Sintomas urinários, quedas e medo de cair em idosos com comprometimento cognitivo

Resumo

Introdução:

Entre as síndromes geriátricas, destacam-se o comprometimento cognitivo, a incontinência urinária, a noctúria e as quedas. Idosos com incontinência urinária são mais propensos a cair e apresentar medo de cair.

Objetivo:

Investigar a frequência de incontinência urinária e noctúria e avaliar a associação dessas variáveis com a ocorrência de quedas e com o medo de cair em idosos com comprometimento cognitivo.

Métodos:

Estudo transversal com idosos encaminhados das Unidades Básicas de Saúde com comprometimento cognitivo avaliados entre os anos de 2019 e 2021. Foram coletadas informações sobre incontinência urinária, noctúria, histórico de quedas e medo de cair, fornecidas pelos idosos e seus acompanhantes. Os dados foram analisados por meio dos testes quiquadrado e regressões logísticas univariadas.

Resultados:

Foram analisados dados de 89 idosos, dos quais 58,4% apresentavam incontinência urinária, 28,1% apresentavam noctúria, 67,4% tinham medo de cair e 41,6% relataram quedas nos últimos seis meses. O grupo com incontinência urinária [²(1) = 5,147; p = 0,023] e o grupo com noctúria [χ²(1) = 4,353; p = 0,037] apresentaram frequências significativamente maiores de medo de cair. Não foram observadas diferenças das frequências de histórico de quedas entre os indivíduos com e sem incontinência ou noctúria (p > 0,05). O medo de cair mostrouse associado à incontinência (OR = 2,833; IC95% 1,137 – 7,062) e à noctúria (OR = 3,365; IC 95% 1,033 – 10,966).

Conclusão:

Idosos com comprometimento cognitivo apresentam alta frequência de incontinência urinária, noctúria, quedas e medo de cair. Ademais, há associação da incontinência urinária e da noctúria com o medo de cair nessa população.

Palavras-chave:
Prevenção de acidentes; Saúde do idoso; Acidentes por quedas; Noctúria; Incontinência urinária

Abstract

Introduction:

Among geriatric syndromes, cognitive impairment, urinary incontinence, nocturia, and falls stand out. Older adults with urinary incontinence are more prone to falls and exhibit fear of falling.

Objective:

To investigate the frequency of urinary incontinence and nocturia and evaluate the association of these variables with falls and fear of falling in older individuals with cognitive impairment.

Methods:

Cross-sectional study with older adults referred from Basic Health Units with cognitive impairment evaluated between 2019 and 2021. Information on urinary incontinence, nocturia, history of falls, and fear of falling provided by the participants and their caregivers was collected. Data were analyzed using Chi-square tests and univariate logistic regressions.

Results:

Data from 89 older adults were analyzed, of whom 58.4% had urinary incontinence, 28.1% had nocturia, 67.4% reported fear of falling, and 41.6% reported falls in the last six months. The group with urinary incontinence [χ²(1) = 5.147; p = 0.023] and the group with nocturia [χ²(1) = 4.353; p = 0.037] had significantly higher frequencies of fear of falling. No differences in the frequencies of history of falls were observed between individuals with and without urinary incontinence or nocturia (p > 0.05). Fear of falling was associated with urinary incontinence (OR = 2.833; 95% CI 1.137 – 7.062) and nocturia (OR = 3.365; 95% CI 1.033 – 10.966).

Conclusion:

Older adults with cognitive impairment have a high frequency of urinary incontinence, nocturia, falls, and fear of falling. Furthermore, there is an association between urinary incontinence, nocturia and fear of falling in this population.

Keywords:
Accident prevention; Health of the Elderly; Accidental falls; Nocturia; Urinary incontinence

Introdução

O aumento na proporção de adultos com mais de 65 anos tornou mais evidentes as síndromes geriátricas. Entre esse conjunto de condições multifatoriais que afetam os idosos vulneráveis, destacam-se o comprometimento cognitivo, a incontinência urinária (IU), a noctúria e as quedas.¹ A IU é definida como a queixa de perda involuntária de urina, enquanto a noctúria é definida como a queixa de interrupção do ciclo de sono por um desejo miccional, seguida de um novo período de sono.² A IU e a noctúria configuram fatores de risco para mortalidade em idosos, estão intimamente relacionadas com declínios na função cognitiva e no desempenho das atividades de vida diária e podem conferir um risco aumentado de quedas.³

As quedas configuram evento inesperado, no qual a pessoa vai ao chão ou ao nível inferior em relação a sua posição inicial.⁴ Esse evento acomete aproximadamente 28 a 35% das pessoas com mais de 65 anos a cada ano.¹ Como consequências das quedas, pesquisadores listam fraturas, imobilização, restrição de atividades, institucionalização, prejuízos psicológicos como o medo de sofrer novas quedas, surgimento de outras doenças, dor, declínio ou incapacidade funcional e da atividade física, hospitalização e morte.⁵ Juntamente às quedas, o medo de cair, que é definido como uma preocupação cautelosa com a queda, que em última análise resulta em uma restrição das atividades associadas à vida diária, tende a causar insegurança no próprio equilíbrio, o que faz com que o idoso reduza suas atividades e diminua sua mobilidade, podendo resultar em um maior comprometimento da capacidade funcional e aumento do risco para futuras quedas.⁶,⁷

Já o comprometimento cognitivo é um déficit em uma ou mais funções cerebrais importantes, como memória, aprendizado, concentração, tomada de decisões, velocidade de processamento e funcionamento motor.⁸,⁹ Os pacientes com comprometimento cognitivo apresentam maior frequência de ocorrência de quedas quando comparados àqueles sem comprometimento cognitivo.¹⁰ Adicionalmente, o comprometimento cognitivo tem se mostrado fortemente associado aos sintomas do trato urinário inferior, particularmente à IU.⁹ A noctúria, entretanto, apesar de conferir um risco aumentado de quedas entre as pessoas idosas, ainda não tem bem estabelecida sua influência no comprometimento cognitivo.⁹

Pesquisadores identificaram a IU e a noctúria como fatores de risco para queda por diversos motivos, como o deslizamento em superfícies molhadas após perda de urina, deslocamento rápido para o banheiro, podendo levar o idoso a tropeçar, e aumento da frequência com a qual se vai ao banheiro em conjunto com visão e equilíbrio prejudicados.¹¹ Idosos com IU apresentaram chance 61% maior de cair uma ou mais vezes e chance 63% maior de cair de forma recorrente em relação aos idosos sem IU.¹ Adicionalmente, pesquisadores identificaram a relação entre IU e o medo de cair, apontando que idosos incontinentes tem 1,62 vezes mais chance de apresentar este medo.¹²

Observamse, entretanto, poucos estudos sobre a temática, grande variabilidade nos desenhos dos estudos e escassez de evidências, o que contribui para que a força da associação da IU e da noctúria com a ocorrência de quedas e com o medo de cair continue incerta.¹,¹² Nesse cenário, a elucidação da associação da IU e noctúria com a maior ocorrência de quedas e medo de cair em idosos com comprometimento cognitivo reforçará a compreensão dos clínicos acerca da importância da triagem concomitante dessas síndromes geriátricas. Neste contexto, o objetivo desse estudo foi investigar a frequência de IU, noctúria, quedas e medo de cair entre idosos com comprometimento cognitivo atendidos em serviço público especializado e avaliar a associação da IU e da noctúria com a ocorrência de quedas e com o medo de cair nessa população.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, transversal e analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília, sob parecer no. 3.650.491, de 18 de outubro de 2019. Todos os participantes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Cenário

O presente trabalho foi realizado com o banco de dados de idosos atendidos no serviço de acolhimento, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Saúde na Policlínica da Região Oeste de Saúde do Distrito Federal. Esse serviço foi dispensado a idosos, encaminhados pelas Unidades de Atenção Básica de Saúde, que necessitavam de avaliação geriátrica especializada e apresentavam alguns dos seguintes critérios: dependência em atividades básicas de vida diária; incapacidade cognitiva (declínio cognitivo, demência, depressão, delírio/confusão mental); parkinsonismo; IU ou fecal; imobilidade parcial ou total; instabilidade postural (quedas de repetição, fratura por baixo impacto – fêmur); polipatologia (cinco ou mais diagnósticos); polifarmácia (cinco ou mais medicamentos); descompensações clínicas ou internações frequentes.

Assim, realizouse uma avaliação multidimensional dos idosos que foram admitidos para acompanhamento da equipe de geriatria. Essa equipe foi previamente treinada e realizou cada avaliação em um único encontro. Os dados contidos no banco de dados foram coletados por meio de entrevista com os idosos e seus acompanhantes.

Amostra

A amostra de conveniência foi selecionada em banco de dados de idosos atendidos entre os anos de 2019 e 2021. Foram considerados elegíveis para o estudo idosos com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos e com comprometimento cognitivo verificado por meio da aplicação do Mini Exame do Estado Mental.¹³ Foram excluídos idosos com integridade cognitiva, cadeirantes e aqueles que utilizavam fralda. A identificação do comprometimento cognitivo foi de acordo com a escolaridade. Foram considerados com comprometimento cognitivo indivíduos com escolaridade superior a sete anos de estudo e com escore inferior a 28 pontos; entre quatro e sete anos de estudo que atingiram menos que 24 pontos; para os que estudaram entre um e três anos, pontuação inferior a 23 pontos; e para analfabetos, pontuação inferior a 19 pontos.¹⁴

Caracterização dos participantes

Para a caracterização dos participantes do estudo foram utilizados dados sociodemográficos (idade em anos completos), escolaridade (em anos de estudo) e sexo (feminino ou masculino). Para a descrição das condições clínicas foram utilizados dados sobre a prática de exercício físico regular (sim ou não), capacidade funcional pelo questionário Pfeffer,¹⁵,¹⁶ índice de massa corporal (IMC) e medicamentos em uso contínuo (quantidade). Considerou-se como exercício físico regular o movimento corporal produzido pelo músculo esquelético, que aumenta significativamente o gasto energético. Definiu-se inatividade física como o não cumprimento das recomendações de saúde pública de 150 minutos/semana de exercício físico de intensidade moderada a vigorosa em sessões de pelo menos 10 minutos ininterruptos.¹⁷,¹⁸

O questionário de Pfeffer é um instrumento de avaliação das atividades instrumentais de vida diária, utilizado para avaliar a capacidade funcional de idosos com déficit cognitivo, permitindo categorizar os idosos do estudo em com ou sem comprometimento cognitivo. A escala consiste na avaliação de 10 perguntas sobre a capacidade de preparar refeições, realizar compras, utilizar transporte, cuidar da casa, utilizar telefone, administrar as próprias finanças, tomar seus medicamentos, orientação espacial e temporal e nível de atenção.¹⁵,¹⁶ Diferente das demais escalas, o Pfeffer é aplicado ao acompanhante do idoso. As pontuações variam de 0 a 3 pontos para cada resposta, sendo a pontuação final máxima de 30 pontos. Pontuações entre 0 e 5 pontos caracterizaram independência e de 6 a 30 pontos, dependência funcional.¹⁶ As variáveis de caracterização descritas foram consideradas possíveis variáveis confundidoras nas análises ajustadas.

Incontinência urinária

Para a coleta de informações sobre IU, perguntou-se ao idoso se ele precisava ir imediatamente ao banheiro quando sentia vontade, se perdia urina na roupa quando demorava a ir ao banheiro ou durante algum esforço (ao espirrar, tossir ou pegar peso).² Essas informações foram coletadas partir do autorrelato do idoso e confirmadas com o acompanhante. O idoso foi considerado incontinente em caso de resposta afirmativa para um desses questionamentos.

Noctúria

Diferentemente da IU, a noctúria é definida como o ato de acordar para urinar durante o período de sono principal.² Esta variável foi coletada por meio do autorrelato do idoso e confirmação do acompanhante a partir das perguntas: "No último mês, o(a) senhor(a) se levantou para urinar durante a noite? Quantas vezes o senhor(a) acordou por noite para urinar?". O idoso foi considerado com noctúria em caso de resposta afirmativa para esse questionamento, revelando levantar-se para urinar uma ou mais vezes durante a noite.

Quedas

A queda é definida como um evento inesperado, no qual o participante vai ao chão ou a um nível inferior em relação a sua posição inicial.⁴ O histórico de quedas nos últimos seis meses foi coletado a partir do autorrelato do idoso e confirmação do acompanhante. Para as análises, os participantes do estudo foram categorizados em caidores (≥ 1 queda) e não caidores (nenhuma queda) de acordo com a frequência de quedas relatada.

Medo de cair

O medo de cair é definido como uma preocupação cautelosa com a queda que, em última análise, resulta em uma restrição das atividades associadas à vida diária.⁷ A informação sobre o medo de cair do idoso foi coletada por meio de autorrelato feito pelo idoso e da confirmação do acompanhante respondendo às seguintes questões: se o idoso tem medo de cair, ou se não faz alguma atividade no dia a dia por medo de cair. Para as análises, os participantes do estudo foram categorizados em sem medo de cair e com medo de cair.

Análise estatística

As variáveis numéricas foram analisadas descritivamente utilizando medidas de tendência central (média e mediana) e de variabilidade (desvio-padrão e amplitude). As variáveis categóricas foram analisadas descritivamente utilizando medidas de frequência absoluta e frequência percentual. A normalidade da distribuição dos dados foi analisada utilizando o teste Kolmogorov-Smirnov, tendo a idade e o IMC apresentado distribuição normal. As frequências de medo de cair e de histórico de quedas foram comparadas entre os grupos de idosos com e sem IU e entre os indivíduos com e sem noctúria por meio do teste de qui-quadrado. Regressões logísticas multivariadas foram realizadas para verificar a associação entre a IU e noctúria com o histórico de quedas e medo de cair, ajustadas para as variáveis sexo, idade, IMC, capacidade funcional e quantidade de medicamentos. O nível de significância α = 0,05 foi considerado. As análises estatísticas foram processadas utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 21.0.

Resultados

Todos os indivíduos referenciados de Unidades Básicas de Saúde para o serviço de geriatria da Policlínica da Região Oeste de Saúde do Distrito Federal, durante o período de realização do estudo, foram submetidos à avaliação dos critérios de elegibilidade.

No total, 185 indivíduos elegíveis foram submetidos à triagem inicial da pesquisa. Destes, 96 foram excluídos por não terem comprometimento cognitivo, serem cadeirantes ou fa-zerem uso de fralda (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da amostra.

As análises foram realizadas com 89 idosos, com idade variando de 60 a 93 anos. A maioria dos participantes do estudo era do sexo feminino (73%), inativa (88,8%), eutrófica (32,6%) ou com excesso de peso (47,7%). Entre os participantes do estudo, 58,4% apresentavam IU, 28,1% noctúria, 67,4% medo de cair e 41,6% relataram histórico de quedas nos últimos seis meses. A Tabela 1 mostra as características dos participantes do estudo.

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e antropométricas dos participantes do estudo (n = 89)

Variável	Parâmetro
Sexo (feminino)a	73,0 (65)
Idade (anos)b	77,4 (7,56)
Escolaridade (anos de estudo)c	3 [0 - 4]
Prática de exercício físico (não)a	88,8 (79)
IMC (kg/m2)b	27,4 (5,89)
Baixo peso (IMC< 22 kg/m2)a	19,8 (17)
Eutrofia (IMC = 22 – 27 kg/m2)a	32,6 (28)
Sobrepeso (IMC ≥ 27 kg/m2)a	47,7 (41)
Capacidade funcional (Pfeffer)c	15 [3 – 75]
Independentea	31,7 (26)
Dependentea	68,3 (56)
Quantidade de medicamentosc	5 [3 – 7,5]
Incontinênciaa	58,4 (52)
Noctúriaa	28,1 (25)
Medo de caira	67,4 (60)
Histórico de quedasa	41,6 (37)

• Nota: IMC = índice de massa corporal.
• ^a
  Frequência percentual (frequência absoluta).
• ^b
  Média (desvio-padrão). Dado com distribuição normal.
• ^c
  Mediana [percentil 25% - 75%]. Dado com distribuição não normal.

Em comparação ao grupo sem IU, os indivíduos com IU apresentaram frequências significativamente maiores de medo de cair [χ ²(1) = 5,147; p = 0,023]. Em comparação ao grupo sem noctúria, os indivíduos com noctúria também apresentaram significativamente maiores frequências de medo de cair [χ ²(1) = 4,353; p = 0,037]. Não foram observadas diferenças na frequência de quedas entre os indivíduos com e sem incontinência ou noctúria (p > 0,05). As comparações das frequências de medo de cair e de histórico de quedas entre os grupos de idosos com IU e noctúria estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Características dos participantes do estudo com e sem incontinência urinária/noctúria

Característica	Sem	Com	p-valor
Incontinência
Medo de cair*a	54,1 (20)	76,9 (40)	0,023
Histórico de quedasa	40,5 (15)	42,3 (22)	0,868
Noctúria
Medo de cair*a	60,9 (39)	84,0 (21)	0,037
Histórico de quedasa	42,2 (27)	40,0 (10)	0,851

Nota:
• ^a
  Dados em frequência percentual (frequência absoluta).
• ^*
  p < 0,05.

A Tabela 3 mostra a análise de regressão logística multivariada dos fatores associados à IU e à noctúria, ajustada para os fatores confundidores. O medo de cair mostrou-se associado à incontinência (OR = 2,833; IC 95% 1,137 – 7,062) e à noctúria (OR= 3,365; IC 95% 1,033 – 10,966).

Tabela 3
Análises de regressão logística multivariada do histórico de queda e do medo de cair com incontinência urinária e noctúria

Variável	Odds ratio (IC 95%)	Valor-p
Incontinência urinária
Medo de cair	3,939 (1,351 – 11,488)	0,012*
Sexo	0,437 (0,137 – 1,393)	0,162
Idade	0,982 (0,916 – 1,052)	0,600
Capacidade funcional	0,997 (0,947 - 1,050)	0,919
IMC	0,950 (0,871 – 1,036)	0,247
Quantidade de medicamentos	1,087 (0,913 – 1,296)	0,349
Histórico de quedas	1,148 (0,440 – 2,998)	0,778
Sexo	0,675 (0,227 – 2,002)	0,478
Idade	1,021 (0,959 – 1,087)	0,516
Capacidade funcional	0,976 (0,931 – 1,022)	0,301
Índice de massa corporal	0,964 (0,887 - 1,047)	0,383
Quantidade de medicamentos	1,017 (0,871 – 1,189)	0,828
Noctúria
Medo de cair	4,397 (1,079 – 17,916)	0,039*
Sexo	0,488 (0,157 – 1,517)	0,215
Idade	0,996 (0,931 – 1,066)	0,917
Capacidade funcional	0,996 (0,945 – 1,049)	0,869
índice de massa corporal	0,947 (0,866 – 1,035)	0,227
Quantidade de medicamentos	1,052 (0,884 – 1,252)	0,570
Histórico de quedas	1,344 (0,461 – 3,916)	0,588
Sexo	0,668 (0,225 – 1,980)	0,467
Idade	1,023 (0,961 – 1,088)	0,482
Capacidade funcional	0,974 (0,929 – 1,021)	0,275
Índice de massa corporal	0,963 (0,886 – 1,046)	0,366
Quantidade de medicamentos	1,013 (0,866 – 1,184)	0,875

Nota:
• ^*
  p < 0,05.

Discussão

O presente estudo demostrou que a IU, a noctúria, o medo de cair e a ocorrência de quedas possuem alta prevalência entre a população de idosos com comprometimento cognitivo. Ademais, demonstrou-se que idosos com comprometimento cognitivo incontinentes ou com noctúria apresentam maior frequência de medo de cair, não sendo observada essa mesma relação com a ocorrência de quedas.

A alta prevalência de medo de cair observada no presente estudo (67%) corrobora achados anteriores, especialmente relacionada com o maior número de quedas, sexo feminino e idade acima de 70 anos, entretanto não especificamente em idosos com comprometimento cognitivo.¹⁹ Observou-se no presente estudo a ocorrência de quedas (41,6%) com prevalência maior do que a frequentemente observada em idosos com mais de 65 anos (28 a 35%), o que é um reflexo da amostra do presente estudo ser constituída por idosos com comprometimento cognitivo e, portanto, com maior risco de cair.¹,¹⁰ Quanto à IU, observou-se alta frequência (58,4%), concordando com achados anteriores.²⁰ Trata-se de uma condição que está intimamente relacionada com declínios da função cognitiva, do desempenho das atividades de vida diária e com a idade avançada, tendo também como fatores comuns a obesidade, diabetes, perda de independência, depressão e níveis de ansiedade e agitação.³

O aumento da idade diminui a capacidade da bexiga e da sensação de esvaziamento, da taxa de contração do músculo detrusor e da resistência muscular do assoalho pélvico, e contribui para o aumento residual de urina.²⁰ Por fim, apesar da alta frequência de noctúria observada no presente estudo, achados anteriores apontam para frequências ainda maiores em pacientes acima de 70 anos (de 60 a 85,2%).⁹,²¹ Essas altas frequências de noctúria têm sido relacionadas com o avançar da idade, ingestão excessiva de líquidos durante a noite, distúrbios primários do sono, diabetes mellitus, obstrução do trato urinário inferior devido à hiperplasia prostática benigna, bexiga hiperativa, doença cardiovascular e insuficiência cardíaca congestiva.²²

No presente estudo, observou-se que idosos com comprometimento cognitivo que tinham IU ou noctúria apresentaram chance aproximadamente três vezes maior de relatar medo de cair. Na literatura não existem muitos estudos que tenham investigado a associação da IU e da noctúria com o medo de cair na população idosa. Os achados de Sohn et al.,¹² entretanto, apontaram o medo de cair como um fator associado à IU em mulheres coreanas com 65 anos ou mais (OR = 1,62;95%IC = 1,18 a 2,22). Adicionalmente, Moon et al.²³ observaram maior proporção de medo de cair (37,9%) entre mulheres de 40 anos ou mais com bexiga hiperativa, refletindo em chance 2,7 vezes maior de apresentarem medo de cair do que aquelas sem bexiga hiperativa. É possível que a urgência decorrente da IU nessas mulheres acarrete a necessidade de correr em direção ao banheiro a fim de evitar perda urinária e que isso contribua para o desenvolvimento do medo de cair. Em referência à associação entre noctúria e medo de cair, apesar da carência de estudos, verifica-se na presente pesquisa a associação entre a necessidade de levantar-se à noite para ir ao banheiro em ambientes com pouca iluminação e problemas de equilíbrio e visão comumente observados com o aumento da idade.²³-²⁵

Não identificou-se, contudo, associação entre IU ou noctúria com o histórico de quedas, possivelmente pelo idoso ou acompanhante não se lembrarem de quedas anteriores ou pelo período de investigação ter sido restrito a seis meses. Apesar de Sohn et al.¹² terem encontrado relação entre a IU e o medo de cair, essa associação também não se manteve com a ocorrência de quedas mesmo em investigação durante dois anos.¹² Esses achados são contrários a resultados apresentados por estudos anteriores,¹,¹¹,²¹ que observaram significativa associação entre incontinência e queda e indicaram que essa relação se sustenta na possibilidade de deslizamento em superfícies molhadas após perda de urina, no aumento da frequência de idas ao banheiro e na necessidade de rápido deslocamento para o banheiro.

Contrariamente ao presente estudo, estudos transversais mostraram consistentemente uma associação de noctúria com quedas.²⁶ Essa associação tem sido explicada pela necessidade de acordar abruptamente para urinar e pela fragmentação do sono, que causa sonolência durante o dia, o que também aumenta o risco de cair.²⁴ Além disso, os impactos crônicos do despertar noturno devido à micção frequente podem resultar em atenção prejudicada, problemas psiquiátricos e doenças orgânicas.²⁴

O presente estudo apresenta algumas limitações que devem ser analisadas com cautela. O desenho transversal do estudo impede que sejam tiradas conclusões sobre relações de causalidade da IU/noctúria com o medo de cair e histórico de quedas. Por se tratar de um estudo baseado no autorrelato do idoso com comprometimento cognitivo ou do cuidador, ambos podem não ter se lembrado de eventos de queda anteriores ao momento da pesquisa, configurando um viés de memória. Outro fator que deve ser considerado na interpretação dos resultados é o período de seis meses para a investigação do histórico de quedas, tendo em vista a possibilidade de ter ocorrido alguma queda há mais tempo. A redução do período de investigação, entretanto, foi realizada na tentativa de reduzir o viés de memória.

Além disso, a investigação dos diferentes subtipos de incontinência e de noctúria por meio do autorrelato do idoso e não por meio de instrumentos avaliativos padrãoouro limita a interpretação das associações entre tipos específicos de IU e da noctúria com o medo de cair e/ou quedas que poderiam existir nessa população. Futuros estudos devem buscar contornar essa limitação com o uso do diário miccional de três dias,²⁷ porém com cautela diante da irregularidade de sono e dificuldades de interpretação do diário que os idosos com comprometimento cognitivo podem apresentar. Adicionalmente, análises estratificadas com base nos subtipos de IU podem modificar as associações identificadas no contexto do presente estudo, consistindo em uma consideração relevante para os pesquisadores dedicados a esta área de investigação.

A identificação da associação entre IU, noctúria e medo de cair em idosos com comprometimento cognitivo contribui para fortalecer a compreensão dos clínicos que trabalham com essa população, reforçando a importância da triagem do medo de cair em pessoas idosas com disfunções miccionais. Essa compreensão é especialmente importante visto que o medo de cair configura um fator de risco para quedas.²⁸ Nesse sentido, também traz um olhar para as disfunções miccionais nas implementações de estratégias de prevenção de quedas.

Dessa forma, os achados desse estudo contribuem para a inclusão da investigação do medo de cair em pacientes com IU e noctúria, assim como para a inclusão da investigação de sintomas miccionais em pacientes com medo de cair.

Conclusão

Conclui-se que idosos com comprometimento cognitivo apresentam alta frequência de IU, noctúria, quedas e medo de cair. Ademais, conclui-se que a IU e a noctúria são significativamente associadas ao medo de cair nessa população. Esses achados reforçam o importante papel do profissional de saúde na triagem concomitante de incontinência, noctúria e medo de cair, para o estabelecimento de ações de prevenção e tratamento dessas síndromes geriátricas nos idosos com comprometimento cognitivo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal pelo financiamento da pesquisa (edital nº 09/2022).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  15 Ago 2023
• Revisado
  26 Fev 2024
• Aceito
  01 Mar 2024