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Justiça internacional e o regime tributário internacional: uma análise do Acordo Tributário Global

International justice and the international tax regime: an analysis of the Global Tax Agreement

Resumo

O quadro geral de desregulamentação econômica, de mobilidade dos fatores de produção e de digitalização da economia acelerou os processos de competição fiscal prejudicial e de planejamento tributário agressivo, aumentando os problemas relacionados à determinação dos direitos fiscais e à partilha de lucros entre os Estados, e colocando em causa as regras do regime tributário internacional. Desde a crise de 2008, o referido regime passou por importantes reformas, com destaque para o Acordo Tributário Global, em 2021. Tendo como referência teórica o debate normativo em torno de questões de justiça no regime tributário internacional, principalmente o cosmopolitismo e o internacionalismo, este artigo analisa esse processo de reforma.

Palavras-chave
Concorrência fiscal internacional; Planejamento tributário agressivo; Justiça internacional; Regime tributário internacional; Acordo Fiscal Global

Abstract

The general framework of economic deregulation, mobility of production factors and digitalization of the economy accelerated the processes of harmful tax competition and aggressive tax planning, increasing the problems related to the determination of tax rights and the sharing of profits among States, and putting into question the rules of the international tax regime. Since the 2008 crisis, this regime has undergone important changes, with emphasis on the Global Tax Agreement, in 2021. Having as a theoretical reference the normative debate around questions of justice in the international tax regime, mainly based on cosmopolitanism and internationalism, this article analyzes this reform process.

Keywords
International tax competition; Aggressive tax planning; International justice; International tax regime; Global Tax Agreement

1 Introdução

Nas últimas décadas, com o intenso processo de globalização econômica, as questões de tributação e funcionamento do regime tributário internacional ganharam novas e complexas dimensões. O quadro geral de liberalização e desregulamentação de mercados e de intensa mobilidade transnacional de capitais tangíveis e intangíveis tem afetado as dinâmicas tributárias internas e externas. Ainda que um Estado possa reclamar a autonomia sobre sua política fiscal, as implicações desse ato podem envolver as bases fiscais de outros Estados. A competição fiscal por investimentos de indivíduos e de empresas é um exemplo disso. A capacidade de indivíduos investidores e corporações transnacionais executarem o seu próprio planejamento tributário no planeta também tem implicações distintas no conjunto dos Estados, como a elisão e a evasão fiscais. Todos esses processos têm sido acelerados pela digitalização da economia, que não só criou um conjunto de grandes corporações que se beneficiam de economias de escala e de efeitos de rede, como ampliou significativamente as possibilidades de evasão e elisão fiscais.

Em conjunto, esse quadro evidencia que a questão tributária contemporânea não pode ser tratada exclusivamente como uma agenda nacional ou que o regime tributário internacional seja exclusivamente um produto da soberania fiscal dos Estados. Aliás, com esse cenário, a própria soberania efetiva dos Estados sobre seus assuntos fiscais está desafiada. Além disso, há resultados distributivos desiguais, discrepâncias de poderes e comprometimento da capacidade de determinados Estados garantirem suas bases fiscais para a realização de suas agendas societárias internas. Notadamente marcado por longevidade, rigidez, elitismo e pouca cooperação multilateral, o regime tributário internacional necessita, ao mesmo tempo, de um arranjo mais eficiente para enfrentar os referidos problemas contemporâneos e de mecanismos mais justos de distribuição de direitos de tributação de renda gerada por atividades transfronteiriças para países distintos em tamanho e grau de desenvolvimento.

A teoria normativa sobre justiça internacional tem formulado propostas para a reforma do regime tributário internacional, trabalhando com valores concorrentes como autonomia fiscal, justiça distributiva, legitimidade política e eficiência econômica. Embora apresente contribuições importantes como as de Richard A. Musgrave e Peggy B. Musgrave (1972)MUSGRAVE, Richard A.; MUSGRAVE, Peggy B. Inter-nation Equity. In: Bird, Richard M.; Head, John G. (eds.). Modern Fiscal Issues: Essays in Honor of Carl S. Shoup. Toronto: University of Toronto Press, 1972. e de Alexander W. Cappelen (1999)CAPPELEN, Alexander W. National and international distributive justice in bilateral tax treaties. FinanzArchiv: Public Finance Analysis, v. 56, n. 3/4, p. 424-442, 1999., o debate normativo em torno das questões de justiça no regime tributário internacional é recente, sendo mobilizado principalmente por teóricos cosmopolitas e internacionalistas. Em causa estão os desafios e os problemas relacionados à determinação dos direitos tributários e à alocação de lucros entre os Estados no regime tributário internacional. Além disso, também recebem atenção o desenho institucional, a hierarquia de poderes e o grau de participação dos países nos processos decisórios. Em conjunto, o debate teórico normativo sobre as questões de justiça no regime tributário internacional tem se concentrado em dimensões de distribuição e de legitimidade, que se relacionam, mas se baseiam em fundamentos normativos distintos (Ozai, 2020OZAI, Ivan. Two accounts of international tax justice. Canadian Journal of Law & Jurisprudence, v. 33, n. 2, p. 317-339, 2020., p. 317).

Com base em teorias normativas sobre justiça internacional, este artigo faz uma análise do quadro geral de reformas no sistema tributário internacional a partir de 2008, com atenção particular ao Acordo Tributário Global, acordado na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por 137 das 141 jurisdições membros, em 8 de outubro de 2021. A questão central é verificar se, em termos de justiça e equidade, há mudanças normativas significativas na forma como os direitos de tributação são atribuídos internacionalmente. Esta questão implica uma gama mais ampla de questões que também interessam investigar, como as relacionadas às alterações no processo de governança tributária internacional, especialmente no que se refere aos fenômenos da concorrência tributária prejudicial e do planejamento tributário agressivo. Por fim, o artigo pretende revelar quais princípios teóricos normativos de justiça tributária internacional têm encontrado possibilidade de consenso prático na sociedade internacional.

Para tanto, a primeira seção do artigo discute os processos de competição fiscal prejudicial e de planejamento tributário agressivo em meio a uma conjuntura de aceleração da digitalização da economia. A segunda seção descreve algumas características e fundamentos históricos do regime tributário internacional no que se refere à alocação de lucros e regras de nexo para distribuir direitos de tributação de renda gerada por atividades transfronteiriças. A partir dos marcos da crise financeira global de 2008, dos escândalos fiscais envolvendo grandes corporações e da digitalização da economia, que impactaram sobremaneira a agenda de governança tributária internacional, a terceira seção aborda as reformas no regime tributário internacional. Tendo como referência teorias normativas de justiça cosmopolitas e internacionalistas, a quarta seção apresenta uma análise do Acordo Tributário Global. O artigo conclui que as propostas normativas sobre justiça na tributação internacional preconizadas pelas abordagens internacionalistas predominaram no Acordo Global Tributário, significando um passo importante na tentativa de institucionalizar uma governança para o regime tributário internacional. Porém, o acordo ainda apresenta dimensões longínquas dos pronunciados objetivos da OCDE de “mais justiça, eficiência e estabilidade”. Há avanços na cooperação multilateral para impedir a concorrência tributária prejudicial e o planejamento tributário agressivo, embora o conjunto de normas não elimine completamente tais práticas. Nota-se também uma ampliação dos atores nas negociações, porém os interesses divergentes de atores com capacidades e poderes distintos continuam marcando o processo de reformas e a OCDE permanece como o fórum de negociações. No que se refere à distribuição de direitos de tributação de renda há modificações inéditas, como a concessão de direitos tributários aos países de destino. No entanto, tal modificação reflete, primordialmente, uma tentativa de resolução de conflitos tributários entre poderosos atores, principalmente Estados Unidos da América (EUA) e União Europeia (EU), ficando distante de uma distribuição mais equânime dos direitos tributários.

2 Competição fiscal prejudicial e planejamento tributário agressivo

Nas últimas décadas, a convergência de forças políticas, econômicas, ideológicas e tecnológicas moveu o processo de desregulamentação dos mercados e dos fluxos de capitais em escala planetária. Entre muitos desdobramentos desse fenômeno, está a grande concentração de poder econômico e político em um grupo limitado de corporações transnacionais e instituições financeiras. À medida que os mercados globais se tornaram mais liberalizados, digitais e virtuais, os controles e as informações das sociedades e dos governos sobre as atividades das corporações transnacionais e sobre os ativos possuídos por pessoas diminuíram sobremaneira. A questão fiscal ocupa espaço central nesse poderio adquirido por agentes econômicos transnacionais que, sob mercados desregulamentados e regimes tributários domésticos, podem escolher como e onde pagar seus impostos, quando pagam. A competição fiscal e a elisão e evasão fiscais por indivíduos e empresas são as expressões desse processo, representando grandes perdas para as bases tributárias dos Estados, com graves consequências para o funcionamento dos sistemas democráticos e a manutenção das comunidades políticas.

O protagonismo das corporações transnacionais e dos agentes financeiros nos mercados globais incrementa a variável incentivo fiscal na concorrência interestatal por atração de negócios e investimentos. Diante do comportamento estratégico de vigorosos atores transnacionais, governos utilizam suas políticas fiscais para atração de capitais móveis externos, na denominada competição fiscal ou corrida para o fundo. Os governos usam diferentes táticas e instrumentos fiscais dependendo do tipo de capital visado, podendo ser em capital de carteira, com os chamados paraísos fiscais; lucros em papel, com redução de alíquotas nominais dos impostos; e em investimento externo direto (IED), com regimes tributários preferenciais que concedem reduções e vantagens fiscais (Dietsch; Rixen, 2014DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014., p. 154).

Claro que as opções e os impactos pelas escolhas dessas estratégias fiscais dependem de especificidades de cada país. De modo conflitante, ao mesmo tempo que procuram aumentar a receita da tributação da renda transfronteiriça e reprimir a atividade de evasão percebida, os países competem por atração de atividade econômica real e lucro móvel. Prejuízos e benefícios na competição tributária não ocorrem no mesmo grau para todos os países, como exemplo, vale constatar que exportadores e importadores de capital possuem interesses diferentes. Talvez por isso determinados setores sociais, políticos e econômicos não identifiquem problemas na competição fiscal internacional.

Também é fato que o tipo de capital atraído via competição fiscal pode depender de outras variáveis, como no caso de atração de investimento externo direto, que estudos sobre tomada de decisões de investimentos de empresas multinacionais apontam fatores como infraestrutura física, produtividade do trabalho e dinâmica do mercado interno como preponderantes. Mesmo assim, há estudos que indicam que a renda tributável é muito sensível às alíquotas do imposto corporativo, transformando-se num problema para países que não possuem alíquotas baixas (Clausing, 2016CLAUSING, Kimberly A. The effect of profit shifting on the corporate tax base in the United States and beyond. National Tax Journal, v. 69, n. 4, p. 905-934, 2016. ). Convém citar ainda um estudo do Fundo Monetário Internacional (Damgaard; Elkjaer; Johannesen, 2019DAMGAARD, Jannick; ELKJAER, Thomas; JOHANNESEN, Niels. What is real and what is not in the global FDI network? Washington, DC: International Monetary Fund, 2019. (IMF Working Paper, n. 19/274).), o qual constata que em 2017 cerca de US$ 15 trilhões, quase 40% do total do investimento externo direto global, foi fantasma, ou seja, artificial, investimentos em conchas corporativas vazias sem substância e sem vínculos reais com a economia local. A maior parte desses investimentos passou por centros offshore bem conhecidos, como Luxemburgo (US$ 3,8 trilhões), Holanda (US$ 3,3 trilhões), Hong Kong SAR (US$ 1,1 trilhão), Ilhas Virgens Britânicas (US$ 0,8 trilhão), Bermudas (US$ 0,8 trilhões), Singapura (US$ 0,8 trilhão) e Ilhas Cayman (US$ 0,7 trilhão) (Damgaard; Elkjaer; Johannesen, 2019DAMGAARD, Jannick; ELKJAER, Thomas; JOHANNESEN, Niels. What is real and what is not in the global FDI network? Washington, DC: International Monetary Fund, 2019. (IMF Working Paper, n. 19/274)., p. 26-27).

Ruud A. De Mooij e Sjef Ederveen (2008, p. 695-696)DE MOOIJ, Ruud A.; EDERVEEN, Sjef. Corporate tax elasticities: a reader's guide to empirical findings. Oxford Review of Economic Policy, v. 24, n. 4, p. 680-697, 2008. destacam que a evidência empírica sugere que, ao invés da competição por investimento externo direto, a transferência de lucros em papel seja a principal força motriz por trás da tendência global de redução das taxas de impostos corporativos legais. Seja como for e na forma que for, o fato é que, juntamente com o planejamento tributário agressivo das empresas, a competição fiscal entre os países é responsável por uma grande redução das alíquotas efetivas dos impostos corporativos. Conforme Kimberly Clausing, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman (2021, p. 1)CLAUSING, Kimberly A.; SAEZ, Emmanuel; ZUCMAN, Gabriel. Ending corporate tax avoidance and tax competition: a plan to collect the tax déficit of multinationals. UCLA School of Law, Law-Econ Research Paper, n. 20-12, p. 1-20, 2021., entre 1985 e 2020, a alíquota média global do imposto corporativo legal caiu de 49% para 23%.

Por si só, a competição tributária não se resume às implicações da redução da carga tributária corporativa para Estados e sociedades, há um conjunto de externalidades negativas, como por exemplo no fato de que a redução da alíquota de imposto em um país pode reduzir a atividade econômica em outro. Igualmente, os usos de determinadas táticas e instrumentos fiscais para atrair investimentos e poupanças originárias de outros países ou para facilitar a evasão de impostos de outros países corroem a base tributária de outros países, fenômenos descritos por muitos estudiosos como “caça furtiva”. Como a própria OCDE reconheceu no seu relatório “Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue”, de 1998, paraísos fiscais e regimes fiscais preferenciais prejudiciais, coletivamente referidos como práticas fiscais prejudiciais, afetam a localização de atividades financeiras e de outros serviços, corroem as bases fiscais de outros países, distorcem os padrões de comércio e investimento e minam a justiça, neutralidade e ampla aceitação social dos sistemas tributários em geral (OCDE, 1998ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Harmful tax competition: an emerging global issue. Paris: OECD Publishing, 1998. Available at: https://doi.org/10.1787/9789264162945-en.
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).

Note-se que em muitas sociedades, com a redução constante dos impostos corporativos, parte dessa carga tributária é assumida por bases menos móveis, como o trabalho, a propriedade e o consumo. Isso muitas vezes ocorre mesmo numa situação de queda da renda do trabalho e de aumento das desigualdades econômicas e sociais. Em estudo do Massachusetts Institute of Technology sobre o futuro do trabalho nos EUA, Daron Acemoglu, Andrea Manera e Pascual Restrepo (2020)ACEMOGLU, Daron; MANERA, Andrea; RESTREPO, Pascual. Taxes, automation, and the future of labor. Research Brief. MIT Work of the Future, 2020. demonstraram que enquanto o trabalho foi tributado a uma taxa média de cerca de 25% nas últimas quatro décadas, a taxa média de impostos sobre software e equipamentos ficou em cerca de 15% na década de 1990 e caiu para cerca de 5% após uma série de reformas tributárias nas décadas de 2000 e 2010.

Do lado corporativo, as influências, pressões e chantagens sobre governos com as perspectivas de menor regulamentação e redução dos impostos são práticas recorrentes das corporações (Christensen, 2009CHRISTENSEN, John. Taxing transnational corporations. In: KOHONEN, Matti; MESTRUM, Francine (Ed.). Tax Justice: putting global inequality on the agenda. London: Pluto Press, 2009. , p. 107). E, em mercados globais desregulamentados, o planejamento tributário agressivo das corporações é a expressão mais evidente dos processos de elisão (legal) e evasão (ilegal) fiscais. Conforme Lynne Oats e Penelope Tuck (2019, p. 567-568)OATS, Lynne; TUCK, Penelope. Corporate tax avoidance: is tax transparency the solution? Accounting and Business Research, v. 49, n. 5, p. 565-583, 2019., a diferença conceitual entre evasão fiscal e elisão fiscal envolve um aspecto temporal e outro legislativo, sendo a evasão fiscal uma atividade que ocorre após a cristalização de uma obrigação fiscal e constitui uma violação da lei, enquanto a elisão fiscal é uma atividade que ocorre antes da cristalização do passivo fiscal e se aproveita de uma brecha legal. O fato é que, embora conceitualmente distintos e muitas vezes difíceis de serem distinguidos na prática, ambos não estão no espírito da lei.

Uma forma central desse planejamento tributário agressivo é o erro de precificação de transferências, que ocorre dentro da mesma empresa ou de um grupo de empresas. Tal prática possibilita esquemas de preços de transferências que não refletem o princípio arms-length, o qual exige que transações entre subsidiárias da mesma empresa sejam precificadas como transações comparáveis entre partes não relacionadas, ou seja, preços que o mercado usaria para transações entre firmas separadas e distintas. Valendo-se de brechas legislativas, de treaty shopping, de diferenças competitivas entre regimes tributários domésticos e de normas antiquadas, as corporações promovem transferências de lucros para países com baixa tributação e transferências de despesas para jurisdições onde a redução de impostos que eles oferecem é comparativamente maior. Importante lembrar que grande parte do comércio internacional é intrafirma. Mecanismos agressivos de planejamento tributário como o transfer mispricing, a subcapitalização, o double Irish e o earning-stripping são exemplos de como as corporações reduzem sua responsabilidade fiscal. Por esse comportamento não necessariamente ilegal dependendo da legislação, corporações altamente lucrativas que pagam poucos impostos, como Apple, Amazon, Google, General Electric, Facebook, Hewlett Packard, Microsoft, Pfizer, Starbucks, têm sido alvos de investigações e críticas de sociedades e governos. Escândalo financeiro como o LuxLeaks de 2014 escancarou o problema, expondo como Luxemburgo vinha há anos sancionando secretamente a evasão fiscal transfronteiriça agressiva por parte de algumas das maiores empresas do mundo.

Segundo o relatório da Tax Justice Network, Public Services International e Global Alliance for Tax Justice, intitulado “The State of Tax Justice 2021TAX JUSTICE NETWORK, PUBLIC SERVICES INTERNATIONAL, GLOBAL ALLIANCE FOR TAX JUSTICE. The state of tax justice 2021. United Kingdom: Tax Justice Network, November 2021. Available at: https://taxjustice.net/wp-content/uploads/2021/11/State_of_Tax_Justice_Report_2021_ENGLISH.pdf.
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”, com base em dados de relatórios de declaração país a país agregado, publicados pela OCDE, as corporações transnacionais transferem US$ 1,19 trilhão de lucro para paraísos fiscais a cada ano, fazendo com que governos de todo o mundo percam US$ 312 bilhões anuais em receitas de impostos diretos (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 30). Conforme o relatório, as perdas diretas resultam do desencontro entre a localização dos lucros e a localização da atividade econômica produtiva (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 30). Além disso, o relatório destaca que não é possível estimar com a mesma precisão os prejuízos fiscais indiretos ou custos indiretos, decorrentes da concorrência fiscal promovida por governos que reduzem as taxas legais e efetivas do imposto corporativo sob a convicção de que atrairão os investimentos das corporações transnacionais (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 30). No entanto, o relatório aponta que, com base em pesquisas do Fundo Monetário Internacional (FMI), as perdas indiretas são pelo menos três vezes maiores do que as perdas diretas, o que significaria um montante superior a US$ 1 trilhão. Os países de alta renda perdem mais receitas de impostos diretos para o abuso fiscal corporativo, atingindo US$ 276 bilhões perdidos a cada ano, enquanto os países de baixa renda perdem a cada ano US$ 36 bilhões (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 31). Porém, em termos proporcionais às suas receitas fiscais anuais, os países de baixa renda perdem o equivalente a 4,2% de sua receita tributária, enquanto os países de alta renda perdem 2,8% (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 31). Só para ficar por essa variável, fica evidente que o abuso fiscal corporativo tem maior impacto nos países de baixa renda.

A OCDE estima de forma conservadora que 4% a 10% da receita de imposto de renda corporativo global (100-240 bilhões de dólares anuais) é perdida para erosão de base e transferência de lucros (OCDE, 2021a). Os Estados de baixa renda são afetados de forma mais severa, uma vez que têm dificuldade em compensar uma redução na receita do imposto de renda das empresas transferindo a carga tributária para fatores econômicos menos móveis (Avi-Yonah, 2000AVI-YONAH, Reuven S. Globalization, tax competition, and the fiscal crisis of the welfare state. Harvard Law Review, v. 113, n. 7, p. 1573-676, 2000.). Além disso, conforme a OCDE (2021a)ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Developing countries more at risk of lost corporate tax revenues. Paris: OECD Publishing, 2021a. Available at: https://www.oecd.org/coronavirus/en/data-insights/developing-countries-more-at-risk-of-lost-tax-revenues.
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aponta, os países em desenvolvimento têm maior dependência do imposto de renda corporativo para a receita tributária total de suas economias, por exemplo, 58% na Índia, 66% na Malásia, 52% na Indonésia, em comparação com 9% na França e no Reino Unido. Convém acrescentar a esse debate o gigantesco abuso fiscal cometido por corporações extrativistas transnacionais em países em desenvolvimento. Na última década, com o boom das commodities, o sul global perdeu trilhões de dólares por conta de isenções fiscais, contratos perniciosos e transferências de lucros corporativos.

Nesses processos, há ainda a evasão fiscal offshore promovida por indivíduos ricos, que representa uma perda fiscal de US$ 171 bilhões por ano (TJN; PSI; GATJ, 2021, p. 43). Escândalos como Offshore Leaks 2013, Panama Papers 2016, Paradise Papers 2017, Pandora Papers 2021 demonstram como milionários não residentes ocultam suas identidades e riquezas e não pagam impostos em jurisdições de sigilo. O capital offshore tende a ser drenado dos países pobres para os países ricos, sede da maioria dos grandes paraísos fiscais. Assim como no abuso fiscal corporativo, o abuso de impostos por cidadãos ricos é muito mais comum em países pobres do que em países ricos. Com base em dados de 2014, Gabriel Zucman (2015, p. 46)ZUCMAN, Gabriel. The hidden wealth of nations: the scourge of tax havens. Chicago: The University of Chicago Press, 2015. estimou que a fraude por meio de contas offshore não declaradas custou cerca de US$ 190 bilhões para governos de todo o mundo. Estimou ainda que 22% da riqueza financeira da América Latina, 52% da Rússia e 57% do Golfo Pérsico estavam em paraísos fiscais (Zucman, 2015ZUCMAN, Gabriel. The hidden wealth of nations: the scourge of tax havens. Chicago: The University of Chicago Press, 2015., p. 53). Conforme Annette Alstadsætera, Niels Johannesenb e Gabriel Zucmanc (2018, p. 90), a riqueza equivalente a cerca de 10% do PIB mundial é mantida em paraísos fiscais offshore em todo o mundo.

O abuso fiscal tem levado a uma grande concentração de renda nas mãos de poucas pessoas e corporações. Na pandemia, em meio à queda da renda e aumento da pobreza de milhões de pessoas no planeta, os bilionários aumentaram suas fortunas, fato que levanta uma forte questão moral. Diante de tamanha evidência, em 19 de janeiro de 2022, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, um grupo de 102 milionários e bilionários publicou um manifesto exigindo tributação sobre os ricos: “As millionaires, we know that the current tax system is not fair, (…) This injustice baked into the foundation of the international tax system has created a colossal lack of trust between the people of the world and the elites who are the architects of this system. Bridging that divide is going to take more than billionaire vanity projects or piecemeal philanthropic gestures – it’s going to take a complete overhaul of a system that up until now has been deliberately designed to make the rich richer. To put it simply, restoring trust requires taxing the rich. The world – every country in it – must demand the rich pay their fair share. Tax us, the rich, and tax us now” (Patriotic Millionaires, Millionaires For Humanity e Taxmenow, 2022PATRIOTIC MILLIONAIRES; MILLIONAIRES FOR HUMANITY; TAXMENOW. In tax we trust. Davos: World Economic Forum Annual Meeting in Davos, 2022. Available at: https://www.intaxwetrust.org/.
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).

Todos esses processos de erosão de base e transferência de lucros descritos acima têm sido acelerados pela digitalização da economia, que não só criou um conjunto de grandes corporações, que se beneficiam de economias de escala e efeitos de rede, como ampliou significativamente as possibilidades de evasão fiscal, agravando os problemas de ineficácia e obsolescência do sistema tributário internacional. Com a aceleração da revolução digital, principalmente da internet, têm ocorrido inovações permanentes na criação de valor em produtos, serviços e negócios, na maior parte intangíveis, sem necessidade da presença física da empresa no território, tornando anacrônicas as regras fiscais internacionais. Esse anacronismo de legislações fiscais tem sido explorado pelas corporações digitalizadas para reduzir a tributação, com grandes transferências de recursos para jurisdições offshore de baixa tributação e o não pagamento de impostos nos países onde são realizadas suas atividades. A proporção gigantesca assumida pela economia digital no capitalismo contemporâneo tem abalado as fontes existentes de receita tributária. Conforme Brian J. Arnold (2016, p. 205)ARNOLD, Brian J. International tax primer. Alphen aan den Rijn, The Netherlands: Kluwer Law International BV, 2016., a economia digital apresenta três grandes desafios para o atual sistema tributário internacional: o fato de não ter fronteira, que permite negócios globais sem presença física de ativos ou pessoas; as dificuldades de caracterização das fontes de receita; e as dificuldades dos sistemas tributários para capturar os dados.

Em conjunto, todo esse quadro gerou uma grande insatisfação de governos, organizações internacionais e ativistas fiscais em relação ao sistema tributário internacional, criticado por ser injusto, obsoleto e incapaz de responder satisfatoriamente às mudanças da economia global.

3 O regime tributário internacional

Os fundamentos do regime tributário internacional remetem à década de 1920, com os trabalhos da Liga das Nações, que foram marcados por embates temáticos como dupla tributação versus evasão fiscal; tributação na fonte versus na residência; tratados bilaterais versus multilaterais (Jogarajan, 2018JOGARAJAN, Sunita. Double taxation and the League of Nations. United Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 2018.). Ao longo do século XX, os resultados desses embates legaram um regime tributário internacional concentrado na dupla tributação, com uma multiplicidade de acordos bilaterais, baseados nos conceitos de origem e residência, que abriram espaço para processos de evasão e elisão fiscais.

Oposições empresariais e de centros financeiros impediram medidas contra a evasão fiscal, levando à concentração dos trabalhos da Liga nos acordos para evitar dupla tributação (Jogarajan, 2018JOGARAJAN, Sunita. Double taxation and the League of Nations. United Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 2018.). De acordo com Sol Picciotto (2022, p. 1)PICCIOTTO, Sol. Technocracy in the era of twitter: between intergovernmentalism and supranational technocratic politics in global tax governance. Regulation & Governance, v. 16, n. 3, p. 1-19, 2022., na década de 1920 teve início um sistema internacional de paraísos fiscais e de centros financeiros offshore, construído por advogados transnacionais e outros profissionais, que foi consolidado a partir de 1945 e acelerado com a liberalização financeira total na década de 1980.

As dimensões de soberania sempre inviabilizaram um acordo multilateral vinculativo, criando um regime fragmentado e apoiado numa rede de acordos bilaterais (Rixen 2008RIXEN, Thomas. The political economy of international tax governance. New York: Palgrave Macmillan, 2008.). Além disso, o sistema tributário internacional caracterizou-se por tributar os lucros de uma empresa gerados em um país somente quando fisicamente presentes nele, e a parcela dos lucros que um país pode tributar foi determinada por regras de preços de transferência que atribuem lucros de acordo com o valor gerado em uma jurisdição (Gelepithis; Hearson, 2021GELEPITHIS, Margarita; HEARSON, Martin. The politics of taxing multinational firms in a digital age. Journal of European Public Policy, v. 29, p. 708-727, 2021.). Para evitar a dupla tributação, a estrutura existente de tributação do lucro empresarial foi baseada no lucro gerado em cada entidade separada dentro do negócio. Isso significa que uma corporação transnacional obtém lucro global como unidade econômica operando em vários países, porém, para fins fiscais, pode alocar seus lucros entre os países como um conjunto de unidades independentes, fato que, por conta de sua diversidade funcional e geográfica, permite que as corporações aufiram lucros maiores pagando menos impostos (Devereux; Auerbach; Keen; Oosterhuis; Schön; Vella, 2021DEVEREUX, Michael P.; AUERBACH, Alan J.; KEEN, Michael; OOSTERHUIS, Paul; SCHÖN, Wolfgang.; VELLA, John. Taxing profit in a global economy. A Report of the Oxford International Tax Group. United Kingdom: Oxford University Press, 2021., p. 1).

Outra característica central do sistema tributário internacional está relacionada à tributação na residência e na fonte. Conforme Michael P. Devereux, Alan J. Auerbach, Michael Keen, Paul O. Osterhuis, Wolfgang Schön e John Vella (2021, p. 90-92)DEVEREUX, Michael P.; AUERBACH, Alan J.; KEEN, Michael; OOSTERHUIS, Paul; SCHÖN, Wolfgang.; VELLA, John. Taxing profit in a global economy. A Report of the Oxford International Tax Group. United Kingdom: Oxford University Press, 2021., a tributação na residência ou na fonte depende da distinção do rendimento, que pode ser passivo, quando o beneficiário não participa da atividade empresarial que dá origem aos rendimentos, ou ativo, quando o beneficiário participa da atividade empresarial que lhe deu origem. Projetado numa época em que o comércio era de bens físicos e as cadeias de valor globais eram pequenas, o regime tributário internacional tem operado sob o princípio dos benefícios, no qual a renda ativa tende a ser tributada principalmente no país de fonte e a renda passiva tende a ser tributada principalmente no país de residência.

As principais diretrizes do regime tributário internacional permaneceram inalteradas com a sua gestão pela OCDE, que elaborou um modelo de convenção tributária na década de 1960. Para Rasmus Corlin Christensen e Martin Hearson (2019, p. 1071)CHRISTENSEN, Rasmus Corlin; HEARSON, Martin. The new politics of global tax governance: taking stock a decade after the financial crisis. Review of International Political Economy, v. 26, n. 5, p. 1068-1088, 2019., o regime se manteve caracterizado pela preservação da soberania, centrismo da OCDE e isolamento tecnocrático. Conforme Sol Picciotto (2022, p. 2-3)PICCIOTTO, Sol. Technocracy in the era of twitter: between intergovernmentalism and supranational technocratic politics in global tax governance. Regulation & Governance, v. 16, n. 3, p. 1-19, 2022., apesar de suas falhas evidentes, o regime tem se mostrado notavelmente resiliente, altamente tecnicizado e fortemente influenciado por poderosos interesses empresariais e governamentais. De acordo com Ruth Mason (2020, p. 360-361)MASON, Ruth. Transformation of international tax. American Journal of International Law, v.114, n.3, p. 353-402, 2020. , a competição fiscal e a evasão fiscal corporativa sempre representaram problemas de ação coletiva que nenhum Estado poderia resolver unilateralmente sem eliminar fatores produtivos valiosos, como empregos e capital. Para Mason (2020, p. 361)MASON, Ruth. Transformation of international tax. American Journal of International Law, v.114, n.3, p. 353-402, 2020. , inúmeras barreiras impediram a cooperação entre os Estados, tais como a heterogeneidade de seus interesses, problemas de monitoramento, relutância em ceder a soberania tributária nacional, falta de ideias claras sobre como fechar até mesmo lacunas fiscais notórias, incapacidade de compreender o escopo do problema, captura de grupos de interesse e pontos de vista de que a competição fiscal era normativamente desejável.

Um ponto de inflexão nessa trajetória arraigada do regime tributário internacional ocorreu em 1996, quando – diante das novas tecnologias de comunicação, do aumento do comércio eletrônico e, principalmente, dos crescentes problemas de evasão e elisão fiscais –, a Alemanha e a França colocaram a questão dos paraísos fiscais e da competição fiscal na agenda dos líderes do G7 e da OCDE, resultando na iniciativa política Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue. Como desdobramento, em 1998, o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE foi além de seu tradicional trabalho técnico sobre dupla tributação e publicou um relatório sobre concorrência fiscal prejudicial, abordando a relação entre competição tributária entre países e planejamento tributário corporativo. Com abstenções de Luxemburgo e Suíça, o relatório aprovado pelo Conselho da OCDE apontou para a necessidade de uma ação multilateral coordenada globalmente para acabar com a denominada Concorrência Tributária Prejudicial, operada por paraísos fiscais e por regimes fiscais preferenciais num ambiente de bases tributárias altamente móveis devido à globalização (OCDE, 1998ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Harmful tax competition: an emerging global issue. Paris: OECD Publishing, 1998. Available at: https://doi.org/10.1787/9789264162945-en.
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). Nas décadas seguintes, apesar das crescentes evidências de falhas nos serviços públicos e da desigualdade crescente em todo o mundo, a evasão e a elisão fiscais continuaram inabaláveis.

4 As reformas no regime tributário internacional

A crise financeira global de 2008 impactou a agenda de governança econômica mundial, principalmente no âmbito da cooperação tributária internacional. Os grandes déficits orçamentários e o crescimento das dívidas públicas num contexto de estagnação econômica e de orçamentos austeros levaram os principais Estados do G7 e da OCDE ao enfrentamento dos problemas colocados pela elisão e evasão fiscais das empresas e de pessoas ricas, e pela concorrência fiscal com jurisdições de baixa tributação. Problemas fartamente alertados por organizações da sociedade civil e amplamente ignorados pelos governos por décadas antes da crise. O vazamento de escândalos financeiros e as investigações públicas detalhando como as grandes empresas transnacionais praticavam operações secretas para evitar o pagamento de tributos ampliaram o ambiente de indignação da sociedade civil, que via no centro dessa discussão as corporações transnacionais mais valiosas e amplamente digitalizadas, como Amazon, Google e Facebook. Além da avaliação de que as grandes corporações não estavam pagando sua cota justa de impostos, diversos setores políticos e econômicos de diversos países reforçaram as críticas de que as corporações continuavam praticando concorrência desleal em relação às empresas locais sujeitas à tributação doméstica.

A crise ampliou o enfraquecimento da legitimidade das instituições de governança concentradas em um grupo pequeno de países da OCDE. Diante disso, a governança tributária global foi ampliada do G7 para o G20, que, em abril de 2009, declarou que a “era do sigilo bancário havia acabado” (G20, 2009G20. The Global Plan for Recovery and Reform. Final Communique of the G20 Summit Held in London on 2 April 2009. 2009. Available at: https://www.imf.org/external/np/sec/pr/2009/pdf/g20_040209.pdf.
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). Daí decorreram novos esforços institucionais de cooperação destinados a maior transparência e troca de informações entre jurisdições para combater a evasão fiscal, com destaque para a restruturação do “Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes”, que conta, atualmente, com 164 países membros. Sob o mandato do G20, o Fórum tomou medidas importantes, como a participação democrática no processo de revisão por pares, a integridade das revisões publicadas e a extensão do suporte financeiro e técnico disponível para ajudar os membros menores do fórum a melhorar a conformidade com o padrão da OCDE (Eccleston, 2012ECCLESTON, Richard. The dynamics of global economic governance: the financial crisis, the OECD, and the politics of international tax cooperation. United Kingdom: Cheltenham; Northampton, MA, USA: Edward Elgar, 2012., p. 145).

Outras medidas importantes de cooperação e transparência no combate à evasão fiscal foram tomadas pelo G20 e a OCDE, tais como o “Country-by-Country Reporting” (CbCR) e a “Automatic Exchange of Information” (AEoI). Rejeitado pela OCDE e pelo G7 desde 2003 – quando foi proposto pela Tax Justice Network –, o relatório país a país foi adotado pelo G20, OCDE e FMI. O CbCR procurou enfrentar o problema de as corporações transnacionais poderem agrupar suas operações financeiras numa soma agregada global ou em um conjunto de números regionais, impossibilitando a verificação do lucro auferido num país ou o lucro transferido para paraísos fiscais. Nesse sentido, foi concebido um mecanismo para expor a transferência de lucro e ajudar governos a detectarem e deterem o abuso fiscal corporativo. O CbCR é uma prática contábil que exige que as corporações transnacionais com receita consolidada de € 750 milhões ou mais relatem às autoridades fiscais os lucros e os custos em cada país em que operam. Com os dados dos relatórios país a país de 2016, Javier Garcia-Bernardo e Petr Jansky (2021, p. 3)GARCIA-BERNARDO, Javier; JANSKY, Petr. Profit shifting of multinational corporations worldwide. Charles University Prague, Faculty of Social Sciences, Institute of Economic Studies, 2021. (Working Papers, IES 2021/14)., revelaram que as corporações multinacionais transferiram US$ 1 trilhão de lucros para paraísos fiscais em 2016, o que, por sua vez, implicou US$ 200-300 bilhões em perdas de receita para outros países.

Na reunião de cúpula de Brisbane do G20, em 2014, foi apresentado a “Automatic Exchange of Information” (AEoI), com prazos que variaram entre 2017 e 2018. O acordo sobre AEoI criou o “Common Reporting Standard” (CRS), que exige que as Instituições Financeiras reportem automaticamente ao país de origem informações sobre ativos detidos no exterior por residentes fiscais de Jurisdições Reportáveis e certas entidades controladas por tais residentes fiscais. Note-se que os EUA não participaram da AEOI pois já possuíam legislação semelhante, que é a “Foreign Account Tax Compliance” – FATCA. Para Lukas Hakelberg e Max Schaub (2018, p. 356)HAKELBERG, Lukas; SCHAUB, Max. The redistributive impact of hypocrisy in international taxation. Regulation & Governance, v. 12, n. 3, p. 353-370, 2018., essa atitude dos EUA tornou o país menos vulnerável à evasão fiscal e mais atraente como destino de capital oculto, fato que, no conjunto, prejudica a erradicação da evasão fiscal. Apesar disso, o CRS trouxe alguns resultados. A OCDE estimou em julho de 2019 que 90 países compartilharam informações sobre 47 milhões de contas no valor de € 4,9 trilhões; que os depósitos bancários em paraísos fiscais foram reduzidos entre 20% a 25%; e que as divulgações voluntárias antes da implementação geraram € 95 bilhões em receita tributária adicional para os membros da OCDE e do G20 (Shaxson, 2019SHAXSON, Nicholas. The billions attracted by tax havens do harm to sending and receiving nations alike. Finance & Development, International Monetary Fund, September, p. 6-10, 2019. Available at: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2019/09/pdf/fd0919.pdf.
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).

Em novembro de 2012, na reunião de cúpula do G20, os ministros das finanças solicitaram um relatório sobre as causas da erosão da base e transferência de lucros (BEPS), que resultou no Plano de Ação do BEPS do G20/OCDE 2013. O Plano identificou 15 ações para acabar com a elisão fiscal internacional e foi estruturado em três eixos fundamentais: introduzir coerência nas regras internas que afetam as atividades transfronteiriças; reforçar os requisitos de substâncias nas normas internacionais existentes, para assegurar o alinhamento da tributação com a localização da atividade econômica e a criação de valor; e melhorar a transparência, bem como a segurança para empresas e governos (OCDE, 2013ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Action plan on base erosion and profit shifting. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: https://doi.org/10.1787/9789264202719-en.
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). Nota importante é que, conforme o Plano, estas ações não visavam diretamente alterar as normas internacionais existentes sobre a atribuição de direitos de tributação sobre o rendimento transfronteiriço (OCDE, 2013ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Action plan on base erosion and profit shifting. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: https://doi.org/10.1787/9789264202719-en.
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, p. 11). Em maio de 2015, a OCDE apresentou o pacote final de medidas para uma reforma “abrangente, coerente e coordenada” das regras tributárias internacionais. O pacote incluiu novos padrões mínimos sobre: relatórios país a país, que pela primeira vez darão às administrações fiscais uma visão global das operações das empresas multinacionais; prevenção de “treaty shopping”, para impedir o uso de empresa conduíte em países com tratados fiscais favoráveis para canalizar investimentos e obter alíquotas reduzidas de tributação; coibir práticas fiscais prejudiciais, nomeadamente no domínio da propriedade intelectual e através da troca automática de decisões fiscais; e procedimentos de acordo mútuo eficazes, para garantir que a luta contra a dupla não tributação não resulte em dupla tributação (OCDE, 2016ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). BEPS Project explanatory statement: 2015 Final Reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2016. Available at: http://dx.doi.org/10.1787/9789264263437-en.
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, p. 6). Além disso, o pacote previu a revisão da orientação sobre a aplicação de regras de preços de transferência para evitar que os contribuintes usem as entidades denominadas “cash box” para abrigar lucros em jurisdições com baixa ou nenhuma tributação, e redefiniu o conceito-chave de Estabelecimento Permanente, para coibir acordos que evitam a criação de uma presença tributável em um país por confiar em uma definição desatualizada (OCDE, 2016ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). BEPS Project explanatory statement: 2015 Final Reports, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2016. Available at: http://dx.doi.org/10.1787/9789264263437-en.
https://doi.org/10.1787/9789264263437-en...
, p. 6). Na apresentação do pacote, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, afirmou: “Base erosion and profit shifting affects all countries, not only economically, but also as a matter of trust. BEPS is depriving countries of precious resources to jump-start growth, tackle the effects of the global economic crisis and create more and better opportunities for all. But beyond this, BEPS has been also eroding the trust of citizens in the fairness of tax systems worldwide. The measures we are presenting today represent the most fundamental changes to international tax rules in almost a century: they will put an end to double non-taxation, facilitate a better alignment of taxation with economic activity and value creation, and when fully implemented, these measures will render BEPS-inspired tax planning structures ineffective.” (OCDE, 2015ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). OECD presents outputs of OECD/G20 BEPS Project for discussion at G20 Finance Ministers meeting. Paris: OECD Publishing, 2015. Available at: https://www.oecd.org/tax/oecd-presents-outputs-of-oecd-g20-beps-project-for-discussion-at-g20-finance-ministers-meeting.htm.
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).

O projeto BEPS ampliou a participação de atores na formulação de políticas tributárias internacionais: além de quase 90 países envolvidos no desenvolvimento de um instrumento multilateral capaz de incorporar as medidas BEPS relacionadas a tratados fiscais na rede existente de tratados bilaterais, os trabalhos contaram com um processo de consulta entre a OCDE, o G20, países em desenvolvimento e as partes interessadas de organizações empresariais, trabalhistas, acadêmicas e da sociedade civil. Em 2016, o projeto BEPS foi aberto a todos os países dispostos a aceitar seus compromissos por meio de um Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre BEPS. Além de contar com países em “equal footing” na Comissão de Assuntos Fiscais e seus órgãos subsidiários, o Quadro Inclusivo conta com trabalhos e consultas de organizações internacionais, órgãos fiscais regionais, empresas e sociedade civil. Em estudo que mapeou e avaliou a participação de países de baixa renda na definição de padrões tributários globais entre 2012 e 2019, com foco em sete decisões políticas significativas no Quadro Inclusivo e uma na ONU, Rasmus Corlin Christensen, Martin Hearson e Tovony Randriamanalina (2020)CHRISTENSEN, Rasmus Corlin; HEARSON, Martin; RANDRIAMANALINA, Tovony. At the table, off the menu? Assessing the participation of lower-income countries in global tax negotiations. ICTD Working Paper, v. 115, p. 3-35, 2020. afirmaram que o Quadro Inclusivo teve pouca participação efetiva dos países de baixa renda, que em sua maioria foram participantes muito silenciosos. Segundo os autores, esse baixo nível de participação resultou de três causas inter-relacionadas: amplos obstáculos estruturais à participação; aspectos específicos do modo de trabalho da OCDE/FI que exacerbam essas questões; e baixas expectativas dos ganhos potenciais da participação. Irene Burgers e Irma Mosquera (2017)BURGERS, Irene; MOSQUERA, Irma. Corporate taxation and BEPS: a fair slice for developing countries? Erasmus Law Review, v. 10, n. 1, p. 29-47, 2017. destacaram a limitada inclusão e participação dos países em desenvolvimento no projeto BEPS, evidenciada na construção das agendas e nos processos de negociação e de decisão conforme interesses dos países desenvolvidos.

Ainda que o projeto BEPS tenha representado uma primeira revisão ampliada de regras tributárias internacionais de um regime que remonta à década de 1920, a evasão fiscal corporativa continuou, como demonstraram os escândalos Luxleaks e Paradise Papers. Além disso, as questões tributárias da digitalização da economia permaneceram sem solução. Como alocar lucros e regras de nexo para distribuir direitos de tributação de renda gerada por atividades transfronteiriças de forma justa para países distintos em tamanho e grau de desenvolvimento continuou como desafio, pois os conceitos fundamentais da tributação internacional das empresas permaneceram intactos. Conforme Reuven S. Avi-Yonah e Haiyan Xu (2017, p. 5)AVI-YONAH, REUVEN S.; XU, Haiyan. Evaluating BEPS. Erasmus Law Review, v. 10, n. 1, p. 3-11, 2017., o problema fundamental do BEPS decorreu de sua dependência do princípio dos benefícios, constituindo-se em uma tentativa de melhorar a tributação da renda ativa baseada na fonte, mas não se aplicou a países fora da OCDE/G20, e seu escopo foi bastante limitado. Reuven S. Avi-Yonah e Haiyan Xu (2017, p. 11)AVI-YONAH, REUVEN S.; XU, Haiyan. Evaluating BEPS. Erasmus Law Review, v. 10, n. 1, p. 3-11, 2017. destacavam em 2017 que o projeto deveria tributar a renda passiva principalmente na fonte e a renda ativa principalmente na residência. Isso permitiria que as grandes economias abordassem tanto a evasão fiscal individual quanto a evasão fiscal corporativa.

Diante disso, um conjunto de países membros ou não membros da OCDE começou a tomar medidas unilaterais antievasão, principalmente relacionadas à criação de valor na economia digital. Alegando inadequação entre onde o valor é criado e os lucros das empresas são tributados, países como Alemanha, Canadá, Espanha, França, Índia, Itália, Reino Unido e Rússia anunciaram medidas de tributação aplicadas às receitas brutas de vendas de publicidade digital, prestação de serviços digitais (incluindo a manutenção de uma plataforma ou marketplace digital) e venda de dados de usuários. Os chamados Impostos sobre Serviços Digitais passaram a ser praticados em mais de dez países em todo o mundo. Imediatamente, os EUA se opuseram e ameaçaram retaliações, pois essas medidas teriam como efeito aumentar os direitos dos países para tributar os lucros das corporações norte-americanas. De modo mais emblemático, aliados históricos no centro do sistema tributário global como Europa e EUA entraram em conflitos, com as grandes corporações digitais sediadas nos EUA sendo alvos de ações e legislações tributárias unilaterais pelos países europeus. Assim como os EUA, a China é grande exportadora de serviços digitais, fato que colocou as corporações chinesas Baidu, Alibaba e Tencent no alvo de legislações tributárias unilaterais no mundo.

O relatório provisório BEPS de 2018 evidenciou esses problemas e, apesar da oposição de países importantes, revelou a necessidade de uma reforma do sistema como um todo (OCDE, 2018ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Tax Challenges Arising from Digitalisation – Interim Report 2018: Inclusive Framework on BEPS, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2018. Available at: https://doi.org/10.1787/9789264293083-en.
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). Nesse sentido, em fevereiro de 2019 o projeto BEPS publicou um documento de consulta propondo o desenvolvimento de duas regras inter-relacionadas: “1. an income inclusion rule that would tax the income of a foreign branch or a controlled entity if that income was subject to a low effective tax rate in the jurisdiction of establishment or residence; and 2. a tax on base eroding payments that would deny a deduction or treaty relief for certain payments unless that payment was subject to an effective tax rate at or above a minimum rate”. (OCDE, 2019aORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Addressing the Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy. Public Consultation Document. Paris: OECD Publishing, 2019a. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-addressing-the-tax-challenges-of-the-digitalisation-of-the-economy.pdf.
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, p. 25). Atendendo a uma demanda apresentada pelo G24 de países em desenvolvimento, o projeto BEPS também trouxe uma proposta de rateio fracionado, com três etapas sucessivas: “1. the definition of the tax base to be divided, 2. the determination of the allocation keys to divide that tax base, and 3. the weighting of these allocation keys” (OCDE, 2019aORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Addressing the Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy. Public Consultation Document. Paris: OECD Publishing, 2019a. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-addressing-the-tax-challenges-of-the-digitalisation-of-the-economy.pdf.
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, p. 16).

Em maio (OCDE, 2019bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Programme of Work to Develop a Consensus Solution to the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy, OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS. Paris: OECD Publishing, 2019b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/programme-of-work-to-develop-a-consensus-solution-to-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/programme-...
), outubro (OCDE, 2019cORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Secretariat Proposal for a ‘Unified Approach’ Under Pillar 1. Paris: OECD Publishing, 2019c. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-secretariat-proposal-unified-approach-pillar-one.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/public-con...
) e novembro (OCDE, 2019dORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Global Anti-Base Erosion Proposal (‘GloBE’) - Pillar Two. Paris: OECD Publishing, 2019d. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-global-anti-base-erosion-proposal-pillar-two.pdf.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/public-con...
) de 2019 foram publicados outros documentos para consultas públicas que delinearam a reforma proposta, baseada no Pilar 1, que visa realocar os lucros das corporações transnacionais e os direitos de tributação para as jurisdições de mercado, e o Pilar 2, que introduz uma taxa de imposto mínima global. Em janeiro de 2020, embora reconhecendo as profundas divergências sobre vários pontos das propostas, o Quadro Inclusivo publicou uma decisão de buscar um consenso global do assunto com a Declaração do Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre BEPS, sobre a Abordagem de Dois Pilares para Abordar os Desafios Fiscais decorrentes da Digitalização da Economia (OCDE, 2020ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement by the OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar Approach to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2020. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-by-the-oecd-g20-inclusive-framework-on-beps-january-2020.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
). A demanda dos países do G24 de rateio fracionado foi desconsiderada na proposta final sem explicação, evidenciando as assimetrias de interesses, poder e informações entre os atores envolvidos nesse processo.

Com essa declaração, o projeto BEPS entrou numa nova fase que significou uma mudança de trajetória em relação ao projeto original de 2013, que não considerou nenhum tipo de reforma relacionada à mudança dos padrões internacionais vigentes sobre a alocação de direitos tributários sobre o lucro das corporações transnacionais entre os países onde as atividades reais ocorrem. Preocupados com as medidas unilaterais de tributação sobre serviços digitais, os EUA se engajaram na reforma e propuseram o debate sobre a alocação de direitos tributários para todos os lucros empresariais internacionais, não apenas sobre lucros na economia digitalizada, algo que proporcionaria aos EUA maiores direitos tributários sobre empresas estrangeiras que vendem em seu grande mercado consumidor.

5 Justiça e regime tributário internacional: o Acordo Tributário Global

É fato que, com os inúmeros desafios globais desencadeados pelos processos descritos acima e por outros que se articulam – como a crescente desigualdade, as mudanças climáticas, as crises migratórias, os efeitos da crise financeira econômica de 2008 e as consequências da pandemia da Covid 19 –, as discussões em torno de justiça no âmbito internacional têm aumentado. Em decorrência disso, propostas de impostos internacionais e sua viabilidade têm tomado a agenda de movimentos sociais e de disciplinas acadêmicas. São muitas as propostas de impostos para atenuar os resultados distributivos desiguais no planeta, tais como o imposto global sobre a riqueza, o imposto global sobre o uso ou propriedade de recursos naturais, o imposto global sobre luxos, o imposto global sobre transações financeiras, entre outros. No campo da teoria política normativa sobre justiça internacional, essas propostas têm sido endossadas e apoiadas com maior veemência por teorias normativas cosmopolitas.

Partindo da premissa do status moral igual para todos as pessoas no mundo, teóricos cosmopolitas defendem a aplicação de princípios de justiça distributivas além do ambiente doméstico (Beitz, 1979BEITZ, Charles. Political theory and international relations. Princeton: Princeton University Press, 1979.; Pogge, 1994POGGE, Thomas. An egalitarian law of peoples. Philosophy & Public Affairs, v. 2, n. 3, p. 195-222, 1994.). Para o cosmopolitismo, numa economia globalizada, a competição tributária internacional exacerba as desigualdades interindividuais e, portanto, torna-se necessário normativamente uma redistribuição global de vantagens individuais. Preocupado com a atenuação da pobreza global, Thomas Pogge (2001)POGGE, Thomas. Eradicating systematic poverty: brief for a Global Resources Dividend. Journal of Human Development, v. 2, n. 1, p. 59-77, 2001. defendeu a criação de um Dividendo de Recursos Globais, que seria proveniente de uma espécie de imposto sobre utilização de recursos da natureza, que constituem uma propriedade imerecida. Os recursos arrecadados deveriam ajudar as pessoas pobres no planeta, especialmente nos países em desenvolvimento. Outra demanda frequente nas posições cosmopolitas está relacionada ao estabelecimento de uma “Organização Tributária Internacional”, que deveria coordenar, arrecadar e distribuir receitas para financiamento de bens públicos globais. Cada nação repassaria uma quantia ou porcentagem acordada a essa organização internacional para gastos de acordo com os objetivos globais especificados (Brock, 2008BROCK, Gillian. Taxation and global justice: closing the gap between theory and practice. Journal of Social Philosophy, v. 39, p. 161-184, 2008.).

Em outras abordagens normativas, teóricos internacionalistas partem da constatação de que as escolhas de políticas tributárias nacionais causam externalidades significativas para outros países (Rixen, 2011RIXEN, Thomas. Tax competition and inequality – The case for global tax governance. Global Governance: a Review of Multilateralism and International Institutions, v. 17, p. 447-467, 2011.; Dietsch; Rixen, 2014DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014.; Ronzoni, 2014RONZONI, Miriam. Global tax governance: the bullets internationalists must bite – and those they must not. Moral Philosophy and Politics, v. 1, n. 1, p. 37-59, 2014.; Dagan, 2017DAGAN, Tsilly. International tax and global justice. Theoretical Inquiries in Law, v. 18, n. 1, p. 1-35, 2017.; Cassee, 2019CASSEE, Andreas. International tax competition and justice: the case for global minimum tax rates. Politics, Philosophy & Economics, v. 18, n. 3, p. 242-263, 2019. ; Ozai, 2020OZAI, Ivan. Two accounts of international tax justice. Canadian Journal of Law & Jurisprudence, v. 33, n. 2, p. 317-339, 2020.). Por conta disso, preconizam arranjos institucionais internacionais comprometidos com o resgate da autodeterminação fiscal nacional e de um regime tributário internacional mais equânime.

Com o objetivo de proteger as prerrogativas fiscais do Estado (tamanho do orçamento e o nível de redistribuição doméstica) e delinear a interdependência fiscal legítima da concorrência fiscal ilegítima, Peter Dietsch e Thomas Rixen (2014, p. 151)DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014. estabelecem o princípio de adesão, que prevê que a obtenção dos benefícios de ser membro de um determinado país fundamenta a obrigação de pagar impostos nesse país. Indivíduos e empresas devem ser vistos como membros nos países onde se beneficiam dos serviços públicos e infraestrutura, sujeitos à tributação nos países onde os rendimentos foram gerados (Dietsch; Rixen, 2014DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014., p. 157). Dietsch e Rixen (2014, p. 151)DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014. acreditam que a adoção desse princípio reduziria substancialmente a competição por investimentos em carteira e lucros em papel, ou seja, a prática de atrair capital de não membros de um Estado. Para a alocação dos direitos de tributar as ações do lucro de uma empresa multinacional entre as jurisdições, Dietsch e Rixen (2014, p. 167)DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014. endossam a proposta do sistema de tributação unitária com fórmula de rateio (UT+FA), método de dividir o lucro total antes dos impostos auferido por uma multinacional entre as jurisdições fiscais onde ela faz negócios, proposta que tem sido confrontada com o princípio “Arms-Length” da OCDE, que trata as transnacionais como se fossem um conjunto de empresas distintas operando independentemente em cada país. Conforme Dietsch e Rixen (2014, p. 167)DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas. Tax competition and global background justice. The Journal of Political Philosophy, v. 22, n. 2, p. 150-177, 2014., tal adoção exigiria que os governos concordassem com uma base tributária corporativa comum e consolidada. Além disso, as empresas multinacionais teriam que determinar seu lucro mundial em um único relatório e poderiam consolidar lucros e perdas de entidades em diferentes países. Essa fórmula refletiria a atividade econômica real de cada país, tornando a transferência de lucros em papel muito mais cara. Para Peter Dietsch (2016)DIETSCH, Peter. Whose Tax Base? The ethics of global tax governance. In: DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas (Ed.). Global Tax governance. What is wrong with it and how to fix it. United Kingdom: ECPR Press, 2016., por si só, respeitar o princípio “Arms-Length” da OCDE pode excluir o erro de preço de transferência, mas não exclui a transferência de lucros como tal, pois as multinacionais criam outras formas de transferência de lucros.

Na defesa de uma abordagem internacionalista para tornar a competição menos prejudicial, Miriam Ronzoni (2014RONZONI, Miriam. Global tax governance: the bullets internationalists must bite – and those they must not. Moral Philosophy and Politics, v. 1, n. 1, p. 37-59, 2014.; 2016)RONZONI, Miriam. Tax competition: a problem of global or domestic justice? In: DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas (Ed.). Global Tax Governance: what is wrong with it and how to fix it. Colchester: ECPR Press, 2016. propõe uma estratégia tripartite, que envolve: a transferência de alguns poderes fiscais para o nível supranacional (mas com extrema cautela e com uma lógica diferente daquela dos cosmopolitas); a harmonização de determinadas áreas fiscais; e a capacitação de instituições supranacionais para punir com eficácia determinados tipos de comportamento. Sobre transferir alguns poderes fiscais para uma autoridade global, Ronzoni (2016, p. 210-211)RONZONI, Miriam. Tax competition: a problem of global or domestic justice? In: DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas (Ed.). Global Tax Governance: what is wrong with it and how to fix it. Colchester: ECPR Press, 2016. reconhece que pode ser a única maneira de lidar com os efeitos nocivos da competição fiscal, mas isso não significa coletar receitas globalmente para fornecer serviços a indivíduos em todo o mundo ou redistribuir a riqueza global, como argumenta o cosmopolitismo. A harmonização de determinadas áreas fiscais não significa a convergência dos objetivos de política fiscal, mas funciona como uma restrição, que pode conseguir bloquear dinâmicas não cooperativas e reduzir a competição. Como exemplo, a introdução de uma taxa mínima universal para o imposto sobre o rendimento e sobre as sociedades. Essa taxa, além de oferecer uma boa proteção contra ameaças à capacidade de um Estado de manter a extensão da redistribuição, pode, nas circunstâncias certas, desacelerar a concorrência mesmo acima da linha de base (Ronzoni, 2016RONZONI, Miriam. Tax competition: a problem of global or domestic justice? In: DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas (Ed.). Global Tax Governance: what is wrong with it and how to fix it. Colchester: ECPR Press, 2016., p. 211). Por fim, a capacitação de instituições supranacionais para punir com eficácia determinados tipos de comportamento envolveria um acordo sobre o estabelecimento de uma autoridade global com o poder de fazer cumprir tal proibição (Ronzoni, 2016RONZONI, Miriam. Tax competition: a problem of global or domestic justice? In: DIETSCH, Peter; RIXEN, Thomas (Ed.). Global Tax Governance: what is wrong with it and how to fix it. Colchester: ECPR Press, 2016., p. 212).

Tendo como referência o debate teórico acima e as problematizações desenvolvidas nas seções anteriores, passamos agora a uma análise do Acordo Tributário Global. Em 8 de outubro de 2021, a Declaração em Dois Pilares foi finalizada, com o Acordo Tributário Global. Em 31 de outubro de 2021, o G20 endossou o acordo fiscal de Dois Pilares da OCDE, com meta para entrada em vigor da convenção multilateral em 2023. Em 20 de dezembro de 2021, a OCDE publicou as disposições operativas e definições do Regulamento GloBE Regras Globais do Modelo Anti-Base de Erosão. Essas regras devem ser implementadas como parte de uma abordagem comum e incorporadas à legislação nacional a partir de 2022. No total, 137 das 141 jurisdições membros concordaram com a declaração de Dois Pilares, enquanto Quênia, Nigéria, Paquistão e Sri Lanka optaram por não participar. Embora o acordo tenha sido negociado sob a Estrutura Inclusiva, uma parte substantiva do processo foi realizada dentro do G7 e G20.

O Pilar 1 consiste em novas regras de nexo fiscal e alocação de lucros, realocando uma parte dos lucros tributáveis das empresas multinacionais para jurisdições de mercado. No Montante A, o acordo prevê que as empresas incluídas no escopo são as empresas multinacionais (MNEs) com rendimento global acima de 20 bilhões de euros e lucratividade acima de 10% (lucro antes de impostos/receitas), calculado com base na média, com o limiar do volume de negócios a ser reduzido para 10 bilhões de euros, dependendo de implementação bem-sucedida da solução, incluindo as normas de previsibilidade fiscal sobre o Montante A, com a revisão aplicável começando sete anos após a entrada em vigor do acordo, e a revisão sendo concluída em no máximo um ano. Para MNEs dentro do escopo, 25% do lucro residual definido como lucro acima de 10% da receita será alocado para jurisdições de mercado com nexo, usando uma solução de alocação baseada em receita. Serviços Financeiros Regulados e Indústria Extrativa estão excluídos do escopo (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 1-2).

De modo inédito na história do sistema tributário internacional, as regras do Pilar 1 concedem alguns direitos tributários aos países de destino (onde são feitas as vendas finais de bens ou serviços) em oposição aos países de residência (onde as empresas estão sediadas) ou países de origem (onde hospedam suas operações). Nesse sentido, exige que as maiores corporações transnacionais realoquem parte de seus lucros e paguem impostos às jurisdições de mercado. Como uma mudança de paradigma para as regras de alocação de renda, o acordo reconhece a demanda como um fator de alocação de lucros, conferindo às jurisdições de mercado uma participação legítima nos lucros globais das multinacionais. Para que as multinacionais não possam mais selecionar e escolher onde registrar seus lucros, o acordo também reconhece o princípio de que as multinacionais são empresas unitárias, operando em várias jurisdições e que seus lucros mundiais devem ser tributados de acordo com suas atividades reais em cada país. Com isso, as regras obsoletas de exigência de estabelecimento permanente numa jurisdição de origem e o padrão de “Arms-Length” na alocação da renda deixam de ser aplicadas no Montante A, pois a tributação de jurisdições de mercado não exige presença física no território e as empresas são tratadas como unitárias.

Segundo a OCDE, espera-se que os direitos de tributação sobre mais de US$ 125 bilhões em lucro sejam realocados para as jurisdições de mercado a cada ano (OCDE, 2021cORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). International community strikes a ground-breaking tax deal for the digital age. Paris: OECD Publishing, 2021c. Available at: https://www.oecd.org/tax/international-community-strikes-a-ground-breaking-tax-deal-for-the-digital-age.htm.
https://www.oecd.org/tax/international-c...
). A redistribuição para países de mercado promove uma distribuição mais justa de lucros e direitos tributários, pois, geralmente, os superlucros das empresas estão situados nos seus países de origem ou transferidos para paraísos fiscais. No entanto, mesmo que possa contemplar países em desenvolvimento, o impacto nas receitas fiscais, principalmente dos países de baixa e média renda, deve ser baixo, pois a regra acaba sendo aplicada a uma pequena parte dos lucros e a um conjunto reduzido de corporações globais, que não ultrapassa 100 empresas. Propostas de países em desenvolvimento de realocar parte do lucro de rotina das multinacionais e de tributar 35% do lucro residual no escopo para as jurisdições de mercado não foram aceitas. Além disso, os países teriam dez anos para implantar o imposto, a partir de 2023, em vez dos cinco anos originais propostos.

A OCDE não fez uma avaliação do impacto da proposta do Pillar 1 no conjunto dos países, tampouco essa avaliação foi feita pelos países em desenvolvimento, que carecem de dados, recursos e capacidade administrativas para tanto. Uma estimativa foi desenvolvida pela Oxfam, a partir de uma metodologia da Oxford Economics, que indicou falta de exatidão nos resultados por conta da limitação de dados, estimando-se que apenas 67 corporações estariam no escopo do Pilar 1, subindo para 151 se o limite de tamanho for reduzido para € 10 bilhões, como a estrutura da OCDE propõe que aconteça após sete anos (Oxfam, 2022OXFAM. The effect of the OECD’s Pillar 1 proposal on developing countries – An impact assessment. Washington DC.: OXFAM, 2022. Available at: https://webassets.oxfamamerica.org/media/documents/Pillar_1_impact_assessment_v2_25JAN2022.pdf.
https://webassets.oxfamamerica.org/media...
). Segundo o estudo, 36 das 67 corporações são norte-americanas e geram 65% dos lucros realocados, e doze outros países de alta renda respondem por outros 30% dos lucros realocados. Os únicos países de renda média que abrigam corporações dentro do escopo são China (3), Brasil (1) e Índia (1), e juntos respondem por 6% dos lucros realocados. Os lucros realocados tributáveis pelos países do mercado totalizariam US$ 76 bilhões por ano, subindo para US$ 102 bilhões se o limite de tamanho fosse reduzido para € 10 bilhões. Portanto, menos do que os US$ 125 bilhões estimados pela OCDE.

Embora sejam bastante suscetíveis à evasão fiscal, empresas de petróleo, gás e mineração ficaram de foram do acordo. Os próprios países produtores defenderam essa posição sob a convicção de que os minerais são bens genéricos que devem ser tributados onde são extraídos. No entanto, não há no acordo um mecanismo mais rígido de controle à evasão fiscal no setor extrativista, tampouco algum mecanismo que leve em consideração as dimensões de recursos finitos e não renováveis.

Os serviços financeiros regulados também ficaram de fora do acordo. Pode-se dizer que foi uma vitória da diplomacia do Reino Unido, que se empenhou em garantir que os maiores bancos da cidade de Londres não pagassem mais impostos sobre seus lucros em outros países.

A Convenção Multilateral (MLC) exigirá que todas as partes excluam todos os Impostos sobre Serviços Digitais e outras medidas similares relevantes com relação a todas as empresas, assim como se comprometam a não introduzir tais medidas no futuro. Nenhum Imposto sobre Serviços Digitais, estabelecido recentemente, ou outras medidas similares pertinentes será cobrado a qualquer empresa a partir de 8 de outubro de 2021 e até 31 de dezembro de 2023, ou até a entrada em vigor da Convenção Multilateral; o que ocorrer primeiro (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 3).

Sob forte pressão dos EUA, que possuem as maiores corporações de serviços digitais e desejavam o fim das medidas unilaterais sobre suas empresas, a eliminação do DST constitui uma parte central do acordo e foi justificada com o objetivo de evitar a dupla tributação e o risco de disputas comerciais. Trata-se de uma norma injusta para os países em desenvolvimento, pois, além de incluir as corporações que estão fora do limitado escopo previsto, a eliminação do DST abala as receitas fiscais desses países que, em alguns casos, possuem ganhos fiscais maiores que o imposto esperado sob o novo regime, caso do Quênia, que rejeitou o acordo. O G24 declarou que a remoção ou suspensão de tais medidas unilaterais deve ser gradual e progressiva, juntamente com a implementação do Montante A nessas empresas. Para tanto, deve haver receita suficiente sob o Pilar 1 e um STTR mais amplo (G24, 2021G24. Comments of the G-241 on the Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy agreed by 134 jurisdictions of the Inclusive Framework on the 1 st of July 2021. 2021. Available at: https://www.g24.org/wp-content/uploads/2021/09/Comments-of-the-G24-on-the-IF-July-Statement.pdf.
https://www.g24.org/wp-content/uploads/2...
). Note-se que a tributação do Pilar 1 constitui um imposto direto sobre os lucros e não sobre as receitas brutas, como nos DST unilaterais.

Para maior previsibilidade fiscal, serão criados mecanismos de prevenção e resolução de controvérsias para todas as questões relacionadas ao Montante A, de forma obrigatória e vinculante (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 2). Um mecanismo de resolução de controvérsias obrigatório e eletivo estará disponível apenas para questões relacionadas ao Montante A para economias em desenvolvimento que são elegíveis. A elegibilidade de uma jurisdição a esse mecanismo eletivo será revista regularmente (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 2). Além da arbitragem obrigatória trazer maior segurança fiscal, o mecanismo eletivo é importante para garantir que as regras não sejam muito onerosas para países de poucos recursos. No entanto, as regras para elegibilidade não são amplas.

O Montante B prevê um método mais simples para as empresas calcularem os impostos que devem sobre operações estrangeiras, como marketing e distribuição, com foco particular nas necessidades dos países de baixa capacidade (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 3). Essa também foi uma demanda dos países em desenvolvimento, que acusam as multinacionais de manipularem os lucros de suas empresas de distribuição para baixo e que as regras fiscais existentes não capturam a criação de valor das funções de marketing localizadas.

Para tentar coibir paraísos fiscais e a concorrência fiscal, o Pilar 2 envolve um mecanismo global de antierosão de base GloBE (Regras Globais de Combate à Erosão da Base Tributária) e o Imposto Mínimo Global. Sob o Pilar 2, qualquer empresa com mais de 750 milhões de euros de receita anual estará agora sujeita a uma taxa alíquota mínima de 15% em quase todos os países onde operam (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 4). Estima-se que isso gerará cerca de US$ 150 bilhões em receitas fiscais globais adicionais anualmente (OCDE, 2021cORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). International community strikes a ground-breaking tax deal for the digital age. Paris: OECD Publishing, 2021c. Available at: https://www.oecd.org/tax/international-community-strikes-a-ground-breaking-tax-deal-for-the-digital-age.htm.
https://www.oecd.org/tax/international-c...
).

As novas regras refletem um grau de coordenação sem precedentes entre os países sobre impostos corporativos e, novamente, o ativismo norte-americano foi decisivo para a configuração do Pilar. Em 31 de março de 2021, o governo Biden propôs um imposto mínimo de 21% sobre as afiliadas de multinacionais americanas que operam no mundo. A proposta dos EUA é semelhante em forma ao imposto complementar renda global intangível com baixa tributação, “Global Intangible Low-Taxed Income (GILTI)”, que está no código tributário dos EUA desde 2018, exceto que a alíquota proposta de 21% é muito maior que a alíquota GILTI, de 10,5 a 13,25%, e é baseada na “Base Erosion and Anti-Abuse Tax (BEAT)”, promulgada como parte da Lei de Cortes de Impostos e Empregos dos EUA de 2017. Outra semelhança incontestável é que o Pilar 2 prevê condições sob as quais o regime GILTI dos EUA coexistirá com as regras GloBE, para garantir condições de concorrência equitativas (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 5).

Com a adoção do imposto mínimo global, os países supõem que os incentivos fiscais percam o efeito e, provavelmente, os paraísos fiscais aumentem suas alíquotas efetivas até o mínimo global. Porém, a taxa de 15% é muito baixa, abaixo inclusive da alíquota média do imposto corporativo no mundo, que é próxima de 25%. Alguns países em desenvolvimento e organizações da sociedade civil propuseram um imposto global efetivo mínimo de 25% independentemente da localização da afiliada, mas a proposta foi rejeitada. Além de representar pouca arrecadação para os países em desenvolvimento, uma alíquota de 15% deve ter pouco impacto nos incentivos à competição e evasão fiscais.

A ordem inicial de regras do Pilar 2 conferia primazia às jurisdições de sede por meio da Regra de Inclusão de Renda (IIR), aplicável por países que atuam como jurisdições de residência. Como as sedes das multinacionais estão localizadas predominantemente nos países do G7 e da UE, sob essa ordem a maior parte da receita adicional ficaria nesses países. Preocupados com essa questão, os países em desenvolvimento conseguiram incluir no acordo a Regra Sujeita a Imposto (STTR), que confere maiores direitos de tributação na fonte aos países em situações em que seus residentes fazem determinados pagamentos a partes conectadas em jurisdições que tributam o recebimento a uma taxa nominal inferior a 9%. Essa alíquota poderia ter sido maior, mas foi restringida pela taxa geral baixa de 15%. A regra sujeita à tributação será disponibilizada a todos os países em desenvolvimento. Um país em desenvolvimento é definido como aquele com RNB per capita não superior a US$ 12.535, dado que inclui Índia, China, África do Sul, Indonésia e muitos outros.

Em 20 de dezembro de 2021, foi adicionado ao Pilar 2 o imposto complementar mínimo doméstico qualificado, Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT) (OCDE, 2021dORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy – Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pillar Two). Paris: OECD Publishing, 2021d. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-global-anti-base-erosion-model-rules-pillar-two.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/tax-challe...
, p. 23), que deve alterar o impacto distributivo entre os países, movendo os países fonte para a frente da fila para coletar o imposto complementar gerado pelo Pilar. Se uma MNE for tributada abaixo da alíquota mínima de imposto em um determinado país, a receita em falta será agora cobrada através do QDMTT, antes da (IIR) ou da Regra de Pagamento de Tributação Reduzida (UTPR). Essencialmente, isso coloca o governo doméstico na frente da fila para coletar o imposto complementar. Esta é uma mudança fundamental. Sempre se esperou que os governos domésticos pudessem aumentar seus impostos para evitar que outros países introduzissem um complemento.

A questão do “Carve-out baseado em substância” tem sido uma fonte de intenso desacordo entre os países há algum tempo. A Declaração de 8 de outubro de 2021 forneceu poucas informações sobre a exclusão, mas o que se sabe é que foi adicionado um longo período de transição de 10 anos com generosas reservas de substâncias ao imposto corporativo global de 15%. As regras GloBE estabelecerão uma fórmula de carve-out que excluirá um montante de receita de 5% do valor contábil dos ativos tangíveis e da folha de pagamento. Em um período de transição de dez anos, o valor da receita excluída será de 8% do valor contábil dos ativos tangíveis e 10% da folha de pagamento, diminuindo em 0,2 pontos percentuais ao ano nos primeiros cinco anos, 0,4 ponto percentual nos ativos tangíveis e em 0,8 pontos percentuais para a folha de pagamento nos últimos cinco anos (OCDE, 2021bORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy. Paris: OECD Publishing, 2021b. Available at: https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf.
https://www.oecd.org/tax/beps/statement-...
, p. 4). Assim, a regra do carve-out de substância reduzirá a base tributável sobre a qual será aplicada a taxa mínima de 15%. Embora permita que os países ofereçam incentivos fiscais que atraiam atividades empresariais genuínas e substanciais, a regra de exclusão de substância pode anular o propósito de uma taxa mínima limitar a concorrência fiscal. Os carve-outs de substâncias permitem que as empresas escapem da alíquota mínima desde que tenham operações suficientes (ativos e funcionários) em determinadas jurisdições, que podem ser de baixas alíquotas, como paraísos fiscais. Portanto, incentiva as empresas a transferirem suas atividades econômicas para jurisdições com baixas alíquotas, o que pode anular o objetivo da alíquota mínima: limitar a concorrência tributária.

Em conjunto, pode-se afirmar que propostas normativas sobre justiça na tributação internacional preconizadas pelas abordagens internacionalistas tiveram maior aceitação no acordo. Tal fato se deve, por um lado, às dificuldades institucionais e ausência de consenso em torno das abordagens cosmopolitas, que preconizam instituições internacionais distributivas, pois embora seja urgente a criação de mecanismos para enfrentamento das desigualdades e da pobreza globais, abordagens cosmopolitas distributivistas enfrentam dificuldades e resistências, muitas delas decorrentes da configuração do sistema internacional de Estados e suas estruturas de poder. Talvez haja poucos Estados com alguma disposição para arcar com carga tributária global. Outras relacionadas às dificuldades de estabelecimento do justo na redistribuição entre Estados via impostos globais; e, por fim, a ausência de um agente global com capacidade e legitimidade para aplicação de mecanismos redistributivos globais. Por outro, as abordagens internacionalistas seguem muitas agendas, diagnósticos, avaliações e propostas da OCDE, como nos casos do reconhecimento de que as multinacionais são empresas unitárias e não podem escolher onde registrar seus lucros; na adoção do princípio da adesão, que preconiza que as empresas estão sujeitas ao pagamento de impostos onde os rendimentos são gerados; e na taxa mínima universal. Mesmo que mais afinados com os termos do acordo, os fundamentos normativos internacionalistas adotados para a regulação do regime internacional tributário ainda são insuficientes para que ocorra maior autonomia dos Estados e redução das desigualdades entre os países.

Conclusão

Desde a crise de 2008, o regime tributário internacional passou por grandes modificações, rompendo com um formato estático e longevo de atores, agendas, instituições e normas. Sob esses aspectos, a cooperação multilateral entre os Estados ganhou importância no enfrentamento dos danos da concorrência tributária prejudicial e do planejamento tributário agressivo das corporações. Cabe destacar que a competição fiscal prejudicial e os paraísos fiscais foram parte dessa longa trajetória sem mudanças no regime. As ações iniciais do Projeto BEPS não revisaram as normas internacionais sobre a atribuição de direitos tributários de rendimentos transfronteiriços, antiga demanda dos países em desenvolvimento. A adesão dos países desenvolvidos a essa demanda tem a ver com o incremento da economia digital, que tornou obsoletas posições de liderança e conflitos entre os países. A dinâmica da economia digital atingiu interesses importantes dos principais atores do sistema internacional de Estados, como EUA e União Europeia, fato que evidencia que as longevas regras do regime tributário internacional, apoiadas na tributação conforme origem dos rendimentos e residência do contribuinte, nunca foram equânimes e beneficiaram os países desenvolvidos. A competição fiscal ganhou nova configuração, evidenciada nas ações unilaterais da UE sobre as empresas digitais e nas retaliações norte-americanas. Daí decorreram as saídas normativas de tributar a renda das empresas com base na presença no mercado consumidor e o imposto mínimo global.

Em nome de um regime internacional tributário “mais justo, eficiente e estável”, como a OCDE tem se pronunciado, a solução de Dois Pilares quando for implementada mudará a arquitetura tributária internacional dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O regime internacional deverá ficar mais eficiente no combate à concorrência tributária prejudicial e ao planejamento tributário agressivo, embora esses fenômenos não devam desaparecer. A alocação de direitos tributários entre os países ganha uma inédita configuração, porém ainda está longe de ser mais equânime, pois as bases tributáveis não devem passar por uma grande modificação territorial, mantendo-se nos países desenvolvidos que concentram atividades de maior valor agregado nas cadeias globais. O aumento pouco expressivo na receita fiscal dos governos, e na maior parte dos países ricos, não está à altura dos imensos desafios planetários. Privados de receitas nas últimas décadas, os Estados tiveram suas infraestruturas abaladas, refletindo em serviços públicos débeis, austeridade, impostos regressivos e impotência para lidar com os graves problemas nacionais e transnacionais.

O processo não está encerrado, a governança multilateral é ainda embrionária quando comparada às origens do regime tributário internacional. O empenho na construção de sistemas tributários mais justos na distribuição de receitas que transitam pelo mundo é uma agenda que tem necessidade de intensificação. Por conta disso, a formulação de arranjos institucionais internacionais comprometidos com o resgate da autodeterminação fiscal nacional e de um regime tributário internacional mais equânime são tarefas urgentes. Como o G77 e muitos ativistas fiscais defendem, a ONU poderia suceder a OCDE na gestão dessa governança, garantindo participação mais ampla e em pé de igualdade entre os países. No que se refere ao Sul global, medidas de apoio fiscal para a recuperação econômica e redução da pobreza e até mesmo propostas para atenuar os resultados distributivos desiguais no planeta deveriam receber melhores encaminhamentos.

  • JEL: B20, F23, F53, H26, K34.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2022
  • Aceito
    02 Set 2023
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