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Escuta datificada de música: educabilidade algorítmica e performance de gosto em plataformas de streaming musical1 1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada em 2023 no Grupo de Pesquisa em Estudos de Som e Música do 32° Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). ,2 2 Agradecemos ao apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil, processo 407697/2023-3, bem como da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/010.002269/2019, para realização desta pesquisa.

Datified listening of music: algorithmic educability and taste performance in platforms of musical streaming

Resumo

Plataformas de streaming de música têm alterado os modos de consumo com base em sistemas de recomendação e entregas personalizadas. No Twitter/X, observamos postagens de ouvintes comentando sobre ensinar esses sistemas com o intuito de aumentar sua acurácia em relação aos próprios gostos. Mapeamos essas práticas sociocomunicacionais com o objetivo de investigar o que elas entendem por educar algoritmos e como esses relatos expressam performances de gosto musical. Tendo como metodologia a coleta e análise dos conteúdos das publicações realizadas pelos ouvintes, o estudo é baseado em 82 tweets/xs postados entre 2021 e 2022. Neles, identificamos três eixos de sentido: (1) gestão pragmática dos comportamentos com base na ideia de educação; (2) transformações do consumo musical; e (3) performances de um gosto ensinado. Como resultados, propomos a noção de educabilidade algorítmica, que aponta para a naturalização de uma escuta datificada.

Palavras–chave
plataformas de streaming de música; educação; algoritmos; performance de gosto; Twitter/X

Abstract

Music streaming platforms have changed consumption modes through recommender systems and personalized deliveries. On Twitter/X, we observed listeners talking about teaching these systems in order to increase their accuracy in relation to their own tastes. We mapped these socio-communicational practices with the aim of investigating what they mean by educating algorithms and how these reports express taste performances. Using the collection and analysis of the contents of publications made by listeners as a methodology, the study is based on 82 tweets/xs posted between 2021 and 2022. In them, we identified three axes of meaning: (1) pragmatic management of behaviors based on the idea of education; (2) transformations in musical consumption; and (3)performances of a taught taste. As results, we propose the notion of algorithmic educability, which points to the naturalization of data-driven listening.

Keywords
music streaming platforms; education; algorithms; taste performance; Twitter/X

Introdução

Para muitos sujeitos, o consumo de música gravada na contemporaneidade perpassa a mediação de plataformas como Spotify, Deezer, YouTube Music, Apple Music, Amazon Music, entre outras. Em um cenário de plataformização (Van Dijck, Poell, De Waal, 2018VAN DIJCK, José; POELL, Thomas; DE WAAL, Martijn. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.; Nieborg e Poell, 2018NIEBORG, David. B.; POELL, Thomas. The platformization of cultural production: Theorizing the contingent cultural commodity. New Media & Society, 20, p. 4275 -4292, 2018.), a noção de que tais artefatos operam com base no funcionamento de algoritmos já não é novidade. Contudo, observamos uma prática sociocomunicacional emergente que tem chamado nossa atenção: as narrativas de sujeitos que desejam educar os algoritmos para que lhes entreguem determinados conteúdos.

Num primeiro momento, pouco se debatia sobre como funcionavam os algoritmos das plataformas nas entregas dos conteúdos ditos personalizados e baseados em nossas interações com as interfaces das plataformas. Atualmente, ainda que sigam opacos (Silva, 2022SILVA, Tarcízio. Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais. São Paulo: Edições Sesc SP, 2022.), observamos a emergência de discursos de sujeitos comuns que visam educar essa entidade para que tenham mais precisão em suas indicações. Tal assertividade estaria relacionada ao fato de os algoritmos selecionarem músicas relevantes que combinem com o gosto musical de cada usuário.

O uso de termos derivados de verbos como ensinar e educar não nos parece casual. Inseridos em uma lógica de “self algorítmico” (Cheney-Lippold, 2017CHENEY-LIPPOLD, John. We Are Data: Algorithms and the Making of Our Digital Selves. New York: New York University Press, 2017.), as dinâmicas de performatização do gosto musical na contemporaneidade também perpassam o que chamamos aqui de processos de educabilidade algorítmica. São sentidos de educação que pouco têm a ver com sua dimensão institucional enquanto práticas formais de ensino-aprendizagem, mas que visam, com a produção de novos dados, agir sobre as entregas dos conteúdos ditos personalizados.

Com base nisso, questionamos: quais seriam os sentidos constituídos nos tweets/xs em relação a educar algoritmos de recomendação em plataformas de streaming de música? E qual a relação disso com as performances de gosto? Nossos objetivos são: a) investigar como essas narrativas entendem educar algoritmos; e b) analisar como tais relatos expressam performances individuais de gosto musical. Nossa hipótese é a de que os ouvintes operam uma naturalização dessas lógicas algorítmicas para construção do próprio gosto, percebendo os sistemas algorítmicos de recomendação enquanto elemento cultural que incorporam em suas práticas de escuta musical.

Em uma recente revisão de literatura envolvendo vieses em sistemas de recomendação de plataformas de streaming de música, Hesmondhalgh et al. afirmam que

há muito pouca pesquisa sustentada e publicamente disponível que examina o impacto do MRS [sistemas de recomendação musical] nos mercados de música e na experiência, e como os consumidores/usuários de MSP [plataformas de streaming de música] entendem os sistemas de recomendação

(Hesmondhalgh et al, 2023HESMONDHALGH, David; VALVERDE, Raquel Campos; KAYE, D. Bondy. Valdovinos; LI, Zhongwei. The impact of algorithmically driven recommendation systems on music consumption and production – a literature review. GOV.UK, 2023., p. 2, tradução nossa).

De acordo com eles, a perspectiva dos ouvintes é pouco debatida. A revisão identificou que as pesquisas se concentram em dois polos principais: o das inovações e soluções técnicas (em geral, pautadas pela noção de relevância das entregas) de pesquisadores da computação e do desenvolvimento de sistemas de recomendação; e os chamados estudos críticos de algoritmos, que envolvem pesquisadores de diferentes áreas.

Nossa abordagem metodológica foi dividida nas seguintes etapas: em um primeiro momento coletamos, por meio da ferramenta Netlytic3 3 Disponível em: https://netlytic.org. Acesso em: 23 set. 2023. , 78.190 tweets/xs, compreendendo o período de abril de 2021 a agosto de 2022. A escolha do momento de coleta dos dados está relacionada a uma pesquisa anterior realizada por um dos autores. Este período, que compreende 16 meses, foi selecionado tendo em vista a continuidade e extensão do trabalho prévio, permitindo, assim, a análise de tendências ao longo do tempo. Além disso, a opção por um período consideravelmente extenso para a captação das mensagens tem o objetivo de garantir uma diversidade de conteúdos e contextos relacionados às práticas de escuta musical em plataformas de streaming. Em relação à coleta dos dados, consideramos ocorrências entre os nomes das cinco maiores plataformas de streaming musical do mercado (Spotify, Apple Music, Amazon Music, YouTube Music e Deezer)4 4 Para a coleta, escolhemos as cinco principais plataformas de streaming de música em número de ouvintes assinantes. Desconsideramos as plataformas chinesas (Tencent Music e NetEase) e a russa Yandex, já que não atuam no Brasil. Disponível em: https://www.midiaresearch.com/blog/music-subscriber-market-shares-2022. Acesso em: 23 set. 2023. e o termo algoritmo5 5 O protocolo de coleta, limpeza e classificação está disponível em: https://docs.google.com/document/d/1fLPaLJcREhaIsAEa9KVmqJiDsaAVxhZQmBzpUz-44tw/edit. . Em seguida, identificamos aqueles que tinham variações dos verbos ensinar, educar e explicar, chegando a um total de 1.131 tweets/xs. Após a eliminação dos tweets/xs repetidos ou que traziam sentidos distantes da temática do artigo (limpeza dos dados)6 6 A maior parte dos 1.049 tweets/xs que foram desconsiderados nesta etapa da pesquisa eram ataques/críticas à cantora Anitta quanto à sua suposta “manipulação dos algoritmos do Spotify” para fazer a música “Envolver” alcançar o Top 1 do Spotify em 25 de março de 2021, tal como exemplifica este tweet/x: “A ‘intelectual orgânica’ da esquerda compartilhou o twitt em que era ensinado a seus fãs como fraudar o algoritmo do Spotify para fazer com que ela fosse levada as primeiras posições”. Outros desconsiderados foram tweets/xs repetidos ou que traziam sentido distinto ao verbo educar, ligado a modos de boas maneiras, que foge ao escopo deste artigo. , restaram 82 tweets/xs, que foram considerados para análise. Isto é, as publicações analisadas representam as mensagens, no contexto da amostra, que efetivamente utilizaram os verbos pesquisados para a descrição de práticas de escuta em plataformas de streaming musical.

Escolhemos a plataforma Twitter/X por ser amplamente utilizada em estudos no campo da comunicação, além de — no momento do desenvolvimento desta pesquisa — ainda apresentar a possibilidade de coletar dados de forma gratuita via API7 7 Application Programming Interface. O acesso à API gratuita do Twitter/X foi definitivamente descontinuado em julho de 2023. . Outro ponto determinante é o fato de que os ouvintes utilizam a plataforma para produzir comentários cotidianos e rotineiros sobre hábitos de consumo. Quanto à amostra, devemos levar em consideração o recorte e a entrega que a API do Twitter/X permite que ferramentas como a Netlytic coletem. Destacamos que não é possível afirmar que os dados sejam representativos da população como um todo, já que nem todos usam a plataforma nem manifestam suas experiências, além de os dados refletirem uma parte ínfima da comunicação que ocorre nesse contexto. Apesar disso, entendemos que os tweets/xs são uma evidência empírica da existência do que chamamos aqui de processos de educabilidade algorítmica.

Em um segundo momento da produção dos dados, orientados por uma análise prévia, identificamos e enquadramos os 82 tweets/xs em três eixos discursivos de sentido: 1) gestão pragmática dos comportamentos com base na ideia de educação; 2) transformações do consumo musical; e 3) performances de um gosto ensinado. Entendemos que tais eixos são indissociáveis e que não devem ser tomados como categorias de análise, mas sim como pontos de observação que nos chamam a atenção nos sentidos relacionados às práticas que buscam educar algoritmos. Dentro de cada um dos eixos, avaliamos se os tweets/xs falam de dinâmicas de educabilidade com base em uma experiência positiva, negativa ou neutra8 8 Entendemos que o discurso jamais é neutro, sendo sempre impregnado de visões de mundo e podendo abarcar múltiplos sentidos. Não obstante, optamos por olhar para os dados por meio de tal enquadramento quando não era possível identificarmos uma valoração nem positiva nem negativa no tweet/x, somente uma menção. .

Estruturamos o artigo com base nesses três eixos centrais, entrelaçando neles pressupostos teóricos, achados de outras pesquisas e os dados empíricos produzidos neste estudo. Na primeira seção/eixo buscamos demonstrar como educar é um termo pensado de modo pragmático, como forma de fazer com que o sistema de recomendação passe a se comportar como esperado pelo usuário. Na segunda seção, tratamos principalmente das transformações do consumo musical por meio da mediação das plataformas de streaming e destacamos tweets/xs que mencionam as características de diferentes plataformas, por vezes fazendo comparações entre elas. Na terceira seção/eixo demonstramos que, ao narrarem sobre educar seus algoritmos, os ouvintes esperam que o sistema contemple as músicas de sua estima e deixam rastros visíveis de narrativas de si, construídas com base em uma relação entre o que é recomendado pelo sistema e suas identidades e preferências, configurando performances de um gosto ensinado. Abaixo, apresentamos uma tabela com os três eixos e suas classificações de valência, seguidas de seus respectivos exemplos. O acesso à tabela com todas as mensagens analisadas está disponível no link desta nota de rodapé9 9 Disponível em: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1Z1ZQPJCUquGS_H2-wp4BBZejjgrQskIzJzgK9yDiHyk/edit?usp=sharing. .

Tabela 1
Eixos, classificações e exemplos de tweets/xs10 10 Mantivemos a grafia original dos tweets/xs. . Fonte: Autores (2023).

Gestão pragmática dos comportamentos com base na ideia de educação

Nas últimas décadas, o termo algoritmo parece ter deixado de ser um jargão computacional e passou a ser o outro das nossas escolhas e diferentes hábitos, como o consumo musical. Essa ascensão dos algoritmos ao debate público está predominantemente relacionada com o fenômeno da plataformização e dataficação. Compreendida como a crescente inserção e dependência de infraestruturas proprietárias em diferentes esferas da vida social (Van Dijck, Poell, De Waal, 2018VAN DIJCK, José; POELL, Thomas; DE WAAL, Martijn. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.), a plataformização tem em sua gênese a incorporação da coleta extensiva de dados e técnicas algorítmicas de classificação e organização como elemento central do governo de conteúdos e comportamentos e, portanto, elementar para os modelos de negócio desses serviços (Araujo, 2021ARAUJO, Willian Fernandes. Norma algorítmica como técnica de governo em Plataformas Digitais: um estudo da Escola de Criadores de Conteúdo do YouTube. Revista Fronteiras, v. 23, n. 1, 2021.). A dataficação é um fenômeno decorrente da plataformização, caracterizando-se pela quantificação da vida humana por meio de informações digitais. Ou seja, a transformação dos comportamentos humanos em informação digital analisável para o desenvolvimento de predições sobre as ações e interesses dos sujeitos nos ambientes de plataformas on-line (Mejias E Couldry, 2019MEJIAS, Ulises A.; COULDRY, Nick. Datafication. Internet Policy Review, v. 8, n. 4, 2019.).

Neste sentido, Sandvig (2014)SANDVIG, Christian. Seeing the sort: The aesthetic and industrial defense of “the algorithm”. Journal of the New Media Caucus. 2014. Disponível em: http://median.newmediacaucus.org/art-infrastructures-information/seeing-the-sort-the-aesthetic-and-industrial-defense-of-the-algorithm/. Acesso em: 11 mar. 2023.
http://median.newmediacaucus.org/art-inf...
associa a ascensão da discussão sobre algoritmos à progressiva inserção e visibilidade de técnicas algorítmicas em nossas experiências on-line cotidianas: “A maior parte ou mesmo todo o conteúdo mediado que experimentamos é gerado por uma classificação algorítmica”. Para ele, há outro importante motivo para essa centralidade dos algoritmos: a existência pública desses sistemas nos discursos corporativos que buscam promovê-los por meio da ênfase em suas funções. “Ou seja, eles [algoritmos] têm uma identidade voltada para o público e novos discursos promocionais que os descrevem como eficientes, valiosos, poderosos e objetivos” (Sandvig, 2014SANDVIG, Christian. Seeing the sort: The aesthetic and industrial defense of “the algorithm”. Journal of the New Media Caucus. 2014. Disponível em: http://median.newmediacaucus.org/art-infrastructures-information/seeing-the-sort-the-aesthetic-and-industrial-defense-of-the-algorithm/. Acesso em: 11 mar. 2023.
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). No âmbito das plataformas de streaming musical, é fácil encontrar publicações que buscam enquadrar sistemas de recomendação como qualificadas ferramentas de personalização da experiência nesses serviços. Por exemplo, em publicação em seu blog de 2020, a plataforma Spotify (2020)SPOTIFY. Amplifying Artist Input in Your Personalized Recommendations. 2020. Disponível em: https://newsroom.spotify.com/2020-11-02/amplifying-artist-input-in-your-personalized-recommendations/. Acesso em: 11 mar. 2023.
https://newsroom.spotify.com/2020-11-02/...
afirma que suas funcionalidades são bem-sucedidas na tarefa de auxiliar ouvintes a conhecerem novos artistas: “Estamos orgulhosos disso e continuamos ativamente refinando nossos algoritmos para permitir todo mês ainda mais descobertas de novos artistas pelos fãs”.

Está no cerne dessa cultura a ideia de personalização, materializada nesses sistemas em funcionalidades e interfaces que se adaptam a cada usuário com base na análise de dados pessoais (Araujo, 2023ARAUJO, Willian Fernandes. Mate o feed e retome o controle: histórias sobre personalização, governamentalidade e fissuras no poder algorítmico. Intexto, n. 55, p. 129276-129276, 2023.). “A personalização é baseada na ‘análise preditiva’: a capacidade de antecipar escolhas e tendências futuras com base em análises de padrões de dados históricos individuais e agregados” (Van Dijck, Poell, De Waal, 2018VAN DIJCK, José; POELL, Thomas; DE WAAL, Martijn. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018., p. 41). Ou seja, como analisa Zuboff (2021)ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021., a personalização permeia a maioria das aplicações e sistemas atuais em uso como um imperativo de predição. A personalização funciona como uma ferramenta de individualização que busca garantir a produção de dados e “assegurar um fluxo contínuo de excedente comportamental das profundezas da história [da subjetividade humana]” (Zuboff, 2021ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021., p. 294).

Neste sentido, personalização é uma ideia que aponta para um sentido ambíguo e em disputa, que se polariza entre os discursos corporativos de acesso livre e ilimitado e os processos de controle por meio dos sistemas algorítmicos de recomendação (Eriksson e Johansson, 2017ERIKSSON, Maria; JOHANSSON, Anna. “Keep Smiling!”: Time, Functionality and Intimacy in Spotify's Featured Playlists. Cultural Analysis, v. 16, 2017.). Isto é, a personalização de serviços de streaming musical também se relaciona com o propósito de manter ouvintes engajados. A noção de engajamento como uma commodity produzida pelos sistemas algorítmicos de plataformas on-line é um aspecto central nesse mercado (Araujo, 2021ARAUJO, Willian Fernandes. Norma algorítmica como técnica de governo em Plataformas Digitais: um estudo da Escola de Criadores de Conteúdo do YouTube. Revista Fronteiras, v. 23, n. 1, 2021.). Como analisa Seaver (2019, p. 3)SEAVER, Nick. Captivating algorithms: Recommender systems as traps. Journal of Material Culture, v. 24, n. 4, p. 421-436, 2019., o valor de uma plataforma é avaliado com base na fatia de mercado que ela detém: “Sistemas de recomendação retêm usuários em plataformas, chamam sua atenção e ajudam as empresas a conquistarem participação de mercado”. Manter ouvintes conectados, como aponta Seaver (2019)SEAVER, Nick. Captivating algorithms: Recommender systems as traps. Journal of Material Culture, v. 24, n. 4, p. 421-436, 2019., é um objetivo que tende a ser pensado nesse mercado com base em uma perspectiva behaviorista, que enfatiza a captura da atenção. O autor ilustra essa lógica com trechos de entrevistas realizadas durante trabalho etnográfico com desenvolvedores de sistemas de recomendação musicais. Diz um engenheiro entrevistado pelo autor: “Se você está em sua primeira semana nos ouvindo, nós dizemos, ‘Foda-se! Toque os sucessos!’ Toque a merda que você sabe que eles vão adorar para mantê-los voltando. Deixe-os viciados. No começo, estou apenas tentando te fisgar” (Seaver, 2019SEAVER, Nick. Captivating algorithms: Recommender systems as traps. Journal of Material Culture, v. 24, n. 4, p. 421-436, 2019., p. 2).

Neste cenário ambíguo da personalização, sistemas de streaming musical nos oferecem “a conveniência do acesso e uma espécie de magia algorítmica: a promessa é de uma correspondência intimamente aperfeiçoável entre nossa música e nossas vidas interiores, desde que cultivemos ativamente nossa presença (e nossos dados)” (Burgess et al., 2022BURGESS, Jean; ALBURY, Kath; MCCOSKER, Anthony; WILKEN, Rowan. Everyday data cultures. John Wiley & Sons, 2022., p. 47). Isto é, com base em suas práticas cotidianas de consumo musical, usuários produzem dados que alimentam a lógica algorítmica das plataformas (Eriksson e Johansson, 2017ERIKSSON, Maria; JOHANSSON, Anna. “Keep Smiling!”: Time, Functionality and Intimacy in Spotify's Featured Playlists. Cultural Analysis, v. 16, 2017.; Burgess et al., 2022BURGESS, Jean; ALBURY, Kath; MCCOSKER, Anthony; WILKEN, Rowan. Everyday data cultures. John Wiley & Sons, 2022.), de forma que elas possam sugerir conteúdos em tese afinados com nossos gostos.

Com base nas inúmeras formas de se relacionar com plataformas de streaming musical e seus sistemas de recomendação, observamos um conjunto de narrativas que buscam apresentar o objetivo de educar os algoritmos como uma ação intencional para a produção de determinados resultados nas recomendações desses sistemas. Educação é um termo polissêmico, diverso e abrangente. Em sua acepção mais popular, educar costuma indicar uma visão positiva, que coloca o humano como personagem da aquisição de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes para seu pleno desenvolvimento (Silva e Fabris, 2010SILVA, Roberto Rafael Dias; FABRIS, Elí Terezinha Henn. O jogo produtivo da educabilidade/governamentalidade na constituição de sujeitos universitários. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, p. 352-363, 2010.). Como destaca Hillesheim (2015)HILLESHEIM, Betina. Políticas públicas e educação: desdobramentos para a pesquisa. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 10, n. 3, p. 788-796, 2015., costuma-se confundir a educação com seus espaços formais de existência, como a escola, mas ela é um processo bem mais amplo e pulverizado. A educação se desenvolve nos processos de subjetivação que se dão em diferentes ambiências sociais, culturais e tecnológicas (Hillesheim, 2015HILLESHEIM, Betina. Políticas públicas e educação: desdobramentos para a pesquisa. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 10, n. 3, p. 788-796, 2015.). A chamada educação informal, como constituição de si com base no contato com os diferentes discursos que abundam no mundo, ocorre por meio de experiências cotidianas, como nas nossas relações com plataformas on-line e sistemas algorítmicos de recomendação.

Nos relatos que observamos em nosso estudo é possível compreender que a busca por educar algoritmos expressa uma gestão pragmática da produção de dados pelos sujeitos em interação com esses sistemas. Dito de outra forma, identificamos que a noção de educar ou ensinar ao algoritmo é usada para narrar supostamente momentos ou situações nas quais os sujeitos agem estrategicamente para tentar gerar determinada resposta do sistema: eu afirmo realizar determinada ação (como escutar determinados estilos musicais, curtir ou ocultar músicas, seguir certos artistas, criar playlists, etc.) esperando que ela indique ao sistema aquilo que efetivamente espero. Assim, educar ou ensinar são termos usados para a composição de um sentido bastante simples como formas estratégicas de fazer com que o sistema de recomendação passe a funcionar do modo esperado pelo usuário. Na mensagem a seguir, o ouvinte revela que sua tentativa de educar o sistema do Spotify foi bem-sucedida: “amei demais as recomendações do spotify dessa semana e da semana passada eduquei o algoritmo certinho graça a adeus”. Já a seguinte usuária diz que passou a tentar mudar as sugestões em seu perfil por sentir-se limitada: “Reeducando o meu algoritmo do Spotify, pois estou me sentindo presa dentro de 10% do meu gosto musical”.

Em alguns dos relatos analisados, é possível observar como a gestão da produção de dados é organizada. Por exemplo, um usuário diz perceber um momento de mudança do sistema de recomendação do Spotify e, com base nisso, relata que passou a direcionar seus hábitos de escuta para os álbuns e artistas que gosta mais: “eu detesto de como o spotify fica burro qdo vira o ano... eu smp tenho que reescutar os albuns q eu curto pra ele poder reeducar o algoritmo e montar uma radio legal baseado no que eu escuto, porem isso leva meses [emoji pessoa decepcionada]”. Já a seguinte usuária pergunta se alguém conhece estratégias para demonstrar ao sistema que são excessivas as sugestões de músicas de um mesmo artista: “o Spotify encarnou que eu tenho interesse em ouvir Justin Bieber e coloca em todos os meus caminhos diários e não tem mais a função de dar dislike nas músicas pra educar o algoritmo, o que posso fazer???”.

Ao buscarem educar seus algoritmos por meio da gestão de seus dados, os sujeitos esperam que o sistema contemple as músicas de sua estima. Em muitos casos observados, esse aspecto é apresentado em uma perspectiva avaliativa. Uma usuária destaca a eficiência do sistema do Spotify e pergunta a opinião dos seus seguidores: “O algoritmo do Spotify é espetacular (se dedicarmos algum tempo a educá-lo de acordo com os nossos gostos e se mantivermos as mãozinhas das crianças longe da nossa conta). Isto é consensual, não é?”.

Com base nesses relatos, consideramos que os discursos sobre ensinar algoritmos representam uma das diversas relações dos sujeitos com plataformas on-line. Essas práticas indicam a existência de conhecimentos — ao menos gerais — sobre a lógica desses sistemas que são usados com o objetivo de gerir a identidade/representação algorítmica por meio de uma realização estratégica da produção de dados. Devito (2021)DEVITO, Michael Ann. Adaptive folk theorization as a path to algorithmic literacy on changing platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, v. 5, n. CSCW2, p. 1-38, 2021. chama esses conhecimentos de folk theories, ou teorizações informais, como conhecimentos desenvolvidos e negociados com base na experiência dos sujeitos e nas interações entre eles para “explicar os resultados, efeitos ou consequências de sistemas tecnológicos” (Devito, 2021DEVITO, Michael Ann. Adaptive folk theorization as a path to algorithmic literacy on changing platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, v. 5, n. CSCW2, p. 1-38, 2021., p. 4). Está no centro desta discussão as noções de consciência e conhecimento sobre sistemas algorítmicos. Devito (2021)DEVITO, Michael Ann. Adaptive folk theorization as a path to algorithmic literacy on changing platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, v. 5, n. CSCW2, p. 1-38, 2021. enxerga nessas teorias informais um espaço para o desenvolvimento de uma literacia algorítmica, entendida como conhecimentos para um empoderamento crítico diante dos algoritmos. Embora os relatos analisados indiquem essa consciência sobre a existência e ação sobre sistemas algorítmicos, não consideramos que eles demonstrem de modo claro alguma espécie de empoderamento crítico. Ao contrário, educar o algoritmo, em muitos casos, representa uma tentativa de treinamento dentro de uma naturalização da lógica algorítmica que, como indicam Burgess et al. (2022)BURGESS, Jean; ALBURY, Kath; MCCOSKER, Anthony; WILKEN, Rowan. Everyday data cultures. John Wiley & Sons, 2022., ajuda a cultivar e qualificar os sistemas de plataformas de streaming em seu intento de capturar o gosto por meio dos dados.

Essa dinâmica traz indícios para pensarmos uma educabilidade algorítmica. Isto é, o modo como a interação com sistemas algorítmicos nos subjetiva, internalizando determinadas lógicas que passam a integrar nosso horizonte cultural. Ao buscarmos educar o algoritmo, estamos sendo subjetivados a partir das lógicas computacionais da predição/personalização. Por isso, sustentamos que essa educabilidade passa a constituir comportamentos emergentes no âmbito dos hábitos do consumo de música e práticas de expressão do gosto, como abordaremos nas seções seguintes.

Transformações no consumo musical e as múltiplas plataformas

Um processo de entrada no mercado fonográfico por parte dos players globais ganha força e se consolida ao longo da década 2010/20 com a construção de um modelo de negócios que capitaliza sobre a sociabilidade e os hábitos de consumo dos ouvintes. Com a noção de “cultura do acesso” (Kischinhevsky, 2015KISCHINHEVSKY, Marcelo. Da cultura da portabilidade à cultura do acesso – A reordenação do mercado de mídia sonora. Anais do XIV Congresso Internacional Ibercom. São Paulo: USP, 2015.) que as plataformas de streaming de música oferecem, o modelo de negócio dessas empresas migrou para uma lógica baseada na curadoria e personalização das entregas. Nesse sentido, os estágios pelos quais teria passado a distribuição de fonogramas nas duas últimas décadas iriam da propriedade da música, com a compra de seu suporte físico, para o acesso, envolvendo as soluções das empresas de streaming, seguida de um refinamento por meio dos sistemas de recomendação e seus processos de personalização dos conteúdos nas interfaces.

A partir da consolidação desses serviços, vemos, portanto, um movimento em direção a um consumo pautado pela curadoria, personalização e capacidade preditiva de entrega dos algoritmos, em geral feita por sistemas que utilizam aprendizado de máquina (Eriksson et al., 2019ERIKSSON, Maria; FLEISCHER, Rasmus; JOHANSSON, Anna; SNICKARS, Pelle; VONDERAU, Patrick. Spotify Teardown: inside the black music of streaming music. Cambridge, MA: MIT Press. 2019.) numa relação embricada com a curadoria humana (Bonini e Gandini, 2019BONINI, Tiziano; GANDINI, Alessandro. “First Week Is Editorial, Second Week Is Algorithmic”: Platform Gatekeepers and the Platformization of Music Curation. Social Media and Society, v. 5/4, p. 1-11, 2019.). Esse tipo de consumo diz respeito à personalização em escala por meio da classificação e organização dos fluxos no sentido de entregarem não apenas acesso a um vasto acervo, mas uma experiência musical personalizada, em direta relação com a subjetividade dos ouvintes11 11 Embora não seja nosso foco aqui, a forma como se estrutura a “indústria fonográfica digital” (De Marchi, 2023) precisa ser pensada quanto aos níveis de diversidade envolvendo as entregas ditas personalizadas. A perspectiva da diversidade é um dos pontos críticos identificados em pesquisas relacionadas a vieses nos sistemas de recomendação dessas plataformas (Hesmondhalgh et al., 2023; Internetlab, 2023). .

Cabe destacar que sistemas de recomendação não são algo novo, mas remontam a aplicações comerciais da década de 1990. Pesquisas como a de Rose Marie Santini (2020)SANTINI, Rose Marie. O Algoritmo do Gosto: os sistemas de recomendação online e seus impactos no mercado cultural. v. 1. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020., cujo objeto era o Last.fm, demonstram, por meio de práticas de folksonomia, que a interação com os metadados dos conteúdos por parte dos ouvintes já apresentava níveis de coconstrução das entregas. A diferença agora é que os ouvintes não têm ingerência sobre os processos de classificação e categorização dos conteúdos que circulam nas plataformas. Ainda que seja muito comum o uso de Filtragem Colaborativa12 12 De acordo com Rose Marie Santini, essas são as principais técnicas associadas aos sistemas de recomendação: “1. Recomendações baseadas em conteúdo: sistemas que recomendam itens similares aos que o mesmo usuário demonstrou preferência no passado; 2. Recomendações [ou Filtragem] Colaborativas: sistemas que recomendam ao usuário itens avaliados no passado por pessoas com gostos e preferências similares; 3. Abordagem híbrida: sistemas que combinam o método colaborativo com o método baseado em conteúdo” (Santini, 2020, p. 114). Atualmente, a maioria dos sistemas utiliza a abordagem híbrida. , por meio da comparação entre hábitos dos ouvintes, inovações nos últimos anos deram aos sistemas de recomendação um controle maior sobre esses processos. Com isso, o que percebemos de novo aqui são os discursos e narrativas no sentido de educar esses sistemas para que sejam mais assertivos, de modo que os sujeitos falem de estratégias conscientes que buscam interferir nas predições e naquilo que o sistema pretende apresentar num futuro próximo.

A experiência de educar o algoritmo, em relação às transformações que o consumo de música gravada passou nas duas últimas décadas, tem diferentes desdobramentos nas mensagens. Determinadas postagens entendem suas ações como um processo contínuo e valioso, um trabalho quase artesanal de produção de um capital imaterial e datificado que qualifica sua experiência com determinado sistema de recomendação, indicando a naturalização de lógicas algorítmicas como um elemento cultural que os ouvintes incorporam em suas práticas de consumo.

Alguns ouvintes apontam para o problema que é não poder intercambiar suas informações entre as plataformas. Caso fosse possível, isso seria algo positivo para eles. Uma vez que os dados produzidos não são intercambiáveis, e que cada usuário precisa ensinar a cada plataforma qual é seu gosto musical, muitos relatam: “preguiça” (“@[perfil] Eu to preso no Spotify por pura conveniência Preguiça de ensinar o algoritmo do Apple Music tudo de novo pra tocar sempre as mesmas músicas em loop hahahahahaha”); falta de “paciência” (“não tenho paciência para ensinar para o algoritmo do apple music as coisas que eu gosto de ouvir”); ou “comodismo” em relação a permanecerem onde estão, uma vez que a plataforma já conhece seu gosto (“@[perfil] Eu tb fico no Spotify pelo algoritmo que já tá educadinho desde anos atrás e pelas palhaçada de fim de ano aksjxjsjsjejjd”).

O fato de desejar estar em mais de uma plataforma faz com que seja necessário se predispor a educar vários algoritmos, algo que para alguns perfis representa um problema. Um ouvinte, em resposta a outro perfil — inclusive marcando o perfil do Spotify no Brasil ―, afirma que: “@[perfil] @SpotifyBrasil O maior problema de trocar de plataforma é reeducar o algoritmo, refazer suas playlists e ter a garantia que não vai faltar nenhuma”. Isso explica, em parte, a posição dominante do Spotify frente às demais plataformas.

Ouvintes também trocam opiniões sobre possíveis táticas de treinamento por meio de interações com a interface: “@[perfil] A qualidade do áudio é melhor. E meu namorado usa Spotify e vive reclamando do algoritmo pra aleatório que é muito repetitivo. No deezer vc consegue ‘educar’ seu algoritmo pq ele tem a opção de ‘não tocar essa música’ ou artista etc”. Ou ainda sobre as diferentes características de diferentes algoritmos, por vezes fazendo comparações entre plataformas: “Pq as playlists do Spotify não usam o algoritmo do YouTube? O YouTube já sabe meu gosto musical, não preciso ficar procurando playlist, ele monta sozinho se eu ter que ficar pegando na mão dele e ensinando y.y”.

Para muitos ouvintes, as plataformas de streaming musical funcionam como uma ferramenta de pesquisa e descoberta personalizada. Por meio da modelagem matemática dos gostos, envolvendo a mineração contínua de dados e técnicas de produção de perfis (Bruno, 2013BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.), as mesmas inovações tecnológicas que multiplicam nossas opções personalizadas agem sobre as práticas de consumo dos ouvintes. Um exemplo que ilustra essa questão é do usuário que diz: “Estou em uma transição de Apple Music para Spotify e já comecei a educar o algoritmo do streaming vizinho. Já faz 2 horas que estou escutando Taylor Swift”.

Uma vez subjetivados pela lógica da predição desses sistemas, percebemos que novas formas de agir e orientar os comportamentos passam a existir no âmbito do consumo musical e das performances de gosto. Identificamos uma aceitação da lógica de que nossos comportamentos vão influenciar aquilo que vamos consumir num futuro imediato, passando a conceber essa relação como um substrato da produção dos gostos nas diferentes plataformas e em seus sistemas de recomendação.

Performances de um gosto ensinado

Ao entendermos os algoritmos como cultura e como “objetos instáveis” (Seaver, 2017SEAVER, Nick. Algorithms as culture: Some tactics for the ethnography of algorithmic systems. Big data & society, v. 4, n. 2, 2017.), buscamos atentar para as complexas relações identitárias que se dão entre as plataformas de streaming musical e seus ouvintes. Neste processo, assumimos que: a) tais ouvintes detêm algum conhecimento sobre o funcionamento dos sistemas algorítmicos e não são meras “vítimas” de seu poder (conforme argumentam também Araujo e Magalhães, 2018ARAUJO, Willian Fernandes; MAGALHÃES, João Carlos. Eu, eu mesmo e o algoritmo: como usuários do Twitter falam sobre o “algoritmo” para performar a si mesmos. In: Anais do 27° Encontro Anual da Compós. 2018. p. 1-22.); e b) eles entendem que haveria acertos e erros dos sistemas quanto às recomendações feitas. Desse modo, a noção de acerto estaria ligada a uma manutenção de um ideal de “coerência expressiva”13 13 Pereira de Sá e Polivanov se apropriam do termo usado por Goffman, e o atualizam, para se referirem ao “processo, intensamente complexo, precário, inacabado, de ajuste da ‘imagem’ própria aos significados que se quer expressar para o outro, e que é muito fortemente ancorado na utilização de bens culturais-midiáticos, tais como letras de músicas, filmes, clipes, etc., utilizados a partir da avaliação pelos atores de sua adequação ao que querem expressar, traduzir, apresentar e comunicar nos sites [de redes sociais]. Processo que se dá em tensão, sujeito a ruídos, uma vez que sempre atravessado pela relação com os outros atores da rede sócio-técnica na qual o usuário se insere” (Pereira de Sá e Polivanov, 2012, p. 581). (Goffman, 2009GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2009.) que os atores sociais buscam construir, enquanto a de erro seria como uma falha do algoritmo por indicar algo não coerente com suas narrativas de si, gerando uma ruptura em sua performance14 14 A noção de “ruptura de performance” tem sido proposta por Polivanov e Carrera (2019) para refletir sobre momentos em que são percebidas expressões dos sujeitos tidas como não coerentes com suas narrativas de si, gerando rupturas performáticas causadas por agentes humanos e/ou não-humanos. .

Observamos, em trabalhos como os de Araujo e Magalhães (2018)ARAUJO, Willian Fernandes; MAGALHÃES, João Carlos. Eu, eu mesmo e o algoritmo: como usuários do Twitter falam sobre o “algoritmo” para performar a si mesmos. In: Anais do 27° Encontro Anual da Compós. 2018. p. 1-22., Moreira (2022)MOREIRA, Alékis Carvalho. “GOSTO (NÃO) SE DISCUTE”: Perspectivas humano-algorítmicas a partir do Spotify e da “Descobertas da Semana” [dissertação]. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, 2022., Pereira de Sá e Luccas (2022)Pereira de Sá, Simone; LUCCAS, Régis. What the f*ck, Spotify? Rupturas na performance de gosto e atividade algorítmica na Retrospectiva 2019. Revista Contemporânea, v. 20, n. 1, 2022. e desta pesquisa, que uma série de sujeitos optam por usar seus perfis em plataformas de redes sociais como o Twitter/X para contestar, corroborar ou comentar as escolhas feitas pelos algoritmos de recomendação musical. Constroem, assim, uma narrativa de si que deseja ser visível e que dialoga diretamente com o gosto musical identificado pelas plataformas, utilizando-se da

[...] dimensão verbal do Twitter para expressão das afetações (identificadas como raiva, insatisfação e deboche), como forma de reafirmar a autenticidade de suas preferências (colocada em questão pelo algoritmo da plataforma), ou de afirmar que não querem ser relacionados com os artistas e gêneros supostamente ouvidos

(Pereira de Sá e Luccas, 2022Pereira de Sá, Simone; LUCCAS, Régis. What the f*ck, Spotify? Rupturas na performance de gosto e atividade algorítmica na Retrospectiva 2019. Revista Contemporânea, v. 20, n. 1, 2022., p. 66).

Trabalhos como os de Amaral (2014)AMARAL, Adriana. Manifestações da performatização do gosto nos sites de redes sociais: uma proposta pelo olhar da cultura pop. Revista ECO-Pós, v. 17, n. 3, 2014. e Pereira de Sá (2016)Pereira de Sá, Simone. Somos Todos Fãs e Haters? Cultura Pop, afetos e performance de gosto nos sites de redes sociais. Revista Eco-Pós (Online), v. 19, 2016. têm produzido uma rica discussão sobre como a noção do gosto enquanto performance, tal como defendida por Antoine Hennion (2011)HENNION, Antoine. Pragmática do gosto. Desigualdade & Diversidade – Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, Rio de Janeiro, n. 8, p. 253-277, 2011., pode ser apropriada para se analisar expressões de gosto musical em plataformas de redes sociais. Atentando para as dimensões materiais da pragmática do gosto, o autor elenca uma série de “elementos heterogêneos” (idem, 2011, p. 262) que se vinculam15 15 O termo não é dado, uma vez que Hennion propõe uma “teoria das vinculações” ou “ligações”, a depender da tradução. nas múltiplas relações que fazem parte das performances de gosto, como os fãs/amadores e seus corpos, objetos degustados e o que chama de “dispositivos do gosto”, incluindo as ferramentas, circunstâncias temporais-espaciais e regras envolvidas no processo de “degustação”.

Amaral (2014)AMARAL, Adriana. Manifestações da performatização do gosto nos sites de redes sociais: uma proposta pelo olhar da cultura pop. Revista ECO-Pós, v. 17, n. 3, 2014. e Pereira de Sá (2016)Pereira de Sá, Simone. Somos Todos Fãs e Haters? Cultura Pop, afetos e performance de gosto nos sites de redes sociais. Revista Eco-Pós (Online), v. 19, 2016. atualizam as contribuições de Hennion ao refletirem sobre as dinâmicas da performance de gosto em um contexto de mediação das plataformas de redes sociais, como o Twitter/X e Facebook, que trazem novas camadas de visibilidade para as expressões de si dos ouvintes, fãs (e haters), suas disputas simbólicas e práticas ativistas. Nossa proposição aqui, contudo, é olhar para uma dimensão dessa performance de gosto que emerge de modo mais específico recentemente: os discursos dos sujeitos que visam educar as plataformas musicais, configurando o que podemos chamar de uma performance de gosto ensinado. Entendemos que o gosto é construído na vinculação com tais sistemas, em diálogo estreito com a ideia de “mediação algorítmica do gosto”, como discutem Pereira de Sá e Luccas (2022)Pereira de Sá, Simone; LUCCAS, Régis. What the f*ck, Spotify? Rupturas na performance de gosto e atividade algorítmica na Retrospectiva 2019. Revista Contemporânea, v. 20, n. 1, 2022., mas focamos particularmente na dimensão de ensino-aprendizagem entre ouvintes e algoritmos.

Compartilhamos com os autores os mesmos pressupostos e perspectivas teóricas e empíricas, destacando o entendimento de que podemos pensar contemporaneamente em “identidades algoritmizadas” ou mesmo em “selves algorítmicos” (Cheney-Lippold, 2017CHENEY-LIPPOLD, John. We Are Data: Algorithms and the Making of Our Digital Selves. New York: New York University Press, 2017.), tendo em vista que na cultura digital somos lidos enquanto dados que geramos na interação com as múltiplas e ubíquas plataformas que utilizamos cotidianamente. O que nos interessa em particular nesse fenômeno é o processo de educabilidade por meio dos algoritmos, que apontamos como uma prática emergente que visa reforçar experiências de escuta musical sentidas como personalizadas e adequadamente previstas16 16 Vale destacar que certamente há outras apropriações possíveis das plataformas, como as de ouvintes que desejam ser surpreendidos pelas recomendações e/ou que desconhecem por completo seu funcionamento, e ainda a linha tênue entre reforçar gostos já conhecidos pelos sujeitos e quererem conhecer artistas/gêneros novos. .

Com base nos tweets/xs coletados, percebemos que um conjunto deles valida as escolhas de músicas sugeridas pelas plataformas, reforçando uma noção de “coerência expressiva” que o sujeito constrói para si. Mas tal acerto não se dá (somente) pela eficiência dos algoritmos em sua dinâmica de predição/personalização, mas pelo contínuo processo de ensino/treinamento que o próprio ouvinte acredita estar fazendo sobre as plataformas, como mostra este tweet/x: “sinto que eduquei muito bem o algoritmo do spotify pra me mostrar coisas novas quando ele manda uma coletânea de soul do cambodia”. Neste caso, o ouvinte relata não apenas seu êxito no processo de educar o algoritmo do Spotify, como também demonstra um tom de sofisticação e/ou refinamento em seu peculiar gosto musical.

Outro tweet/x — “amo que consegui educar o algoritmo do spotify direitinho e ele vive me recomendando umas coisas malucas tipo essa banda impronunciável de post-punk polonês” — também traz a ideia de um adestramento do algoritmo e reforça um caráter de peculiaridade em seu gosto, afeito a artistas pouco conhecidos. Ressaltamos que em ambos há uma marca discursivo-simbólica de distinção (Bourdieu, 2017BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. rev. 4. reimpr. Porto Alegre, RS: Zouk, 2017.) não somente por querer demonstrar para a rede um gosto musical arrojado, incomum, mas também conhecimento sobre a forma como o sistema opera (ideia de educar direitinho). Nesse sentido, o agenciamento humano pensa se sobrepor à máquina, que deve entregar, de forma quase que subserviente, os conteúdos desejados.

Encontramos também tweets/xs que contestam as escolhas feitas pelos algoritmos, como este: “queria ensinar ao algoritmo do spotify que eu só sou roqueiro puxando ferro, não precisa misturar Megadeth em todas as minhas playlists de pop, eu continuo sendo apenas um viadinho”. Nesse caso, dois elementos chamam a atenção na fala do ouvinte: a forma como ele se autoidentifica como “viadinho”, atrelando sua identidade queer à música pop, e a ideia de que certos gêneros musicais — no caso, o rock — são sentidos como mais adequados a certas atividades cotidianas, como fazer exercícios físicos (“puxar ferro”). Como argumenta De Nora, “a música pode servir, por exemplo, como modelo de self, um recurso para articular e estabilizar a autoidentidade” (2004, p. 158, tradução nossa), o que nos parece ser a ligação feita entre a identidade queer e a música pop, e como uma “tecnologia prostética do corpo, aumentando e estendendo as capacidades corporais” (De NoraDE NORA, Tia. Music in Everyday Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2004., p. 159-160, tradução nossa) na realização de atividades físicas.

A postagem denota que o algoritmo tem dificuldade em dar conta das múltiplas apropriações que fazemos da música, bem como das mudanças emocionais-afetivas pelas quais passamos, como mostra outro tweet/x: “Quando a gente melhora da depressão e precisa ouvir músicas diferentes para educar o algoritmo do Spotify a parar de te indicar músicas melancólicas…”. As plataformas não seriam capazes, assim, de lidar com os complexos e cambiantes processos de subjetivação humana.

Destacamos, abaixo, um conjunto de outros três tweets/xs que questionam “como explicar” para os algoritmos nuances e especificidades dos seus gostos musicais:

  • “Como explicar pro algoritmo do Spotify pra ele parar de me recomendar grupos de kpop pq eu só quero ouvir stray kids e mais nada?”;

  • “Como explicar pro meu algoritmo do Spotify q hj foi um surto e ele não me recomendar mais musicas sertanejas?”;

  • “Fui buscar Kylie Minogue no Spotify quando digitei ky- pulou uma notificação oferecendo notícias da Ucrânia como explicar pro algoritmo que eu só quero ser bicha em paz e não tava procurando Kyiv???”

O primeiro aponta para ouvintes que afirmam gostar de determinados artistas, mas não os gêneros musicais nos quais se enquadrariam. O segundo remete a um “surto”, um momento específico na vida do/a ouvinte em que teria ouvido certo gênero musical, mas teria passado, denotando uma performance de gosto que o/a afasta de um gênero que pode ser tido como popular e não rebuscado17 17 O trabalho de Pereira de Sá e Luccas (2022) também aponta a música sertaneja como um gênero discursivamente refutado/criticado nas postagens sobre as recomendações. . O terceiro tweet/x traz, por meio de uma questão técnica — de digitação de palavras no Spotify —, a visibilidade de uma marca identitária queer. Todos trazem a tentativa de diálogo com os algoritmos, de explicar para eles particularidades de seu consumo musical, que a máquina parece não dar conta.

Por fim, chamou nossa atenção um tweet/x que diz: “eu fico tentando educar o algoritmo do youtube music para entender o que realmente gosto”. Neste, não cabe apenas uma perspectiva de erro ou acerto. O ouvinte demonstra uma constituição mesmo de seu gosto junto com o algoritmo do YouTube, em uma ideia de que ambos operam conjuntamente e que, por meio de sua relação simbiótica com a plataforma, poderia se autocompreender melhor. Traz, assim, outra dimensão para o processo de predição e personalização, que vai além do sistema tentar prever canções que agradariam àquele sujeito em particular, mas visa ajudá-lo a entender melhor seu próprio self.

Considerações Finais

Nossos resultados apontam para novos hábitos de consumo reconfigurados por meio da inserção de uma lógica performativo-preditiva (Bruno, 2013BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.) dos sistemas algorítmicos de recomendação em relação direta com a personalização das entregas nas plataformas de streaming de música. De certo modo, soa por vezes irônico que isso seja destacado pela perspectiva do educar, uma vez que coloca a educação em dois sentidos: como as ações pragmáticas para conformar o comportamento dos sistemas de recomendação, e, ao mesmo tempo, a própria subjetivação por meio da lógica de progressiva produção de dados para qualificar recomendações. Trata-se da construção e performatização de si que efetivamente demanda trabalho, no sentido de algo a ser ensinado ao algoritmo. Com isso, percebemos uma aceitação, ou naturalização, por parte dos ouvintes de uma lógica de escuta datificada.

Buscamos neste artigo contribuir e dialogar com uma produção recente que tem se debruçado sobre a questão do que os usuários têm a dizer sobre suas relações com sistemas algorítmicos de recomendação (Araujo e Magalhães, 2018ARAUJO, Willian Fernandes; MAGALHÃES, João Carlos. Eu, eu mesmo e o algoritmo: como usuários do Twitter falam sobre o “algoritmo” para performar a si mesmos. In: Anais do 27° Encontro Anual da Compós. 2018. p. 1-22.; Pereira de Sá e Luccas, 2022; Moreira, 2022MOREIRA, Alékis Carvalho. “GOSTO (NÃO) SE DISCUTE”: Perspectivas humano-algorítmicas a partir do Spotify e da “Descobertas da Semana” [dissertação]. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, 2022.). Essas pesquisas apontam para o que propõe Leonardo de Marchi (2023, p. 100) em livro recente, ao afirmar que:

A principal contribuição desse tipo de pesquisa não reside tanto em avaliar se os indivíduos seguem ou não as recomendações dos SR dos serviços de streaming ou se tais recomendações apresentam um alto ou baixo nível de acerto em suas escolhas, quanto no fato de revelar que, justamente pelas controvérsias criadas, há a aceitação da própria recomendação automática como um legítimo intermediário da formação do gosto dos usuários.

Assim como em nosso estudo, o autor identifica que “[a]o longo da interação com o sistema, o humano adota a lógica algorítmica para dar forma ao seu gosto por música” (De Marchi, 2023DE MARCHI, Leonardo. A indústria fonográfica digital: formação, lógica e tendências. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2023. v. 1. 160p ., p. 101), e conclui pontuando que esse seria “um gesto decisivo para a cultura contemporânea” (idem, p. 100).

Nos últimos dez anos, a chamada “indústria fonográfica digital” (De Marchi, 2023DE MARCHI, Leonardo. A indústria fonográfica digital: formação, lógica e tendências. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2023. v. 1. 160p .) consolidou-se estruturando uma espécie de naturalização da atuação ativa dos ouvintes em seus processos de entregas personalizadas. Práticas como as que foram mapeadas aqui indicam a reafirmação da coleta intensiva de dados por meio da qual o modelo de negócio vem se conformando. Nesse sentido, nossa hipótese se confirma com a demonstração da naturalização de lógicas algorítmicas enquanto elemento cultural que os ouvintes incorporam em suas práticas para a construção do próprio gosto.

Por fim, destacamos que as narrativas dos sujeitos também são atravessadas pelas materialidades e discursos das próprias plataformas que trazem valores específicos de eficiência, relevância e engajamento da atenção. Como apontamentos para futuras pesquisas, sugerimos compreender se (e como) as plataformas incentivam essa educabilidade. Indicamos também uma análise de que outros sentidos podem emergir dessas práticas por meio de uma abordagem qualitativa em entrevistas realizadas nos perfis identificados.

  • 1
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada em 2023 no Grupo de Pesquisa em Estudos de Som e Música do 32° Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós).
  • 2
    Agradecemos ao apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil, processo 407697/2023-3, bem como da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/010.002269/2019, para realização desta pesquisa.
  • 3
    Disponível em: https://netlytic.org. Acesso em: 23 set. 2023.
  • 4
    Para a coleta, escolhemos as cinco principais plataformas de streaming de música em número de ouvintes assinantes. Desconsideramos as plataformas chinesas (Tencent Music e NetEase) e a russa Yandex, já que não atuam no Brasil. Disponível em: https://www.midiaresearch.com/blog/music-subscriber-market-shares-2022. Acesso em: 23 set. 2023.
  • 5
    O protocolo de coleta, limpeza e classificação está disponível em: https://docs.google.com/document/d/1fLPaLJcREhaIsAEa9KVmqJiDsaAVxhZQmBzpUz-44tw/edit.
  • 6
    A maior parte dos 1.049 tweets/xs que foram desconsiderados nesta etapa da pesquisa eram ataques/críticas à cantora Anitta quanto à sua suposta “manipulação dos algoritmos do Spotify” para fazer a música “Envolver” alcançar o Top 1 do Spotify em 25 de março de 2021, tal como exemplifica este tweet/x: “A ‘intelectual orgânica’ da esquerda compartilhou o twitt em que era ensinado a seus fãs como fraudar o algoritmo do Spotify para fazer com que ela fosse levada as primeiras posições”. Outros desconsiderados foram tweets/xs repetidos ou que traziam sentido distinto ao verbo educar, ligado a modos de boas maneiras, que foge ao escopo deste artigo.
  • 7
    Application Programming Interface. O acesso à API gratuita do Twitter/X foi definitivamente descontinuado em julho de 2023.
  • 8
    Entendemos que o discurso jamais é neutro, sendo sempre impregnado de visões de mundo e podendo abarcar múltiplos sentidos. Não obstante, optamos por olhar para os dados por meio de tal enquadramento quando não era possível identificarmos uma valoração nem positiva nem negativa no tweet/x, somente uma menção.
  • 9
  • 10
    Mantivemos a grafia original dos tweets/xs.
  • 11
    Embora não seja nosso foco aqui, a forma como se estrutura a “indústria fonográfica digital” (De Marchi, 2023DE MARCHI, Leonardo. A indústria fonográfica digital: formação, lógica e tendências. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2023. v. 1. 160p .) precisa ser pensada quanto aos níveis de diversidade envolvendo as entregas ditas personalizadas. A perspectiva da diversidade é um dos pontos críticos identificados em pesquisas relacionadas a vieses nos sistemas de recomendação dessas plataformas (Hesmondhalgh et al., 2023HESMONDHALGH, David; VALVERDE, Raquel Campos; KAYE, D. Bondy. Valdovinos; LI, Zhongwei. The impact of algorithmically driven recommendation systems on music consumption and production – a literature review. GOV.UK, 2023.; Internetlab, 2023INTERNETLAB. Algo_Ritmos. InternetLab, 2023. Disponível em: <https://algoritmos.internetlab.org.br/>. Acesso em: 27 ago. 2023.
    https://algoritmos.internetlab.org.br/...
    ).
  • 12
    De acordo com Rose Marie Santini, essas são as principais técnicas associadas aos sistemas de recomendação: “1. Recomendações baseadas em conteúdo: sistemas que recomendam itens similares aos que o mesmo usuário demonstrou preferência no passado; 2. Recomendações [ou Filtragem] Colaborativas: sistemas que recomendam ao usuário itens avaliados no passado por pessoas com gostos e preferências similares; 3. Abordagem híbrida: sistemas que combinam o método colaborativo com o método baseado em conteúdo” (Santini, 2020SANTINI, Rose Marie. O Algoritmo do Gosto: os sistemas de recomendação online e seus impactos no mercado cultural. v. 1. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020., p. 114). Atualmente, a maioria dos sistemas utiliza a abordagem híbrida.
  • 13
    Pereira de Sá e Polivanov se apropriam do termo usado por Goffman, e o atualizam, para se referirem ao “processo, intensamente complexo, precário, inacabado, de ajuste da ‘imagem’ própria aos significados que se quer expressar para o outro, e que é muito fortemente ancorado na utilização de bens culturais-midiáticos, tais como letras de músicas, filmes, clipes, etc., utilizados a partir da avaliação pelos atores de sua adequação ao que querem expressar, traduzir, apresentar e comunicar nos sites [de redes sociais]. Processo que se dá em tensão, sujeito a ruídos, uma vez que sempre atravessado pela relação com os outros atores da rede sócio-técnica na qual o usuário se insere” (Pereira de Sá e Polivanov, 2012Pereira de Sá, Simone; POLIVANOV, Beatriz. Auto-reflexividade, coerência expressiva e performance como categorias para análise dos sites de redes sociais. Contemporânea – Revista de Comunicação e Cultura, Salvador, v. 10, n. 3, p. 574-596, 2012., p. 581).
  • 14
    A noção de “ruptura de performance” tem sido proposta por Polivanov e Carrera (2019)POLIVANOV, Beatriz; CARRERA, Fernanda. Rupturas performáticas em sites de redes sociais: um olhar sobre fissuras no processo de apresentação de si a partir de e para além de Goffman. Revista Intexto, n. 44, 2019. para refletir sobre momentos em que são percebidas expressões dos sujeitos tidas como não coerentes com suas narrativas de si, gerando rupturas performáticas causadas por agentes humanos e/ou não-humanos.
  • 15
    O termo não é dado, uma vez que Hennion propõe uma “teoria das vinculações” ou “ligações”, a depender da tradução.
  • 16
    Vale destacar que certamente há outras apropriações possíveis das plataformas, como as de ouvintes que desejam ser surpreendidos pelas recomendações e/ou que desconhecem por completo seu funcionamento, e ainda a linha tênue entre reforçar gostos já conhecidos pelos sujeitos e quererem conhecer artistas/gêneros novos.
  • 17
    O trabalho de Pereira de Sá e Luccas (2022)Pereira de Sá, Simone; LUCCAS, Régis. What the f*ck, Spotify? Rupturas na performance de gosto e atividade algorítmica na Retrospectiva 2019. Revista Contemporânea, v. 20, n. 1, 2022. também aponta a música sertaneja como um gênero discursivamente refutado/criticado nas postagens sobre as recomendações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2023
  • Aceito
    07 Nov 2023
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