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Métodos mistos para a antropologia digital: um relato de experiência sobre a análise de grupos bolsonaristas na plataforma Telegram

Mixed methods for digital anthropology: a report on the analysis of Bolsonarist groups on the Telegram platform

Resumo

Diante da plataformização de tantas formas de interação social, a antropologia digital tem lidado com novos desafios ético-metodológicos. Neste artigo, exploramos como o aprendizado e o uso de métodos mistos (quanti-quali) podem contribuir para o fazer antropológico no estudo de sistemas complexos como as plataformas digitais. Trazemos neste artigo um estudo de caso no qual demonstramos como pudemos observar as mensagens mais compartilhadas entre os usuários de mais de 200 grupos de extrema direita presentes no Telegram no dia 8 de janeiro de 2023. Baseados na experiência de testes e aplicações de novas metodologias multidisciplinares que relacionam as ciências da tecnologia da informação e a antropologia social, buscamos realizar análises amostrais do evento político ocorrido em Brasília. Assim, refletimos sobre as implicações éticas desses novos métodos e concluímos reforçando a importância do aprimoramento e a necessidade de revisões éticas que permitam o uso de métodos mistos no fazer da antropologia digital.

Palavras-chave:
antropologia digital; métodos mistos; Telegram; extrema direita

Abstract

Given the platformization of so many forms of social interaction, digital anthropology faces new ethical and methodological challenges. In this article, we explore how learning and the use of mixed methods (quanti-quali) can contribute to anthropological work in the study of complex systems such as digital platforms. In this article, we present a case study of how we observed the most shared messages among users of more than 200 extreme far-right groups on Telegram on January 8, 2023. Based on the experience of testing and applying new multidisciplinary methods that combine computer science and social anthropology, we sought to conduct exemplary analyzes of the political event that took place in Brasilia. We reflect on the ethical implications of these new methods and conclude by emphasizing the importance of improvements and the need for ethical revisions enabling the use of mixed methods in digital anthropology.

Keywords:
digital anthropology; mixed methods; Telegram; far-right

Introdução1 1 Agradecemos ao InternetLab e ao CNPq pelo apoio crucial ao desenvolvimento deste estudo. Finalmente, agradecemos a todas as colegas integrantes do LABHD-UFBA e dos cursos de graduação e pós-graduação da UFSC que atuaram enquanto bolsistas e/ou voluntárias ao longo dos últimos dois anos de construção desta pesquisa.

O século XXI trouxe grandes mudanças nas formas de sociabilidade humana, sobretudo pela ampliação da presença e intermediação das tecnologias digitais de informação e comunicação. De forma crescente, as ferramentas digitais tornaram-se elemento importante das interações cotidianas. A antropologia, enquanto campo de estudos, não deixou de olhar para esses fenômenos (Horst; Miller, 2012HORST, H. A.; MILLER, D. Digital anthropology. [S. l.]: Bloomsbury Academic, 2012.) - e de indagar sobre a emergência das novas formas de subjetividade, corporeidade ou das novas práticas dos indivíduos - fosse pelo prisma dos estudos da cibercultura (Lévy, 2003LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.; Segata; Rifiotis, 2016SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (org.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília: Aba Publicações, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.portal.abant.org.br/publicacoes2/livros/Pol%C3%ADticas_Etnogr%C3%A1ficas_no_Campo_da_Cibercultura.pdf . Acesso em: 23 jan. 2024.
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) ou dos estudos de mídia (Boyd, 2010BOYD, D. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In: PAPACHARISSI, Z. (ed.). Networked self: identity, community, and culture on social network sites. New York: Routledge, 2010. p. 39-58.).

A ampliação do acesso aos aparelhos telefônicos do tipo smartphone (a partir da década de 2010), o surgimento de novas plataformas digitais, o alargamento da produção de dados e a intervenção algorítmica sobre os conteúdos que produzimos e consumimos revelou o digital enquanto um sistema complexo a ser estudado (Nascimento, 2020NASCIMENTO, L. F. Sociologia digital: uma breve introdução. Salvador: EDUFBA, 2020.). Além da quantidade massiva de dados e informação com a qual precisamos, enquanto pesquisadores, aprender a lidar, vemos também a temporalidade das nossas pesquisas e análises ser modificada. Nos deparamos com esse cenário ao nos debruçarmos sobre a rápida ascensão de grupos políticos de extrema direita, por exemplo, em plataformas digitais como o aplicativo de mensagens Telegram. Diante disso, nos confrontamos com a necessidade de buscar novas ferramentas de pesquisa e de trabalhar com abordagens teórico-metodológicas de caráter sistêmico-cibernético (Cesarino, 2022CESARINO, L. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022.).

Neste artigo, vamos explorar como o aprendizado e o uso de métodos mistos e de ferramentas computacionais estão sendo experimentados na prática da antropologia, com base na experiência de um projeto de pesquisa transdisciplinar no campo das humanidades digitais.2 2 O projeto “Ecossistema de desinformação e propaganda computacional no aplicativo Telegram: uma abordagem híbrida” é coordenado pelos professores Leonardo Nascimento e Paulo Fonseca, do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD-UFBA), e pela professora Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ao longo de três anos, ele contou com mais de 20 pesquisadoras e pesquisadores, cujas áreas de formação variam desde a antropologia e sociologia digitais até as engenharias e ciências de dados. Desde 2021, o grupo atua no desenvolvimento de metodologias mistas e ferramentas digitais para explorar novas possibilidades de pesquisa de grupos de extrema direita através de métodos mistos. A realização da pesquisa foi possível graças aos financiamentos do InternetLab e do CNPq. Nos interessa problematizar de que maneira o campo da antropologia digital pode aplicar outros métodos de produção de conhecimento antropológico para além da etnografia, como propõe Cesarino (2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021.). Por fim, discutimos de que maneira as novas tecnologias e metodologias proporcionam mudanças no debate ético da disciplina.

Contextualização

A ampla digitalização e dataficação que vem ocorrendo em todos os âmbitos das relações sociais se estendeu, também, ao campo político. A plataformização da vida influenciou de forma inédita a formação de opiniões e tomada de decisões durante a eleição presidencial de 2018 no Brasil (Cesarino, 2019bCESARINO, L. On digital populism in Brazil. Polar: political and legal anthropology review, [s. l.], 15 Apr. 2019b. Disponível em: Disponível em: https://polarjournal.org/2019/04/15/on-jair-bolsonaros-digital-populism/ . Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Esse é um dos cenários que demonstra a urgência de entender melhor as interações entre usuários dentro de plataformas digitais e o reflexo de tais relações nas conjunturas sociais.

Ao longo dos últimos anos, pudemos observar no Brasil, assim como em outros países, uma forte mobilização de pessoas vinculadas ao pensamento da extrema direita nas novas plataformas digitais. No caso do Brasil, as principais plataformas utilizadas foram o WhatsApp (pertencente ao conglomerado Meta) e o Telegram. Além da adoção de tais plataformas por parte dos usuários, também pudemos observar o uso estratégico de canais digitais pelas próprias figuras políticas. Neste último caso, o uso de plataformas por representantes governamentais teve como intuito representar uma forma de comunicação direta com a população (Nascimento et al., 2021NASCIMENTO, L. F. et al. Poder oracular e ecossistemas digitais de comunicação. Fronteiras: estudos midiáticos, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 190-206, maio/ago. 2021. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.4013/fem.2021.232.13 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Longe de ser um cenário político coeso, as redes sociais tornaram-se um ambiente de contínua produção de informações, reverberando em caos informacional e fake news (Viscardi, 2020VISCARDI, J. M. Fake news, verdade e mentira sob a ótica de Jair Bolsonaro no Twitter. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 59, n. 2, p. 1134-1157, maio/ago. 2020. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/01031813715891620200520 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Tal caos informacional agravou-se, especialmente, durante os anos de pandemia de Covid-19, quando se ampliou o número de grupos negacionistas e antivacina que tinham como “ponto de encontro” as plataformas digitais. Com o intuito de minimizar a viralização de fake news, plataformas mainstream, sob a responsabilidade dos conglomerados Meta (Facebook), Alphabet (Google) e Twitter (até então ainda gerido por Jack Dorsey), passaram a adotar políticas de restrição e exclusão de conteúdos classificados como inverídicos sobre temas críticos feito a pandemia de Covid-19. Tal aumento da “fiscalização” de conteúdos sensíveis3 3 A busca por aplicativos de mensageria do tipo Telegram também vêm aumentando desde 2021, quando o WhatsApp informou que vinha compartilhando dados com o Facebook para fins - supostamente - publicitários (Feitosa Jr., 2021). nas plataformas mainstream ampliou, em certa medida, a busca por plataformas “below the radar” (Abidin, 2021ABIDIN, C. From “networked publics” to “refracted publics”: a companion framework for researching “below the radar” studies. Social Media + Society, [s. l.], v. 7, n. 1, 2021.) especialmente por aqueles que faziam/fazem parte de grupos negacionistas a respeito da pandemia de Covid-19.4 4 Representando uma postura negacionista diante da pandemia, grupos de extrema direita de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro representaram grande parte do crescimento dentro de plataformas menos reguladas ao longo dos anos de 2020 a 2022.

Entre as plataformas consideradas “below the radar” encontra-se a plataforma de comunicação Telegram. O serviço de encriptamento de mensagens entre usuários e servidores faz do Telegram uma plataforma propícia para a transmissão de conteúdos preferencialmente não identificáveis, dificultando a fiscalização de conteúdos nocivos. Além disso, a plataforma de mensagens Telegram permite a formação de diferentes tipos de grupos e canais5 5 Grupos de Telegram permitem a construção de uma única conversa entre os participantes, que podem enviar mensagens de textos, fotos, vídeos e links. Assim, tecnicamente, qualquer usuário pode, em princípio, conversar sem restrições. Cada grupo pode ter até 200 mil membros. Já os canais funcionam como listas de transmissão de conteúdo e têm como intuito a comunicação com públicos mais amplos. Nesse caso, apenas os administradores de um canal podem fazer publicações. O número de inscritos em um canal é ilimitado. com número ilimitado de participantes. Tanto nos grupos como nos canais é possível realizar o compartilhamento de mensagens de texto, áudio, vídeo e links. Essas características, somadas às diferentes possibilidades de formato de mídia a serem compartilhadas, fazem do Telegram um ecossistema robusto e complexo no que tange ao volume de dados gerados em tempo real.

Além disso, no que tange à relação entre o Telegram e grupos extremistas, a plataforma pode ser compreendida em termos das affordances (Nascimento et al., 2021NASCIMENTO, L. F. et al. Poder oracular e ecossistemas digitais de comunicação. Fronteiras: estudos midiáticos, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 190-206, maio/ago. 2021. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.4013/fem.2021.232.13 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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; Semenzin; Bainotti, 2020SEMENZIN, S.; BAINOTTI, L. The use of Telegram for non-consensual dissemination of intimate images: gendered affordances and the construction of masculinities. Social Media + Society, [s. l.], v. 6, n. 4, Oct. 2020.) que ela propicia para determinados tipos de pautas e modus operandi da extrema direita, bem como para a formação de grupos políticos conspiracionistas e/ou hackers.

Assim, perante uma plataforma complexa como o Telegram, com centenas de grupos e canais de extrema direita e milhares de integrantes em cada grupo trocando mensagens de forma assídua e contínua, nos questionamos: como fazer pesquisa antropológica diante de uma grande quantidade de dados, em diferentes formatos, e todos eles produzidos em alta velocidade? É diante desse desafio que nos propomos a realizar pesquisa antropológica fazendo uso de métodos mistos para poder tratar e analisar dados qualitativos de forma robusta e abarcar da melhor forma possível a urgência da temática apresentada.

Foi diante de tal desafio que a equipe do projeto “Ecossistema de desinformação e propaganda computacional no aplicativo Telegram: uma abordagem híbrida” passou a ser construída. Inicialmente, um dos coordenadores da pesquisa se dedicou a mapear e a acessar os grupos e canais abertos6 6 Grupos e canais abertos são chats de livre acesso, os quais podem ser acessados por quaisquer pessoas com o link de convite ou o nome do grupo. Além disso, não é preciso ser membro de um grupo aberto de Telegram para ler o conteúdo das suas mensagens, que costumam ser visíveis desde a data de criação do grupo - a menos que os criadores do grupo decidam instalar um chatbot responsável pelo apagamento das mensagens após 24 horas da sua publicação. Em geral, grupos abertos são muito mais numerosos em termos de usuários. Já os grupos fechados são moderados pelos administradores do grupo, não são facilmente encontrados na plataforma do Telegram e não têm suas mensagens abertas a usuários não inscritos. de extrema direita no Telegram. Tal acesso foi realizado de forma protegida, através de ferramentas computacionais construídas na pesquisa. A seleção dos grupos analisados aconteceu, principalmente, no período em que houve uma grande migração de grupos da extrema direita para o Telegram, sobretudo no primeiro semestre de 2021 após o lançamento do canal do ex-presidente Jair Bolsonaro na plataforma. Nesse momento, foram divulgados múltiplos links para grupos e canais de forma aberta. Alguns desses links também foram coletados em outras redes sociais tais como Twitter, Facebook e Instagram.

Desde o acesso aos grupos pesquisados e o início das nossas investigações, deparamo-nos com novos aspectos éticos a serem discutidos. Afinal, como Salganik (2018)SALGANIK, M. Bit by bit: social research in the digital age. Princeton: Princeton University Press, 2018. aponta, a pesquisa social na era digital levanta novos tópicos e aponta para a necessidade da renovação de alguns parâmetros éticos. No caso da nossa pesquisa, nos deparamos com as problemáticas do anonimato dos pesquisadores no processo de coleta de dados, com o fato de os grupos de extrema direita estudados serem compreendidos como não vulneráveis, e com a escolha de acessar ou não determinados grupos.

Para a coleta de dados, era necessário possuir um perfil inscrito dos grupos e canais analisados. Desse modo, o perfil do Telegram utilizado assumiu o comportamento de “lurker”, ou seja, não ocorreu nenhum tipo de interação e/ou produção de conteúdo. O termo, “espreitador” em inglês, indica usuários em chats da web que somente leem as mensagens, sem nenhum tipo de interação. Esse tipo de procedimento já ocorreu em investigações anteriores no campo da antropologia, por exemplo em mercados ilícitos online (Ferguson, 2017FERGUSON, R.-H. Offline ‘stranger’ and online lurker: methods for an ethnography of illicit transactions on the darknet. Qualitative Research, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 683-698, 2017. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1177/1468794117718894 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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) e com comunidades estigmatizadas (Barratt; Maddox, 2016BARRATT, M. J.; MADDOX, A. Active engagement with stigmatized communities through digital ethnography. Qualitative Research, [s. l.], v. 16, n. 6, p. 701-719, 2016. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/1468794116648766 . Acesso em: 23 jan. 2024.
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). O processo de observação dos grupos acompanhados, sem que os pesquisadores interagissem diretamente com os seus participantes, foi uma alternativa plausível e necessária para que pudéssemos realizar essa pesquisa, levando-se em consideração o cunho político-ideológico do tema abordado, bem como a urgência e potenciais riscos envolvidos.

Além disso, a coleta de dados foi realizada respeitando as normas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que permite a coleta de dados somente para fins de pesquisa, não identificando os usuários e os perfis digitais individuais nos grupos. Todo esse cuidado foi tomado com o intuito de não causar nenhum mal aos sujeitos pesquisados. Assim, em nenhum momento foram identificados nominalmente os usuários dos grupos estudados, a não ser pelo número de usuário atribuído pela própria plataforma. Isso significa que a equipe da pesquisa jamais teve acesso ao nome social dos participantes dos grupos, e nem mesmo a dados demográficos como idade, classe social, raça ou gênero. Dados pessoais, como número de telefone, também não foram coletados.

Essa “não identificação” sociológica dos usuários por meio de categorias como classe, raça ou gênero se deu também pelas próprias características de acesso e interação nos ambientes estudados, constituídos por grandes grupos públicos abertos a qualquer usuário que nele se inscreva. Ou seja, o apagamento de tais informações é ele mesmo um dado etnográfico, pois ajudava a moldar as formas de interação e identificação dos usuários dentro dos grupos. Conforme Cesarino (2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021., p. 310), um dos efeitos da liminaridade proporcionada pelas plataformas digitais é a dissociação de diacríticos sociológicos empregados normalmente em relações offline:

Ambientes de sociabilidade digital como os grandes grupos públicos despiram os usuários desses diacríticos, propiciando (affording) a construção por contágio (Lempert 2014) de novas identidades antissistema, como a de “direita conservadora”. Essas identidades atravessavam domínios contextuais preexistentes (relações familiares, afinidades partidárias da “velha política” etc.) e irrompiam na forma das poderosas inversões antiestruturais como povo versus elite, análogas às elaboradas por Mary Douglas (2010) em sua teoria do tabu (Lurhmann 2016; Cesarino 2020a).

Além disso, tomamos cuidado também com a não identificação dos pesquisadores dentro da plataforma, compreendendo que estávamos trabalhando com sujeitos não vulneráveis (Nader, 2020NADER, L. Para cima, antropólogos: perspectivas ganhas em estudar os de cima. Antropolítica, Niterói, v. 1, n. 49, p. 328-356, maio/ago. 2020.). Isso não se deve a uma representação direta de alguma categoria socioeconômica, pois, como afirmado, não pudemos identificá-las. No entanto, os sujeitos dos grupos naquele momento estavam acolhidos e respaldados pela figura do então presidente e de parte do seu entorno militar, representando um poder político e ideológico vigente no país, pelo qual se sentiam autorizados a questionar o regime democrático no qual vivemos. Autoproclamando-se “povo” e “cidadãos de bem”, a gramática antagonística abraçada por esses públicos negava reconhecimento e direitos fundamentais àqueles que consideravam seus “inimigos”.

As diferenças fundamentais de posicionamento político entre os pesquisadores e os usuários estudados nos

levam a pensar o que Susan Harding (1991) chamou de “o outro repugnante”, já que a diferença não está necessariamente em marcadores sociais, mas no posicionamento político, o que faz com que a “empatia etnográfica se torne um desafio” (Cesarino, 2020). O conceito de “Outro Repugnante” é reinterpretado neste trabalho dentro da possibilidade de que, mesmo nos posicionando de forma divergente politicamente, não deixamos de considerar a relevância política que estes têm. (Scheren, 2023SCHEREN, M. L. Discursos pandêmicos: as interações discursivas sobre a Covid-19 dentro dos grupos bolsonaristas no Telegram. 2023. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Antropologia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2023., p. 36).

Finalmente, como Nader (2020NADER, L. Para cima, antropólogos: perspectivas ganhas em estudar os de cima. Antropolítica, Niterói, v. 1, n. 49, p. 328-356, maio/ago. 2020., p. 349) aponta, “ao reinventar a antropologia, qualquer discussão sobre ética deve considerar as dimensões público-privadas, bem como o componente doméstico-externo”. Assim, abordar os meandros entre o público e privado no espaço das plataformas adicionou outra camada de tensionamento necessário para que pudéssemos entender as possibilidades éticas da coleta de dados da pesquisa. Por isso, destacamos que, durante a nossa pesquisa, os coordenadores do projeto optaram por acessar apenas chats abertos de Telegram, ou seja, aqueles grupos que não requerem aprovação prévia de administradores para o usuário se tornar integrante e que têm o conteúdo de suas mensagens visível para todos que o acessarem. Assim, consideramos que as informações analisadas já se encontravam públicas e disponíveis.

Além das questões éticas mencionadas, desde o momento inicial desse estudo também nos deparamos com a dificuldade de acompanhar os inúmeros grupos e canais de forma manual, dada a quantidade massiva de mensagens trocadas diariamente. Diante das limitações de: a) não podermos ser identificados enquanto pesquisadores; b) não podermos identificar os usuários estudados; c) não podermos interagir diretamente com os usuários; e d) não conseguirmos fazer uma coleta de dados de forma manual, foram descartados métodos clássicos da pesquisa antropológica, como a aplicação de questionários, a realização de entrevistas ou de grupos focais.

Assim, compreendemos que não estávamos praticando etnografia, mas sim aplicando a nossa capacidade de análise antropológica de forma coordenada com outras ferramentas multidisciplinares. Nesse sentido, correspondemos com Cesarino (2021)CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021.) quando ela propõe que a antropologia digital não é etnografia. Baseada no pensamento de Ingold (2008)INGOLD, T. Anthropology is not ethnography. Proceedings of the British Academy, [s. l.], n. 154, p. 69-92, Dec. 2008. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5871/bacad/9780197264355.003.0003 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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e Peirano (2014)PEIRANO, M. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 42, p. 377-391, jul./dez. 2014. disponível em: disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-71832014000200015 . Acesso em: 20 fev. 2023.
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, a autora ressalta o caráter processual e educacional da disciplina, bem como o seu potencial de nos ajudar a compreender a era da plataformização na qual agentes humanos e algorítmicos coproduzem realidades digitalmente mediadas. Desse modo, durante o nosso trabalho de pesquisa, nos vimos diante da necessidade de trabalhar com métodos mistos, sem deixar de lado o pensamento antropológico que permitiu que nos engajássemos com outras formas de explorar e conhecer o mundo - como explicaremos agora.

A impossibilidade de acompanhar “manualmente”, isto é, de maneira analógica ou não computacional, os chats que analisamos também veio acompanhada dos desafios relacionados à definição de amostragens e seleção dos conteúdos a serem analisados. Ao total, foram analisados mais de 900 grupos e 400 canais de extrema direita dentro da plataforma do Telegram de 2015 até o momento da redação deste artigo. Esse corpus abrange mais de 42 milhões de mensagens, e aproximadamente 3 milhões de imagens coletadas.

Por mais que possuíssemos acesso a um grande número de grupos e canais, não podemos afirmar qual seria a totalidade de grupos de extrema direita existentes naquele momento dentro da plataforma Telegram. Essa impossibilidade ocorre por conta das características da própria dinâmica da plataforma, na qual grupos como esses “nascem” e “morrem” de forma contínua. Algumas vezes de forma aberta e pública, outras de forma fechada e privada. Assim, construímos a nossa amostragem de grupos e canais conforme encontramos acesso aberto aos grupos que compreendemos como públicos.

Uma vez inseridos nesses chats, passamos a mapear e identificar os diferentes temas que emergiam das interações entre os usuários. Considerando que os temas eram bem variados, definimos, mais uma vez, a nossa amostragem segundo temáticas que consideramos críticas para a produção das análises sobre o universo estudado. Entre alguns dos temas observados, encontramos e passamos a observar de forma sistemática: discursos de ódio, discursos antivacina, discursos conspiracionistas, bem como menções às eleições, fraude eleitoral, mobilizações de massa nas ruas, entre outros.

Assim, enquanto os métodos computacionais colaboraram para otimizar, armazenar e filtrar os dados coletados, o olhar antropológico nos ajudou a definir quais dados tinham destaque e relevância a ponto de comporem a amostragem a ser analisada. Por “olhar antropológico” compreendemos a capacidade de análise crítica do universo social estudado, bem como o cruzamento das informações observadas com o contexto da realidade social mais ampla do país. Tal olhar exigia tanto que observássemos as interações realizadas pelos usuários dentro do Telegram quanto que mantivéssemos atenção constante às informações referentes às mobilizações de rua dos apoiadores do ex-presidente, bem como às estratégias de governo realizadas naquele momento.

Desse modo, ainda que tenhamos trabalhado com amostragens, e que não tenhamos conseguido abordar o ecossistema da extrema direita em sua totalidade, pudemos ter uma visão mais ampla e organizada dos dados coletados do que teríamos se tivéssemos realizado uma coleta manual. Além disso, apostamos na capacidade da reflexão antropológica que jamais nos permitiu tomar o todo pela parte, mas nos auxiliou a fazer o cruzamento necessário entre as múltiplas camadas da realidade social estudada. Essas camadas variavam do indivíduo ao coletivo, do comportamento humano ao maquínico, dos ecossistemas digitais online até as suas implicações no “mundo externo” offline.

Fase 1 - ATLAS.ti e o refinamento de códigos

Através da equipe multidisciplinar da pesquisa, onde cientistas e engenheiros de dados e pesquisadores das humanidades trabalhavam juntos, tivemos acesso às ferramentas ligadas ao campo da tecnologia da informação que propiciaram a realização da coleta sistemática e otimizada de dados. Inicialmente, passamos por uma série de treinamentos coletivos para o aprendizado do software ATLAS.ti. Esse software foi utilizado na codificação e análise qualitativa das primeiras imagens coletadas durante o segundo trimestre de 2021.

Nessa primeira etapa da pesquisa, o projeto se dedicou à coleta e análise de imagens dos grupos acompanhados no Telegram. A coleta consistia em mil imagens obtidas de forma aleatória e distribuídas em copy-bundles7 7 Trata de “arquivos-pacote” do ATLAS.ti com as categorias de análise, ou códigos, e os arquivos que serão codificados. de cem imagens para cada integrante da equipe. Semanalmente, a equipe de pesquisadoras realizava, de forma individual, a análise das imagens recebidas, codificando-as manualmente no ATLAS.ti. Após a codificação de cada pesquisador, nos reuníamos para discutir a respeito dos códigos criados sob a supervisão dos professores Paulo Fonseca e Letícia Cesarino. Assim, aos poucos, conseguimos estabelecer quatro categorias de códigos que cobriam todo o corpus analisado: temas, atores, função e “lixo”.8 8 A categoria “temas” correspondia ao tema tratado na imagem. Exemplo: pandemia, eleições, críticas à esquerda, etc. Já a categoria “atores” mapeava os agentes envolvidos, como a família Bolsonaro, políticos de esquerda, ministros do STF e assim por diante. A categoria “função” tinha como objetivo identificar a função metacomunicativa da imagem na rede. Exemplo: chamada para mobilização de rua, divulgação de material de campanha política, arrecadação de fundos via pix, satirização dos partidos de esquerda, etc. Finalmente, a categoria “lixo” correspondia a imagens impossíveis de serem categorizadas, fosse por falta de contexto ou por não manifestarem nenhuma temática identificada.

Durante os primeiros meses de pesquisa, as codificações semanais foram compreendidas como “codificações de teste” até que as aplicações de códigos estivessem em consonância entre todos os membros da equipe. Essa compreensão colaborou para um refinamento das categorias e maior harmonia nas análises qualitativas futuras.

Fase 2 - ElasticSearch: busca textual rápida e interfaces de visualização de dados, linguagem em R

Ao final de 2021, encerramos as análises feitas a partir de imagens no ATLAS.ti e iniciamos o treinamento para o uso da plataforma ElasticSearch e Kibana.9 9 A plataforma ElasticSearch é parte de um mecanismo desenvolvido com base em Apache Lucene, uma biblioteca para motores de busca e um dos componentes centrais do Elastic Stack (cf. https://www.elastic.co/pt/what-is/elasticsearch). O ElasticSearch é considerado uma solução completa e poderosa para a busca e análise de grandes volumes de dados em tempo real. Por outro lado, o Kibana é uma interface para visualização dos dados inseridos no ElasticSearch. Dentro da interface ElasticSearch, acessamos um componente denominado discover10 10 Através da ferramenta discover era possível pesquisar e descobrir a frequência de determinados temas do nosso interesse por meio do uso de palavras-chave (tais como “vacina”, “pandemia”, “eleições”, “urnas”, etc.) ou combinações delas em léxicos construídos para segmentos específicos do ecossistema (conspiracionistas, pandêmicos, golpistas, etc.). e pudemos acessar dashboards11 11 Na ferramenta dashboard era possível acessar os painéis com os principais dados compilados através do ElasticSearch. gerados dentro do Kibana pela equipe de análise de dados. Essa combinação entre busca textual e visualização de dados permitiu análises eficientes relacionadas aos temas de interesse da pesquisa.

Figura 1
Interface Kibana dentro da plataforma ElasticSearch e os dois componentes usados na pesquisa.

Através do dashboard, foi possível acessar diversos gráficos e outros dados armazenados nos diferentes eixos de coleta da plataforma, como, por exemplo, o de participação de usuários e chats ativos, interações e links para plataformas externas, imagens e textos mais compartilhados dentro do período selecionado. Desse modo, dados descritivos e quantitativos como a quantidade de grupos e canais ativos durante o período pesquisado, além das imagens mais compartilhadas e dos usuários mais ativos (talkatives),12 12 Usuários que se destacam devido à sua participação ativa e constante no compartilhamento de conteúdo na plataforma. Esses usuários, denominados talkatives (Nascimento et al., 2022), movimentam grupos e canais dentro e fora do Telegram, formando uma espécie de ecologia multiplataforma de mídias alternativas (Bhat, 2021) e dinâmicas de comunicação tanto de segmentação como de integração de públicos. puderam ser acessados com rapidez e facilidade pelos pesquisadores.

Dentro do discover também podemos aplicar queries, formas sistemáticas de buscas baseadas em regex,13 13 Regex é a abreviação de “expressão regular”. Uma expressão regular é uma sequência de caracteres que define um padrão de pesquisa. Ela é amplamente utilizada em operações de manipulação de texto para busca, correspondência, substituição e divisão de strings, entre outras funcionalidades. para acessar rapidamente o número de menções e textos específicos relativos a um determinado tema. Uma query também pode ser aplicada dentro do dashboard para filtrar determinado tipo de assunto. Para formar essas queries, discutimos cada termo que forma a linha de código, em boa parte com base nas categorias, códigos e definições previamente desenvolvidos na primeira etapa da pesquisa com o ATLAS.ti. Assim, foi formada uma base de queries permanentes, que podem ser aplicadas com a mesma estrutura ao longo do tempo. Essas queries eram periodicamente revisadas, e podiam ser modificadas conforme eram inseridas no buscador, caso houvesse necessidade. Diante disso, mesmo com formação na área da antropologia e ciências sociais, recebemos treinamento para poder usar tais métodos de forma autônoma e adequada, sempre com suporte necessário por parte da equipe computacional.

A discussão sobre os códigos para as queries já vinha sendo feita desde 2021, e se intensificou com a aplicação e treinamento para uso da plataforma no início de 2022. Dessa forma, com uso do discover do ElasticSearch para a realização de buscas de texto na pesquisa, os pesquisadores das humanidades não dependiam mais do recebimento de dados previamente manipulados e filtrados através de linguagens de programação. Era necessário, tão somente, o acesso ao ElasticSearch, às queries pré-elaboradas e outras desenvolvidas para buscas pontuais.

Para a divisão dos trabalhos, a equipe foi organizada em subgrupos de análises qualitativas segundo eixos temáticos. Cada integrante ficou responsável por acompanhar uma query fixa semanalmente, produzindo um relatório de análises sobre o tema. Esses temas incluíam Covid-19 e outros tópicos de saúde, eleições, menções aos militares, teorias da conspiração, discursos de ódio, religião e pautas morais, entre outros. Além disso, realizamos o acompanhamento semanal de dados globais, como as dinâmicas dos dez chats (grupos e canais) mais ativos, os dez talkatives com maior número de mensagens enviadas durante a semana (excluindo bots14 14 Bots são robôs de software com as mais variadas funcionalidades. Com frequência, encontrávamos nos grupos estudados bots que tinham como função replicar uma mesma mensagem várias vezes ao dia. Para a pesquisa, foram aplicados filtros para não incluir ações de bots nos resultados das coletas (no_bot). ), as dez imagens e as dez mensagens de texto mais compartilhadas. Assim, cada um(a) de nós se dedicou a acompanhar um desses tópicos gerais, que exemplificaremos a seguir num estudo de caso.

Estudo de caso

Nessa dinâmica de trabalho, conseguimos examinar em relatórios densos as análises sobre uma ampla gama de conteúdos abordados dentro dos grupos e canais de extrema direita acompanhados na plataforma Telegram. A otimização da coleta de dados colaborou para que pudéssemos aplicar filtros de busca temáticos e temporais e coletar dados densos, ainda que amostrais, para análise antropológica dos chats online estudados. Neste estudo de caso, temos como intuito apresentar uma pequena amostra dos nossos relatórios, demonstrando o uso e aplicação das metodologias mistas dessa pesquisa. Considerando que os métodos mistos apresentados permitiram o acompanhamento em tempo real de temas e eventos urgentes, escolhemos o dia 8 de janeiro de 2023 para ilustrar essa coleta e análise pontual do ecossistema bolsonarista na plataforma Telegram. Nesse dia, milhares de manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto em Brasília.

O recorte dos dados poderia ter sido ajustado conforme os maiores picos de interação das mensagens que se seguiram antes, durante e após o evento observado, assim como poderia seguir o corte temporal das 24 horas do dia 8 de janeiro. Como este se trata apenas de um estudo de caso ilustrativo das possibilidades de aplicação dos métodos mistos à análise antropológica, optamos por seguir o recorte temporal das 24 horas do dia do evento, e realizar uma observação pontual de como as interações online mobilizaram os grupos de extrema direita.

Reforçamos que, ao longo de todo o ano de 2022, outros eventos críticos também foram monitorados. Vários desses foram analisados e registrados em relatórios emergenciais que podem ser acessados através do site do InternetLab (cf. Pereira, 2023PEREIRA, P. Desdobramentos dos ecossistemas de (des)informação política ao longo dos períodos pré e pós eleitoral. InternetLab, [s. l.], 7 fev. 2023. Disponível em: Disponível em: https://internetlab.org.br/pt/pesquisa/desdobramentos-dos-ecossistemas-de-desinformacao-politica-ao-longo-dos-periodos-pre-e-pos-eleitoral/ . Acesso em: 20 fev. 2023.
https://internetlab.org.br/pt/pesquisa/d...
). Alguns desses eventos e relatórios abordam os episódios do 7 de setembro de 2022, o primeiro e segundo turno eleitorais do mesmo ano, a posse do presidente Lula em primeiro de janeiro de 2023, entre outros. Em geral, possuem o recorte temporal de uma semana, acompanhando os picos de interação de mensagens postadas antes, durante e depois dos eventos observados. Assim, entendemos que o recorte do dia 8 de janeiro de 2023 é apenas um recorte representativo, em escala menor, que visa ilustrar o modo como a nossa coleta de dados vinha sendo realizada. Além disso, através da apresentação da utilização dos métodos mistos, esperamos demonstrar como a análise antropológica pode ganhar celeridade diante de eventos críticos como esse.

Grupos e canais

No dia 8 de janeiro de 2023, 219 grupos e 346 canais estavam ativos. Nos grupos, foram trocadas 105.823 mensagens e compartilhadas 4.085 imagens. Já nos canais, foram trocadas 14.613 mensagens e compartilhadas 2.583 imagens. Historicamente, os grupos são sempre mais movimentados do que os canais, e tendem a apresentar volume de mensagens mais elevado devido a conversas orgânicas e espontâneas que costumam surgir sobre os mais diversos temas.

Durante as coletas e análises semanais, costumávamos analisar os “top dez” grupos com maior volume de mensagens trocadas. Em geral, esses grupos permaneciam os mesmos, com pequenas alterações de posicionamento de ranking ao longo das semanas. Entretanto, após o resultado das eleições de 2022, percebemos uma alteração significativa nos grupos e canais com maior volume de mensagens. Essa alteração se refletiu no dia 8 de janeiro de 2023.

Para fins de análise amostral, e devido à limitação de espaço, consideraremos aqui apenas os top cinco grupos e canais mais movimentados durante o período escolhido. O grupo que mais compartilhou mensagens nesse dia chegou a trocar 14.842 mensagens, volume que, em outros momentos, só foi atingido no decorrer de uma semana. Já o segundo top grupo chegou a compartilhar 7.776 mensagens, e o terceiro top grupo, 5.576 mensagens. Antes das eleições, esses três grupos não possuíam presença significativa no universo estudado, entretanto, ganharam destaque diante dos eventos do dia 8. Já o quarto top grupo, com 4.230 mensagens e o quinto top grupo, com 3.512 mensagens, são grupos que apareceram nas nossas amostragens ao longo de todo o segundo semestre de 2022.

Em geral, o fluxo de mensagens dos grupos mais ativos costuma ser contínuo, com grande volume de mensagens ao longo do dia. Inclusive, o volume de mensagens trocadas nos grupos num único dia ilustra como é impossível analisar de forma manual o montante de mensagens publicadas. Nesse sentido, a criação de amostras de mensagens graças à aplicação dos métodos mistos de pesquisa é o que nos permite filtrar e abordar, conforme a relevância dos temas, uma parte do universo de pesquisa estudado. Abaixo, podemos visualizar como se deu o fluxo da troca de mensagens ao longo do dia 8 de janeiro. Percebemos que a movimentação geral nos grupos se inicia por volta das 12h, se intensifica a partir das 15h e atinge o seu pico máximo às 22h.

Figura 2
Gráfico do ElasticSearch com as mensagens totais dos grupos ao longo do dia 8 de janeiro de 2023.

Entre as top cinco temáticas mais discutidas nos grupos durante o dia 8, encontramos os temas:

  • - patriotismo / nacionalismo (com 3.279 menções);

  • - ditadura / autoritarismo / censura (com 1.450 menções);

  • - religiões cristãs (com 1.223 menções);

  • - relações internacionais / menção a outros países (881 menções);

  • - comunismo (856 menções).

Entre as top cinco temáticas mais discutidas nos canais durante o dia 8, encontramos os temas:

  • - ditadura / autoritarismo / censura (1.126 menções);

  • - relações internacionais (291 menções);

  • - patriotismo / nacionalismo (259 menções);

  • - justiça / direito / processos (135 menções);

  • - religiões cristãs (109 menções).

Entre os top cinco atores mais mencionados nos grupos, temos:

  • - povo / cidadãos de bem / patriotas (6.576 menções);

  • - militares (6.150 menções);

  • - Lula e aliados (2.461 menções);

  • - Bolsonaro e família (2.120 menções);

  • - parlamentares / ministros (1.464 menções).

Já entre os top cinco atores mais mencionados nos canais, temos:

  • - esquerda (396 menções);

  • - militares (340 menções);

  • - parlamentares / ministros (333 menções);

  • - povo / cidadãos de bem / patriotas (316 menções);

  • - polícias Civil, Rodoviária, Militar (193 menções).

A amostragem dos temas e dos atores mais mencionados colabora para a compreensão global dos temas mais discutidos dentro dos públicos bolsonaristas. Tal visão global contribuiu também, em diferentes momentos da pesquisa, para a definição ou redefinição de novas queries. Um exemplo interessante sobre a observação geral dos atores mais mencionados foi o momento pós-eleição. Até então, os atores mais mencionados costumavam ser “Bolsonaro e família”. Porém, logo após o resultado do segundo turno, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, a esfera bolsonarista estudada passou a mencionar fortemente os “militares”, transferindo a atenção para esses atores uma vez que passaram a pedir “intervenção militar” de forma ainda mais veemente.

Textos mais compartilhados

Nesta seção, apresentamos a coleta dos dez textos mais compartilhados. Essa análise é importante, pois ajuda a compreender os assuntos e tipos de texto em destaque no período analisado. Importante frisar, entretanto, que os dez textos mais compartilhados não correspondem diretamente às mensagens com mais alcance e impacto entre os integrantes dos grupos, pois estas, às vezes, estavam diretamente relacionadas às ações de talkatives e à difusão coordenada de mensagens do tipo corrente. Ainda assim, é importante mapear assuntos, abordagens temáticas e possíveis tópicos em alta entre os chats analisados. Um exemplo é que, nos relatórios pós-período eleitoral, as mensagens mais compartilhadas consistiam em correntes e, majoritariamente, acusavam fraude eleitoral contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse tipo de discurso colaborou para culminar no evento analisado neste texto, os ataques praticados por bolsonaristas no dia 8 de janeiro de 2023.

Como mencionado na seção anterior, o total de mensagens trocadas nesse dia ultrapassou a marca de 100 mil, entre textos e outras mídias. Os métodos mistos colaboram para oferecer lastro numérico para uma percepção anterior de quantidade massiva de conteúdo. Porém, nos interessava saber do que estavam tratando as interações, sobretudo nesses picos de envios dentro dos chats. Diante disso, foi desenvolvida uma coleta de amostragem de textos realizada por programadores da equipe do projeto através da linguagem R.15 15 Essa ferramenta em R é de autoria de Tarssio Barreto, cientista de dados da Bit Analytics (cf. https://www.linkedin.com/in/tarssio-brito-barreto-9646b817b/). Ali podemos selecionar o período a ser analisado para acessar os textos mais compartilhados. Nesse campo, é possível selecionar, entre os 10, 25 ou 50 primeiros textos, a primeira aparição da mensagem, em que chat a mensagem foi postada e quantas vezes foi compartilhada. A seguir, apresentamos as dez mensagens mais compartilhadas no dia 8 de janeiro de 2023:

Figura 3
As três mensagens mais compartilhadas do ranking.

Figura 4
Quarta mensagem mais compartilhada do ranking.

Figura 5
Quinta e sexta mensagens mais compartilhadas.

Figura 6
Sétima e oitava mensagens mais compartilhadas.

Figura 7
Nona e décima mensagens mais compartilhadas.

A amostragem de textos apresentada colabora para identificar a presença de determinadas narrativas, argumentos e estruturas de discurso frequentes dentro desses chats. Ao realizar a coleta restringindo o período a apenas um dia, certamente nos abstemos de analisar a organização do evento, a extensão de determinados discursos e outros dados que exigem um recorte temporal maior. Como apontado na seção anterior sobre grupos e canais, a maior parte das interações aconteceu a partir do meio-dia, configurando um curto período de tempo para distribuir repetidamente um grande número das mesmas mensagens. Porém, para fins deste trabalho, podemos elencar alguns pontos de análises importantes e possíveis através dos métodos mistos.

Dentre o ranking de textos mais compartilhados, percebemos mensagens compartilhando notícias de ações de opositores como uma forma de difundir pânico e motivar as movimentações em Brasília. A top um e a top cinco mensagem mais compartilhada têm a primeira aparição nos dias 5 e 6 de janeiro, dias que antecedem os ataques. Em tom informativo, têm como intenção o “desmascaramento” de opositores, provocando afetos relacionados ao medo e ao pânico. Essa é uma estratégia mobilizadora já percebida em outros momentos abordados pela pesquisa: quando se trata da lógica amigo versus inimigo (Cesarino, 2019aCESARINO, L. Identidade e representação no bolsonarismo. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 3, p. 530-557, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165232 . Acesso em: 23 jan. 2024.
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.20...
, 2019cCESARINO, L. Populismo digital, neoliberalismo e pós-verdade: uma explicação cibernética. In: REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 7., 2019, Florianópolis. Anais […]. [S. l.: s. n.], 2019c. p. 1-17.), os opositores sempre estão relacionados a ameaças que precisam ser interrompidas pela mobilização entre “amigos”, os que defendem as mesmas pautas.

Além disso, cinco das dez mensagens trataram de comandos e organização dos grupos na frente da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Parte desses textos reforçaram os pedidos de intervenção militar, comum em diversos discursos ao longo dos últimos anos e que tomou ainda mais força após as eleições presidenciais de 2022. Na mensagem de manifestação concomitante em São Paulo, as instruções eram de bloqueio de aeroportos e refinarias. Não foram divulgadas por essa plataforma mensagens com informações detalhadas da organização, apenas comandos gerais sobre onde seriam as concentrações. A top cinco mensagem mais compartilhada trata sobre ônibus e gastos de viagem para Brasília totalmente gratuitos, em uma chamada para mobilização de massas para o dia 8 de janeiro. Em um relatório detalhado, realizamos a busca dessa mensagem por termos do texto diretamente no discover para acessar o código de user de quem a enviou inicialmente. Com esse número, é possível fazer uma nova busca rápida para saber se o mesmo usuário divulgou outras mensagens sobre a organização financiada para essas manifestações. Esse tipo de informação pode ser interessante para entender o caráter motivador da participação de alguns integrantes dos ataques e vislumbrar como se deu a busca pelo suporte financeiro necessário à viabilização das mobilizações de massa para o dia 8 de janeiro.

A top sete mensagem foi uma coordenada já divulgada no dia 8 de janeiro para destruir os HDs de computadores do STF, prejudicando assim os processos em andamento e conjecturando o fim da instituição. Outras duas mensagens, a top nove e a top dez mais compartilhadas na data, trataram das medidas tomadas naquele mesmo dia por Lula e Dino para conter os atos terroristas. No caso da medida de Lula, a intervenção federal, o texto estimulava que pedissem para militares aproveitarem a oportunidade para decretar intervenção militar. A mensagem compartilha a informação falsa de que a GLO e Artigo 142 haveriam sido também decretados na mesma ação, o que daria maior poder de ação aos militares. Quanto à determinação de Flavio Dino, o texto divulgava que o ministro da Justiça e Segurança Pública haveria autorizado o uso da Força Nacional contra os manifestantes, compartilhando como fonte links para sites de direita.

Considerando que o dia 8 de janeiro concentrou um alto pico de interações entre os usuários e não apresentou repetições significativas de mensagens, é possível ponderar que as interações nos grupos deram-se de forma orgânica.16 16 Nesse caso, legendas não são coletadas junto às mensagens mais compartilhadas por usuários. Ou seja, nesse dia, não houve presença expressiva de mensagens com direcionamentos específicos ou definição de pautas através da repetição das mensagens de texto.

Idealmente, para enriquecer ainda mais o estudo de caso apresentado, seria necessário ampliar a análise e o número das mensagens mais compartilhadas para além das 24 horas do dia 8 de janeiro, além de incluir as imagens, os vídeos e os áudios mais compartilhados durante o evento. Nossa amostra “reduzida”, entretanto, não nos impede de observar como se dão as interações online mais espontâneas e orgânicas entre os usuários de grupos de extrema direita, especialmente em momentos de eventos críticos como o evento abordado neste estudo de caso.

Outros fatores também podem inferir no ranking das top dez mensagens. Além do curto período dessa análise, que certamente se reflete no número de replicações dos textos, considera-se que a organização desses grupos tem cada vez mais se mobilizado em plataformas “below the radar” (Abidin, 2021ABIDIN, C. From “networked publics” to “refracted publics”: a companion framework for researching “below the radar” studies. Social Media + Society, [s. l.], v. 7, n. 1, 2021.) com ainda menos restrições que o Telegram, ou então em chats privados e fechados nessa mesma plataforma. Outra estratégia foi o uso de códigos como “Festa da Selma” para não se referir diretamente ao ato e local, fugindo assim do radar de identificação.

Talkatives

O acompanhamento desse tipo de usuário durante diversos meses nos permitiu identificá-los (mantendo o anonimato dos dados pessoais) e classificá-los segundo o padrão de difusão de conteúdo. Além disso, através da observação dos talkatives recorrentes no top dez, também pudemos compreender o perfil da dinâmica específica desses usuários. Nesta seção, traremos alguns exemplos das categorias de talkatives identificados durante o projeto, que também apareceram na coleta levantada para este estudo de caso. A taxonomia que construímos preliminarmente inclui:

Talkative por personalidade: usuário que se caracteriza por ativamente procurar ser identificado nos grupos onde participa. Com frequência mantém uma comunicação orgânica e divulga pautas de forma indireta, fomentando discussões dentro do grupo. Comunica-se de tal forma que provoca emoções entre os demais membros. Raramente compartilha correntes de mensagens.

Talkative de disparo unitário: usuário que geralmente compartilha a mesma mensagem repetidas vezes em um ou vários grupos, ou participa apenas de um único grupo, mas alimentando sempre a mesma pauta.

Talkative “infiltrado”: pode ser pensado de forma transversal aos acima mencionados. Esse tipo de usuário apareceu com maior intensidade durante a campanha eleitoral do último trimestre de 2022. Caracteriza-se por compartilhar mensagens passíveis de gerar incômodo e provocar os públicos bolsonaristas, por exemplo, chamando Bolsonaro de “genocida”, dentre outros. Esse tipo de talkative é detectado com frequência e expulso pelos administradores dos grupos, nem sempre de forma imediata. Cabe destacar que vários desses usuários possuem uma linguagem e um tipo de escrita característicos de públicos de esquerda. Isso acaba por provocar indagação por parte dos membros dos grupos contra esses usuários, levantando o tópico de uma suposta esquerda se infiltrando na rede bolsonarista.

Para realizar as análises dos dados coletados, a equipe criou dashboards específicos para visualizar e analisar os diversos focos de pesquisa do projeto. Nesse caso, utilizou-se dashboard específico para visualização de talkatives, onde, através da opção da busca cronológica e da aplicação do filtro que descarta possíveis bots, foi realizada a procura dos dez talkatives que mais se destacaram o dia 8 de janeiro.

Figura 8
Gráfico geral com os top talkatives do dia 8 de janeiro.

No dia da amostra, foram compartilhadas 16.615 mensagens apenas pelos dez maiores talkatives. Por conta de limitações de espaço, neste texto discutimos apenas os cinco primeiros talkatives da amostra acima. Por motivos de proteção ética adicional, optamos por borrar os números de usuários e identificar os talkatives apenas por ordem de aparição no ranking.

O top um é um talkative do tipo personalidade “infiltrado”. No dia 8 de janeiro, compartilhou 3.678 mensagens em apenas um grupo, e todas elas foram enviadas no período de uma hora. Não compartilhou nenhuma imagem nem link. Disparou as mensagens majoritariamente em blocos de mais de 400 mensagens com frases que desprezam a não aceitação da derrota do governo Bolsonaro por partes dos bolsonaristas, chamando-os de “gado”. Manteve também uma interação “orgânica” com o público nesse grupo, onde se identificou como uma mulher e passou a discutir com outros usuários, trocando xingamentos.

O top dois é um talkative de disparo unitário que teve uma dinâmica similar à do usuário top um, uma vez que compartilhou mensagens em blocos no mesmo horário e grupo que o talkative por personalidade. Porém, esse talkative levantou a pauta de que “o posto de genocida não é mais do Bolsonaro”, acusando que ainda existem mortes por Covid-19 e que o recém-eleito presidente Lula não faria nada para mudar o país, além de proferir outros ataques a pessoas consideradas de esquerda. Pelo horário e tipo de mensagem compartilhada, podemos deduzir que esse talkative protagonizou e mobilizou a pauta em conflito com o talkative top um.

O top três, assim como os outros dois talkatives acima mencionados, enviou mensagens para apenas um grupo e o seu pico de interação se deu no mesmo horário que os demais talkatives (entre 18h e 19h). O tipo de dinâmica de compartilhamento desse usuário não foi definido devido à falta de informação registrada no dashboard do ElasticSearch. As únicas mensagens visíveis desse usuário advertem que a “identificação começou”, com um link que direciona para o perfil de Instagram “Contragolpe Brasil”,17 17 Esse perfil se autodescreve como perfil colaborativo para a identificação de pessoas que atentam contra a democracia do Brasil. referindo-se à identificação dos participantes dos ataques.

O top quatro talkative foi identificado como de disparo unitário “infiltrado”. Assim como os outros talkatives mencionados, participou apenas num grupo no mesmo horário. Encaminhou em blocos a mensagem: “Pq não invadiram domingo passado, com um esquema de segurança fortíssimo!?? Covardia que chama.” Interagiu organicamente, insultando demais usuários com frases como: “Se fuderam, bolsotrouxas! Kkkkkk.” Como aconteceu com o talkative top três, várias mensagens encaminhadas por esse usuário não aparecem no dashboard.

O top cinco talkative também foi identificado como de disparo unitário “infiltrado” e apresentou uma dinâmica similar à dos usuários acima descritos, participando do mesmo grupo e no mesmo horário que os demais. O conteúdo desse usuário fez sátira dos bolsonaristas que, por meses, exigiram intervenção militar e, no dia 8 de janeiro, estariam sendo repreendidos por militares após a invasão dos Três Poderes.

Todos os talkatives aqui trazidos apresentam uma dinâmica similar, diferindo apenas pontualmente, como no caso do talkative por personalidade top um que se identificou como mulher e o talkative top dois com difusão de mensagens a favor dos ataques e grupos bolsonaristas. No entanto, as similitudes dos conteúdos das mensagens predominam, bem como o horário pico de disparo, às 18h do dia 8 de janeiro.

Diferentemente de outras amostras coletadas anteriormente, em que um ou dois talkatives novos apareciam, nessa coleta do dia 8 todos se destacaram pela primeira vez. Dada a pauta de provocações a usuários bolsonaristas levantada pelos talkatives aqui apresentados, podemos pensar numa infiltração de pessoas de esquerda em um determinado grupo após saberem dos ataques em Brasília. Outra hipótese, considerando os dados analisados ao longo de todo o projeto, é pensar numa possível tentativa de persuasão dos públicos bolsonarias de que existe de fato uma esquerda organizada infiltrando-se nos grupos de direita. Essa pauta converge com alegações de bolsonaristas de que foram infiltrados da esquerda que teriam vandalizado o Congresso Nacional no dia dos eventos analisados.

Certamente, os dados aqui observados são apenas uma amostra das possíveis análises sobre o tema e do comportamento dos usuários dos grupos e canais do ecossistema estudado. Para realizar um aprofundamento dos dados levantados, seria necessária uma segunda busca combinada com a equipe computacional do projeto para que pudéssemos reunir ainda mais dados passíveis de serem analisados, tanto dos talkatives como do grupo do qual participaram, para além do recorte mais restrito do dia 8 de janeiro.

Conclusão

Ao longo deste artigo buscamos demonstrar como os métodos mistos podem ser combinados com a análise antropológica no fazer da antropologia digital. Consideramos as abordagens sistêmicas e o uso de softwares a nosso favor, como a possibilidade de ter uma visão mais ampla do ecossistema formado dentro das plataformas digitais. É uma visão que não conseguimos captar de forma “analógica”, ou por meio de coleta manual de dados.

Além disso, esse projeto, munido das suas ferramentas multidisciplinares, dedica-se ao estudo de um contexto sociopolítico urgente e de grupos políticos de extrema direita que não seriam acessíveis de outro modo. Justamente por isso, apostamos numa abordagem multidisciplinar que agrega métodos mistos: antropológicos e computacionais. Assim, esse trabalho só foi possível graças aos softwares construídos em parceria entre pesquisadores advindos das áreas da sociologia digital e da ciência e engenharia de dados, em conjunto com o acompanhamento e a interpretação antropológica dos dados.

No estudo de caso apresentado, percebemos como os diferentes eixos de análise relacionam-se: os grupos e canais se refletem nas mensagens mais compartilhadas, assim como os talkatives estão diretamente relacionados aos grupos e canais, às correntes e aos tipos de interação entre os integrantes dos grupos. Através desse conjunto de observações, pudemos compreender um pouco melhor as dinâmicas do ecossistema da plataforma da extrema direita brasileira num nível global, e não apenas das interações locais.

Entretanto, reconhecemos que existem lacunas nas análises preliminares aqui apresentadas, que exigem um retorno à coleta de dados. Para compreender a amplitude do evento analisado, por exemplo, necessitaríamos ampliar o tempo da coleta de dados, extrapolando as 24 horas do dia 8 de janeiro de 2023, assim como relacionar os eventos online a um contexto mais amplo de interpretação e contextualização que só possível pela análise do “olhar humano”.

Todavia, o principal questionamento que moveu a escrita deste texto foi: como fazer pesquisa antropológica diante de uma imensidade de dados? Priorizamos a descrição dos nossos processos de construção metodológica de forma multidisciplinar, assim como a descrição dos modos de aplicação dos métodos mistos, pois esperamos que a metodologia apresentada neste trabalho possa servir de inspiração para demais pesquisas em antropologia digital.

Por mais que não tenhamos podido dedicar mais espaço às nossas análises do evento do dia 8 de janeiro devido às próprias limitações do escopo deste artigo, pudemos elencar algumas observações e conclusões. Através da análise dos grupos, pudemos observar por exemplo como a temática religiosa era fortemente associada ao patriotismo, assim como o temor da instauração de um regime comunista, associado a outros países como a Venezuela, foi um dos motores da conclamação de uma intervenção militar. Entre os atores, também pudemos identificar a quem caberia a “salvação” do país de um possível regime comunista: os cidadãos que se autointitulam patriotas, enquanto representantes do “povo” brasileiro, somados às forças militares. Assim, tanto através das principais temáticas como através dos principais atores pudemos observar a dinâmica amigo-inimigo (Cesarino, 2022CESARINO, L. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022.) que persistiu nos eventos do dia 8 de janeiro, e quem seriam os possíveis amigos (militares) e os possíveis inimigos (comunistas).

Além disso, através da análise das principais mensagens pudemos concluir que parte delas tinha o objetivo de desmascarar opositores e gerar medo e pânico como forma de mobilizar os integrantes do grupo contra a oposição. Essa estratégia se encaixa ao padrão observado anteriormente pelos membros do coletivo de pesquisa qualitativa supervisionado pelos professores Paulo Fonseca e Letícia Cesarino. Em tais padrões, identificamos a polarização amigo-inimigo, em que os opositores são retratados como ameaças a serem combatidas pela mobilização dos que compartilham as mesmas ideias. Além disso, algumas das mensagens discutiram a organização de grupos em Brasília, com pedidos de intervenção militar, que ganharam força desde as eleições de 2022 e culminaram nos atos do dia 8 de janeiro. Relacionado a isso, acessamos também mensagens que incentivavam a destruição de HDs do STF e outros atos extremos realizados na data analisada. Como reafirmado ao longo do texto, essas mensagens tratam apenas de uma amostra para exemplificar a aplicação dos métodos. Ainda assim, já permitem algumas análises iniciais, como motivação, instruções de participação e solicitação de financiamento que possibilitaram as ações naquele domingo em janeiro.

Ademais, os movimentos observados no dia 8 de janeiro corroboram algumas das nossas análises realizadas anteriormente sobre os diferentes perfis de talkatives presentes no ecossistema analisado: talkative por personalidade, talkative de disparo unitário, talkative “infiltrado”. Foi também através dessa análise que pudemos perceber a presença de usuários, supostamente de esquerda, que teriam se infiltrado nos grupos bolsonaristas para atiçá-los com ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Considerando a quantidade massiva de mensagens compartilhada pelos “infiltrados”, acreditamos que isso tenha impactado a dinâmica de interações do dia, não só na quantidade de mensagens, mas na tentativa de rebater e diminuir as investidas dos opositores. Entretanto, ao invés de uma desestabilização dos grupos, as mensagens dos infiltrados provocaram maior interação entre os seus membros.

Além disso, reforçamos que a coleta e análise dos dados referentes aos eventos do dia 8 de janeiro de 2023 demonstrada aqui só foi possível graças ao aparato de pesquisa que passou a ser estruturado desde o início do ano de 2021. Assim, se neste momento somos capazes de realizar análises antropológicas do tempo presente, ainda que iniciais, é graças ao trabalho de pesquisa desenvolvido de forma coletiva e regular, bem como aos métodos mistos aplicados. Lembramos que antes de podermos analisar eventos recentes, vários meses de elaboração, testes e refinamentos de códigos passaram-se para que hoje possamos fazer análises de um ecossistema como o da extrema direita na plataforma Telegram. Contudo, não perdemos de vista o fato de que, assim como coletamos uma série de dados, também excluímos outros tantos, produzindo o nosso corpus de análise conforme as demandas e eventos no mundo offline.

Finalmente, o uso dos novos métodos requer a atualização dos parâmetros éticos de pesquisa para dar conta dessas demandas urgentes representadas pelas interações incessantes através das plataformas digitais. Por isso, nos propusemos a discutir os cuidados éticos empregados no intuito de proteger tanto a identidade dos usuários pesquisados como a dos pesquisadores. Seguramente, sabemos que esse debate não se esgota aqui e que merece atenção e novas discussões futuras.

Referências

  • ABIDIN, C. From “networked publics” to “refracted publics”: a companion framework for researching “below the radar” studies. Social Media + Society, [s. l.], v. 7, n. 1, 2021.
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    » http://dx.doi.org/10.1590/01031813715891620200520
  • 1
    Agradecemos ao InternetLab e ao CNPq pelo apoio crucial ao desenvolvimento deste estudo. Finalmente, agradecemos a todas as colegas integrantes do LABHD-UFBA e dos cursos de graduação e pós-graduação da UFSC que atuaram enquanto bolsistas e/ou voluntárias ao longo dos últimos dois anos de construção desta pesquisa.
  • 2
    O projeto “Ecossistema de desinformação e propaganda computacional no aplicativo Telegram: uma abordagem híbrida” é coordenado pelos professores Leonardo Nascimento e Paulo Fonseca, do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD-UFBA), e pela professora Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ao longo de três anos, ele contou com mais de 20 pesquisadoras e pesquisadores, cujas áreas de formação variam desde a antropologia e sociologia digitais até as engenharias e ciências de dados. Desde 2021, o grupo atua no desenvolvimento de metodologias mistas e ferramentas digitais para explorar novas possibilidades de pesquisa de grupos de extrema direita através de métodos mistos. A realização da pesquisa foi possível graças aos financiamentos do InternetLab e do CNPq.
  • 3
    A busca por aplicativos de mensageria do tipo Telegram também vêm aumentando desde 2021, quando o WhatsApp informou que vinha compartilhando dados com o Facebook para fins - supostamente - publicitários (Feitosa Jr., 2021FEITOSA JR., A. Compartilhamento de dados entre o WhatsApp e o Facebook: entenda o que se sabe e o que falta esclarecer. G1, [s. l.], 16 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/01/16/compartilhamento-de-dados-entre-o-whatsapp-e-o-facebook-entenda-o-que-se-sabe-e-o-que-falta-esclarecer.ghtml . Acesso em: 22 fev. 2022.
    https://g1.globo.com/economia/tecnologia...
    ).
  • 4
    Representando uma postura negacionista diante da pandemia, grupos de extrema direita de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro representaram grande parte do crescimento dentro de plataformas menos reguladas ao longo dos anos de 2020 a 2022.
  • 5
    Grupos de Telegram permitem a construção de uma única conversa entre os participantes, que podem enviar mensagens de textos, fotos, vídeos e links. Assim, tecnicamente, qualquer usuário pode, em princípio, conversar sem restrições. Cada grupo pode ter até 200 mil membros. Já os canais funcionam como listas de transmissão de conteúdo e têm como intuito a comunicação com públicos mais amplos. Nesse caso, apenas os administradores de um canal podem fazer publicações. O número de inscritos em um canal é ilimitado.
  • 6
    Grupos e canais abertos são chats de livre acesso, os quais podem ser acessados por quaisquer pessoas com o link de convite ou o nome do grupo. Além disso, não é preciso ser membro de um grupo aberto de Telegram para ler o conteúdo das suas mensagens, que costumam ser visíveis desde a data de criação do grupo - a menos que os criadores do grupo decidam instalar um chatbot responsável pelo apagamento das mensagens após 24 horas da sua publicação. Em geral, grupos abertos são muito mais numerosos em termos de usuários. Já os grupos fechados são moderados pelos administradores do grupo, não são facilmente encontrados na plataforma do Telegram e não têm suas mensagens abertas a usuários não inscritos.
  • 7
    Trata de “arquivos-pacote” do ATLAS.ti com as categorias de análise, ou códigos, e os arquivos que serão codificados.
  • 8
    A categoria “temas” correspondia ao tema tratado na imagem. Exemplo: pandemia, eleições, críticas à esquerda, etc. Já a categoria “atores” mapeava os agentes envolvidos, como a família Bolsonaro, políticos de esquerda, ministros do STF e assim por diante. A categoria “função” tinha como objetivo identificar a função metacomunicativa da imagem na rede. Exemplo: chamada para mobilização de rua, divulgação de material de campanha política, arrecadação de fundos via pix, satirização dos partidos de esquerda, etc. Finalmente, a categoria “lixo” correspondia a imagens impossíveis de serem categorizadas, fosse por falta de contexto ou por não manifestarem nenhuma temática identificada.
  • 9
    A plataforma ElasticSearch é parte de um mecanismo desenvolvido com base em Apache Lucene, uma biblioteca para motores de busca e um dos componentes centrais do Elastic Stack (cf. https://www.elastic.co/pt/what-is/elasticsearch).
  • 10
    Através da ferramenta discover era possível pesquisar e descobrir a frequência de determinados temas do nosso interesse por meio do uso de palavras-chave (tais como “vacina”, “pandemia”, “eleições”, “urnas”, etc.) ou combinações delas em léxicos construídos para segmentos específicos do ecossistema (conspiracionistas, pandêmicos, golpistas, etc.).
  • 11
    Na ferramenta dashboard era possível acessar os painéis com os principais dados compilados através do ElasticSearch.
  • 12
    Usuários que se destacam devido à sua participação ativa e constante no compartilhamento de conteúdo na plataforma. Esses usuários, denominados talkatives (Nascimento et al., 2022NASCIMENTO, L. F. et al. Públicos refratados: grupos de extrema-direita brasileiros na plataforma Telegram. Internet&Sociedade, [s. l.], v. 3, n. 1, p. 31-60, ago. 2022. Disponível em: Disponível em: https://revista.internetlab.org.br/publicos-refratados-grupos-de-extrema-direita-brasileiros-na-plataforma-telegram/ . Acesso em: 23 jan. 2024.
    https://revista.internetlab.org.br/publi...
    ), movimentam grupos e canais dentro e fora do Telegram, formando uma espécie de ecologia multiplataforma de mídias alternativas (Bhat, 2021BHAT, P. Platform politics: the emergence of alternative social media in India. Asia Pacific Media Educator, [s. l.], v. 31, n. 2, p. 269-276, Dec. 2021. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1177/1326365x211056699 . Acesso em: 20 fev. 2023.
    http://dx.doi.org/10.1177/1326365x211056...
    ) e dinâmicas de comunicação tanto de segmentação como de integração de públicos.
  • 13
    Regex é a abreviação de “expressão regular”. Uma expressão regular é uma sequência de caracteres que define um padrão de pesquisa. Ela é amplamente utilizada em operações de manipulação de texto para busca, correspondência, substituição e divisão de strings, entre outras funcionalidades.
  • 14
    Bots são robôs de software com as mais variadas funcionalidades. Com frequência, encontrávamos nos grupos estudados bots que tinham como função replicar uma mesma mensagem várias vezes ao dia. Para a pesquisa, foram aplicados filtros para não incluir ações de bots nos resultados das coletas (no_bot).
  • 15
    Essa ferramenta em R é de autoria de Tarssio Barreto, cientista de dados da Bit Analytics (cf. https://www.linkedin.com/in/tarssio-brito-barreto-9646b817b/).
  • 16
    Nesse caso, legendas não são coletadas junto às mensagens mais compartilhadas por usuários.
  • 17
    Esse perfil se autodescreve como perfil colaborativo para a identificação de pessoas que atentam contra a democracia do Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2023
  • Aceito
    18 Set 2023
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