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Caminhos de um cinema brasileiro

The paths of a Brazilian cinema

RAMOS, F.P; SCHVARZMAN, S.. Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Edições Sesc, 2018a. 1. 528. 2018b, v. 2 (600 p.). .

Resumo

A obra resenhada busca dar conta da vasta e complexa história do cinema brasileiro. Ao seguir uma linha temporal, dos primórdios do cinema até as produções mais recentes, traz uma pluralidade significativa de pesquisadores, metodologias e abordagens, do começo da produção nacional, em 1895, até o cinema mais recente, de 2016.

Palavras-chave
cinema brasileiro; história; historiografia do cinema

Abstract

This book seeks to address the vast and complex history of Brazilian cinema. Following a timeline from the beginnings of cinema to the most recent films, it brings a significant plurality of researchers, methodologies and approaches from the start of national production, in 1895, to the most recent cinema of 2016.

Keywords
Brazilian cinema; history; cinema historiography

Ao tentar elaborar o que seria um primeiro ensaio sobre a história do cinema brasileiro, Carlos Ortiz (1952)ORTIZ, C. O romance do gato prêto: história breve do cinema. Rio de Janeiro: Ed. Casa do Estudante do Brasil, 1952. aponta, em seu preâmbulo, algumas razões para sua análise. Segundo o autor, um estudo sério e profundo do cinema deveria considerar sua história por motivos de ordem cultural, técnica, estética e crítica. Essas dimensões estão muito presentes no desenho de uma historiografia do campo, que começa a ser pensada nessa época, mas que se estende até hoje, delineando também uma esfera política: a de pensar as hegemonias, as narrativas mais recorrentes e os polos de produção que foram classicamente documentados ao longo de décadas.

Esses questionamentos metodológicos, mas também discursivos, estão presentes nos trabalhos pioneiros, como os de Alex Viany, Paulo Emilio Sales Gomes, Jean-Claude Bernardet, Maria Rita Galvão, Fernão Pessoa Ramos. Durante toda segunda metade do século 20, esses autores se debruçaram sobre o que seria uma maneira mais adequada de registrar a história do nosso cinema, não apenas como movimento audiovisual, mas sobretudo em diálogo com seu contexto social, político e cultural.

Ao refletir sobre uma nova forma de escrever essa narrativa na atualidade, Sheila Schvazman (2017)SCHVARZMAN, S. Escrever a história do cinema brasileiro no século XXI: desconstruir a história no singular e escrever a história no plural. Rumores – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias, v. 11, n. 21, p. 132-150, 13 jul. 2017. aponta para a necessidade de se desconstruir a história no singular e considerá-la, dessa vez, como uma história no plural. Para a autora (idem, p. 139), “pensar a historiografia do cinema brasileiro é, portanto, repensar a história política, econômica, cultural e intelectual do país. Trata-se de refletir sobre a constituição de discursos, hegemonias e recortes que definem autoridade”.

Parece ser com essa intenção, a de ampliar o discurso histórico para outras vozes que fizeram parte do cinema nacional, que a autora organiza, ao lado de Fernão Pessoa Ramos, a Nova história do cinema brasileiro (2018). Eles buscam incluir, no período que vai de 1895 a 2016, “a participação profissional das mulheres no cinema brasileiro, a presença da temática de gênero em sua diversidade e os cineastas e atores negros e indígenas” (RAMOS; SCHVARZMAN, 2018aSCHVARZMAN, S. Escrever a história do cinema brasileiro no século XXI: desconstruir a história no singular e escrever a história no plural. Rumores – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias, v. 11, n. 21, p. 132-150, 13 jul. 2017., p. 12). A obra, composta por dois volumes extensos e aprofundados, tem por intuito dar conta de uma história vasta e complexa. Ao seguir uma linha temporal, dos primórdios do cinema até as produções mais recentes, há uma pluralidade significativa de pesquisadores, metodologias e abordagens.

O primeiro volume é escrito por 14 autores e dividido em três partes, com um total de 14 artigos: percorre o início do cinema no país, e vai até o começo do sonoro (período de 1895 a 1935); aborda o cinema de estúdio e a produção independente (de 1930 a 1954); e termina por analisar de forma breve o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e seu cinema documentário (de 1937 a 1966). Em síntese, busca abordar um período que vai desde o início do cinema no Brasil até pouco antes dos grandes movimentos cinemanovista e marginal.

Já o segundo volume, que reúne 11 pesquisadores, é composto por 11 artigos, divididos em quatro seções: trata dos cinemas Novo e Marginal e os movimentos da época (de 1955 a 1980); aborda a Embrafilme e os cinemas da Boca do Lixo e do Beco da Cinelândia; sintetiza o hiato da produção cinematográfica e a Retomada (de 1985 a 2003); e, por último, reflete sobre três esferas do cinema brasileiro contemporâneo, que inclui o documentário, o cinema de grande bilheteria e o novo cinema autoral (levantamento que vai até 2016). Trata, portanto, da efervescência da produção dos anos 1960 até a tentativa de compreender o período recente da produção cinematográfica no país.

É interessante observar que além dos movimentos, diretores, filmes e outros agentes do cinema brasileiro, os artigos abordam também a circulação crítica das obras. É recorrente, nos capítulos iniciais, ao tratar dos cinemas produzidos regionalmente nas primeiras décadas do século 20, a contextualização do ambiente da crítica profissional e como ele se relaciona com essa produção.

Há um cuidado nessa composição – um cinema brasileiro a partir de suas regionalidades – de não restringir a cinematografia nacional apenas aos polos tradicionais de produção, mas expandir para outros registros, como é o caso da abordagem sobre os cineastas Luiz Thomaz Reis e Silvino Santos. No primeiro volume, as obras de Reis e Santos são apresentadas a partir do deslocamento que trazem, por meio do registro de fronteiras brasileiras, sejam da Amazônia ou de outros limites do país, com imagens pouco difundidas à época. Nesse caminho de registrar uma pluralidade de realizadores que compuseram a história do cinema brasileiro, a obra destaca a importância da cineasta Carmen Santos para as produções da década de 1930. Documenta ainda sua antecessora, Cleo de Verbena, considerada a primeira diretora brasileira, com o longa-metragem O mistério do dominó negro (1930).

Para além dos grandes estúdios, há o registro da produção independente dos anos de 1950 e 1960, que ocorria de maneira profícua. É o caso de José Mojica Marins, que lança, em 1957, seu primeiro longa, A sina do aventureiro. O diretor também é retomado no segundo volume, junto de Ozualdo Candeias, quando tenta apontar, a partir deles, para a existência de um cinema que, após o Cinema Novo, é “enfim popular”. Esse período do Cinema Novo, aliás, é extensamente documentado na obra, que contextualiza como o entorno crítico e intelectual da época influenciou um grupo de realizadores. Há uma seção dedicada ao Cinema Marginal, e que destaca a importância de Paulo Emilio Sales Gomes e sua grande influência como formador de cineastas e críticos naquelas décadas.

Na sequência, há a composição de um quadro do cinema brasileiro de 1970 e 1980, com grandes públicos e recordes de bilheteria, representados principalmente por Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976), filme que registrou mais de dez milhões de espectadores. Ao final desse panorama, há um aparte dedicado ao que a obra classifica como “novas vozes cinematográficas” que emergem no período, como a produção de mulheres cineastas – com Tânia Savietto, Suzana Amaral, Tizuka Yamasaki, Tereza Trautman, entre outras – e de diretores negros, a partir de Odilon Lopez, Waldyr Onofre, Antonio Pitanga e Zózimo Bulbul. Esses registros, ainda pequenos, poderiam ser ampliados, já que são emblemáticos para a história do cinema brasileiro e, em especial, para uma historiografia que dialoga com seu momento político e social.

Na penúltima seção, a obra se dedica a compreender o momento de crise do cinema, ao final da década de 1980, com a diminuição das produções, que chegam a apenas três filmes de longa-metragem em 1993. O retorno da produção é gradativo, a partir de 1995, e só ultrapassa as cem obras por ano em 2013. Sobre o período que ficou conhecido como Cinema da Retomada, Ramos sintetiza:

O universo interior exasperado mostra, seja na ficção, seja no documentário, a Retomada como época insatisfeita consigo mesma, tendo como referência um contexto ideológico que, em seu núcleo, desabrocha nos anos 1960 e que, no início do milênio, ainda mantém suas contradições intocadas. Temos a impressão de um cinema que se apraz em cultivar um travo com sabor arrevesado, carregando às costas o peso de um imenso passivo social a acertar

(RAMOS, 2018b, p. 468).

Os anos mais recentes da produção cinematográfica, de 2000 a 2016, são tratados ao final da obra, divididos em três grupos – os documentários, os filmes de grande bilheteria e o cinema autoral. Ao buscar um conjunto para as obras de grande público nesse período, Sheila Schvarzman (2018b, p. 528)SCHVARZMAN, S. Escrever a história do cinema brasileiro no século XXI: desconstruir a história no singular e escrever a história no plural. Rumores – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias, v. 11, n. 21, p. 132-150, 13 jul. 2017. constata ser importante retomar um texto de Gustavo Dahl (1977)DAHL, G [1977]. Mercado é cultura. Filme Cultura, ed. 52, p. 66-68, out. 2010. Disponível em http://www.bcc.org.br/textos/225738. Acesso em 25/11/2018.
http://www.bcc.org.br/textos/225738...
, diretor do Cinema Novo que defendia a produção para o mercado – prática que não era unânime à época –, cujo título era “Mercado é cultura”:

É oportuno voltar a esse postulado na forma de uma interrogação, uma vez que a manutenção de uma indústria cinematográfica estável depende da relação forte com o público. Como isso está se dando? O que caracteriza esses filmes? Qual o papel da televisão nesse cenário? Por fim, grandes bilheterias significam a consolidação de uma indústria brasileira de cinema?

(SCHVARZMAN, 2018bSCHVARZMAN, S. Escrever a história do cinema brasileiro no século XXI: desconstruir a história no singular e escrever a história no plural. Rumores – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias, v. 11, n. 21, p. 132-150, 13 jul. 2017., p. 528)

Com essas e outras indagações, a obra é capaz de reunir visões amplas e que abrangem longos períodos históricos sobre o cinema brasileiro, e não se restringe a criar uma historiografia uníssona, ou mesmo a conceber uma ideia de cinema contínuo e uniforme. Busca, a partir das recorrências culturais, técnicas, estéticas, críticas e políticas, estabelecer os diversos períodos, formatos e agentes que foram decisivos para a produção cinematográfica, inclusive em épocas de estagnação e rompimento.

Ao olharmos para a obra como um conjunto amplo, percebemos seu intuito, com a reunião de pesquisas aprofundadas sobre os diversos aspectos da produção brasileira, de traçar um panorama múltiplo do nosso cinema – cuja necessidade, assim como sua historiografia, é de constante expansão e continuidade, na busca por ser cada vez mais plural.

Referências

  • DAHL, G [1977]. Mercado é cultura Filme Cultura, ed. 52, p. 66-68, out. 2010. Disponível em http://www.bcc.org.br/textos/225738 Acesso em 25/11/2018.
    » http://www.bcc.org.br/textos/225738
  • ORTIZ, C. O romance do gato prêto: história breve do cinema. Rio de Janeiro: Ed. Casa do Estudante do Brasil, 1952.
  • SCHVARZMAN, S. Escrever a história do cinema brasileiro no século XXI: desconstruir a história no singular e escrever a história no plural. Rumores – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias, v. 11, n. 21, p. 132-150, 13 jul. 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2018
  • Aceito
    11 Jan 2019
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