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HISTÓRIAS DO FOGO E DAS TRANSFORMAÇÕES DE PAISAGENS NO BRASIL CENTRAL PARA NATURALISTAS ESTRANGEIROS NO SÉCULO XIX

Histories of Fire and of the Landscapes Transformations in Central Brazil among Foreign Naturalists in the Nineteenth Century

Historias del fuego y de las transformaciones de los paisajes en Brasil Central para naturalistas extranjeros en el siglo XIX

RESUMO

Este artigo apresenta como naturalistas estrangeiros descreveram o fogo nos campos, matos e cerrados do Brasil Central no século XIX, num diálogo entre a história da ciência e a história ambiental. Discute-se como eles se engajaram com as queimadas que grassavam anualmente a região ao final do período seco, descrevendo seus efeitos na flora, na fauna e nas paisagens. Nos documentos dos naturalistas, o fogo aparece de forma complexa, tanto como elemento de destruição e degradação ambiental como de criação de vida e de estímulo para a adaptação dos seres, sendo um importante agente de formação das savanas brasileiras.

PALAVRAS-CHAVE:
História ambiental; História das ciências; Naturalistas viajantes; Brasil Central; Fogo; Século XIX

ABSTRACT

This article presents how foreign naturalists described the burning of the fields, grasslands, and savannas (cerrado) of Central Brazil in the nineteenth century, in a dialogue between the history of science and environmental history. It discusses how they engaged with fire, which raged in the region at the end of the dry season, describing its effects on the flora, the fauna, and the landscape. In naturalists’ documents, fire appears in complex ways, both as an element of destruction and environmental degradation and of life creation and stimulation of the adaptation of living beings, being an important agent for the formation of the Brazilian savannas.

KEYWORDS:
Environmental history; History of science; Naturalist travelers; Central Brazil; Fire; Nineteenth Century

RESUMEN

Este artículo presenta cómo los naturalistas extranjeros describieron el fuego en los campos y sabanas (cerrados) del Brasil Central en el siglo XIX, en un diálogo entre la historia de las ciencias y la historia ambiental. Se discute cómo ellos se involucraron con los incendios que asolaban la región al final de la estación seca, describiendo sus efectos sobre la flora, la fauna y los paisajes. En los documentos de los naturalistas, el fuego aparece de forma compleja tanto como elemento de destrucción y degradación como de creación de vida y estímulo para la adaptación de los seres al ser un importante agente de formación de los paisajes en las sabanas brasileñas.

PALABRAS CLAVE:
Historia ambiental; Historia de las ciencias; Naturalistas viajeros; Brasil Central; Fuego; Siglo XIX

INTRODUÇÃO1 1 O presente trabalho é parte da pesquisa de doutorado, Tropicalidades múltiplas: as matas, os campos e as viagens naturalistas no século XIX (Bailão, 2022), orientada pelos professores Lilia Katri Moritz Schwarcz e Stelio A. Marras junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS/USP), com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

No final do século XVIII e ao longo do XIX, as queimadas e os desmatamentos praticados por agricultores foram debatidos pelas elites políticas e científicas ao redor do mundo, compondo a primeira crítica ambiental da história moderna, segundo Richard Grove (1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.) e José Augusto Pádua (2002PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Zahar, 2002., 2009PÁDUA, José Augusto. Natureza e sociedade no Brasil monárquico. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v. 3, p. 313-365.). De acordo com esse debate, que tomou corpo nas colônias europeias em ilhas ao redor do mundo, na Índia, e em diversas partes das Américas e do Caribe, se nada fosse feito para modernizar as práticas agrícolas, as terras perderiam suas reservas de madeira e seriam afligidas pela erosão, pela perda de solo fértil e pelo dessecamento, o que poderia transformá-las em desertos. No Brasil, tal crítica referia-se principalmente às regiões florestadas, onde se concentrava a produção agroexportadora escravista de cana-de-açúcar, café e algodão (Pádua, 2002PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.). Porém, no interior do território, os campos e cerrados também foram palco de grandes queimadas anuais que acompanhavam a pecuária, atividade econômica principal após o ímpeto inicial da mineração (Dutra e Silva, 2017DUTRA E SILVA, Sandro. No oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil Central. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.: 39-40; Prado Jr., 2011PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Companhia das Letras , 2011. ; Ribeiro, 2005RIBEIRO, Ricardo Ferreira. As florestas anãs do sertão: o cerrado na história de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.: 191-207).

O fogo está presente no Brasil Central há milhares de anos, graças a processos naturais. A germinação e a floração de certas plantas, e a morfologia das árvores tortuosas de cascas grossas indicam a coevolução da flora com as chamas. O seu uso era também disseminado entre as populações indígenas, especialmente para a caça e a abertura de roças (Dutra e Silva, 2020DUTRA E SILVA, Sandro. Challenging the environmental history of the Cerrado: science, biodiversity, and politics on the Brazilian agricultural frontier. Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, Anápolis, v. 10, n. 1, 2020. ; Miranda; Bustamante; Miranda, 2002MIRANDA, Heloisa S.; BUSTAMANTE, Mercedes M. C.; MIRANDA, Antonio C. The fire factor. In: OLIVEIRA, Paulo S.; MARQUIS, Robert J. (ed.). The Cerrados of Brazil: ecology and natural history of a neotropical savanna. New York: Columbia University Press, 2002. p. 51-68.).

Como outras regiões afetadas pela colonização europeia a partir do século XV, o Brasil Central foi um encontro, muitas vezes violento, entre diferentes biotas (Crosby, 2011CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: A expansão biológica da Europa 900-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.) e regimes do fogo (Pyne, 1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. ). Durante o período colonial e após a independência, os europeus e africanos trouxeram, além de plantas e animais, as suas práticas de queimadas, que se somaram às indígenas. A sazonalidade das estações chuvosa e seca das regiões centrais do Brasil, característica das savanas tropicais, é ideal para as queimadas dos criadores de gado (Dutra e Silva 2017DUTRA E SILVA, Sandro. No oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil Central. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.: 45; Dutra e Silva; Barbosa, 2020DUTRA E SILVA, Sandro; BARBOSA, Altair Sales. Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 46, n. 1, 2020.; Pyne, 1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. : 471). O fogo abria novos pastos para os animais que os novos ocupantes criavam, impedia o adensamento dos matagais e diminuía os carrapatos que se disseminavam pelo mato seco.

No século XIX, após o estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808 e a abertura dos portos às nações aliadas, os naturalistas cruzaram os campos e cerrados, por inúmeras razões de cunho pessoal, político ou institucional (Kury, 2001KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, 2001. , 2008; Leite, 1997LEITE, Miriam Moreira. Livros de viagem: 1803/1900. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1997.). Dirigiam-se a uma região que havia permanecido fechada aos estrangeiros pelas políticas protecionistas portuguesas em relação à mineração, atraídos pelas possibilidades de estudar e coletar espécies desconhecidas nos círculos científicos internacionais (Pádua, 2009PÁDUA, José Augusto. Natureza e sociedade no Brasil monárquico. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v. 3, p. 313-365.). Viajando preferencialmente durante os meses de estiagem, quando os caminhos eram mais transitáveis para a passagem de tropas de animais e seus carregamentos, os naturalistas atravessavam justamente a estação típica das queimadas. Eles ficavam impressionados com a extensão dos incêndios, que pareciam compor as paisagens em conjunto com os fenômenos climáticos, os solos e o relevo, a flora e a fauna que descreviam e coletavam.

Apesar da diversidade de interesses, formações e objetivos entre eles, a maioria dos viajantes naturalistas daquele período se caracterizavam por práticas semelhantes (Kury, 2008KURY, Lorelai. As artes da imitação nas viagens científicas do século XIX. In: ALMEIDA, Marta; VERGARA, Moema de R. (org.). Ciência, história e historiografia. São Paulo: Via Lettera; Rio de Janeiro: Mast, 2008, p. 321-334.; Leite, 1997LEITE, Miriam Moreira. Livros de viagem: 1803/1900. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1997.). Entre os naturalistas europeus do século XIX, muitos se formaram em medicina, que possuíam cursos práticos de botânica, ou nas recém-fundadas escolas de minas. A formação também se dava pela leitura de guias, de relatos de outros viajantes anteriores - como as publicações de Humboldt - e de compêndios de história natural - os do francês conde de Buffon e do sueco Lineu figuram entre os mais mencionados. Aqueles com recursos próprios financiavam suas viagens, enquanto outros recebiam apoio das coroas, museus, jardins botânicos e universidades, que compravam suas coleções naturais. Como explicou Lorelai Kury, essas viagens científicas eram idealizadas como um empreendimento coletivo e público, de interesse universal, e os viajantes buscavam “registrar de forma convincente e duradoura os fenômenos naturais e culturais de países visitados” por meio de documentos e procedimentos que fossem “comunicáveis e compreensíveis fora de seu lugar de origem” (Kury, 2008KURY, Lorelai. As artes da imitação nas viagens científicas do século XIX. In: ALMEIDA, Marta; VERGARA, Moema de R. (org.). Ciência, história e historiografia. São Paulo: Via Lettera; Rio de Janeiro: Mast, 2008, p. 321-334.: 323). Entre as práticas que caracterizavam esse conjunto bastante heterogêneo de pessoas nos modos como se engajavam e percebiam os fenômenos e espécies naturais estavam: a escrita de diários com o que observavam, ouviam, sentiam, coletavam e aprendiam em campo; a medição instrumental de fenômenos; a coleta da flora, da fauna e de minérios, além de sua organização, catalogação e classificação; entre os que desenhavam, o registro gráfico de cenas, de plantas e animais, de tipos humanos e objetos. Tais descrições textuais e imagéticas eram publicadas posteriormente na forma de relatos de viagem, de ensaios científicos e de álbuns ilustrados.

Não é de se espantar, portanto, que o legado documental produzido pelos naturalistas sobre o Brasil Central seja marcado pelo fogo. Percorrendo o território atentos aos fenômenos naturais, à flora e à fauna, os viajantes anotavam detalhadamente a ação das chamas, o comportamento dos incêndios e seus efeitos nas plantas, nos animais, na atmosfera e nas paisagens dos campos, cerrados e matos no planalto paulista, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e na bacia do rio São Francisco.2 2 O que hoje chamamos de Cerrado era conhecido no século XIX como a região dos campos, e eram inúmeros termos paisagísticos que descreviam os tipos de vegetações, como campos cerrados, carrascos, matos e matas (Dutra e Silva; Barbosa, 2020).

Entre os naturalistas que estiveram no Brasil Central antes da independência incluem-se o engenheiro hessiano Wilhelm von Eschwege (1777-1855), contratado pelo governo português para recuperar as minas no início do século XIX; o barão Georg H. F. von Langsdorff (1774-1852), médico e naturalista prussiano e cônsul do Império Russo no Rio de Janeiro, que organizou uma expedição nos anos 1820 com naturalistas e artistas de várias nacionalidades, e cujos diários foram publicados apenas no final do século XX. Em 1816 o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) empreendeu longas expedições pelo território, que resultaram em vários volumes de relatos de viagens. Em 1817 chegaram naturalistas na comitiva da princesa Leopoldina da Áustria para seu casamento com o futuro Dom Pedro I, como o austríaco Johann Baptist E. Pohl (1782-1834), e os bávaros Johann B. von Spix (1781-1826) e Carl Fr. Ph. von Martius (1794-1868). Os dois últimos viajaram juntos numa longa expedição por todo o Brasil e, após a morte de Spix, Martius se tornou um profícuo organizador dos relatos de suas viagens e de álbuns e compêndios científicos ilustrados (Lisboa, 1997LISBOA, Karen M. A nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817-1820). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 1997.).

Do período regencial destacam-se o cirurgião e botânico escocês George Gardner (1810-1849), cujo interesse principal estava na coleta de espécimes para a venda; o naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880), que já havia visitado o país nos anos 1820, e, após uma segunda viagem na década de 1830, passou a morar em Lagoa Santa, Minas Gerais, até sua morte. No Segundo Reinado estiveram dois dinamarqueses: Johann Theodor Reinhardt (1816-1882), que visitou Lund após uma viagem de circum-navegação no final dos anos 1840, e o botânico J. Eugenius Warming (1841-1924), que passou três anos em Lagoa Santa como assistente de Lund na década de 1860. Destaca-se também a viagem do etnógrafo alemão Karl von den Steinen (1855-1929) pela bacia do rio Xingu no fim do período monárquico - entre muitos outros (Leite, 1997LEITE, Miriam Moreira. Livros de viagem: 1803/1900. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1997.).

O objetivo deste artigo é apresentar como os naturalistas estrangeiros oitocentistas perceberam as queimadas no Brasil Central e analisar suas interpretações e reflexões a respeito do fogo. As maneiras como as paisagens dos campos e cerrados são construídas textualmente pelos viajantes complexificam noções típicas daquele momento sobre natureza tropical, frequentes em muitos relatos europeus desde o século XV. Inspirado em Edward Said, David Arnold (1996ARNOLD, David. The problem of nature: Environment, culture and European expansion. Oxford: Blackwell, 1996.) definiu a “tropicalidade” como uma construção conceitual dos colonizadores sobre as terras tropicais como exóticas e distintas das regiões temperadas da Europa. A América tropical foi frequentemente caracterizada nos relatos de viajantes como edênica, terra de natureza pujante e intocada, a despeito de seus habitantes indígenas.3 3 Tal é a leitura de Mary Louise Pratt (1992) a respeito de Humboldt e de como ele “reinventou” a América do Sul como natureza, com a produção de cenas despovoadas e da civilização indígena imaginada como resquício de um passado longínquo. A ideia de tropicalidade, como demonstrou Arnold, é bastante complexa e envolveu tanto visões paradisíacas como infernais ou pestilentas. Um dos pontos que une as diferentes concepções é uma ideia de excessos: de calor, de formas de vida, de doenças e de força vital. Em relação ao Brasil Central, entretanto, os relatos dos naturalistas indicam que eles estiveram atentos às mudanças ambientais causadas pelos habitantes. Como veremos, para eles, os campos e cerrados se mostravam carregados de história e de transformação, diferente da ideia de terra virgem comuns às florestas tropicais.

Nos documentos encontramos as impressões que as queimadas causavam nos naturalistas, descrições dos efeitos das chamas na atmosfera, no comportamento dos animais, no padrão de crescimento das plantas e na distribuição e aparência das vegetações. Impressões sensoriais e relatos objetivos sobre as queimadas conviviam com descrições de espécies naturais, relevos e tipos paisagísticos e humanos (étnicos e culturais), ao melhor estilo da época (Kury, 2001KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, 2001. ; Lisboa, 1997LISBOA, Karen M. A nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817-1820). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 1997.). O fogo foi um dos elementos centrais para os naturalistas pensarem as relações complexas entre humanas e as paisagens, como vetor de degradação, mas também de criação.

Para Donald Worster, tais indagações compõem o terceiro nível de análise da história ambiental: as interações intelectuais e percepções que formam parte do “diálogo de um indivíduo ou de um grupo com a natureza” (Worster, 1991WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 1991.: 202). Para nossa análise, nos baseamos na leitura de historiadores ambientais e das ciências que investigam as atitudes e percepções de atores históricos sobre a natureza (Glacken, 1967GLACKEN, Clarence J. Traces on the Rhodian shore: nature and culture in Western thought from ancient times to the end of the eighteenth century. Berkeley: University of California Press, 1967. ; Schama, 1996SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996.; Worster, 1982WORSTER, Donald. Nature’s economy: a history of ecological ideas. San Francisco: Sierra Club, 1982), com foco especial na história intelectual das reflexões sobre transformações ambientais (Grove, 1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.; Pádua, 2002PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.; Pyne, 1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. ). Essa agenda de pesquisa tem mostrado que as raízes das críticas ambientais às alterações dos solos, climas e vegetações tiveram como local de gestão justamente as próprias terras colonizadas pelos europeus. Alinhados aos debates que ocorriam no mundo sobre os efeitos da destruição das florestas e os dessecamentos decorrentes, como tratados por Grove, encontramos também entre os viajantes esse tipo de reflexão sobre as savanas tropicais. Esse foi o caso de Alexander von Humboldt, que acusou os desmatamentos praticados pelos fazendeiros na Venezuela como causa da diminuição do nível de água do lago Valencia (Cushman, 2011CUSHMAN, Gregory T. Humboldtian science, creole meteorology, and the discovery of human-caused climate change in South America. Osiris, Chicago, v. 26, n. 1, 2011.).

Análises dentro e fora do Brasil têm enfatizado a produção dos viajantes como “registros privilegiados sobre as paisagens” (Dutra e Silva; Barbosa, 2020DUTRA E SILVA, Sandro; BARBOSA, Altair Sales. Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 46, n. 1, 2020.: 5) tanto em suas dimensões materiais, na forma de documentos históricos sobre as terras e climas, como para compreender as dimensões culturais, textuais, artísticas e científicas de sua época. Reportando o que encontravam pelo caminho, os viajantes se tornaram atores importantes para o conhecimento da diversidade natural no Brasil (Dutra e Silva, 2020DUTRA E SILVA, Sandro. Challenging the environmental history of the Cerrado: science, biodiversity, and politics on the Brazilian agricultural frontier. Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, Anápolis, v. 10, n. 1, 2020. ; Drummond, 1991DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 1991.; Pádua, 2009PÁDUA, José Augusto. Natureza e sociedade no Brasil monárquico. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v. 3, p. 313-365.). Karen Macknow Lisboa (1997LISBOA, Karen M. A nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817-1820). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 1997.) escreveu sobre as diferentes formulações e descrições da natureza tropical, e também da cultura e civilização, nas obras de Spix e Martius. Ana Marcela França (2020FRANÇA, Ana Marcela. Aspectos das “florestas primitivas” e dos “campos cerrados” na iconografia de paisagem dos viajantes: Um diálogo possível entre a história ambiental e a história da arte. In: DRUMMOND, J. Augusto et al. (org.). História ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2020, v. 3, p. 103-129.) analisou a presença de queimadas e derrubadas na iconografia dos viajantes, atentos às variedades fisionômicas das paisagens brasileiras. Ricardo Ferreira Ribeiro (2005RIBEIRO, Ricardo Ferreira. As florestas anãs do sertão: o cerrado na história de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.), Richard Grove (1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.) e Stephen Pyne (1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. ) também trabalharam, entre outras fontes, com a documentação de naturalistas viajantes. O interesse dessa documentação para a história ambiental se dá na medida em que, por meio de percursos, registros e coletas em campo, conversas com habitantes e leituras de documentos, os viajantes dedicavam uma atenção constante aos arranjos históricos e emaranhados humanos e não humanos na composição das paisagens.

Por paisagem, refiro-me aos modos como os naturalistas oitocentistas, inspirados diretamente em Humboldt, com suas formações práticas e científicas, percebiam e se engajavam com os fenômenos e seres em cada local visitado e posteriormente compunham textos e imagens com seleções e arranjos dos elementos notados em cada local. A herança humboldtiana foi um modo histórico de tratar as paisagens como a fisionomia característica e específica de cada região, resultante das inter-relações entre os elementos e fenômenos que as compõem, e que os naturalistas deveriam decifrar em campo (Humboldt, 2011; Worster, 1982WORSTER, Donald. Nature’s economy: a history of ecological ideas. San Francisco: Sierra Club, 1982).

Para compreender as reflexões dos naturalistas sobre as queimadas, buscamos realizar uma análise intertextual e comparativa dos documentos, de seus livros de viagem e ensaios científicos - um modo consagrado na historiografia sobre os viajantes (Kury, 2001KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, 2001. , 2008; Leite, 1997LEITE, Miriam Moreira. Livros de viagem: 1803/1900. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1997.; Pratt, 1992PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel writing and transculturation. London: Routledge, 1992.). Sem perder de vista as particularidades e trajetórias de cada autor, uma análise comparativa traz à tona as principais questões levantadas por eles, como seus textos dialogam entre si, as convergências e divergências entre eles a partir das experiências em campo, e as mudanças das interpretações ao longo do século XIX.

A comparação diacrônica de documentos produzidos ao longo de quase um século permite a análise dos debates e controvérsias a respeito da agência do fogo, de sua materialidade e de seu papel na transformação das paisagens do Brasil Central. As perambulações dos viajantes pelo Brasil Central fizeram parte da história dos encontros dos europeus com o fogo pelo mundo, como foram tratados por Pyne (1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. ) - que dedica um trecho breve ao Brasil, focado especialmente na região de Mata Atlântica. Porém, seguindo com a análise de Pyne, compreendemos que o fogo é um fenômeno relacionado aos materiais, lugares, plantas e pessoas presentes onde ocorre. Não existe apenas uma prática de queimada, mas muitas, e para cada paisagem, há um fogo diferente: “cada fogo tem seu habitat, seus traços, seu comportamento, sua ecologia” (Pyne, 1997PYNE, Stephen. Vestal fire: an environmental history told through fire, of Europe and Europe’s encounter with the world. Seattle: University of Washington Press, 1997. : 9). Como veremos, os naturalistas estrangeiros estiveram atentos às relações entre o fogo e os campos, matos e cerrados, reportando sua diferença em relação aos incêndios das matas, e o papel importante das chamas como fator para a constituição dessas paisagens.

AS QUEIMADAS DO BRASIL CENTRAL ENTRE OS NATURALISTAS OITOCENTISTAS

No relato de uma de suas viagens por Minas Gerais, Saint-Hilaire escreveu que, com as queimadas e derrubadas, os brasileiros pareciam terminar de destruir o que a mineração havia começado. Num tom pessimista, o botânico levantou a possibilidade de que os esforços dos naturalistas de coletar e classificar as plantas do Brasil se tornariam um mero registro sobre o passado, um “monumento histórico” frente à devastação (Saint-Hilaire, 1975aSAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975a. : 91). Em muitas passagens, lemos cenas de fazendas e vilas abandonadas após o esgotamento da fertilidade do solo, morros esterilizados pelas queimadas e pela erosão e restos de minas revolvidas e escavadas, numa construção textual de paisagens arruinadas (Saint-Hilaire, 1975aSAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975a. : 68-70, 75-80). O tom de crítica colocava-se a partir da interpretação de que era preciso modernizar o sistema agrícola, o que faria diminuir as queimadas (Ribeiro, 2005RIBEIRO, Ricardo Ferreira. As florestas anãs do sertão: o cerrado na história de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.: 386-388) - posição semelhante à de membros das elites políticas no Brasil e em outras partes do mundo (Grove, 1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.; Pádua, 2002PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.).

Longe de apenas descrições de paisagens tropicais intocadas, o que notamos nos textos de muitos dos viajantes é uma atenção para a transformação do Brasil Central pelo avanço da colonização. Alguns dos mais importantes agentes desses processos eram as plantas estrangeiras, tanto as cultivadas como as invasoras, hoje chamadas de espécies “pioneiras”, que se espalhavam com rapidez por terras alteradas rapidamente por incêndios e derrubadas (Crosby, 2011CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: A expansão biológica da Europa 900-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.). Nos campos e matos tomados pela pecuária, plantas oriundas da África, como o capim-gordura ou melado (Melinis minutiflora), se aproveitavam das transformações ambientais e homogeneizavam a vegetação, afugentando a flora nativa, segundo anotavam os viajantes (Gardner, 1846GARDNER, George. Travels in the interior of Brazil: Principally through the northern provinces, and the gold and diamond districts, during the years 1836-1841. London: Reeve Brothers, 1846.: 367; Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 28/07, 01/08; Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.; Saint-Hilaire, 1975aSAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975a. : 77, 91, 231; ver Dutra e Silva et al., 2015DUTRA E SILVA, Sandro et al. A fronteira do gado e a Melinis Minutiflora P. Beauv. (Poaceae): a história ambiental e as paisagens campestres do Cerrado goiano no século XIX. Sustentabilidade em Debate, Brasília, DF, v. 6, n. 2, 2015.).

Os percursos dos naturalistas pelo Brasil Central ocorriam quase sempre durante o outono e o inverno, já que, durante a estação chuvosa na primavera e no verão, os caminhos ficavam perigosos, sem contar as febres que proliferavam. Como as queimadas ocorriam preferencialmente de julho a outubro, entre o auge da seca e o retorno das chuvas, os naturalistas se viam recorrentemente imersos em meio às queimadas típicas da estação, disseminadas por fazendeiros, roceiros e criadores de gado. Elas eram tão generalizadas que Saint-Hilaire (2011SAINT-HILAIRE, A. Quadro geográfico da vegetação primitiva na província de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.: 27) chegou a afirmar que não havia um trecho sequer dos campos onde o fogo não havia passado inúmeras vezes. Mesmo quando os naturalistas não viam a vegetação calcinada, supunham que incêndios de outros anos haviam deixado suas marcas, ao analisarem o padrão diferenciado de crescimento das plantas, como a presença e a distribuição de certas espécies que se beneficiavam delas. As chamas apareciam até mesmo em lugares onde os viajantes pensavam não haver moradores.

Essas práticas eram tão disseminadas que, além dos agricultores e criadores de gado, até mesmo os guias e assistentes dos naturalistas ateavam fogo nos caminhos por onde passavam, como os remadores da expedição de Langsdorff pelas rotas fluviais das monções de São Paulo ao Mato Grosso, que queimavam os campos nas margens dos rios por onde navegavam, mesmo não sendo habitantes locais (Silva, 1997bSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: São Paulo, 26 de agosto de 1825 a 22 de novembro de 1826. Tradução: Márcia Lyra Nascimento. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997b. v. 2.: 151-152). Karl von den Steinen, em expedição pela cabeceira do rio Xingu no outono e no inverno de 1884, caminhou por campos incendiados pelos criadores de gado, pelos indígenas e também pelos seus guias e assistentes, que marcavam o caminho da volta, ateando fogo nos campos e matos ressecados (Steinen, 1942STEINEN, K. von den. O Brasil Central: expedição em 1884, para a exploração do rio Xingu. Rio de Janeiro: Ed. Nacional, 1942.: 110-111, 122, 138-141, 165-166, 172-173).

O fogo afetava seus corpos, seus sentidos e o mundo ao seu redor, o que era devidamente registrado. Eles anotavam como o sol e a lua ficavam avermelhados ou escurecidos; uma névoa cinzenta ou pardacenta escondia a paisagem por muitos dias seguidos e diminuía a visibilidade; a respiração ficava penosa e sufocante numa atmosfera saturada de fuligem, poeira e fumaça (Gardner, 1846GARDNER, George. Travels in the interior of Brazil: Principally through the northern provinces, and the gold and diamond districts, during the years 1836-1841. London: Reeve Brothers, 1846.: 383; Pohl, 1976POHL, Johann Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.: 217-223, 269-275; Saint-Hilaire, 1975aSAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975a. : 336-339; Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 88-92; 2006: 73). Langsdorff relatou como as fortes geadas e a seca de 1824, que haviam torrado a vegetação, foram seguidas por grandes incêndios, que se espalharam de forma descontrolada (Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 146). Se naquele ano as queimadas foram contínuas por apenas alguns dias, os moradores relataram-lhe como duraram quase um mês durante a seca intensa de 1819 - vivida na pele por Saint-Hilaire (1975bSAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à província de Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975b. : 86, 107-109) e Pohl (1976POHL, Johann Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.: 124, 206-223), que viajavam por Minas Gerais e Goiás por campos totalmente ressecados.

Figura 1
Espetáculo noturno de um campo queimado por fogos no verão seco, na região ocidental da província de Minas.

As queimadas em alguns registros dos viajantes se tornavam verdadeiras deflagrações apocalípticas. Eles se atentavam para como os corpos das plantas e animais eram os mais afetados, e as queimadas modificavam seus comportamentos. Para uma das estampas fisionômicas de seu compêndio científico ilustrado, Flora brasiliensis, Martius encomendou uma gravura de focos de incêndio ateados pelos moradores para banir os capins que o gado não gostava e para fazer brotar novo pasto (França, 2020FRANÇA, Ana Marcela. Aspectos das “florestas primitivas” e dos “campos cerrados” na iconografia de paisagem dos viajantes: Um diálogo possível entre a história ambiental e a história da arte. In: DRUMMOND, J. Augusto et al. (org.). História ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2020, v. 3, p. 103-129.). Como num espetáculo de guerra, as emas, seriemas e cobras, que o livro descreve como inimigos mortais, correm juntas, fugindo das chamas (Martius, 1996MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. A viagem de Von Martius: flora brasiliensis [1840-1906]. Rio de Janeiro: Index, 1996. v. 1.: 31). A legenda diz que, ao atravessarem esses campos, os viajantes ficavam envolvidos por fumaça e cinzas, rememorando uma passagem do Êxodo bíblico:

[Caminhando] por estes desertos que se inflamam, vemos frequentemente nuvens, por vezes negras, cintilando do cimo, à noite, nuvens que os ventos reúnem da cinza e da fumaça e avançam pelos campos, horríveis de ver; o mesmo espetáculo que as colunas de nuvens ofereceram aos israelitas que marchavam pelo deserto (Exodus c. XIII, v. 21) (Martius, 1996MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. A viagem de Von Martius: flora brasiliensis [1840-1906]. Rio de Janeiro: Index, 1996. v. 1.: 85).

Porém, o fogo não causava apenas a destruição. Saint-Hilaire (1975bSAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à província de Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975b. : 108) e Warming (2006WARMING, Eugenius. Descrição da natureza do Brasil tropical, especialmente no campo; Excursão às montanhas do Brasil. In: GOMES, Maria C. A. (org.). A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.: 98) descreveram não apenas a fuga desesperada de animais que vemos na estampa de Martius, mas o surgimento de aves de rapina, andorinhas e papa-moscas para se aproveitar da situação. Enquanto as primeiras caçavam répteis, perdizes e codornas afugentadas pelo fogo, as segundas se banqueteavam com os insetos em debandada. O gado também aparecia após a passagem das chamas, atraído pelas cinzas salitradas (Warming, 2006WARMING, Eugenius. Descrição da natureza do Brasil tropical, especialmente no campo; Excursão às montanhas do Brasil. In: GOMES, Maria C. A. (org.). A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.: 72-73).

Em relação às vegetações, Lund (1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.) e Warming (1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973., 2006WARMING, Eugenius. Descrição da natureza do Brasil tropical, especialmente no campo; Excursão às montanhas do Brasil. In: GOMES, Maria C. A. (org.). A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.) falam de estratégias de adaptação e de sobrevivência das plantas frente aos constantes incêndios. A ocorrência de ervas perenes diminuía, pois não resistiam às chamas. Os troncos das árvores de casca grossa ficavam chamuscados, mas elas permaneciam vivas. Em relação às plantas que sobrevivem no subsolo, por meio de bulbos resistentes, ou por meio de sementes, como as ervas anuais, o fenômeno estimulava seu desenvolvimento - o que nos indica como os naturalistas se atentavam para o caráter produtivo, e não apenas destrutivo, do fogo. Simon Schama (1996SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996.: 23-30) defende uma história ambiental que não trate apenas dos elementos desoladores e das narrativas e imagens de degradação, ao escrever sobre complexas relações entre os seres humanos e as paisagens. O historiador nos lembra que, se o fogo é um elemento aniquilador, ele também gera nova vida. O fogo repele, mas também atrai e estimula os seres vivos, que brotam das cinzas.

As queimadas faziam com que as folhas secas queimassem juntas, e isso influenciava no aparecimento coordenado de novos brotos de diferentes espécies. Os viajantes percebiam como a passagem do inverno para a primavera no Brasil Central não se dava apenas seguindo os movimentos planetários e as alterações climáticas. Em Lagoa Santa, monografia de Warming sobre o cerrado mineiro, o fogo aparece como uma força que compõe e modifica constantemente as paisagens, em conjunto com a variação sazonal. Depois de uma queimada, era como se a própria primavera se adiantasse (Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 89). Os naturalistas percebiam que os campos e cerrados mais ricos em espécies eram aqueles queimados em outubro, quando as plantas se favoreciam da adubação das cinzas e da umidade que retornava. Se as chamas haviam passado por um terreno, mas não por outro, vizinho, tudo se distinguia entre os dois locais: as cores do mato, a proporção e a variedade de espécies, a distribuição entre plantas perenes e anuais. E as áreas queimadas eram sempre mais diversas, já que as plantas se beneficiavam da fertilidade das cinzas. Os naturalistas chegavam a se espantar diante de uma vegetação que custava a brotar ou a florescer nos terrenos onde as chamas não haviam tocado, como se a nova estação ainda não tivesse passado por ali (Gardner, 1846GARDNER, George. Travels in the interior of Brazil: Principally through the northern provinces, and the gold and diamond districts, during the years 1836-1841. London: Reeve Brothers, 1846.: 303; Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 141-42, 178; Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.; Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 90-94, 228-229).

Um ensaio de Lund sobre a vegetação dos campos demonstra como o naturalista ficou profundamente afetado por esses fenômenos. A mudança das estações nos terrenos não acontecia ao mesmo tempo, mas, por causa das diferentes queimas, se dava como um mosaico. Ele admirou, após o fim da estiagem, “o espetáculo surpreendente de ter, de um lado da estrada, a cena mais triste de inverno ou de outono, enquanto do outro lado a paisagem se desenvolve com a cobertura mais sorridente da emergente primavera” (Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 159).4 4 As traduções de textos em língua estrangeira são do próprio autor. Warming o parafraseia décadas depois quando descreve o espetáculo interessante entre terrenos vizinhos: “um ostenta os trajes alegres e ridentes da primavera, e o outro o manto desbotado, pardo virente do outono, sendo o terceiro ainda um escombro de incêndio, coberto de pó de carvão e cinzas” (1973: 92).

Se uma das práticas da história natural era o registro das características das espécies e fenômenos naturais - suas cores, formas, texturas, composições, comportamentos, usos comuns, denominações -, os naturalistas também descreviam com muitos detalhes as queimadas e as maneiras como o fogo agia no mundo, se tornando um dos fatores de composição dos conjuntos dinâmicos de seres vivos - em diálogo direto com a proposta de estudos de paisagens de Humboldt (2014HUMBOLDT, A. von. Views of nature. Chicago: Chicago University Press, 2014.). E a cada nova expedição e publicação, o fogo nos campos e cerrados parecia se mostrar distinto dos incêndios das matas úmidas - estas se degradavam continuamente, com a diminuição da diversidade e perda de fertilidade do solo e de umidade. Já no Brasil Central, os naturalistas percebiam, de modo contrário, que campos se fertilizavam e diversificavam com o fogo.

AS TRANSFORMAÇÕES DO BRASIL CENTRAL PELO FOGO

A partir de suas experiências, os naturalistas fabulavam sobre a transformação histórica dos campos pelas atividades humanas. Um dos membros da expedição do barão de Langsdorff foi Ludwig Riedel (1790-1861), botânico prussiano que acompanhou Lund por São Paulo, Minas Gerais e Goiás dez anos depois.5 5 Como Lund, Riedel também emigra para o Brasil. Assumiu postos de direção no Rio de Janeiro, na seção de botânica do Museu Nacional e no Jardim Botânico do Passeio Público. Há uma série de passagens nos diários do barão com indagações que depois apareceriam no estudo de Lund. Langsdorff estranhava as relações entre a vegetação e o fogo e anotou: “as árvores dos campos têm córtex grosso e com várias fissuras, como se a natureza quisesse protegê-las das chamadas queimadas anuais, que atingem apenas as gramíneas secas e alguns arbustos e plantas áridas do verão” (Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 231).

Após sua viagem com Riedel, Lund publicou um artigo científico na Real Sociedade de Ciências da Dinamarca, em que descreveu as vegetações dos planaltos centrais e os possíveis efeitos da presença humana (Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.; Holten; Sterll, 2011HOLTEN, Birgitte; STERLL, Michael. Peter Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.: 121-128). Ele já havia levantado a possibilidade de estudar a questão em seu diário, ao atravessar a fronteira entre Goiás e Minas Gerais no final de agosto de 1834, quando observou “o extraordinário atrofiamento das árvores” e as formas curiosas de árvores estancadas, dignas de estudos mais detalhados sobre “os efeitos do fogo e do vento sobre as árvores campestres”: “todos os cerrados [campos] que até agora vi, a casca das árvores estava sempre carbonizada” (Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 104-105).

Ao escrever uma história das plantas e das paisagens dos campos, Lund dedicou atenção especial às classificações locais, às memórias dos moradores, à ocupação humana e suas práticas de fogo (Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 165-170). Encontrou uma grande quantidade de campos, tanto aqueles que chamou de “contíguos”, os campos limpos e cerrados, como aqueles a que deu o nome de “esporádicos”, criados com os desmatamentos em torno de fazendas e vilas. Ele seguiu pela estrada que ia pelo norte paulista até o triângulo mineiro. A região era a maior produtora de gado da província de São Paulo na época, depois dos campos paranaenses (Prado Jr., 2011PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Companhia das Letras , 2011. : 208, n. 32) - o que indica o motivo de ter encontrado queimadas por toda a parte.6 6 Warren Dean (1996) já havia levantado um problema para a história ambiental de que as experiências dos viajantes baseiam-se demasiadamente nos percursos habitados e impactados pela colonização, o que influenciou diretamente no tipo de descrição que produziram. Os moradores lhe informavam de suas recordações de matas desmatadas, o que também era indicado pelos topônimos e pela fisionomia. Aliado a essas memórias havia um mosaico de catanduvas, termo para matas secas. Logo, Lund interpretou que esses campos esporádicos haviam sido criados pelas queimas sucessivas de florestas. Porém, o naturalista dinamarquês queria saber se os campos “verdadeiros”, aqueles mais extensos e contíguos do interior, também poderiam ser decorrentes da ação humana. Perguntava se todos os campos e cerrados seriam originários ou se seriam versões degradadas das florestas.

Tais indagações já estavam presentes entre viajantes anteriores - e não apenas no Brasil. Apesar de os campos serem chamados de naturais, em oposição aos artificiais criados com o desmatamento, para Saint-Hilaire isso não significava que eles não tivessem sido modificados pela ação humana; ele achava que os campos em Minas haviam sido incendiados inúmeras vezes (2011: 27). Langsdorff registrou nos diários que em algumas partes de Minas as árvores tinham crescimento estancado (Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 232), e comentou que Riedel havia coletado exemplares de Cassia e Mimosa que, apesar de alcançar alturas gigantescas no litoral, no Cerrado “aparecem como plantas alpinas de poucas polegadas de altura, rastejando no chão” (Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 314). Eles se perguntavam se “esses campos teriam sido outrora grandes florestas?” (Silva, 1997aSILVA, Danuzio G. Bernardino da (org.); KOMISSAROV, Bóris N. et al. (ed.). Os diários de Langsdorff: Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997a. v. 1. : 231) - e podemos imaginar que Riedel tenha trazido essa questão a Lund uma década depois.

O naturalista dinamarquês encontrou uma série de sinais que o fizeram levantar a hipótese de que o fogo tinha um efeito generalizado nas plantas e na criação dos campos, cumprindo o papel que o vento, o gelo e a neve desempenhavam em sua terra natal. No ensaio escrito ao fim da viagem, ele compõe paisagens não apenas enumerando e classificando plantas e vegetações, mas também descrevendo uma série de vestígios botânicos e “ruínas” naturais: campos queimados anualmente; restos de grandes árvores ou árvores com crescimento estancado; presença de árvores em campos limpos, que poderiam ser remanescentes de antigas florestas; sem contar os inúmeros troncos carbonizados.

De todas essas matérias, ele se atentou à morfologia das árvores dos campos e comparava estas aos exemplares de mesmas espécies e gêneros que encontrou nas florestas (Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 154-156). Enquanto as espécies das matas tinham crescimento robusto, aquelas dos campos, que ele julgava serem das mesmas espécies, possuíam formas atrofiadas, troncos tortuosos, casca grossa e de cortiça, raízes gigantescas, e pareciam ter galhos ou troncos subterrâneos. Tais indícios indicavam-lhe que as espécies dos campos estariam se adaptando às queimadas ao longo de gerações.

Adaptação e morfologia eram questões centrais para a botânica. Lund (1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 154-155) percebeu como certos exemplares de quina-do-campo, de paratudo do gênero Hortia, e de angelins (Andira laurifolia, na época Geoffroia vermifuga) possuíam partes subterrâneas bem desenvolvidas e crescimento estancado e arbustivo. Essas curiosidades o impressionaram tanto que, após encontrar espécies arbustivas nos cerrados de Goiás, passou o resto da expedição em busca de suas possíveis formas arborescentes, até encontrar uma na zona da mata mineira - que, segundo as classificações atuais, são espécies distintas do mesmo gênero (Groppo; Kallunki; Pirani, 2005GROPPO, Milton; KALLUNKI, Jacquelyn A.; PIRANI, Jose R. Synonymy of Hortia arborea with H. brasiliana (Rutaceae) and a new species from Brazil. Brittonia, New York, v. 5, n. 1, 2005.).

O fogo tornava-se um agente na própria prática naturalista, e seus efeitos eram comentados como fontes de problemas para a taxonomia botânica. Saint-Hilaire (1975aSAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975a. : 297) já havia atentado para uma possível confusão classificatória entre plantas que assumem formas diversas se queimadas ou não. Warming (1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 53-57, 94, 101, 108) mostrou ressalvas em relação a Lund a respeito de as espécies campestres e as matas serem as mesmas. Comentou que os exemplares nos herbários eram de difícil classificação entre formas herbáceas, arbustivas e arborescentes. A dúvida era se aquelas plantas coletadas seriam as mesmas espécies após sua adaptação ao fogo ou espécies distintas dos campos e das matas.7 7 Em muitos casos, plantas assumem formas arbustivas nos campos e arborescentes nas matas, como a lobeira (Solanum lycocarpum - ou S. lobolobo no século XIX). Warming (1973: 106) afirma que isso pode ser explicado também pelo solo e pela disponibilidade de água, e não apenas como uma adaptação ao fogo. Em outros casos, como o gênero Hortia e Andira (então Geoffroia), houve problemas de classificação até o presente (Groppo; Kallunki; Pirani, 2005). A ideia não é ser anacrônico em relação aos naturalistas e suas classificações, já que esses problemas foram percebidos na época por Warming (1973: 57) e Reinhardt (1856). Reinhardt, de quem falaremos adiante, diz que uma solução seria plantar sementes dos distintos exemplares em ambientes controlados e observar se cresceriam com as mesmas formas ou não.

Apesar da controvérsia taxonômica, Lund e Warming interpretaram que as plantas, as paisagens e os climas estavam se transformando. Além dos efeitos gerais do fogo nos terrenos, na fauna e nas vegetações descritos por outros naturalistas, como vimos acima, os naturalistas dinamarqueses se valeram das chamadas forças, funções ou processos vitais para explicar a estranha morfologia botânica das plantas do cerrado e compreender sua adaptação ao fogo (Lund, 1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 159; Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 94). Essa era uma explicação vitalista e lamarckista sobre a plasticidade das espécies em voga naquele período. Inspirado em Lund e adotando uma posição crítica em relação à teoria da seleção natural, Warming defendia que as plantas continham forças internas capazes de modificar seus corpos de modo a se adaptarem às mudanças ambientais, essencial para que conservassem “sua existência na luta contra as queimas” (Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 94).8 8 O vitalismo refere-se menos a uma escola ou corrente e mais a um conjunto heterogêneo de explicações científicas que compartilhavam um repertório comum, como “força vital” (Lebenskraft) ou “força formadora” (Bildungstrieb). Naturalistas se engajavam criticamente com essas abordagens sobre processos orgânicos, numa reação às interpretações mecanicistas e estáticas da natureza do século XVIII (Reill, 2003; Roe, 2003). Esse debate teve impacto entre naturalistas germânicos, como Spix e Martius, com o movimento romântico nas artes e na filosofia (Lisboa, 1997: 72-76). Sobre a postura de Warming a respeito da teoria da seleção natural, ele não negava sua validade para certos aspectos da evolução das plantas, mas ela não se mostrava suficiente naquele momento para explicar outros, como a plasticidade das espécies.

Servindo-se de uma boa dose de imaginação histórica, geográfica e naturalista, Lund havia proposto que todos os campos teriam sido criados pelas queimas sistemáticas e pela reação adaptativa das plantas. Extrapolando sua interpretação de fenômenos que vivenciou durante a viagem para a longa duração e para uma ampla escala espacial, o naturalista propôs que tal transformação havia sido iniciada pelas populações indígenas antes da colonização. Ano após ano os incêndios haviam ampliado a extensão dos campos, processo fortalecido com a pecuária dos europeus, dos africanos e de seus descendentes. Os campos seriam, então, uma espécie de paisagem degenerada pelas mãos humanas, e as plantas estariam se afugentando das chamas para o subsolo ou embaixo de cascas protegidas. Lund (1837LUND, Peter W. Bemærkninger over Vegetationen paa de indre Höisletter af Brasilien, især i plantehistoriske Henseende. Det Kongelige danske Videnskabernes Selskabs naturvidenskabelige og mathematiske Afhandlinge, København, v. 6, p. 145-188, 1837.: 187-188) imaginou que tal conclusão deveria soar estranha para a maioria dos europeus acostumados a pensar no Novo Mundo como uma região virgem e nas populações indígenas brasileiras como incapazes de modificar as terras que habitavam.

Discordava dessa hipótese Johann Theodor Reinhardt, filho de um dos professores de Lund, que visitou Lagoa Santa após uma viagem de circum-navegação nos anos 1840 e para onde retornou posteriormente (Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 10). Em dezembro de 1856, Reinhardt apresentou uma aula na Sociedade de Ciências Naturais de Copenhague a respeito da influência das queimadas na vegetação dos campos brasileiros, comentando o ensaio de Lund (Reinhardt, 1856REINHARDT, Johannes. Nogle Bemærkninger om den Indflydelse de idelige Markbrande have udövet paa Vegetationen i de brasilianske Campos. Videnskabelige Meddelelser fra den naturhistoriske Forening i Kjöbenhavn, København, v. 8, p. 63-87, 1856.).

Foram vários os pontos para contra-argumentar Lund (Holten; Sterll, 2011HOLTEN, Birgitte; STERLL, Michael. Peter Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.: 127-129). Reinhardt pensava que as populações indígenas e de colonizadores não haviam sido extensas o suficiente para causar tamanha devastação ou que seus modos de vida não os levassem a queimar tanto os campos como supunha Lund - mas baseou suas interpretações nos cronistas, como Gabriel Soares de Sousa e Hans Staden, que se referiam às populações litorâneas (Reinhardt, 1856REINHARDT, Johannes. Nogle Bemærkninger om den Indflydelse de idelige Markbrande have udövet paa Vegetationen i de brasilianske Campos. Videnskabelige Meddelelser fra den naturhistoriske Forening i Kjöbenhavn, København, v. 8, p. 63-87, 1856.: 19-24). Mostrou-se atento aos debates historiográficos brasileiros e justificou sua opinião nos cálculos demográficos sobre o período da colonização apresentados no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil por Francisco Adolfo de Varnhagen. Além disso, Reinhardt não estava convencido das conclusões de Lund sobre as plantas arborescentes e arbustivas. Comentou que seria necessário germinar uma semente de um arbusto longe da influência das queimadas e ver se realmente se desenvolveria como árvore, para, assim, concluir que se tratavam das mesmas espécies em transformação.

Interessa-nos um argumento de Reinhardt a respeito das queimadas. A partir de suas experiências em Minas Gerais, ele notou como o fogo no cerrado era materialmente distinto dos incêndios florestais. Os últimos tinham grande capacidade destrutiva, pois possuíam mais matéria para consumir, sendo dificilmente controlados uma vez iniciados. Fazendeiros contaram-lhe que alguns incêndios florestais na região de Ouro Preto queimavam por meses a fio sem que pudessem ser apagados. Nos campos, mesmo que praticados por toda a parte, diferentes condições materiais devem ser levadas em consideração para compreender o fenômeno como diverso dos incêndios das matas. Reinhardt escreveu que apesar de as árvores ficarem carbonizadas e chamuscadas, elas “retêm força para rebrotar após uma quinzena, mesmo quando o fogo matou seus primeiros brotos novos” (1856: 24). O fogo nos campos não consegue destruir totalmente os galhos e troncos, e como os matos secos são rapidamente consumidos, as chamas não têm força para queimar totalmente os grandes arbustos.

Raramente vemos, então, uma superfície queimada muito extensa a um só tempo; mas o fogo avança numa faixa sinuosa, deixando para trás aqui e ali manchas negras e ainda fumegantes e ardentes. O fogo também não se espalha com facilidade e velocidade que muitos imaginam: mais facilmente ele sobe morro acima, ou na direção a favor do vento por faixas horizontais. Por outro lado, ele se espalha com muita dificuldade morro abaixo, e, então, seu progresso normalmente é tão lento que as pessoas podem fugir dele caminhando lentamente. Com frequência os obstáculos mais insignificantes, como um pequeno riacho ou vala d’água, em torno dos quais gramas e arbustos vicejam, ou uma estrada muito curta já são suficientes para impor um limite ao fogo. E a expansão do fogo a partir de um único local de origem por muitas milhas quadradas é algo que eu nunca vi ou ouvi falar no Brasil. Antes de se espalhar tão longe, normalmente as condições do terreno em conexão com a direção do vento estacionaram seu progresso (Reinhardt, 1856REINHARDT, Johannes. Nogle Bemærkninger om den Indflydelse de idelige Markbrande have udövet paa Vegetationen i de brasilianske Campos. Videnskabelige Meddelelser fra den naturhistoriske Forening i Kjöbenhavn, København, v. 8, p. 63-87, 1856.: 24).

O naturalista indica a importância de descrever com detalhes diferentes tipos de queimadas, já que o fogo não se comporta de maneira igual em todos os lugares. Como vimos, os naturalistas percebiam que seus efeitos eram muito mais nefastos, a longo prazo, nas florestas densas do que nos campos. Para analisar os efeitos do fogo, importavam as condições do terreno, o tipo e quantidade de matéria orgânica e material combustível, os obstáculos, a força e a direção do vento, os ritmos e dimensões e, é claro, a resistência da vegetação aos seus efeitos. Mesmo após as queimadas mais duradouras, Reinhardt observou que a vegetação se regenerava após um curto período, indicação de que esse fogo não tinha uma capacidade destrutiva tão forte quanto aquele das matas.

Porém, ao mesmo tempo que percebeu que a vegetação voltava a brotar, Reinhardt comentou que as queimadas poderiam inibir o crescimento das árvores, ressecar o solo e piorar os efeitos das secas, por remover a camada protetora de folhas e vegetais do chão: “de pouco em pouco, [as queimadas têm] um efeito muito danoso nos cerrados, tornando-os ainda mais abertos e finalmente os transformando em simples campos de gramíneas” (1856: 15). Sua posição era ambígua, já que também afirmou ter encontrado cerrados nos entornos de Lagoa Santa e Curral d’El Rei que deveriam estar sendo queimados anualmente há mais de cem anos desde sua colonização no século XVIII, mas que continuavam rebrotando e se adensando sem terem se tornado campos limpos.9 9 Importante notar como esse regime do fogo é distinto dos grandes incêndios da agropecuária contemporânea que, em conjunto com os herbicidas e pesticidas e o cultivo intensivo de poucas espécies, tem degradado a biodiversidade e as condições hídricas e do solo do Cerrado (Dutra e Silva, 2020; Dutra e Silva; Barbosa, 2020).

Warming também discordava de Lund, ao defender não ser possível extrapolar as conclusões do mestre para a toda a região - mas elas faziam sentido para áreas circunscritas. Escrevendo após as hipóteses geológicas do naturalista suíço Louis Agassiz e os livros de Emmanuel Liais sobre o Brasil, as origens dessa vegetação estariam, para ele, na formação geológica do território, com a lenta elevação das serras do Brasil Central ao longo de milhares de anos, que teriam criado uma sombra orográfica no interior, ressecando a paisagem (Warming, 2006WARMING, Eugenius. Descrição da natureza do Brasil tropical, especialmente no campo; Excursão às montanhas do Brasil. In: GOMES, Maria C. A. (org.). A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.: 66; 1973: 108).

Se o argumento de Lund era que essas condições naturais se emaranhavam com as histórias humanas, Warming e Reinhardt não discordavam da interpretação em relação ao presente. As queimadas eram tão generalizadas no século XIX que, ambos concordavam, já estavam ou poderiam estar transformando as paisagens - fato que Warming (1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 108-110; 2006: 104-105) também compara às savanas e pradarias em outras regiões do mundo, como na Venezuela e nos Estados Unidos, a partir da leitura de outros naturalistas, incluindo Humboldt.

Warming também concordava com o mestre em outro ponto: o aumento das secas em Minas Gerais. A hipótese do dessecamento dos climas associava os desmatamentos à diminuição das chuvas, e foi muito debatida em círculos letrados a partir do final do século XVIII, segundo Clarence Glacken (1967GLACKEN, Clarence J. Traces on the Rhodian shore: nature and culture in Western thought from ancient times to the end of the eighteenth century. Berkeley: University of California Press, 1967. ), Richard Grove (1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.) e James Fleming (1998FLEMING, James R. Historical perspectives on climate change. Oxford: Oxford University Press, 1998.). Segundo Grove, essas teorias tinham origens heterogêneas, que incluíam: a recuperação de textos de história natural da Antiguidade; experimentos de botânica realizados em instituições europeias; debates durante o Iluminismo sobre as relações entre climas e culturas; relatos de viajantes por colônias europeias pelo mundo e a observação das degradações ambientais; debates políticos e econômicos entre administradores estatais e coloniais sobre a conservação das florestas e a modernização das técnicas agrícolas.

Para as terras temperadas, como o norte da Europa e dos Estados Unidos, os desmatamentos eram vistos como benéficos, por supostamente temperarem o clima excessivamente frio e úmido, segundo naturalistas da época, como o conde de Buffon (Fleming, 1998FLEMING, James R. Historical perspectives on climate change. Oxford: Oxford University Press, 1998.: 17-32; Glacken, 1967GLACKEN, Clarence J. Traces on the Rhodian shore: nature and culture in Western thought from ancient times to the end of the eighteenth century. Berkeley: University of California Press, 1967. ). Para as terras tropicais, houve apreensão quanto ao aumento das secas e do dessecamento dos solos - o que, segundo Grove (1995GROVE, Richard H. Green imperialism: Colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism 1600-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.), fez parte das primeiras críticas às degradações ambientais, justamente nas fronteiras coloniais pelo mundo. Essas percepções estiveram relacionadas à concepção de uma natureza harmônica e à nostalgia de um passado supostamente mais estável; consequentemente, se relacionavam a medos, ansiedades e apreensões frente a uma possível alteração dos climas (Fleming, 1998FLEMING, James R. Historical perspectives on climate change. Oxford: Oxford University Press, 1998.: 6-7). Naquele momento, eventos extremos, como as secas, eram lidos como sinais da decadência do mundo, do arruinamento das paisagens pela humanidade.

Os viajantes estavam alinhados a esses debates, um diálogo que é ainda mais claro nos textos de Warming. A interpretação não era exclusiva dos naturalistas formados em história natural, entretanto. Ele escreveu que a percepção de muitos fazendeiros em Minas Gerais era de que o clima estava ficando mais errático. Após décadas em Lagoa Santa, Lund havia comentado sobre um longo período seco nas décadas de 1830 e 1840 (Warming, 1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 31). As memórias do professor e dos fazendeiros era de que as chuvas demoravam mais a voltar na primavera e que as estiagens estavam mais mais prolongadas e frequentes - o que pode estar relacionado tanto à expectativa de um clima estável como ao fato de estarem vivendo as variabilidades e ciclos naturais do clima sul-americano, como os fenômenos de El Niño e La Niña.

De todo modo, os naturalistas achavam que as queimadas das florestas e dos campos estariam transformando o caráter geral das paisagens. Nas palavras pessimistas de Warming, logo após seu retorno do Brasil, devido ao fogo “agora tudo mudou, a ordem da natureza ficou comprometida, em grande parte pela ação dos homens” (Warming, 2006WARMING, Eugenius. Descrição da natureza do Brasil tropical, especialmente no campo; Excursão às montanhas do Brasil. In: GOMES, Maria C. A. (org.). A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006.: 75).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os naturalistas estrangeiros que visitaram as regiões centrais do Brasil ao longo do século XIX, o fogo surge como um fator ecológico importante, em caráter tanto destrutivo quanto produtivo. Nas documentações imagéticas e textuais, as queimadas praticadas pelos agricultores e criadores de gado modificavam os comportamentos de animais, repelindo alguns, atraindo outros; sem contar as plantas, que pareciam alterar suas características morfológicas para se adaptarem às chamas. A leitura de seus relatos revela como os próprios naturalistas foram profundamente afetados pelas queimadas. Eles realizaram descrições detalhadas das transformações cíclicas e históricas das paisagens até se tornarem um dos assuntos principais debatidos pelos naturalistas dinamarqueses ao longo do século XIX.

O fogo, então, surgia como fenômeno ambíguo. As chamas tinham a capacidade de fertilizar e diversificar os campos, matos e cerrados anualmente na passagem do inverno para a primavera, numa verdadeira simbiose entre vegetação e práticas humanas - diferente das regiões florestais, onde os incêndios repetidos no longo prazo tinham como efeito o empobrecimento da paisagem. Porém, os naturalistas oitocentistas também ficavam apreensivos quanto a uma possível degradação das paisagens e dos climas. Em relação a esses efeitos, a exposição de uma pequena controvérsia científica entre os naturalistas dinamarqueses expõe a importância, para a história ambiental e das ciências, de se atentarem para a materialidade e as particularidades dos fenômenos que compõem cada tipo distinto de lugar. Buscamos compreender esses debates à luz das teorias e práticas de sua própria época, mas também é interessante pensar como anunciaram as reflexões sobre o papel ecológico do fogo no Cerrado (Miranda; Bustamante; Miranda, 2002MIRANDA, Heloisa S.; BUSTAMANTE, Mercedes M. C.; MIRANDA, Antonio C. The fire factor. In: OLIVEIRA, Paulo S.; MARQUIS, Robert J. (ed.). The Cerrados of Brazil: ecology and natural history of a neotropical savanna. New York: Columbia University Press, 2002. p. 51-68.).

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  • WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 1991.
  • 1
    O presente trabalho é parte da pesquisa de doutorado, Tropicalidades múltiplas: as matas, os campos e as viagens naturalistas no século XIX (Bailão, 2022BAILÃO, André S. Tropicalidades múltiplas: as matas, os campos e as viagens naturalistas no século XIX. 2022. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.), orientada pelos professores Lilia Katri Moritz Schwarcz e Stelio A. Marras junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS/USP), com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    O que hoje chamamos de Cerrado era conhecido no século XIX como a região dos campos, e eram inúmeros termos paisagísticos que descreviam os tipos de vegetações, como campos cerrados, carrascos, matos e matas (Dutra e Silva; Barbosa, 2020DUTRA E SILVA, Sandro. Challenging the environmental history of the Cerrado: science, biodiversity, and politics on the Brazilian agricultural frontier. Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, Anápolis, v. 10, n. 1, 2020. ).
  • 3
    Tal é a leitura de Mary Louise Pratt (1992PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel writing and transculturation. London: Routledge, 1992.) a respeito de Humboldt e de como ele “reinventou” a América do Sul como natureza, com a produção de cenas despovoadas e da civilização indígena imaginada como resquício de um passado longínquo.
  • 4
    As traduções de textos em língua estrangeira são do próprio autor.
  • 5
    Como Lund, Riedel também emigra para o Brasil. Assumiu postos de direção no Rio de Janeiro, na seção de botânica do Museu Nacional e no Jardim Botânico do Passeio Público.
  • 6
    Warren Dean (1996DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras , 1996. ) já havia levantado um problema para a história ambiental de que as experiências dos viajantes baseiam-se demasiadamente nos percursos habitados e impactados pela colonização, o que influenciou diretamente no tipo de descrição que produziram.
  • 7
    Em muitos casos, plantas assumem formas arbustivas nos campos e arborescentes nas matas, como a lobeira (Solanum lycocarpum - ou S. lobolobo no século XIX). Warming (1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 106) afirma que isso pode ser explicado também pelo solo e pela disponibilidade de água, e não apenas como uma adaptação ao fogo. Em outros casos, como o gênero Hortia e Andira (então Geoffroia), houve problemas de classificação até o presente (Groppo; Kallunki; Pirani, 2005GROPPO, Milton; KALLUNKI, Jacquelyn A.; PIRANI, Jose R. Synonymy of Hortia arborea with H. brasiliana (Rutaceae) and a new species from Brazil. Brittonia, New York, v. 5, n. 1, 2005.). A ideia não é ser anacrônico em relação aos naturalistas e suas classificações, já que esses problemas foram percebidos na época por Warming (1973WARMING, Eugenius. Lagoa Santa: contribuição para a geografia phytobiológica. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1973.: 57) e Reinhardt (1856REINHARDT, Johannes. Nogle Bemærkninger om den Indflydelse de idelige Markbrande have udövet paa Vegetationen i de brasilianske Campos. Videnskabelige Meddelelser fra den naturhistoriske Forening i Kjöbenhavn, København, v. 8, p. 63-87, 1856.). Reinhardt, de quem falaremos adiante, diz que uma solução seria plantar sementes dos distintos exemplares em ambientes controlados e observar se cresceriam com as mesmas formas ou não.
  • 8
    O vitalismo refere-se menos a uma escola ou corrente e mais a um conjunto heterogêneo de explicações científicas que compartilhavam um repertório comum, como “força vital” (Lebenskraft) ou “força formadora” (Bildungstrieb). Naturalistas se engajavam criticamente com essas abordagens sobre processos orgânicos, numa reação às interpretações mecanicistas e estáticas da natureza do século XVIII (Reill, 2003REILL, Peter Hanns. The legacy of the “Scientific Revolution”. In: POTER, Roy (org.). The Cambridge history of science: the Eighteenth century. Cambridge: Cambridge University Press , 2003. v. 4, p. 23-43, 2003.; Roe, 2003ROE, Shirley A. The life sciences. In: POTER, Roy. (org.). The Cambridge history of science: the eighteenth century. Cambridge: Cambridge University Press , 2003, v. 4, p. 397-416.). Esse debate teve impacto entre naturalistas germânicos, como Spix e Martius, com o movimento romântico nas artes e na filosofia (Lisboa, 1997: 72-76). Sobre a postura de Warming a respeito da teoria da seleção natural, ele não negava sua validade para certos aspectos da evolução das plantas, mas ela não se mostrava suficiente naquele momento para explicar outros, como a plasticidade das espécies.
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    Importante notar como esse regime do fogo é distinto dos grandes incêndios da agropecuária contemporânea que, em conjunto com os herbicidas e pesticidas e o cultivo intensivo de poucas espécies, tem degradado a biodiversidade e as condições hídricas e do solo do Cerrado (Dutra e Silva, 2020DUTRA E SILVA, Sandro. Challenging the environmental history of the Cerrado: science, biodiversity, and politics on the Brazilian agricultural frontier. Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, Anápolis, v. 10, n. 1, 2020. ; Dutra e Silva; Barbosa, 2020DUTRA E SILVA, Sandro; BARBOSA, Altair Sales. Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 46, n. 1, 2020.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2023
  • Aceito
    18 Jul 2023
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