatoridellaprevenzione. Studi Organizzativi, n. 1, p. 124-153, 2015. DOI: https://doi.org/10.3280/SO2015-001006.
    » https://doi.org/10.3280/SO2015-001006
  • GREEN, F. Why has work effort become more intense? Industrial Relations, v. 43 n. 4, p. 709-741, 2004.
  • GRØNSUND, T.; AANESTAD, M. Augmenting the algorithm: emerging human-in-the-loop work configurations. The Journal of Strategic Information Systems, v. 29, n. 2, p. 101614, 2020.
  • GUO, X.; GONG, J.; PAVLOU, P. Call for bids to improve matching efficiency: evidence from on-line labor markets. 2017.
  • GWEBU, K. L.; WANG, J.; TROUTT, M. D. A conceptual framework for understanding trust building and maintenance in virtual organizations. Journal of Information Technology Theory and Application, v. 9, p. 43-63, 2007.
  • HAGIU, A.; ROTHMAN, S. Network effects aren’t enough. Harvard Business Review, v. 94, n. 4, p.17, 2016.
  • HAGIU, A.; WRIGHT, J. Multi-sided platforms. International Journal of Industrial Organization, v. 43, p. 162-174, 2015.
  • HAGIU, A. Strategic decisions for multisided platforms. MIT Sloan Management Review, v. 55, n. 2, p. 71-80, 2014.
  • HARMS, PD; HAN, G. Algorithmic leadership: the future is now. Journal o Leadership Studies, v. 12, n. 4, p. 74-75, 2019.
  • HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, SP, 1992.
  • ILO – International Labour Office. Digital labour platforms and the future of work: towards decent work in the on-line world. Geneva: International Labour Office, 2018.
  • ILO – International Labour Office. World Employment and Social Outlook 2021 – The role of digital labour platforms in transforming the world of work. Geneva: International Labour Office, 2021a. ISBN 978-92-2-031941-3.
  • ILO – International Labour Office. Digital platforms and the world of work in G20 countries: status and policy action. Paper prepared for the Employment Working Group under Italian G20 Presidency. Jun. 2021b.
  • JARRAHI, M. H.; SUTHERLAND, W. Algorithmic management and algorithmic competencies: understanding and appropriating algorithms in gig work. In: INTERNATIONAL Conference on Information, Washington, DC, USA, Cham, Switzerland: Springer, March 31-April 3, p. 578-589, 2019.
  • JARRAHI, M. H.; SUTHERLAND, W.; NELSON, S. B.; SAWYER, S. Platformic management, boundary resources for gig work, and worker autonomy. Computer Supported Cooperative Work (CSCW), v. 29, n. 1, p. 153-189, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s10606-019-09368-7.
    » https://doi.org/10.1007/s10606-019-09368-7
  • JARVENPAA, S.; TEIGLAND, R. January. Introduction to trust, identity, and trusted systems in digital environments minitrack. In: Proceedings of the 50th Hawaii International Conference on System Sciences, 2017.
  • KALLEBERG, A. L.; DUNN, M. Good jobs, bad jobs in the gig economy. LERA for Libraries, v. 20, n. 1-2, 2016.
  • KÄSSI, O.; LEHDONVIRTA, V. On-line labour index: measuring the on-line gig economy for policy and research. Paper presented at Internet, Politics & Policy, 22-23 Sept. Oxford, 2016. Available at: https://mpra.ub.uni-muenchen.de/74943/1/MPRA_paper_74943.pdf
    » https://mpra.ub.uni-muenchen.de/74943/1/MPRA_paper_74943.pdf
  • KATZ, L. F.; KRUEGER, A. B. The rise and nature of alternative work arrangements in the United States, 1995-2015 Princeton University and NBER, Mar. 2016.
  • KELLOGG, K. C.; VALENTINE, M.; CHRISTIN, A. Algorithms at work: the new contested terrain of control. Academy of Management Annals, v. 14, n. 1, p. 366-410, 2020.
  • KENNEY, M.; ZYSMAN, J. The rise of the platform economy. Issues Sci. Technol., v. 32, n. 3, p. 61-69, 2016.
  • KENNEY, M.; ZYSMANJ. Work and value creation in the platform economy. Research in the Sociology of Work, v. 33, 2019.
  • KENNEY, M.; ZYSMAN, J. The next phase in the digital revolution: platforms, automation, growth, and employment. VALLAS, SP.; KOVALAINEN, A. (Ed.). Work and Labor in the Digital Age. Binkley, UK: Emerald, 2017, p. 13-41.
  • KHAN, M.; JAN, B.; FARMAN, H. Deep learning: convergence to big data analytics. Singapore: Springer, 2019.
  • KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILFORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS, Panos; PINA, Patricia; SINGH, Manpreet. The global opportunity in on-line outsourcing World Bank Group, 2015.
  • KUHN, KM; MALEKI, A. Micro-entrepreneurs, dependent contractors, and instaserfs: understanding on-line labor platform workforces. Acad. Manag. Perspect., v. 31, n. 3, p. 183-200, 2017.
  • LEE, MK; KUSBIT, D.; METSKY, E.; DABBISH, L. Working with machines: the impact of algorithmic, data-driven management on human workers. In: PROCEEDINGS of the 33rd Annual ACM SIGCHI Conference, Seoul, South Korea, 18-23 April. New York: ACM Press, 2015. p. 1603-1612.
  • LEHDONVIRTA, V. Flexibility in the gig economy: managing time on three on-line piecework plat-forms. New Technology, Work and Employment, v. 33, n. 1, p. 13-29, 2018.
  • LIN, L.; LASSITER, T.; OH, J. et al. Algorithmic hiring in practice: recruiter and HR Professional’s perspectives on AI use in hiring. In: THE PROCEEDINGS of the AAAI/ACM Conference on Artificial Intelligence, Ethics, and Society (AIES 2021). A virtual conference. New York: Association for Computing Machinery (ACM), May, 19-21, 2021.
  • MARKUS, M. L. Datification, organizational strategy, and IS research: what’s the score? The Journal of Strategic Information Systems, v. 26, n. 3, p. 233-241, 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jsis.2017.08.003.
    » https://doi.org/10.1016/j.jsis.2017.08.003
  • MATEESCU, A.; NGUYEN, A. Explainer algorithmic management in the workplace. New York: Data & Society, 2019.
  • MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. Jobs lost, jobs gained: workforce transitions in a time of automation. Dec. 2017.
  • MEXI, M. Social dialogue and the governance of the digital platform economy: understanding challenges, shaping opportunities. Geneva: ILO, 2019.
  • MIELE, F.; TIRABENI, L. Digital technologies and power dynamics in the organization: a conceptual review of remote working and wearable technologies at work. Sociology Compass, v. 14, n. 6, p. e12795, 2020. DOI: https://doi.org/10.1111/soc4.12795.
    » https://doi.org/10.1111/soc4.12795
  • PAIS, Ivana; BORGHI, Paolo; MURGIA, Annalisa. High-skilled platform jobs in Europe: trends, quality of work and emerging challenges. Sociologia del Lavoro, v. 160, 2021.
  • PARKER, G.; VAN ALSTYNE, M.; CHOUDARY, SP. Platform revolution: how networked markets are transforming the economy and how to make them work for you. New York: W.W. Norton, 2016.
  • PARKER, G.; VAN ALSTYNE, M. Innovation, openness, and platform control. Management Science, 2017.
  • PAVLOU, P. A.; GEFEN, D. Building effective on-line marketplaces with institution-based trust. Information Systems Research, v. 15, n. 1, p. 37-59, 2004.
  • PESOLE, A.; URZÍ BRANCATI, MC; FERNÁNDEZ-MACÍAS, E.; BIAGI, F.; GONZÁLEZ VÁZQUEZ, I. Platform workers in Europe Luxembourg, Luxembg.: Publ. Off. Eur. Union, 2018. (Tech. Rep., EUR 29275 EN).
  • SCHMIDT, F. A. Digital labour markets in the platform economy: mapping the political challenges of crowdwork and gig work. Friedich Ebert Stiftung, 2017. Available at: https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd
    » https://library.fes.de/pdffiles/wiso/13164.pd
  • SCHMIDT, Florian Alexander. The good, the bad and the ugly: why crowdsourcing needs ethics. In: Third International Conference on Cloud and Green Computing (CGC), 2013, p. 531-535.
  • SCHÖRPF, P.; FLECKER, J.; SCHÖNAUER, A.; EICHMANN, H. Triangular love–hate: management and control in creative crowd working. New Technology, Work and Employment, v. 32, n. 1, p. 43-58, 2017. DOI: https://doi.org/10.1111/ntwe.12080.
    » https://doi.org/10.1111/ntwe.12080
  • SCHREIECK, M.; WIESCHE, M.; KRCMAR, H. Design and Governance of Platform Ecosystems – Key concepts and issues for future research. ECIS, Jun. 2016.
  • SCHULTE, J.; SCHLICHER, K. D.; MAIER, G. W. (). Working everywhere and every time? chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift Für Angewandte Organisationspsychologie (GIO), v. 51, n. 1, p. 59-69, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3.
    » https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
  • SPREITZER, G. M.; CAMERON, L.; GARRETT, L. Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, v. 4, n. 1, p. 473-499, 2017. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332.
    » https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
  • STEFANO, V. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office, 2016. Available at: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/--protrav/---
    » https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/--protrav/---
  • STEFANO, V. D.; DURRI, I. Platform work and the employment relationship International Labour Organization, Mar. 2021. Available at: http://www.ilo.org/global/publications/workingpapers/WCMS_777866/lang–en/index.htm
    » http://www.ilo.org/global/publications/workingpapers/WCMS_777866/lang–en/index.htm
  • TASKINEN, Jaakko. High-skilled freelance platforms: the impact of trust building mechanisms on attracting top freelance software professionals. Master’s Thesis. Helsinki, Sept. 4, 2018.
  • TURA, N.; KUTVONEN, A.; RITALA, P. Platform design framework: conceptualisation and application. Technology Analysis & Strategic Management, p. 1-14, 2017.
  • UNI GLOBAL UNION PROFESSIONALS & MANAGERS. Algorithmic management – A Trade Union Guide. 2021.
  • VAN ALSTYNE, M. W.; SCHRAGE, M. The best platforms are more than match makers. Harvard Business Review, v. 94, n. 7/8, 2016.
  • VEEN, A.; BARRATT, T.; GOODS, C. Platform-capital’s ‘appetite’ for control: a labour process analysis of food-delivery work in Australia. Work, Employment and Society, v. 34, n. 3, p. 388-406, 2020.
  • WEIL, D. The fissured workplace: why work became so bad, for so many and what can be done to improve it. Boston: Harvard University Press, 2014.
  • WOOD, A. J. Despotism on demand: how power operates in the flexible workplace. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2020.
  • WOOD A. J.; LEHDONVIRTA, V. Platform precarity: surviving algorithmic insecurity in the gig economy. Working paper presented at AI at Work: Automation, Algorithmic Management, and Employment Law’ On-line Workshop at the University of Sheffield. 2021. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3795375
    » https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3795375
  • WOOD, A. J.; GRAHAM, M.; LEHDONVIRTA, V.; HJORTH, I. Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, v. 33, n. 1, p. 56-75, 2019.
  • WOODCOCK, J.; JOHNSON, M. R. Gamification: what it is, and how to fight it. The Sociological Review, v. 66, n. 3, p. 542-558, 2018. DOI: https://doi.org/10.1177/0038026117728620.
    » https://doi.org/10.1177/0038026117728620
  • ZANATTA, A. L.; MACHADO, L. S.; PEREIRA, G. B.; PRIKLADNICKI, R.; CARMEL, E. Software crowdsourcing platforms. IEEE Software, v. 33, n. 6, p. 112-116, 2016.
  • ZHENG, A.; HONG, Y.; PAVLOU, P. A. Matching in two-sided platforms for IT services / Evidence from on-line labor markets. 2016.
  • ZUBOFF, S. Big other: surveillance capitalism and the prospects of an information civilization. J. Inf. Technol., v. 30, n. 1, p. 75-89, 2015.
  • ZUBOFF, S. The age of surveillance capitalism New York: Public Affairs, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2022
  • Aceito
    27 Jul 2023
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br