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EDITORIAL

Prezados leitores,

Os periódicos científicos funcionam como um dos mecanismos de comunicação das respectivas comunidades que os produzem e sustentam. Por ser um dos veículos de expressão (e negociação de sentidos) da comunidade de pesquisa em educação em ciências, a Ensaio é porta voz de um coletivo de pensamento desta mesma comunidade. Por meio dela (e de outros periódicos da área), podemos avaliar os problemas que essa comunidade considera relevantes e dignos de sua atenção, os enquadramentos teórico-metodológicos que vão sendo dados a eles, os valores, as práticas e as linguagens compartilhados por seus membros, em permanente negociação, disputa e mudança. Por essa razão, a leitura dos periódicos da área é o caminho natural para quem quer se aproximar, conhecer ou mesmo vir a pertencer a esta comunidade de produção de conhecimentos e de ação social no campo da educação em ciências.

Para além dessa comunicação "interna", os periódicos científicos são também veículo de interlocução entre essa comunidade científica e outros grupos culturais e profissionais a ela relacionados. No caso da pesquisa educacional, os professores de ciências são interlocutores privilegiados os quais temos sempre em mente. Várias pesquisas se debruçam sobre o que eles fazem, pensam e como se formam; outras investigam como os sentidos são produzidos por meio de intervenções realizadas em sala de aula. Mesmo quando o tema está relacionado a materiais didáticos e metas curriculares, os professores são sempre os agentes que fazem acontecer (ou não) dispositivos pedagógicos, estratégias de ensino e intenções educativas.

No entanto, a comunicação da pesquisa com os professores coloca várias outras questões. Embora o acesso aos periódicos eletrônicos de conteúdo aberto, como no caso brasileiro, seja praticamente universal, sabemos que a leitura de relatos de pesquisas da área não é um formato atraente aos professores. Na leitura, ele se depara com cuidados próprios de relatos de pesquisa - um bom enquadramento do objeto da pesquisa, a formulação cuidadosa dos problemas a que se dirige o relato, os procedimentos teóricos e metodológicos que conduzem da apresentação à análise de dados e desta às conclusões e implicações - o que torna a leitura árdua quando se busca soluções para problemas práticos do cotidiano da escola e da sala de aula.

Alguns periódicos da área se especializam e priorizam essa comunicação com os professores - atores das mudanças esperadas na educação escolar - e se abrem não apenas para a pesquisa acadêmica em seu formato tradicional, mas também a relatos de pesquisa de professores. Tais periódicos publicam relatos de experiências e reflexões sobre a ação prática na sala de aula, mesmo quando não recortada teoricamente e sem os procedimentos analíticos que conduzem da construção dos dados às conclusões. Embora a Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências não adote esse formato, seu conselho editorial e os autores que nela publicam se esforçam por tratar objetos e problemas de pesquisa em educação em ciências que tenham não apenas relevância para a própria pesquisa mas, também e sobretudo, relevância prática, comprometida e fundamentada. Pretende-se, assim, contribuir para delinear um repertório público de conhecimentos sobre a ação educativa em ciências, na escola e em outros espaços formativos. A pesquisa que aqui se publica assume, portanto, um caráter formativo, e é, por essa razão, uma referência importante para os cursos de licenciatura no campo das ciências.

O número que apresentamos é composto por dez artigos de pesquisa. Os autores desses textos são filiados a universidades do Rio Grande do Sul (UFRGS, PUC-RS), Santa Catarina (UFSC), Paraná (UEL), São Paulo (Unicamp, Unesp e USP), Rio de Janeiro (Cefet-RJ, UFRJ e UERJ), Minas Gerais (UNIFEI), Goiás (UFGO), Rio Grande do Norte (UFRN) e Portugal (Universidade de Coimbra).

Os objetos da pesquisa são também variados: alguns tratam de ações de formação docente (artigos 4, 5 e 10), outros realizaram pesquisas conduzidas com professores (artigos 1 e 2); três artigos tratam de educação em espaços não formais e divulgação científica (artigos 2, 3 e 10); outros dois apresentam temas da educação ambiental (artigos 6 e 8); dois examinam conceitos em seus contextos históricos de produção (artigos 7 e 8); outros tratam de questões curriculares (artigos 1 e 6). Os temas da leitura, da mediação, do uso de imagens, da construção do conhecimento científico, da argumentação, de projetos pedagógicos de formação docente, do desenvolvimento sustentável, da interdisciplinaridade e da educação inclusiva povoam os discursos e as práticas de pesquisa apresentados neste número da revista.

O primeiro artigo busca, na interlocução entre a Teoria das Representações e a Análise do Discurso, compreender os sentidos produzidos (e os efeitos de sentido) sobre a matemática escolar no discurso dos professores que a lecionam.

O segundo artigo se debruça sobre os mecanismos de antecipação em entrevistas com professores, para tratar dos contextos (imediatos e mais amplos), expectativas e representações entre os interlocutores como constitutiva das relações entrevistador-entrevistado e, portanto, do dizer dos professores. Os autores exploram o tema na análise de entrevistas com docentes sobre leitura na educação científica.

O terceiro artigo é de cunho teórico e examina os conceitos de mediação e mediadores em museus de Ciência e Tecnologia e Centros de Ciências, com o propósito de provocar reflexões acerca das práticas educativas e dos processos de aprendizagem nesses espaços.

O quarto artigo examina concepções de professores de Biologia em formação sobre desenvolvimento sustentável e sobre as práticas pedagógicas orientadas com tal finalidade.

O quinto artigo se apoia na Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, para examinar ações de grupo de docentes de licenciatura em Física no planejamento coletivo das disciplinas de formação (conteúdos de Física e de ensino de Física), com vistas a um projeto de formação de professores mais coeso no que se refere ao tratamento didático de conteúdos de Física moderna e contemporânea.

O sexto artigo apresenta uma revisão bibliográfica sobre interdisciplinaridade no ensino de Ciências da Natureza. As autoras procuram identificar os diferentes referenciais teóricos, convergências e dissensos que vêm sendo produzidos a esse respeito e como eles têm impactado nas práticas reportadas nas pesquisas realizadas com tal finalidade.

O sétimo artigo examina um texto de história da Física, Nova Teoria sobre Luz e Cores, de Isaac Newton, com análise dos argumentos textuais nele empregados. Ao identificar a estrutura argumentativa utilizada nesse texto, os autores discutem os processos de construção de argumentos científicos e seus possíveis desdobramentos na educação em ciências.

O oitavo artigo examina ideias sobre a natureza entre estudantes de Ensino Médio, por meio de escolha e justificativas de imagens para o signo "natureza" em atividades em sala de aula. As análises foram orientadas pela semiótica piersiana, tendo sido examinados os deslocamentos e a diversificação dos sentidos ao longo das atividades realizadas.

O nono artigo é teórico e examina as potencialidades do texto Psicogênese e História das Ciências, de Piaget e Garcia, e sua repercussão na educação em ciências.

O décimo artigo trata de ações de formação de professores de Física em ambiente não formal e a construção de mediações voltadas para um grupo de estudantes com deficiência visual.

A todos, desejamos uma boa leitura.

14/08/2014

Orlando Aguiar Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014
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