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DAS ÁRVORES DO RECIFE (1924) ÀS MATAS DO NORDESTE (1937): ECOLOGIA, TRÓPICO E REGIÃO NA OBRA DE GILBERTO FREYRE

From the Trees of Recife (1924) to the Forest of the Northeast (1937): Ecology, Tropics, and Region in the Work of Gilberto Freyre

De los árboles de Recife (1924) a los montes del Nordeste brasileño (1937): la ecología, el trópico y la región en la obra de Gilberto Freyre

RESUMO

O artigo visa investigar os discursos ecológicos e ambientais de Gilberto Freyre em dois momentos históricos distintos, mas relacionados. No primeiro momento, analisa-se os artigos de jornal, publicados no Diário de Pernambuco, na década de 1920, com ênfase em 1924, quando o jovem Freyre escreveu uma série de textos em defesa da arborização do Recife. O segundo momento, nos anos 1930, é marcado pela publicação de Nordeste, livro de 1937, no qual o sociólogo pernambucano criticou a devastação ambiental da Zona da Mata e o complexo industrial das usinas açucareiras. Freyre abordou as questões ecológicas dentro da arquitetura intelectual e política que singulariza sua obra, permeada pela defesa da natureza tropical e das tradições ibéricas.

PALAVRAS-CHAVES:
Gilberto Freyre; Ecologia; Trópicos; Nordeste; Região

ABSTRACT

The article aims to investigate Gilberto Freyre’s ecological and environmental discourses in two distinct but interrelated historical moments. In the first moment, this work analyzes newspaper articles published by the Diário de Pernambuco in the 1920s, particularly in 1924, when the young Freyre wrote a series of texts in defense of the arborization of Recife. The second moment, in the 1930s, was marked by the publication of Nordeste, book from 1937, in which the sociologist from Pernambuco criticized the environmental devastation of the Coastal Strip and the sugar mill complex. Freyre approached ecological questions within the intellectual and political architecture that characterized his work, intertwined with the defense of the tropics and Iberian traditions.

KEYWORDS:
Gilberto Freyre; Ecology; Tropics; Northeast; Region

RESUMEN

Este artículo tuvo por objetivo investigar los discursos ecológicos y ambientales de Gilberto Freyre en dos momentos históricos distintos, pero relacionados. En el primer momento, se analizan sus artículos periodísticos publicados en el Diário de Pernambuco durante la década de 1920, con énfasis en el año 1924, cuando el joven Freyre escribió una serie de textos en defensa de la arborización de la ciudad de Recife. En el segundo momento, en los años 1930, destaca la publicación Nordeste, libro de 1937 en el cual el sociólogo pernambucano criticó la devastación ambiental de la zona del monte y el complejo industrial de ingenios azucareros. Freyre abordó las temáticas ecológicas en el marco de la arquitectura intelectual y política de su obra, que se caracteriza por la defensa del trópico y de las tradiciones ibéricas.

PALABRAS CLAVE:
Gilberto Freyre; Ecología; Trópico; Nordeste; Región

INTRODUÇÃO

Quando Gilberto Freyre (1900-1987) desembarcou no Recife, em março de 1923 - depois de cinco anos fora do país -, regressou como um jovem intelectualizado, portador de uma formação anglófona incomum no Brasil da época. Retornou imbuído pelo desejo de província, de trópico, de Pernambuco. Poderia ter voltado para casa fascinado pelo modernismo e pela modernidade, entusiasmado pelo progresso, pelos Estados Unidos, pela democracia liberal ou pelas vanguardas europeias, mas voltou, a despeito de certos comportamentos considerados exóticos aos olhos da população local, bastante consciente de sua condição de ibérico, de brasileiro e de nordestino. Talvez tivesse consciência de que pertencia a um grupo social de elite, mas em decadência. Na contracorrente de boa parte dos brasileiros de sua classe e da sua época, não desmerecia nem reclamava dos trópicos.

Havia em Freyre, de um lado, o olhar brasileiro de um nordestino e, de outro, uma visão estrangeira, de um leitor ávido. Um dos traços mais visíveis no jovem intelectual àquela altura residia na sua defesa ardorosa da natureza tropical. O interesse pela temática dos trópicos era, ao menos em parte, tributária das leituras de ensaístas de língua inglesa, entre eles, Lafcadio Hearn (1850-1904), autor de Two Years in the French West Indies (1903), obra na qual o autor britânico tecia elogios à mestiçagem e aos trópicos (Pallares-Burke, 2005PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo: Editora da Unesp , 2005.).

Era com um olhar empático às suas raízes - contrariando os discursos dominantes no Brasil dos anos 1920, ainda tomado pelos determinismos climáticos e étnicos - que Freyre escreveria um variado número de artigos em defesa das árvores tropicais nativas do Brasil, e também em defesa da cidade velha (Schneider, 2023SCHNEIDER, Alberto Luiz. Gilberto Freyre na imprensa: uma ideia ibérica de cidade, do Recife (na década de 1920) a Lisboa (na década de 1950). Tempo, Niterói, v. 29, n. 2, p. 245-266, 2023.). Freyre queria conservar os nomes e, se possível, a localização das ruas e vielas coloniais, como Rua do Bode, do Comércio, dos Judeus e da Cruz. Era o mesmo sentido preservacionista que o mobilizava, por exemplo, em favor da conservação da doçaria tradicional e dos brinquedos antigos.

A centralidade do conceito de região é inequívoca na obra de Freyre (Oliveira, 2011OLIVEIRA, Lucia Lippi. Gilberto Freyre e a valorização da província. Revista Sociedade e Estado. v. 26, n. 1, jan./abr. 2011.). Já estava presente no Livro do Nordeste - obra coletiva, publicada em 1925, para comemorar o centenário do Diário de Pernambuco -, marcado pelo esforço em valorizar características da região. Vale citar também o Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste (1926), evento no qual o autor ocupava um lugar de centralidade (Dimas, 2004DIMAS, Antônio. Um manifesto guloso. Légua e Meia, Feira de Santana, v. 2, n. 1, p. 7-24, 2004.). Para ele, o movimento regionalista não seria “necrófilo”, nem teria “a superstição do passado”, mas “ama, porem, nas velhas coisas, a sugestão de brasilidade, o traço, a linha de belleza a ser continuada pelo Brasil” (Freyre, 1926FREYRE, Gilberto. Nordeste separatista? Diário de Pernambuco , Recife, n. 71, 29 mar. 1926.: 3). Dos artigos de jornal nos anos 1920 até Região e tradição, livro de 1941, o tema da região, em graus variados de intensidade e circunstância, esteve no âmago das preocupações de Freyre. Em Nordeste (1937), ele assumiu intenso diálogo com a ecologia, como se verá à frente.

Antes de prosseguirmos, é fundamental compreendermos as origens intelectuais do pensamento freyriano, pois algumas dessas perspectivas, que cedo apareceram, se tornariam decisivas ao longo de toda sua obra. O olhar empático ao passado e o sentido crítico ao moderno mundo ocidental se vinculam, ao menos em parte, à leitura de ensaístas espanhóis, como Ángel Ganivet (1865-1898) e Miguel de Unamuno (1864-1936), ou mesmo de portugueses, como Antonio Sardinha (1887-1925) e Fidelino de Figueiredo (1888-1967), entre outros pensadores ibéricos.

De uma ou de outra maneira, esses autores tematizaram sobre a questão das relações e tensões entre a Península Ibérica e a Europa Moderna, em que as críticas ao capitalismo, à democracia liberal, à industrialização e ao racionalismo eram recorrentes. O granadino Ángel Ganivet, o mais aristocrático dos iberistas, foi um acerbo crítico da modernização da Espanha, da valorização das formas de vida urbana, da predominância da mecânica e da indústria, e da desvalorização da cultura oral e popular, consideradas espontâneas (Ganivet, 1898GANIVET, Ángel. Idearium Español. Granada: Tip. lit. vda. e hijos de Sabater, 1898.). Não é o caso de, neste artigo, aprofundar o iberismo em Freyre, já bem trabalhado (Bastos, 2002BASTOS, Élide Rugai. Escritor ibérico. In: FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Edição crítica. Nanterre: ALLCA XX, 2002.; 2003BASTOS, Élide Rugai. Gilberto Freyre e o pensamento hispânico: entre Dom Quixote e o Alonso El Bueno. Bauru: Edusc, 2003.; González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista en su vida y obra. Programa de Doctorado en Ciencias Sociales - Línea Antropologia. Universidad de Salamanca, 2021.; Schneider, 2020SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo, tradição e mestiçagem: a defesa do Nordeste brasileiro antigo no primeiro Gilberto Freyre (1920-1940). Revista de Estudios Brasileños, Salamanca, v. 7, n. 14, p. 169-185, 2020.), mas convém insistir na centralidade do tema em toda arquitetura intelectual freyriana.

A correspondência pessoal de Freyre parece confirmar a tese do iberismo. Em carta de 25 de abril de 1931 ao intelectual português Fidelino de Figueiredo, também simpático à temática, Freyre aborda o peso da leitura de Ganivet:

Não morro de amores pelo Unamuno mas Ganivet é um dos meus gran­des, um dos meus profundos entusiasmos, e há seis ou sete anos, quando ainda escrevia na minha areia de praia provinciana, escrevi umas notas so­bre essa grande alma de espanhol. Eu andava então todo interessado em animar na minha gente um espírito local, regionalista, um provincianismo criador, sem prejuízo do sentimento mais largo, brasileiro, e até hispânico, e quando descobri Ganivet por mim mesmo, pois nunca vira referência nenhuma a ele em português, foi uma alegria enorme (Dimas, 2011DIMAS, Antônio. Gilberto Freyre e Fidelino de Figueiredo. Navegações, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 141-145, 2011.: 144).

O período que corresponde a “seis ou sete anos” antes de 1931, quando escreveu essa carta a Fidelino - descoberta pelo professor Antônio Dimas - corresponde justamente a meados dos anos 1920, período em que Freyre escreveu muitos artigos interessados em “animar na minha gente um espírito local, regionalista, um provincianismo criador”. A tese da preservação da natureza e das formas culturais foi marcada em seus artigos, pelo que Durval Muniz chamou de “retórica da saudade” (Albuquerque Júnior, 2011ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 2011.: 88-91).

Gilberto Freyre encontrou no iberismo um manancial crítico à modernidade, com evidente valorização do mundo rural, da natureza e das tradições herdadas do passado, vistas como opostas à cidade, à proletarização e à modernidade. Anne-Marie Thiesse (2010THIESSE, Anne-Marie. No coração do regionalismo: a definição da cultura popular. Antares, Caxias do Sul, n. 4, p. 4-11, 2010.: 5) vê no regionalismo uma extensão do nacionalismo, capaz de mobilizar elementos discursivos conservadores, que acabaram por celebrar “as saudáveis virtudes da ruralidade eterna contra as degenerações de um mundo urbano tomado por todas as corrupções físicas e espirituais”. O regionalismo pode ser fluído, capaz portar signos políticos diversos, inclusive “reivindicações das culturas minoritárias contra a hegemonia do poder político e cultural” (Thiesse, 2010THIESSE, Anne-Marie. No coração do regionalismo: a definição da cultura popular. Antares, Caxias do Sul, n. 4, p. 4-11, 2010.: 5). Embora o pensamento de Freyre se ajuste melhor à primeira perspectiva, o regionalismo nordestino, do qual ele foi um dos formuladores, pode ser lido uma resposta ao modernismo paulista e à hegemonia do Sudeste (Dimas, 2004DIMAS, Antônio. Um manifesto guloso. Légua e Meia, Feira de Santana, v. 2, n. 1, p. 7-24, 2004.). O discurso freyriano, inclusive no que toca as questões relativas à natureza, nas décadas de 1920 e 1930, assume essas perspectivas românticas, como se verá à frente, embora seu pensamento seja mais complexo e nuançado do que isso.

Ao longo desse artigo, será demonstrada a forma como Freyre defenderá as árvores do Recife, assim como a cidade velha, ambas ameaçadas pelas reformas urbanas (Schneider, 2023SCHNEIDER, Alberto Luiz. Gilberto Freyre na imprensa: uma ideia ibérica de cidade, do Recife (na década de 1920) a Lisboa (na década de 1950). Tempo, Niterói, v. 29, n. 2, p. 245-266, 2023.) utilizando nesse intento a sua intensa colaboração no Diário de Pernambuco. Mais tarde, já nos 1930, publicará Nordeste, livro escrito de acordo com os marcos clássicos da sociologia freyriana - a mesma que gerou Casa-grande e senzala (1933) e Sobrados e mucambos (1936) -, no qual criticará a monocultura e as modernas usinas de açúcar que destruíam rios e matas da região nordeste, especialmente em Pernambuco. Trata-se de momentos da sua carreira nos quais as questões de ordem ambiental ganham centralidade e relevância.

EM DEFESA DAS ÁRVORES DO RECIFE

A ecologia como tema não foi estranha à formação de Gilberto Freyre nos Estados Unidos. É possível inquerir sobre a influência da Escola de Chicago na sensibilidade freyriana em relação ao assunto nos anos 1920, embora a sociologia que o autor construirá, nos anos 1930, seja muito diferente da dos sociólogos norte-americanos. O pernambucano será mais ensaísta, mais autoral e mais impressionista; já os sociólogos de Chicago seriam mais objetivistas, mais tecnicistas e mais matemático-estatísticos, ou, na linguagem de Freyre, mais “geométricos” (Larreta; Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.; Santos, 2010SANTOS, Ana Carolina Vila Ramos. Ecologias em disputas: a Ecologia de Gilberto Freyre e a Ecologia Humana da Escola de Chicago (1930-1940). Revista Urutágua, Maringá, n. 21, 2010.).

O modo como Freyre se aproxima dos temas ecológicos - bem como de questões mais amplas de seu pensamento - é profundamente ligado à região, à memória e à tradição (D’Andrea, 1992D’ANDREA, Moema Selma. Tradição re(des)coberta: Gilberto Freyre e a literatura modernista. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.). Em síntese, certa percepção ecológica em seus escritos, está indelevelmente relacionada às suas ideias sobre o Nordeste, e a respeito da geografia do espaço e de trópico. Numa carta privada destinada ao escritor paulista Monteiro Lobato, em 4 de abril de 1923, logo após o seu retorno ao Recife, ele expressava sua antipatia pela modernidade, enquanto louvava as árvores tropicais de sua região:

Acabo de chegar a Pernambuco onde há cinco anos não punha o pé. Estou a fartar-me de água de coco e caldo de cana - a satisfazer minha ânsia saudosa da paisagem tropical. […] Cercam-me o quarto, além duma pequena árvore gorda e grotesca, canas de açúcar, bananeiras, palmeiras adolescentes, com os leques não de todo escancarados. Isto encanta, meu caro autor de Urupês, após cinco anos de bungalows, de skyscrapers, de Quinta Avenida e Piccadilly (Freyre, 1923 apud Larreta; Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.: 220, grifos nossos).

O sentido preservacionista contido em sua obra chegou à defesa da natureza tropical, mas era mais amplo, pois colocava-se em favor do que poderíamos chamar de “paisagem tradicional”, herdada da colonização. Em A propósito da devastação de nossas matas, artigo de 1925, ele afirmou:

A devastação das matas fêz-se entre nós, neste último século de Independência, Democracia e Direitos do Homem, com uma sem cerimonia espantosa. […] durante a era colonial os avisos régios mandando os governadores “vigiar sôbre as matas”, punir os devastadores, punir os incendiários, reivindicar para a Coroa matas de particulares “dando-lhes em compensação datas de terras devolutas” (Freyre, 1964FREYRE, Gilberto. Retalhos de jornais velhos. Rio de Janeiro: José Olympio , 1964.: 46-47).

Há, em seu argumento, uma clara relação entre o aprofundamento da modernidade e do capitalismo com o crescimento da devastação ambiental. O tempo do liberalismo clássico - ou, na linguagem de Freyre, “o século de Independência”, da “Democracia e Direitos do Homem” - foi simplesmente pior em termos ambientais. Em um artigo intitulado a “Restauração oportuna”, publicado no Diário de Pernambuco, em 18 de outubro de 1924, ele demonstrava a preocupação ambiental já presente por parte das autoridades coloniais:

Antigas provisões regias, de um forte sabor medieval, determinavam que se plantassem arvores à borda dos caminhos, para recreio dos viandantes. E os caminhos eram todos orlados de grandes arvores. E sob essas arvores acolhedoras paravam os viandantes para repousar.

Leia-se o nosso “Palmerim de Inglaterra”, de Francisco de Moraes: é uma passagem de doces sombras a paisagem medieval que ahi se nos apresenta.

A sabedoria das provisões medieavaes. Comprehenderam-na em Pernanbuco alguns governadores coloniaes. Entre elles: Henrique Freire, d. Thomaz de Mello, Maurício de Nassau. Deste se sabe que uma das maiores volupias na vida era a de plantar arvores (Freyre, 1924eFREYRE, Gilberto. Restauração opportuna. Diário de Pernambuco , Recife, 18 out. 1924e.: 2).

É possível testemunhar na obra do jovem Freyre um sentido de conservação, interessado em preservar certas formas do passado, ameaçado por uma modernização que ele entende como estrangeira e predatória, pois inclinada imitação das formas modernas da Europa e dos Estados Unidos, o que implicava na destruição da arquitetura colonial do Recife (Lira, 2005LIRA, José Tavares Correia de. Naufrágio e Galanteio: viagem, cultura e cidades em Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 144-209, 2005.; Peixoto, 2005PEIXOTO, Fernanda. A cidade e seus duplos os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 159-173, 2005.) e na depredação da natureza tropical da zona da mata. Como se pode ver na citação acima, ele chega a elogiar a Coroa portuguesa dos tempos coloniais, o que reforça o tom aristocratizante da crítica à modernidade burguesa, enamorado pelo passado luso colonial do Brasil. As antigas tradições ibéricas, de aristocráticas, representava um passado que dizia respeito de pessoal e afetiva. Era de seus antepassados. A crítica a ordem liberal, a modernização e ao progresso está relacionada às suas próprias origens e afetos.

Nos textos de Freyre acima citados, bem como em muitas outras passagens desta época, são audíveis os ecos da sua defesa do passado ibérico e a consequente crítica por ele direcionada ao mundo moderno. A mobilização de autores iberistas que ele apreciava foi fundamental na construção de um paradigma crítico ao liberalismo do século XIX, em defesa das tradições mais antigas e aristocráticas. Em artigo intitulado “Histórias que o tempo leva”, publicado no Diário de Pernambuco, em 28 de agosto de 1924 - em que Freyre comenta um livro de Câmara Cascudo -, deixava transparecer sua aversão ao liberalismo oitocentista:

É assim que o sr. Luiz Cascudo, com o bom senso e contra a historia official, procura rehabilitar a figura boa e tersa de reaccionario que foi o pernambucano José Ignacio Borges. Figura desfigurada pelos preconceitos liberalistas, a do tenente-coronel Borges. Aliás, ha muito na historia brasileira, principalmente na historia do seculo XIX, que libertar dos preconceitos dos liberalistas. Esta obra intelligente de rehabilitação, iniciou-a, com o “Dom João VI no Brasil”, o sr. Oliveira Lima (Freyre, 1924dFREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco , Recife, 13 nov. 1924d.: 3).

Os textos de Freyre, ao longo das décadas de 1920 e 1930, contêm perceptíveis ecos românticos, com traços “anti-iluministas”, que alimentaram sua crítica à modernidade ocidental. Paradoxalmente, esse tom romântico e bastante conservador, em certo sentido, também gerou inovações no ambiente intelectual da época, pois permitiu a Freyre abordar aspectos do mundo social - como sexualidade, infância, morte, o local e o regional, as matas e as árvores -, com críticas, às vezes severas, a certos valores centrais do liberalismo, como a noção de progresso (Larreta; Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.: 255).

Seria tentador pensar em marcas presentes em sua obra de uma possível herança das ideias de natureza de Alexander von Humbold (1769-1859), com toda carga romântica de quem buscou imaginar, sentir e pesquisar in loco a natureza ao redor do globo, em tempos de avanço da cidade e da indústria (Wulf, 2019WULF, Andrea. A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander von Humbold. São Paulo: Planeta, 2019.: 53-70). No entanto, Freyre experimentou com o ensaísmo de língua inglesa certa perspectiva romântica, em particular via o movimento Arts and Crafts e do chamado “socialismo de guilda” de artistas e ensaístas como John Ruskin (1819-1900) e William Morris (1834-1896).

Estes autores buscaram conjugar a recuperação romântica do passado medieval inglês com uma nova proposta socialista fundada na descentralização econômica, no trabalho cooperativo e na promoção de uma indústria artesanal que pudesse superar o holocausto estético provocado, aos seus olhos, pela paisagem industrial moderna (Pádua, 2005PÁDUA, José Augusto. Herança romântica e ecologismo contemporâneo: existe um vínculo histórico? Varia História, Belo Horizonte, v. 21, n. 33, p. 58-75, 2005.: 68).

Convém observar que o intelectual pernambucano não se incomodava em ser chamado de romântico. Em Região e tradição, livro de 1941, ele mesmo se definiu como “realista-romântico”, uma vez que “a caracterização pura e simples de ‘romântico’ não me ofende; ao contrário, agrada-me” (Freyre, 1941FREYRE, Gilberto. Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio , 1941.: 61). Maria Lúcia Pallares-Burke nota que Morris e Ruskin, a quem se refere como “vitorianos rebeldes”, estavam “enfeitiçados pelo romantismo e suas críticas à sociedade de seu tempo”, em aberta crítica aos valores do capitalismo industrial.1 1 Não há espaço nos limites desse artigo para discutir o romantismo e suas perspectivas críticas às tradições iluministas e a sociedade industrial. A perspectiva que alimentava a sensibilidade tradicionalista em Freyre certamente não está no romantismo revolucionário (Löwy; Sayre, 1995; 2021). Freyre se colocava a favor de virtudes aristocráticas, crítico das tendências igualitárias.

Freyre menciona exatamente John Ruskin e William Morris, dois pensadores que questionavam o “industrialismo e a democracia estúpida do século XIX”2 2 A frase é de Freyre. Está na coluna de artigos numerados (29), publicada no Diário de Pernambuco, em 28 de outubro de 1923. […], mas é de crer, por referências posteriores, que eles também desempenharão o papel de instigadores e mentores da missão regionalista que, a partir de certo momento, Freyre se impõe (Pallares-Burke, 2005PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo: Editora da Unesp , 2005.: 201-202).

A postura regionalista de Freyre conectava-se com a defesa de uma porção do Brasil que ele considerava mais antigo, mais ibérico e mais profundo, embora ameaçado pela avalanche da modernidade, como evidencia em uma passagem da coluna publicada em 20 de maio de 1924, no mesmo Diário de Pernambuco. Nela, o autor se escandalizava com as transformações modernizadoras do Recife:

Os que, ainda meninos conhecemos o Recife de Lingueta, do Arco de Santo Antonio, dos Kiosques e das gamelleiras, vamos experimentando sensação igual quanto á paisagem physica. Parece que temos vivido em duas cidades differentes.

É uma angustia para as creaturas sensiveis viver nessas epocas de aguda transição. Vêem-se afinal numa cidade que lhes parece extrangeira.

Eu por mim já me sinto um tanto extrangeiro no Recife de agora. O meu Recife era outro. Tinha um “Sujo de velhice” que me impressionava, com um mystico prestigio, a meninice. O tempo o esverdeara todo de um verde que tinha o encanto desde uma uncção.

Conservar uma cidade seu pitoresco proprio, sua cor local, seu caracter, emfim, não quer dizer fechar-se toda às exigencias da engenharia sanitaria. Não há mal algum para o caracter duma cidade em se deixar reparar e mesmo alterar na crosta da sua paisagem: os reparos é que não devem exceder à crosta para ferir os valores intimos, essenciaes, da mesma paisagem (Freyre, 1924cFREYRE, Gilberto. Histórias que o tempo leva. Diário de Pernambuco , Recife, 28 ago. 1924c.: 3).

Quando Freyre fala das “gamelleiras” - assim como de outras árvores tropicais as quais tantas vezes alude, como as jaqueiras, as mangueiras ou os cajueiros - é no sentido de paisagem, de uma paisagem tropical do Recife patriarcal que se desfazia penosamente ante seus olhos. Como se tem mostrado naqueles anos, especialmente em 1924, Freyre andava às voltas com o tema das árvores no Recife. Na coluna de número 71, de 24 de agosto de 1924, o autor se colocou contra a poda das árvores, pois elas desfigurariam o arvoredo tropical. Vejamos:

A maioria das nossas arvores, porém, repelle os cortes e as aparas. Pede por todos os galhos liberdade de expansão. As arvores dos trópicos são por natureza patriarchaes ou antes matriarchaes: sua maior delicia está nesse alastrar de galhos e de folhagem que é a grande belleza da mangueira. Mangueiras e jaqueiras, sicupiras e baraúnas, cajueiros e gamelleiras assumem todas desde adolescentes, certo ar doce de mães, querendo abençoar, acolher, proteger e até amamentar. A jaqueira até parece uma mãe preta, com a sua fartura boa de têtas (Freyre, 1924aFREYRE, Gilberto. Coluna Número 53. Diário de Pernambuco, Recife, 20 maio 1924a.: 3).

Em novembro de 1924, possivelmente por iniciativa do próprio Freyre, o recém-fundado Centro Regionalista do Nordeste promoveu a Semana da Árvore, com conferências, concursos de poesia, fotografia e desenho sobre árvores tradicionais do Nordeste - leia-se, árvores tropicais. A conferência de Freyre ocorreu em 11 de novembro de 1924, no Colégio Salesiano do Recife, sob o título de “O Recife e as Árvores”. O texto, longo para os padrões de um jornal, foi publicado no Diário de Pernambuco no dia 13, apenas dois dias após a conferência. Antes de entrar no tema da arborização do Recife, ele lamentou a destruição das florestas do Nordeste:

Talvez em nenhum país se tenha em tão baixa conta o problema das reservas florestaes como no Brasil. Os gritos de alarme se sucedem com uma estridência de gritos carnavalescos; e com o mesmo resultado dos “gritos de socorro” das vozes carnavalescas: ouvem-nas todos bem claro, mas ninguém as toma a sério. E as reservas florestaes no Brasil, sobretudo no Nordeste, se vão reduzindo à melancholia das últimas joias da família (Freyre, 1924dFREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco , Recife, 13 nov. 1924d.: 4).

Essas palavras sugerem o vivo interesse de Freyre no tema. Na passagem acima, pode-se inferir que ele esperava ser criticado por aqueles que operam segundo “critérios utilitários”, ou seja, econômicos. O autor se perguntava: para que servem as árvores?

A resposta de que as arvores são grandes semeadoras do ar talvez seja a melhor, para o critério de valores dos homens chamados práticos. Eu entretanto vos advirto, aos mais jovens, do perigo do criterio utilitario. Criterio tão perigoso que levado aos seus logicos confins, as catedraes deveriam todas desapparecer para dar logar aos “restaurantes” e “water-closets” (Freyre, 1924dFREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco , Recife, 13 nov. 1924d.: 4).

Há, neste trecho, uma clara crítica ao interesse econômico que Freyre define como “critério utilitário”. O utilitarismo, no século XIX, considerava a racionalidade dos indivíduos um caminho para felicidade. Talvez Freyre estivesse a questionar os elementos racionalistas assumidos pelos utilitaristas. Seja como for, ao comparar as árvores às catedrais, revelava traços de uma sensibilidade romântica presentes nas tradições regionais, em defesa da dignidade e da beleza do que é antigo e do que é natural, frente ao que ele considerava as vulgaridades do presente. Sobre isso, vale a observação de Anne-Marie Thiesse:

O fortalecimento do regionalismo, a partir de 1900, acompanha um processo de transformação social e econômico que não para de se ampliar. As invocações usuais à necessidade de preservar a cultura popular tradicional (que se traduzem também por numerosas criações museográficas) fazem-se acompanhar cada vez mais de convocações para que seja concebida uma adaptação da tradição à modernidade […]. Os diversos prolongamentos do movimento Arts and Crafts são, assim, cada vez mais marcados pelo selo do regionalismo (Thiesse, 2010THIESSE, Anne-Marie. No coração do regionalismo: a definição da cultura popular. Antares, Caxias do Sul, n. 4, p. 4-11, 2010., p. 7-8).

A perspectiva freyriana parecia caminhar nessa direção. Ao elogiar a “restauração” de um parque em Olinda - que ele chamava, significativamente, de “quinta” -, Freyre elogiava os trópicos, e as árvores africanas e orientais tão bem aclimatadas ao Nordeste.

Seria opportuna a restauração da quinta de Olinda, já que no Recife parece tão difficil dedicar alguns hectares a um bosque que reunisse os valores decorativos da nossa flora e de toda a flora tropical, como essas arvores hindús e africanas parentas das nossas; e servisse de grande pulmão à cidade. Uma cidade tropical sem um grande parque - comprehende-se absurdo maior?” (Freyre, 1924dFREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco , Recife, 13 nov. 1924d.: 4).

Ao evocar as “árvores hindus e africanas parentas das nossas”, ele fazia alusão à globalização de plantas e animais que a colonização da Época Moderna colocou em contato. Os primeiros colonizadores portugueses introduziram plantas tropicais orientais e africanas nessas terras, especialmente adaptáveis ao Nordeste do Brasil. As mestiçagens de Freyre chegavam até às árvores tropicais, árvores aclimatadas e, portanto, já “nossas”. Seriam elas o “pulmão” de cidades quentes como o Recife.

Freyre encontrou em Maurício de Nassau (1604-1679) um extemporâneo aliado nessa causa. Nassau, segundo fontes de época, que ele cita, teria mandado “transplantar [para o Recife] centenas de árvores do interior do Brasil e da costa d’Africa”. Citar Nassau - o nobre e erudito alemão a serviço da Companhia das Índias Ocidentais - era uma estratégia que lhe parecia convincente, ainda mais para os leitores recifenses:

[…] parque mandado fazer por Mauricio na ponta norte da ilha [de Antônio Vaz] era verdadeiramente um parque: pela extensão e pelo arvoredo. […]. Comprehendeu Mauricio que era preciso dar um pulmão á nova cidade: e deu-lhe aquella fartura de arvoredo salpicado de fontes d’agua doce. […] o principe fez transplantar para a ilha de Antonio Vaz 700 coqueiros já crescidos, 250 laranjeiras, 58 limoeiros, 80 limeiras, 60 figueiras, e um bananal. Isto para não falar nas arvores indígenas […] (Freyre, 1924dFREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco , Recife, 13 nov. 1924d.: 4).

Freyre foi um arguto observador da vida brasileira nas décadas de 1920 e 1930. Era um homem conservador? Claramente sim, mas não um ventríloquo dos interesses dominantes de seu tempo. A valorização da tradição, da região e da província (Oliveira, 2011OLIVEIRA, Lucia Lippi. Gilberto Freyre e a valorização da província. Revista Sociedade e Estado. v. 26, n. 1, jan./abr. 2011.) não se confundiam com um simplório convencionalismo, pois tendia a ver positivamente as tradições populares, a mestiçagem, o erótico, o cotidiano, além do ecológico, objeto deste artigo. Assuntos incomuns no pensamento brasileiro do período. O aristocratismo de Freyre, com tudo o que há de conservador e retrógrado nele, não o impediu de agendar questões ambientais, assim como questões relativas à vida privada, à intimidade, à comida e à sexualidade, passando pela roupa, pelo corpo e pela família, agendas incomuns no Brasil do período (Pallares-Burke; Burke, 2009PALLARES-BURKE, Maria Lúcia; BURKE, Peter. Repensando os trópicos: um retrato intelectual da Gilberto Freyre. São Paulo: Editora Unesp, 2009.: 26).

Este artigo tem como recorte a ecologia e o meio ambiente, mas é preciso notar que o senso preservacionista de Freyre nos anos 1920 só pode ser entendido dentro de um conjunto, em que a defesa dos trópicos, da colonização portuguesa e do regionalismo nordestino ocupam um lugar central e indissociável da sua argumentação.

EM DEFESA DAS MATAS DO NORDESTE

Questões de ordem ecológica, em especial o tema dos trópicos, são transversais à obra do intelectual pernambucano.3 3 Os temas relativos às questões ambientais retornariam no Freyre maduro, em textos como “Homens, terras e águas na formação agrária do Brasil: sugestões para um estudo de interrelações” (1954) ou ainda em “Transformação Regional e Ciência Ecológica: o caso do Nordeste Brasileiro” (1970) (Simon, 2011). Um Freyre com mais de 80 anos continuava interessado no assunto ao publicar o livro Rurbanização: que é? (1982), retomando discussões feitas desde os anos 1950 sobre as relações entre o rural e o urbano (Froehlich, 2000). De um modo ou de outro, questões relativas à dimensão ecológica, especialmente ao tema dos trópicos, estiveram em Casa-grande e senzala (1933) e Sobrados e mucambos (1936). Mas é em Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil que o tema ganha centralidade. O livro foi publicado pela prestigiosa José Olympio Editora, em 1937, na Coleção Documentos Brasileiros.4 4 Gilberto Freyre, não raro, fazia significativas mudanças nas novas edições de suas obras. Foi o caso de Nordeste. Em função do recorte deste artigo, utilizou-se a edição de 1937, a primeira, permeada pelo debate intelectual dos anos 1930. Por essa razão, todas as citações pertencem à primeira edição. Já no prefácio da primeira edição, Freyre deixava claro de qual Nordeste se ocupava.

Aqui apenas se tenta esboçar a fisionomia daquele Nordeste agrário, hoje decadente, que foi, por algum tempo, o centro da civilização brasileira. Do outro Nordeste traçará o perfil para esta coleção um dos conhecedores mais profundos de sua formação social - Djacir Menezes (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 10).5 5 Freyre se referia a O outro Nordeste: ensaio sobre a evolução social e política do Nordeste da “civilização do couro” e suas implicações históricas nos problemas gerais, de Djacir Menezes, também de 1937, publicado dentro da mesma Coleção Documentos Brasileiros, que se ocupará do sertão nordestino, assunto que Freyre não trata em Nordeste.

O Nordeste freyriano era o Nordeste do açúcar, localizado na faixa litorânea que “vai do Recôncavo [baiano] ao Maranhão, tendo o seu centro em Pernambuco” (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 22). “Centro” em sentido literal e metafórico, pode-se dizer. Não era o Nordeste das secas, do cangaço ou do milenarismo que o interessava particularmente, mas o Nordeste lírico das “árvores gordas, de sombras profundas, de bois pachorrentos, de gente vagarosa e às vezes arredondada quase em sanchos-panças pelo mel de engenho […]” (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 21).

O mundo da cana-de-açúcar gerou relações sociais, culturais, econômicas e ambientais que culminaram em uma sociedade patriarcal e escravocrata, que vinha transformando a verdejante e úmida Zona da Mata desde os tempos coloniais. Freyre elogiava os colonizadores portugueses e as circunstâncias que levaram ao triunfo do açúcar, fosse “pela proximidade da Europa como pelo contato fácil com a África, fornecedora de escravos”, fosse “pela qualidade do elemento colonizador europeu - a parentela de Duarte Coelho e de dona Beatriz, gente boa e sã, habituada à vida rural e ao trabalho agrícola, gente talvez geneticamente superior6 6 Como se sabe, Freyre rompe o racismo biológico, mas certos elementos herdados do racismo cientificista permanecem, ainda que mitigados por “talvez”. Ricardo Benzaquem de Araújo estuda essa questão centrado em Casa-grande e senzala (Araújo, 1994). aos simples artesãos […]” (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 26, grifo nosso). Nessa citação, é evidente o esforço do autor em defender a “qualidade” da elite nordestina, os descendentes de Duarte Coelho e de dona Beatriz, gente essa, por ele presunçosamente qualificada como “geneticamente superior”, em nítida sobrevivência e consonância de traços do pensamento científico-racionalista, que o próprio Freyre criticava.

Os temas da cana-de-açúcar mobilizam todos os capítulos deste livro.7 7 Capítulo 1 - “A cana e a terra”; Capítulo 2 - “A cana e a água”; Capítulo 3 - “A cana e mata”; Capítulo 4 - “A cana e os animais”; Capítulo 5 - “A cana e o homem”; Capítulo 6 - “A cana e o homem (conclusão)”. Freyre constrói um texto ensaístico e com tons literários sem, contudo, deixar de se fundamentar em pesquisa, e interessado em mostrar a maneira como a lavoura canavieira se expandiu sobre a Mata Atlântica. As terras do açúcar, desde os tempos coloniais até o século XIX, teriam se conciliado com as matas, no entanto, desde o início do século XX, com a modernização do processo produtivo, a moderna usina teria rompido com o que ele chamou em Casa-grande e senzala, de “equilíbrio de antagonismos”. Dessa ruptura conciliadora teria nascido uma destruição desfreada e impiedosa, carregando sob seu estigma a poluição e a degradação em larga escala dos começos do século XX.

Há no livro dois tempos nítidos e bastante distintos: o tempo bom, dos engenhos de outrora, sobretudo dos séculos XVII e XVIII, que seriam os tempos patriarcais por excelência, e em contraste, os tempos de crise, tempos de decadência, que seria o tempo do agora (no caso, as décadas de 1920 e 1930). O que há em comum nos dois tempos é o trópico, mas em condições ecologicamente diferentes. Antes, no tempo “ibérico”, teria havido uma suposta conciliação entre a atuação colonial e a natureza tropical, apesar dos malefícios da monocultura. Depois, nos tempos “modernos”, tempos “industriais”, predominaria a destruição e a poluição.

Para Freyre, a “aristocracia do açúcar” e seu duplo, a escravidão africana, são apresentados como binômios indissociáveis. De um lado, “o homem nobre, dono de engenho”, que imprimiu aspecto “aristocrático, cavalheiresco, embora um aristocratismo, em certos pontos, mórbido, e um cavalheirismo às vezes sádico” (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 11); de outro, a presença africana, que não só se aclimatou aos trópicos sul-americanos como ajudou os portugueses a se adaptarem às circunstâncias tropicais. Essa realidade não impediu a reconstrução de signos aristocráticos pelos colonizadores portugueses, como argumenta Freyre em Nordeste, inclusive por meio dos animais implantados na região: “O cavalo dava ao aristocrata do açúcar, quando em movimento ou em ação, quase a mesma altura que lhe dava o alto da casa-grande nas horas de descanso. Para tal efeito, devia ser majestoso no porte e belo nas formas o cavalo do senhor” (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 88). Em ambiguidade tipicamente freyriana e por vezes desconcertante, embora tenha um tom crítico em certos pontos, também inclui em seu bojo teórico claramente empático ao aristocratismo dos velhos senhores de engenho, estes mesmos responsáveis por perpetrar um sadismo proeminente em seu entorno, como o próprio Freyre reconhece.

O trópico, como tema, já aparecia nos artigos de jornais que Freyre escreveu nos anos 1920, como vimos, e voltaria a aparecer em Casa-grande e senzala, apresentado como uma instância fundamental na constituição dos comportamentos e dos hábitos dos portugueses e seus descendentes, muitos já mestiços. Os ibéricos, em particular os portugueses, já teriam vindo para o Brasil “bi continentais” e, como tal, portadores de excepcionais habilidades para dominar os trópicos, pois capazes de transigir com uma realidade inóspita, adaptando-se.

As matas tropicais foram lidas como áreas de “excessos” e “deficiências”. O solo - excetuadas certas “manchas de terra preta ou roxa, de excepcional fertilidade” - seria inadequado à agricultura tal como se fazia na Europa, pois “em grande parte rebelde à disciplina agrícola” (Freyre, 2006 [1933]FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2006 [1933].: 76). Nos trópicos, ainda em Casa-grande, Freyre observa que “larvas, vermes, insetos roendo” corromperiam livros, papéis, madeiras, bem como “carnes, músculos, vasos linfáticos, intestinos, o branco do olho, os dedos dos pés, tudo fica à mercê de inimigos terríveis” (Freyre, 2006 [1933]FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2006 [1933].: 117). No entanto, bem ou mal, a monocultura do açúcar, apesar de suas implicações negativas sobre o meio ambiente, teria se adaptado aos trópicos.

É importante insistir numa ambiguidade nítida, e por isso irrefutável: Freyre compreende a colonização portuguesa nos trópicos, no período colonial, como vencedora e positiva, pois teria sido capaz de superar grandes dificuldades. Mas em paralelo, ele não deixa de apontar o sentido destruidor que essa mesma colonização implicaria, em função dos efeitos ambientalmente negativos da monocultura. No período colonial, na sua concepção, haveria relativa conciliação entre a lavoura e a natureza tropical, entre a monocultura e a mata tropical. A conciliação, tão ao gosto de Freyre, teria sido rompida pelos modernos usineiros nas primeiras décadas do século XX.

Se a monocultura já é criticada em Casa-grande, é em Nordeste que o tema ganhará grandes proporções. A monocultura canavieira e a derrubada das matas são processos interligados, com implicações ambientais na flora, na fauna, nos rios e na própria paisagem humana, por meio da implantação dos engenhos, com suas senzalas e suas casas-grandes. Foi o complexo do açúcar que destruiu as populações indígenas e gerou o escravismo africano, ou, nas palavras de Freyre, foi o “açúcar quem matou o índio” (Freyre, 2006 [1933]FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2006 [1933].: 186). A própria fome estaria associada ao latifúndio monocultor:

[…] a deficiência das fontes naturais de nutrição que a policultura teria talvez atenuado ou mesmo corrigido e suprido, através do esforço agrícola regular e sistemático. Na formação de nossa sociedade, o mau regime alimentar decorre da monocultura […] (Freyre, 2006 [1933]FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2006 [1933].: 49).

A crítica à monocultura, em Casa-grande e senzala, de modo algum inviabilizou o elogio ostensivamente direcionado aos portugueses como os responsáveis pela introdução da agricultura comercial, entre outras “conquistas” que os colonizadores portugueses teriam legado ao Brasil. No entanto, esse mesmo esforço do colonizador em implantar a grande lavoura açucareira levou os portugueses à criticável adoção, em larga escala, de técnicas indígenas como a coivara, na qual se ateava fogo às matas tropicais. Freyre argumentou que:

[…] embora o português, antes de seu contato com a América, já se entregasse à devastação de matas, ele aqui encontrou a devastação a fogo de florestas tropicais praticadas sistematicamente pelos indígenas. Método que adotou (Freyre, 2006 [1933]FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2006 [1933].: 350, nota 85).

Desta forma, a coivara indígena foi, de fato, adotada pelo colonizador, mas o que entre indígenas dava-se em pequena escala, entre os colonizadores era empregada com frequência infinitamente maior, em evidente descompasso com a tradição original dessa técnica criada pelos indígenas, e assim, destruía enormes porções de florestas, flora e fauna. Ao enfatizar adoção da técnica indígena, Freyre está mais interessado em elogiar adaptação luso-ibérica aos trópicos do que em criticar as nefastas consequências ambientais dessa prática que, no entanto, ele observa e expõe.

Em Nordeste já aparece a perspectiva do “homem situado”, ou seja, a ideia de que o clima e a geografia - quando postos em relação ao espaço, ao tempo, à economia e à cultura - teriam gerado uma região singular: o Nordeste açucareiro. Essa região, para o pernambucano, seria incompreensível sem levar-se em conta a importância vital dos trópicos que, junto às mestiçagens herdadas dos colonizadores ibéricos, teriam formado o que ele julga ser a “mais brasileira” das regiões do Brasil.

Para Freyre, portanto, não existiria um “homem universal”, mas sim um homem regional e culturalmente situado, sempre diverso. Diversidade nutrida pelas condições regionais de vida e de existência, inevitavelmente marcadas pela ecologia, mas também pela economia, pela história e pela cultura, enfim, pelas “múltiplas e ricas relações com a natureza, com a técnica e com outros homens” (Santos, 2010SANTOS, Ana Carolina Vila Ramos. Ecologias em disputas: a Ecologia de Gilberto Freyre e a Ecologia Humana da Escola de Chicago (1930-1940). Revista Urutágua, Maringá, n. 21, 2010.: 169). Desse modo, o Nordeste açucareiro seria fruto da interação humana dos colonizadores e dos povos por eles subjugados, mas em condições ecológicas específicas - o trópico, a Zona da Mata - com suas plantas e seus animais. O resultado da experiência colonial nesse aspecto é de destruição da mata, que a lavoura da cana engolia, reconhece Freyre.

O tema da monocultura é assunto importante em Nordeste. A grande lavoura escravocrata não apenas implicou o uso de águas, terras e matas, mas também levou à substituição de uns animais por outros. Os “bichos selvagens” ficaram, ao longo do tempo, cada vez mais escassos. Já os animais europeus, como bois e cavalos, tornaram-se abundantes progressivamente. A colonização portuguesa, lembrou Freyre, também substituiu uns homens por outros. Declinavam as populações indígenas. Crescia a presença de colonizadores europeus e os africanos escravizados. Toda colonização favorecia os engenhos, diz o autor: “boas manchas de terra, boas águas, boas matas, o mar perto, Olinda perto, os índios longe” (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 48).

A destruição das matas pela monocultura vinha de longe, desde os tempos coloniais mais remotos, mas o “equilíbrio de antagonismos”, nesse caso entre a mata e a lavoura, foi rompido com a radicalização da monocultura da cana-de-açúcar no tempo da usina, ou seja, nas primeiras décadas do século XX, gerando graves “desequilíbrios”:

O fato liga-se também à destruição das matas pelo fogo e pelo machado, em que tanto se excedeu a monocultura. Desapareceu assim aquela vegetação como que adstringente, das margens dos rios, que resistia às águas, tempo de chuva, não deixando que elas levassem o tutano das terras: conservando o húmus e a seiva do solo. As caraibeiras tiveram essa função útil às margens de alguns rios. Margens que se tornaram umas areias frouxas e incapazes de resistência quando esse arvoredo mais vigoroso do interior foi devastado (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 44).

Se a destruição havia alcançado grandes proporções na era da indústria, Freyre não deixou de observar a longevidade da destruição das matas, inclusive as ciliares, chegando a comprometer as reservas hídricas. O olhar empático, e não raro poético, ao passado colonial não absolveu de todo o tempo do engenho, que inaugurou o “drama da monocultura”. As matas viraram navios, móveis, rodas d’água, carros de boi, caixas para transladar açúcar, mas viraram também lenha para alimentar o fogo das caldeiras ou pior, foram displicentemente queimadas em coivaras. Nas palavras do próprio autor:

Poucas dessas madeiras foram utilmente aproveitadas para trave de casa-grande, roda-d’água de engenho, carro de boi. Grande parte foi a coivara que simplesmente desmanchou em monturo; foram as fornalhas de engenho que engoliram; os portugueses que levaram para construir navio e porta de convento em Portugal. […] A cana começou a reinar sozinha sobre léguas e léguas de terras avermelhadas pela coivara. Devastadas pelo fogo. […]

A história natural - como a social - do Nordeste da cana, nestes quatro séculos, é uma história de desequilíbrio, em grande parte causado pelo furor da monocultura. Suas fomes, algumas de suas secas e revoluções são aspectos desse drama (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 66).

A crítica é potente, mas, no mesmo trecho, na mesma página, Freyre nos lembra que, na sua concepção, a cana também “é um dos casos de transplantação mais felizes”, pois o latifúndio escravocrata e monocultor encontrou no Nordeste gordo e úmido dos litorais atlânticos, com ótimas terras e clima apropriado, gerando um complexo social, mas também um severo problema:

O drama que se passou e se passa ainda no Nordeste não veio do fato da introdução da cana, mas do exclusivismo brutal em que, por ganância de lucro, resvalou o colono português, estimulado pela coroa na sua fase já parasitária (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 66).

Vê-se em Freyre, em particular em Nordeste, uma vontade de mostrar os efeitos negativos da monocultura, desde os tempos coloniais, com suas consequências ambientais nocivas. O reconhecimento da destruição da natureza tropical se equilibra com outra vontade, a de elogiar a adaptação portuguesa aos trópicos. O próprio Freyre parece reconhecer essa ambiguidade tensa, patente no uso da expressão “equilíbrio de antagonismos”.

Como se tem buscado demonstrar, os “desequilíbrios” da monocultura remontariam ao período colonial, no entanto, a destruição ambiental só se agravou com a modernização da indústria açucareira, gerando uma sensível piora das condições de vida dos trabalhadores. Freyre via na modernização da indústria do açúcar não apenas a deterioração das condições naturais, mas também das condições existenciais dos “cabras” - ou seja, dos trabalhadores braçais, como os cortadores de cana -, mesmo quando comparado ao escravismo dos antigos senhores de engenhos:

A verdade é que talvez em nenhuma outra região do Brasil a extinção do regime de trabalho escravo tenha significado tão nitidamente como no Nordeste da cana-de-açúcar a degradação das condições de vida do trabalhador rural e do operário. A degradação do homem. Da assistência ao escravo - assistência social, moral, religiosa, e até médica, que bem ou mal era praticada pela maioria dos senhores escravocratas no interesse das próprias terras, da própria lavoura, do próprio açúcar, da própria família (em contato direto com parte da escravaria e indireto com toda a massa negra) - quase não resta senão um traço ou outro, uma ou outra tradição mais sentimental do que efetiva, nos engenhos mais velhos, em uma ou em outra usina de senhor menos ausente do campo (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 189).

As críticas laborais aos abusos dos usineiros são recorrentes e contundentes, mas convém observar a leitura que Freyre fez da escravidão ibérica e católica nos trópicos. Ela teria sido bem mais branda quando comparada ao escravismo britânico no sul dos Estados Unidos, tese que gozava de certa respeitabilidade naquele momento (Guimarães, 2019GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A democracia racial revisitada. Afro-Ásia, Salvador, n. 60, p. 9-44, 2019.: 11-12). No afã de criticar os usineiros e defender o passado dos velhos senhores, Freyre considerava que o fim do escravismo e a imposição de interesses de classe impessoais teriam degradado ainda mais a vida dos trabalhadores, que já não podiam contar com a “assistência ao escravo”. É evidente e embaraçosa a defesa de Freyre da tradição patriarcal e paternalista dos antigos senhores, em clara contraposição à ordem liberal burguesa, em particular à proletarização da força de trabalho, composta por “cabras” e outros trabalhadores destituídos de direitos, agora desenraizados.

Os usineiros, argumentava Freyre, degradavam, mais que os velhos senhores, tanto o meio ambiente como os homens. Trata-se de uma crítica à modernização, ainda que por prisma aristocratizante, já esboçada nos artigos dos anos 1920, e que é aprofundada em Nordeste. Convém observar que a ruína de parte considerável dos antigos senhores, muitos deles descendentes de velhas famílias coloniais, está ligada à própria história de “Gilberto de Mello Freyre”, que também era um “Cavalcanti, Albuquerque e Wanderley de velhas estirpes pernambucanas, por consanguinidade ou colateralidades ancestrais” (Chacon, 1993CHACON, Vamireh. Gilberto Freyre, uma biografia intelectual. Recife; São Paulo: Massangana; Companhia Editora Nacional, 1993.: 29).

Nas primeiras décadas do século XX, os grandes produtores de açúcar de Pernambuco tinham modernizado todo o processo de produção açucareira com a instalação de usinas, por meio de empresas capitalizadas, o que levou à absorção de antigos e já decadentes engenhos. Não é do interesse deste artigo aprofundar-se nas questões estritamente econômicas desse cenário, mas, para bem compreender a obra de Freyre, é preciso observar que, entre fins do século XIX e ao longo das primeiras décadas do século XX, surgiram dezenas de modernas usinas de açúcar na Zona da Mata de Pernambuco, como demonstram os estudos de Thomas Rogers, embora continuassem a existir pequenos e muitas vezes antigos engenhos, cada vez mais decadentes. “Em 1914, Pernambuco ainda tinha nada menos que 2.788 deles, mas quase todos insignificantes, pouco produtivos e alguns mesmo já paralisados” (Rogers, 2017ROGERS, Thomas D. As feridas mais profundas: uma história do trabalho e do ambiente do açúcar no Nordeste do Brasil. São Paulo: Editora Unesp , 2017.: 153). Nesse período, as estradas de ferro pernambucanas se expandiram, ligando as zonas produtoras ao porto do Recife (Eisenberg, 1974EISENBERG, Peter. The Sugar Industry in Pernambuco: modernization without change, 1840-1910. Berkeley: University of California Press, 1974.), melhorando a rentabilidade do moderno setor açucareiro.

Não resta dúvida de que as novas usinas e a concentração fundiária acabaram por ativar a produção açucareira, com um evidente impacto ambiental. Esse contexto, é fundamental para compreendermos o pensamento freyriano que, em Nordeste, narra em estilo inconfundível o desfazimento do velho mundo patriarcal e as consequências ambientalmente destrutivas da nova indústria:

O monocultor rico do Nordeste fez da água dos rios um mictório. Um mictório das caldas fedorentas de suas usinas. […] Quase não há um rio do Nordeste do canavial que alguma usina de ricaço não tenha degradado em mictório (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 60).

De fato, Nordeste foi escrito sob a égide de certa perspectiva ecológica, mas uma ecologia atravessada pelas relações sociais, culturais e temporais nos termos mais amplos da obra de Gilberto Freyre, muito distante do moderno ambientalismo, e altamente comprometido com as agendas próprias do autor. Para Freyre, não se tratava de voltar ecologicamente ao “Brasil de 1500”, mas de restaurar um equilíbrio perdido, reconciliando o homem e a natureza tropical, ou seja, construindo o “equilíbrio de antagonismos” que, bem ou mal, teria existido no período colonial, quando a lavoura e a mata teriam se conciliado.

Convém observar, como sugere Regina Horta Duarte, que Freyre não propôs parques que afastassem as pessoas das matas.8 8 Apesar do forte debate sobre os parques nacionais na época em que Nordeste foi escrito, Freyre não defendeu a criação de parques. Predominava para ele a ideia de parque como uma “ilha” isolada dos homens, uma “natureza intocada”, e, por isso, distante da sua perspectiva. Colocou-se como um defensor de uma espécie conciliação entre homem e natureza. Nem por isso deixou de ser acusado pelos usineiros de Pernambuco e outros defensores do status quo da época por suas posições em defesa do meio ambiente (Duarte, 2005: 142-143). Ele defendia uma convivência entre a presença humana e a ecologia tropical, daí a crítica aos colonos brancos pela distância frente à natureza, pois argumentava que só os “caboclos” conheceriam os nomes dos animais silvestres, das árvores nativas e das ervas da medicina indígena, enquanto os colonizadores e seus descendentes tratavam o mundo natural como inimigo a ser vencido (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 70).

Para Freyre, a colonização ao se enraizar foi “matando as árvores, secando o mato, afugentando e destruindo os animais e até os índios, querendo para si toda a força da terra” (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 63), porém, com a modernização, já no tempo da usina, que era o tempo em escrevia, entrou-se em “estado de guerra entre o homem e a mata”, inviabilizando o desenvolvimento de “relações líricas” frente ao meio natural, impedindo “aquele sistema meio misterioso de proteção recíproca entre o homem e a natureza, aquele amor profundo do homem pela árvore” (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 68).

Nessa, como em outras passagens, pode-se observar expressões de sabor romântico. O desconforto com a “feiura” do mundo industrial não foi uma invenção de Freyre, embora não se possa negar a sensibilidade ambiental contida em Nordeste. Desde fins do século XVIII e ao longo do século XIX, no Ocidente, as múltiplas tradições românticas acabaram por tematizar a questão da destruição da natureza9 9 Inclusive no Brasil é possível encontrar na tradição romântica críticas a destruição ambiental. O exemplo mais notável é a obra de Manoel de Araújo Porto-Alegre, intitulada A destruição das florestas (1845). - de reacionários aristocratas até alguns dos primeiros socialistas, uns e outros espantados com mundo burguês, em particular com o mundo industrial em ascensão.

José Augusto Pádua (2005PÁDUA, José Augusto. Herança romântica e ecologismo contemporâneo: existe um vínculo histórico? Varia História, Belo Horizonte, v. 21, n. 33, p. 58-75, 2005.) admite certo peso das tradições românticas, ao vocalizarem a destruição na formação de uma sensibilidade ambiental, embora o atual ecologismo tenha outras origens, antes iluministas e racionalistas.

É significativo o fato da crítica contemporânea aos perigos da modificação genética dos alimentos valer-se do termo ‘comida Frankenstein’, inspirando-se diretamente no personagem criado pela escritora romântica inglesa Mary Shelley em 1818, que apresentou uma clara condenação dos riscos de uma ciência desumanizada e vazia de limites éticos. Na verdade, o conjunto da ideologia do progresso e da modernidade foi interpelado pela cultura romântica, que condenou a vigência de um pensamento cada vez mais abstrato e mecanicista, o desprezo pelas formas de vida tradicionais e a construção de uma paisagem cada vez mais poluída e massificada. Um conjunto de elementos que, de alguma forma, continua presente na crítica ecológica dos dias atuais (Pádua, 2005PÁDUA, José Augusto. Herança romântica e ecologismo contemporâneo: existe um vínculo histórico? Varia História, Belo Horizonte, v. 21, n. 33, p. 58-75, 2005.: 63-64).

Convém insistir que a sensibilidade ambiental de Freyre era, antes de mais nada, romântica, e nada aparentada do moderno ambientalismo. De qualquer forma, é inegável a força dessa agenda ambiental na obra do pernambucano. Em Nordeste, as posições ambientais do autor, críticas e em certo sentido inovadoras em relação ao debate intelectual brasileiro dos anos 1930, foram alimentadas, por evidente mal-estar ante a modernização. O olhar empático ao passado deu tintas ainda mais fortes às críticas de Freyre à destruição da natureza levada a cabo pela modernidade industrial que, por meio das modernas usinas de açúcar, haviam chegado ao Nordeste açucareiro. Para ele, a crítica se dirige ao rastro de poluição hídrica e de destruição florestal provocado pelas modernas usinas de açúcar. Permanece o signo imperativo em que a modernidade técnica é vista como destruidora, seja de antigas tradições culturais, seja do meio ambiente.

Curiosamente - Freyre, que no pós-guerra seria identificado como um conservador, especialmente após suas relações com salazarismo (Schneider, 2012SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo e luso-tropicalismo na obra de Gilberto Freyre. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 5, n. 10, p. 75-93, 2012.: 81-90) e seu apoio à Ditadura Militar de 1964 - nos anos 1930 foi acusado de “soviético” ou de “comunista”, tanto por usineiros quanto por aliados de Agamenon Magalhães, interventor durante o Estado Novo (Mesquita, 2012MESQUITA, Gustavo Rodrigues. O projeto regionalista de Gilberto Freyre e o estado novo: da crise do pacto oligárquico à modernização contemporizadora das disparidades regionais do Brasil. Dissertação de mestrado em História. UFG, 2012.: 124-132).

Em Nordeste, porém, predomina um discurso afetivo, portador de considerável eficácia argumentativa, pois o livro de 1937 joga luz sobre um Nordeste social e ambientalmente agredido (Duarte, 2005DUARTE, Regina Horta. “Com açúcar, com afeto”: impressões do Brasil em Nordeste de Gilberto Freyre. Tempo, v. 10, n. 19, jul./dez. 2005.: 132). É nítida e inegável a defesa do passado “aristocrático”. Quando os senhores de engenho mandavam, a cidade do Recife e de Olinda e a província de Pernambuco como um todo, tinham mais projeção e importância nacional que agora, ou seja, nos anos 1930, quando os “ricaços” estrangeirados dominavam e artificializam tudo:

O Recife que chegou a ser, com os senhores de engenho dirigindo a província, um verdadeiro centro de cultura intelectual e artística, onde o estrangeiro sofisticado se sentia melhor do que no Rio - é o depoimento de Burke, pelo menos - vai se achatando entre as cidades mais inexpressivas da República, com os ricaços morando em palacetes normandos e chalés suíços, com as igrejas velhas do tempo da colonização transformadas em igrejas góticas, com as ruas e os parques sombreados de fico benjamim e de eucalipto ou enfeitados de vitória-régia do Amazonas. Desapareceu do Recife todo o sentimento de expressão regional que chegou a ter como poucas cidades na América (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 193).

Em Sobrados e mucambos (1936), publicado apenas um ano antes de Nordeste, Freyre se ocupou do declínio do “patriarcalismo rural”, cuja velha elite de senhores, herdeira da velha civilização ibérica, encontrava-se em decadência, em benefício de uma nova configuração, predominantemente urbana, em que “bebia-se cerveja e comia-se pão como um inglês”. Tudo que fosse “português ou oriental” tornara-se “mau gosto” (Freyre, 1990 [1936]FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: Record, 1990 [1936].: 336). O intelectual pernambucano lamenta a ocidentalização em curso. Pode-se considerar que Nordeste é, de alguma maneira, um grande capítulo desgarrado de Sobrados e mucambos, em que Freyre aborda outra faceta da desagregação do patriarcado rural, agora centrado nas questões ecológicas da região. A obra freyriana é de difícil compreensão quando lida isoladamente. Como um pintor que produz uma série de telas, o justo entendimento do acervo exige análise de todas as peças.

Lembremos também que, na década de 1930, o setor açucareiro perdia densidade econômica e encontrava-se dividido. De um lado, estavam os modernos usineiros, mais capitalizados. De outro, os tradicionais senhores de engenho, em profunda crise. Eram os engenhos de “fogo morto”, aos quais José Lins do Rego, não por coincidência amigo próximo de Freyre, vinha dando tratamento literário. Um e outro estavam a produzir um grande lamento pela perda de um passado lido como legítimo, senão grandioso.

Ambos eram vinculados às elites em declínio. Poderia se dizer, talvez, que, na falta de presente e de futuro promissores, insistiam em um passado glorioso, feito, antes de mais nada, da memória, como bem aborda Durval Muniz: “A ênfase na memória por parte dos tradicionalistas nasce dessa vontade de prolongar o passado para o presente e, quem sabe, fazer dele também o futuro” (Albuquerque Júnior, 2011ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 2011.: 98). Em Freyre, o olhar empático ao passado ajustava-se à crítica ao presente dos usineiros. O intelectual posicionava-se resolutamente ao lado dos velhos senhores:

O sistema de latifúndio moderno é o da usina: sua ânsia, a de “emendar” os campos de plantação da cana, uns com os outros, formando um só campo, formando cada usina um império; seu espírito, aquele militar, a que se já se fez referência, do senhor latifundiário dominar imperialmente zonas maciças, espaços continuados, terras que nunca faltem para o sacrifício da terra, das águas, dos animais, e das pessoas do açúcar. […] O usineiro é, em geral, um deformado pelo império do açúcar (Freyre, 1937aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 75-76).

Gilberto Freyre, desde jovem, via beleza na natureza tropical, assim como via virtude, não sem excessos, na “adaptação” dos colonizadores portugueses ao chão quente da costa atlântica da América do Sul, da “Bahia ao Maranhão”. Via no velho mundo colonial, em ruínas, uma série de elementos positivos quando cotejado com o presente visto como decaído, do qual ele se ressentia. O intelectual pernambucano, já consagrado em 1937, lamentava, sob seu viés conservador, o declínio da velha ordem patriarcal, despedaçada pela cupidez do moderno mercador, frio, impessoal, com alma mais colonizada que os velhos senhores de engenho, já aclimatado aos trópicos:

Há nesta nova fase do desajustamento de relações entre a massa humana e o açúcar, entre a cana-de-açúcar e a natureza por ela degradada aos últimos extremos, uma deformação tão grande do homem e da paisagem pela monocultura - acrescida agora do abandono do proletariado da cana à sua própria miséria, da ausência da antiga assistência patriarcal ao cabra de engenho - que não se imagina o prolongamento de condições tão artificiais de vida […].

O açúcar da usina parece que deixou de entrar com qualquer contingente de valorização da vida e da cultura do Nordeste, para ser apenas o sinal de - em tudo: a diminuição da saúde do homem; a diminuição das fontes naturais da vida regional; a diminuição da dignidade e da beleza da paisagem; a diminuição da inteligência, da sensibilidade, ou da emoção da gente do Nordeste […] (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 192-193).

A produção sociológica de Gilberto Freyre na década de 1930, especialmente Nordeste, mas não apenas, é, como toda produção intelectual, politizada. Um dos traços mais fortes em Freyre é a crítica à desagregação da tradição colonial. Decaia a velha ordem em muitos aspectos, inclusive a suposta integração ecológica que teria havido entre os colonizadores e os trópicos. Em Nordeste, Freyre busca defender o que ele entende como uma dignidade cultural e histórica, a do Nordeste do açúcar, formação histórica e cultural que não deve nada a São Paulo, com seus edifícios, seus bandeirantes, seus modernistas, seus imigrantes, suas indústrias e sua arrogância de novo-rico. Freyre assumiu a centralidade dos trópicos, da presença negra, da mestiçagem e da condição de ibérico, ibérico já mestiço, que formou um Nordeste que o intelectual pernambucano definiu e defendeu ardorosamente como o mais brasileiro dos Brasis: “com os traços, os valores, as tradições portuguesas que junto com as africanas e as indígenas constituiriam aquele Brasil profundo, que hoje se sente ser o mais brasileiro” (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da paisagem da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio , 1937.: 29). O progresso, parece argumentar Freyre, tem seus custos, pois “ergue e destrói coisas belas”,10 10 Caetano Veloso, “Sampa” (1978). pensava o senhor (sem engenho) de Apipucos.

REFERÊNCIAS

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  • WULF, Andrea. A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander von Humbold. São Paulo: Planeta, 2019.
  • 1
    Não há espaço nos limites desse artigo para discutir o romantismo e suas perspectivas críticas às tradições iluministas e a sociedade industrial. A perspectiva que alimentava a sensibilidade tradicionalista em Freyre certamente não está no romantismo revolucionário (Löwy; Sayre, 1995LÖWY, Michael; SAYRE Robert. Revolta e melancolia: o romantismo na contramão da modernidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.; 2021LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Anticapitalismo romântico e natureza: o jardim encantado. São Paulo: Editora da Unesp, 2021.). Freyre se colocava a favor de virtudes aristocráticas, crítico das tendências igualitárias.
  • 2
    A frase é de Freyre. Está na coluna de artigos numerados (29), publicada no Diário de Pernambuco, em 28 de outubro de 1923.
  • 3
    Os temas relativos às questões ambientais retornariam no Freyre maduro, em textos como “Homens, terras e águas na formação agrária do Brasil: sugestões para um estudo de interrelações” (1954) ou ainda em “Transformação Regional e Ciência Ecológica: o caso do Nordeste Brasileiro” (1970) (Simon, 2011SIMON, Mateus Samico. Trópico, Natureza e História em Gilberto Freyre. Gênero e História, Recife, v. 8, p. 238-276, 2011.). Um Freyre com mais de 80 anos continuava interessado no assunto ao publicar o livro Rurbanização: que é? (1982), retomando discussões feitas desde os anos 1950 sobre as relações entre o rural e o urbano (Froehlich, 2000FROEHLICH, José Marcos. Gilberto Freyre, a história ambiental e a “rurbanização”. História Ciências Saúde, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 281-301, 2000.).
  • 4
    Gilberto Freyre, não raro, fazia significativas mudanças nas novas edições de suas obras. Foi o caso de Nordeste. Em função do recorte deste artigo, utilizou-se a edição de 1937, a primeira, permeada pelo debate intelectual dos anos 1930. Por essa razão, todas as citações pertencem à primeira edição.
  • 5
    Freyre se referia a O outro Nordeste: ensaio sobre a evolução social e política do Nordeste da “civilização do couro” e suas implicações históricas nos problemas gerais, de Djacir Menezes, também de 1937, publicado dentro da mesma Coleção Documentos Brasileiros, que se ocupará do sertão nordestino, assunto que Freyre não trata em Nordeste.
  • 6
    Como se sabe, Freyre rompe o racismo biológico, mas certos elementos herdados do racismo cientificista permanecem, ainda que mitigados por “talvez”. Ricardo Benzaquem de Araújo estuda essa questão centrado em Casa-grande e senzala (Araújo, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. São Paulo: Editora 34, 1994.).
  • 7
    Capítulo 1 - “A cana e a terra”; Capítulo 2 - “A cana e a água”; Capítulo 3 - “A cana e mata”; Capítulo 4 - “A cana e os animais”; Capítulo 5 - “A cana e o homem”; Capítulo 6 - “A cana e o homem (conclusão)”.
  • 8
    Apesar do forte debate sobre os parques nacionais na época em que Nordeste foi escrito, Freyre não defendeu a criação de parques. Predominava para ele a ideia de parque como uma “ilha” isolada dos homens, uma “natureza intocada”, e, por isso, distante da sua perspectiva. Colocou-se como um defensor de uma espécie conciliação entre homem e natureza. Nem por isso deixou de ser acusado pelos usineiros de Pernambuco e outros defensores do status quo da época por suas posições em defesa do meio ambiente (Duarte, 2005DUARTE, Regina Horta. “Com açúcar, com afeto”: impressões do Brasil em Nordeste de Gilberto Freyre. Tempo, v. 10, n. 19, jul./dez. 2005.: 142-143).
  • 9
    Inclusive no Brasil é possível encontrar na tradição romântica críticas a destruição ambiental. O exemplo mais notável é a obra de Manoel de Araújo Porto-Alegre, intitulada A destruição das florestas (1845).
  • 10
    Caetano Veloso, “Sampa” (1978).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2023
  • Aceito
    18 Jul 2023
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