Acessibilidade / Reportar erro

Psicastenia

FONTES

Psicastenia

Dr. Henrique Roxo

Prof. Substituto das Clínicas Neurológica e Psiquiátrica da Fac. do Rio

O estudo clínico da psicastenia merece grande atenção, pelo avultado número de doentes que neste feitio clínico se enquadram. São eles foreiros na frequência dos consultórios. São dignos de que se lhes tribute interesse e se esmerilhem os pormenores de sua doença.

Considero a psicastenia uma modalidade de neurastenia, em que predominam as obsessões, fobias e impulsões.

É um esgotamento nervoso originário, uma debilidade nervosa que acompanha o indivíduo desde o berço e nele suscita reações particulares.

Janet e Raymond abrangem na rubrica de psicastenia as obsessões, impulsões, manias mentais, loucura da dúvida, os tiques, as agitações, as fobias, os delírios de contato, as angústias, as neurastenias e a nevropatia cerebrocardíaca ou doença de Krishaber.

Concebo a psicastenia de forma diferente e basta meditar que Janet e Raymond a consideram como uma modalidade à parte, paralela à histeria, em cujo seio se englobam manifestações neurastênicas.

Para que haja método, analisarei os caracteres formulados pelos autores franceses, discutirei a razão de ser do tipo clínico e apresentarei os sintomas que nos doentes me tem sido dado constatar.

A obsessão é constituída por uma ideia que empolga completamente o indivíduo lhe acarreta uma emoção intensa, de que busca se libertar por uma reação, cujo valor não pode sopesar. É condição essencial a emoção, e nisto há a diferença com a ideia fixa, em que o indivíduo só pensa em uma coisa, mas não se emociona com o conteúdo da ideia. A ideia obsessiva não perdura pela grande valia que possa ter: às vezes é uma coisa absurda, um objeto de nonada, mas o doente que muitas vezes lhe sente o absurdo, não pode libertar-se do seu tom emotivo.

Só há prazer na minuciosa descrição do que o tortura e se há uma fadiga constante em tudo o mais, ela não se depara quando ao médico desfiar o rosário de seus padecimentos. Tudo quanto sente, se lhe afigura uma coisa única e lhe custa a crer que o mal seja comum e sua gênese elucidável. Se o doente reconhece muitas vezes que é absurdo o que experimenta e não consegue exonerar-se da ideia emotiva que o empolga, é que há no fundo uma fraqueza de vontade que representa a essência da doença. Falta-lhe a energia do querer e sobeja-lhe a emoção. Debalde envida ele esforços para que o pensamento parasita que lhe verruma o cérebro se afaste. Busca pensar em outra coisa, mas quando menos se precata, a ideia obsessiva implanta suas tenazes e o indivíduo fica um escravo.

É ela consciente, mas aparece quando o doente não a deseja, embaraça-lhe o raciocínio regular, empolga-o e, como um hóspede inoportuno, se intromete em tudo, contraria as ideias razoáveis e se não pode com facilidade removê-la.

Tais são seus caracteres fundamentais e ulteriormente em outros detalhes me embrenharei.

As impulsões representam um elemento de descarga, um processo de defesa. São, muitas vezes, o complemento da obsessão, sua forma final. A vontade é igualmente fraca para as reprimir. Elas irrompem e se esgotam, sem que seja lícito dosá-las ou detalhá-las. É outro predicado da psicastenia.

Janet e Raymond consideram outra modalidade da psicastenia as manias mentais. Estas, que também denominam eles manias mentais de escrúpulo, consistem em operações intelectuais que excitam o doente e lhe ocupam no pensamento duradouramente um lugar que não corresponde à sua insignificante valia.

A fuga do pensamento, o mentismo, a ruminação mental nisto se enquadram.

O termo é mau, porque implanta uma certa confusão com a psicose maníaco-depressiva que é coisa outra.

Demais, parece-me que o que chamam manias mentais são processos cerebrais que cabem nas obsessões. A mania da limpeza, por exemplo, que faz com que horas a fio se lavem as mãos na perspectiva de as libertar de uma imundície que não existe, nada mais é que uma obsessão do asseio.

Frequentemente consistem elas em verdadeiras fobias. Não uso, pois, o termo manias mentais porque ele dá ideia de mania e abrange obsessão e fobias que têm sua designação própria.

A loucura da dúvida nada mais é que uma modalidade da obsessão. Corresponde à loucura indagatória de Morselli e consiste em uma ideia que irrompe no raciocínio do doente, o empolga e emociona sob a forma de pergunta que ele faz a si mesmo e de cuja resposta quisera ter a certeza, mas se lhe depara a vacilação.

O indivíduo vê uma árvore e fica a perguntar a si mesmo por que não é ela azul? Vive, às vezes, na dúvida de ter sido o autor de qualquer ato delituoso, de ter feito qualquer coisa que não fosse rigorosamente correta.

Feitio comum é o do indivíduo que fecha uma gaveta e volta duas e mais vezes para ver se está ela bem fechada. Sabe que o fez, mas duvida, e sente uma obsessão que o obriga a voltar.

O tique representa um ato que tendo uma causa lógica e visando um objetivo plausível, volta a repetir-se, sem que tal seja necessário, exagerando-se na sua forma, na sua intensidade, e na sua frequência. A princípio volitivo, o ato é posteriormente automático, inútil, e, embora o paciente tenha consciência dele, faz-se mister um grande esforço para que por minutos o possa sofrear. A detenção voluntária do tique agonia o doente que prefere deixá-lo perpetuar-se inútil e incômodo. É uma simples manifestação nervosa, em que o fenômeno psíquico é caracterizado pela obsessão e impulsão. Se figura na psicastenia, parece-me que nestas duas últimas rubricas se pode bem enquadrar.

As agitações, que podem ser mentais ou motoras, consistem em uma série de atos que são exagerados em relação ao fim a que visam. Pode haver um torvelinho de ideias que empolgam o pensamento do paciente e apresentam o cunho de uma obsessão.

Outras vezes, há uma série de movimentos inúteis, na perspectiva de bem realizar um razoável. É o caso de quem tem a impulsão de sacudir bem as pernas, antes de as locomover na rua.

É o de quem se vê forçado a caminhar nervosamente, pela sala, de um lado para o outro, antes de executar qualquer trecho musical.

Muitas vezes há apenas nervosismo.

As fobias representam um dos elementos fundamentais da psicastenia. Elas, as obsessões e as impulsões podem abranger tudo quanto em quadros multifários Janet e Raymond dispersaram. Na fobia, há como elemento essencial o medo que pode ser difuso ou sistematizado. Descrição mais circunstanciada será posteriormente citada.

No delírio de contato, em que a pessoa tem medo de tocar em certos objetos, em uma faca, por exemplo, nada há mais que uma simples fobia.

Os próprios Janet e Raymond já lhe dão como sinonímia fobia de objetos e por esse motivo pareceu-me absurdo colocar num grupo à parte o que no quadro anterior se pode conter.

No que designam angústia há uma agitação emotiva difusa, uma sensação de ansiedade, em que há um mal-estar extremo, com os caracteres do que eu chamo nervosismo, a cujo respeito escrevi um trabalho. Penso, pois, que esta classe deve ser destacada para outra parte da neurastenia, em que há essencialmente uma fraqueza irritável do sistema nervoso, predominando os distúrbios sensoriais, um desequilíbrio da vida emotiva, ao passo que na psicastenia se destacam os elementos de fraqueza de vontade.

Outra classe da classificação de Janet é das neurastenias.

Coloca ele estas como uma parte da psicastenia, quando é justamente o contrário que se dá. Diz ele que é ela uma psiconevrose muito vizinha da neurastenia, que ocupa um lugar intermediário entre a epilepsia e a histeria.

Anteriormente, mostrando-se de acordo com Dejerine e Moebins, que consideram a neurastenia como a forma inicial de que derivam as outras nevroses como de uma fonte, acreditava que podia ser lida como um grau de piora da neurastenia, em que há fenômenos mais difusos e mais intensos.

Depreende-se de tudo isso a grande confusão em que labuta.

A psicastenia é uma forma da neurastenia e os elementos fundamentais desta cefaleia, raquialgia, astenia neuromuscular, dispepsia por atonia gastrointestinal, insônia, depressão mental com estado psíquico particular, nela se podem constatar.

Na nevropatia cerebrocardíaca ou doença de Krishaber há um distúrbio profundo da cenestesia, em que o indivíduo se sente estranho a si mesmo, modificado em sua personalidade. Enquadra-se bem no que chamo nervosismo.

Vê-se, pois, que a psicastenia não deve ser mantida nos termos latos, em que Janet a expõe. Demais, nas observações que Raymond e Janet publicaram, há tipos clínicos que melhor caberiam, alguns, na psicose maníaco-depressiva, demência precoce e síndrome paranoide. Para perfeito esclarecimento, basta ponderar que são elementos fundamentais da psicose maníaco-depressiva, modificação sensível do humor, rapidez ou retardamento na associação de ideias, presteza ou custo no agir: que são da demência precoce a perda da afetividade, da iniciativa e de associação lógica de ideias; que a base da síndrome paranoide é um conceito arrogante do próprio eu, com egocentrismo resultante.

Excluídos estes que são em pequena cota, e justificando-se o fato pela notável evolução que tem tido a psiquiatria depois daqueles trabalhos ficam os doentes que cabem rigorosamente na psicastenia e no nervosismo. Neste coloco as agitações, as angústias e a neuropatia cerebrocardíaca ou doença de Krishaber.

Na psicastenia há exclusivamente obsessões, fobias e impulsões.

As manias mentais se reduzem a obsessões e fobias. A loucura da dúvida é uma obsessão. O tique abrange obsessão e impulsão.

Quando a agitação não é puramente sensorial e se não enquadra bem no nervosismo, há obsessão ou impulsão. O delírio do contato representa uma fobia.

As angústias pertencem ao nervosismo.

As neurastenias representam designação aplicada à parte do que cabe ao todo.

A nevropatia cerebrocardíaca pertence ao nervosismo.

Modificada e reduzida a psicastenia aos seus elementos básicos, perguntar-se-ia se assiste razão à psiquiatria francesa em a ter criado e mantido? De feito, todos os autores reconhecem a existência do que nela se contém, mas é vária a distribuição que dão às obsessões, fobias e impulsões.

Kraepelin as coloca no grupo dos estados mórbidos originários.

Schüle estuda-as nas loucuras hereditárias.

Morselli analisa-as na paranoia rudimentar; Régis, no grupo dos degenerados médios; Krafft-Ebing, nas degenerações psíquicas de base neurastênica; Dagonet, na loucura dos degenerados; Mapherson, nas psicoses dos degenerados; Morel, na loucura hereditária; e assim por diante.

A classificação da Sociedade de Psiquiatria admite-a nas psicoses ditas nevrósicas. Aí figura ela ao lado da histeria e coreia. Em minhas aulas sempre desenvolvo o assunto e considero-a modalidade da neurastenia.

Berkley, Tanzi, Chaslin, etc. colocam-na na neurastenia.

Pode-se resumir, dizendo que exigem como base da psicastenia um esgotamento nervoso, ao passo que outros, apenas o elemento degenerativo. Antigamente se chamava uma pessoa degenerada e tudo estava resolvido.

Hoje o termo já é mais esmiuçado e se dá mais importância à debilidade nervosa que faz com que uma adoeça do cérebro mais facilmente que outra. É a miopragia que predomina.

As obsessões, as fobias e as impulsões têm o feitio próprio na psicastenia. Podem, porém, apresentar-se em miniatura, incompletas, como síndrome, no decurso da epilepsia, nos estados de enfraquecimento mental infeccioso, na psicose sifilítica, na debilidade mental e na imbecilidade.

Em qualquer caso, há enfraquecimento do sistema nervoso que se caracteriza por fraqueza de vontade e exagero de emoção.

Para justificar que as obsessões, fobias e impulsões se devem conter na psicastenia, basta que se investiguem os casos típicos.

Em todos eles houve anteriormente um profundo esgotamento nervoso, em que o elemento emotivo representou papel de grande monta.

Os doentes referem que se sentem abatidos, alquebrados, e um abalo moral qualquer se constata nos seus antecedentes mórbidos.

Os predicados fundamentais da neurastenia se constatam nos que têm obsessões, fobias e impulsões.

Cefaleias os torturam. Raquialgia é habitual.

A astenia neuromuscular existe e se incrementa sempre após cada crise. A insônia vê-se frequentemente.

A depressão física é foreira. A dispepsia por atonia gastrointestinal igualmente se vê.

Vertigens, tremores, câimbras, astenopia neurastênica, zumbidos de ouvido, palpitações, etc., que pertencem à neurastenia, em muitos se veem.

Da mesma forma que se verifica na neurastenia, em geral, que o doente, mesmo muito excitado, não delira com facilidade, o mesmo ocorre no psicastênico. O seu raciocínio vive constantemente dominado pela ideia que o empolga e pela lógica que a procura afastar.

Em qualquer época, porém, se não verifica o delírio. Alucinações não se constatam e, nos autores que as assinalam, mister se faz que se esclareça bem que as ilusões se não refiram. Na ilusão se permuta uma sensação real por uma imaginária e o psicastênico, no apogeu da excitação, pode confundir as coisas, mas não as inventa.

É preciso frisar bem, portanto, que o psicastênico não é um alucinado.

Dejerine e Gauckler definem a neurastenia como constituída pelo conjunto de fenômenos que resultam da não adaptação do ser a uma causa emotiva contínua e da luta em favor desta adaptação.

Meditando-se a respeito desta definição, verifica-se bem que a psicastenia nela se pode conter e, portanto, dentro dos limites da neurastenia. Seppili estabelece como condição essencial desta a coexistência de um exagero de irritabilidade, em consequência da qual a resposta dos nervos a qualquer estímulo é intensa e difusa, e há falta de resistência funcional que acarreta exaustão rápida da energia nervosa. Ainda aí cansaço e irritabilidade formam o fundo do mal que se chama psicastenia.

Morselli considera como base da psicastenia uma astenia nervosa constitucional, em que se fundem predisposição neuropsicopática e exaustão fácil do sistema nervoso.

Tanzi funde a psicastenia com a neurastenia. Krafft-Ebing considera a alienação mental com representações obsidentes como tendo por base uma neurastenia constitucional.

Outros autores de valia poderia aduzir, nos quais possa apoiar a minha opinião de que a enti-dade clínica que analiso deve ser enquadrada na neurastenia. Na psicastenia há um esgotamento nervoso constitucional. Há um cansaço nêurico que vem desde o berço. São verdadeiros predispostos a manifestações graves de neurastenia. É uma verdadeira miopragia que conduz a cerebrastenia, nome com que também se pode designar a psicastenia. Se o indivíduo é um predisposto a fácil exaustão, claro está que as causas normais desta mais ativamente se farão sentir.

Observando-se a gênese do mal, vê-se que quase sempre houve um abalo moral forte, uma emoção intensa e duradoura que veio siderar o doente. Discute-se, e Claude é desta opinião, que uma emoção por si só não pode tornar uma pessoa neurastênica. Penso como Dejerine, que é ela causa fundamental. Basta recordar a experiência de fisiologia em que um nervo excitado resiste demoradamente, ao passo que se o animal, a que ele pertence, estiver assustado ou irritado, mostrar-se-á prontamente incapaz de conduzir ou reagir à excitação.

Se a psicastenia é um ramo de neurastenia, o mesmo raciocínio que a esta se aplica, àquela se adapta. Em geral, houve um susto, uma emoção e daí veio tudo, além da base mioprágica. Verdade é que a gripe, a febre tifoide, a colibacilose, etc., podem preceder o surto do mal. Mas ao fator infeccioso se associa o emotivo e quem não tivesse predisposição e com a doença se não preocu-passe psicastênico não ficaria.

Em todos os meus doentes vi sempre organizações emotivas que se vinham fatigando e contrariando. Em uma, dificuldades de vida; em outros, sustos e desprazer. Nunca se me deparou neles a antecedência de uma vida absolutamente tranquila e despreocupada.

Outro fato a assinalar é que, em geral, havia desnutrição. À custa de emoções, se deturpava o tropismo nervoso e a queda deste exaltava o desenvolvimento daquelas. Jean Lépine, em relatório apresentado em 1908 ao Congresso Francês de Medicina, invoca na patogenia dos estados neurastênicos o papel importante dos distúrbios nutritivos que, a meu ver, facilitam enormemente o surto do mal.

Isto é natural, pois o cérebro vive à custa da nutrição de suas células e há uma relação muito estreita entre o metabolismo celular cerebral e o pensamento. Bernheim, de Nancy, acredita na associação do fator emotivo a uma discrasia tóxica muitas vezes constitucional e originária. Diz ele que o organismo fica sobrecarregado de toxinas elaboradas pelos micróbios ou criadas por uma discrasia nutritiva, e tal é o motivo pelo qual a cura da neurastenia se torna frequentemente difícil e demorada.

Feuillade, no Congresso de Bruxelas, de Agosto de 1910, publicou um trabalho sobre os estados psicastênicos pós-infecciosos, em que o elemento toxi-infeccioso é invocado como de grande monta, pondo-se até de lado ao fator hereditário. Arnadt invoca como causa da neurastenia uma condição anatômica especial dos centros nervosos. Diz ele que ao lado de células nervosas normais há grupos de outras que ficam em estado embrionário, e que daí deriva um estado degenerativo, de que resulta em última análise a fraqueza irritável.

Esta interpretação peca, como bem diz Seppili, pelo fato de só se poder aplicar aos casos em que o mal seja congênito e não admitir, portanto, uma neurastenia adquirida.

A patogenia da psicastenia se constitui essencialmente de dois fatores: o degenerativo hereditário e o emotivo, sendo que este às vezes se soma com o toxi-infeccioso.

As toxi-infecções por si só não criam a psicastenia, mas a facilitam e incrementam.

Observando-se os doentes, verificar se estes se apresentam pálidos, abatidos e emagrecidos. Em parte, são as emoções que experimentam, o que concorre para os manter desnutridos e anêmicos, mas também se notam prisão de ventre persistente, insuficiência hepática, catarro gástrico e intestinal, etc., que influem para manter uma hipotrofia tóxica.

Esmiuçando os sintomas da psicastenia, deve-se fazer a análise das obsessões, fobias e impulsões.

Pierre Janet divide as obsessões em cinco classes: obsessões de sacrilégio, de crime, de ver-gonha moral, do eu físico e de moléstia.

Pitres e Régis admitem várias classes: da dúvida, de escrúpulo, da palavra, do algarismo, da linguagem, de sentimentos e afeições, nosofóbicas, etc.

Morselli admite três classes: obsessões de dúvida, de contato e inibitórias.

Tanzi admite três classes: intelectuais puramente representativas, emotivas, isto é acom-panhadas de um estado afetivo, e impulsões.

Outras classificações poderia aduzir, mas estas bastam para que do assunto se tenha ideia.

Comentando e criticando a de Janet que foi o criador da psicastenia, vê-se que a obsessão de sacrilégio se constata quando há a associação de uma ideia elevada, religiosa, a outra de escárnio, deprimente. É o caso do doente que não podia pensar no espírito do próprio tio, sem que imediatamente pensasse em fezes a lhe envolverem o rosto. É o caso da doente que pensando em hóstia, se lembrava de qualquer porcaria que a profanasse. Não é obsessão das mais comuns. A obsessão do crime é das mais comuns. Pode variar o feitio, mas é sempre a tendência à realização de um ato delituoso, contra o qual se revolta a consciência honesta do doente.

Às vezes, a obsessão não é acompanhada da impulsão e o doente pensa em matar, se aflige com isto, mas o não faz. Na de roubar (cleptomania), o doente pensa nisto e chega a praticar o ato, para que se liberte da angústia que o tortura. Com a ideia de crime se associa muitas vezes a do remorso de o haver praticado. São pessoas que se acusam de ter feito qualquer coisa má, que repisam a todo instante nisto e assinalam o remorso de o ter feito. Às vezes, nada houve ou fez uma coisa sem importância, mas há notável exagero e pessimismo.

Tenho uma cliente que vive com a obsessão de ter procedido mal por ocasião da morte de um primo que muito prezava, momento em que torrentes de lágrimas e gritos lamuriosos não surgiram a lhe acentuar o sofrimento.

É a ideia de um crime que pode ser absurdo, mas que nem por isso deixa de incomodar.

Na obsessão de vergonha do eu moral, o paciente acha que não procedeu em dado momento dentro dos limites da honra e dever. Pensa que nas confissões da igreja não vazou toda sua sinceridade, que em suas orações não transfundiu toda sua fé. Neste tipo se englobam frequentemente ideias de sacrilégio e crime e me não parece que Janet tenha sido muito feliz quando o criou.

Na obsessão de vergonha do eu físico, vive o doente a se analisar, a se mirar nos espelhos, com a preocupação de que está engordando ou emagrecendo, de que tem sardas, de que surgem rugas.

Não é uma simples questão de vivacidade, pois pode ser uma simples questão interpretativa, sem que nada real exista.

Lembro-me de uma doente, em que havia a ideia de que pelos lhe surgiam no rosto, o que a irritava, sem que eles houvessem excedido a tênue penugem, que o roçagava.

A obsessão de moléstia é muito comum.

Ideias hipocondríacas campeiam francamente nos psicastênicos.

É mister distinguir bem aí o que caiba à fobia, que implica a sensação de medo.

Na obsessão de moléstia o indivíduo não tem medo de que vá ter alguma coisa, mas tem a preocupação dolorosa que dela já padeça.

Muitas vezes é a ideia de loucura que o empolga. O cliente se apresenta com a convicção de que o que apresenta é alienação mental e se aterra com isto.

Tenho um consultante que apresenta um tique de tiragem, que procurara um dos nossos mais notáveis clínicos e que ouvira dele ser aquilo um fenômeno psíquico, sendo esta frase motivo ocasional para que ele viva a indagar de mim se aquilo não é um sintoma positivo de loucura.

Doenças da esfera sexual também preocupam extraordinariamente.

Assim é que o psicastênico tem bastas vezes ereção incompleta, ejaculação prematura e gozo insuficiente, e qualquer das três coisas basta para que viva a se convencer da existência de uma doença da medula.

O aparelho circulatório é outro motivo de cisma. Muito frequentemente se associa o nervosismo à psicastenia, dando o tipo completo de neurastênico.

Então há, ao mesmo tempo, distúrbios multifários das cenestesias e obsessões, fobias ou impulsões. O indivíduo sente, por exemplo, uma grande aflição no coração, palpitações, constrição, etc. e tem a obsessão de que está sofrendo de uma doença muito grave do órgão cardíaco. Viverá com a obsessão, a procurar médicos, e a persuasão destes, por si só, se não curará e será sempre necessária uma medicação calmante que atenue o eretismo do plexo cardíaco.

A classificação de fobias de Régis é, a meu ver, das melhores.

A fobia dá-se quando a ideia que empolga o doente se reveste do predicado do medo.

Pode ser difusa ou sistematizada. No primeiro caso há um medo vago, indefinido e a pessoa vive nem pressentimento angustioso de que lhe vá suceder alguma coisa muito grave.

Quando sistematizada, pode ser constitucional ou acidental. No primeiro caso houve desde a meninice o receio desarrazoado de certas coisas; no segundo, houve uma emoção ligada a uma certa coisa, da qual começa de haver medo daí em diante.

Podem-se classificar as fobias em três grupos: de objetos e atos; de lugares, elementos, doenças e mortes; e de seres vivos.

As de objeto podem ser: de poeiras (misofobia), de metais (metalofobia), de alfinetes (belenofobia), de sujeira (rupofobia), de venenos (trocicofobia), do sangue (hematofobia), de objetos aguçados (aicmofobia), de pedacinhos de vidro (jalofobia), de pelos (tucofobia), etc.

Na minha clínica observei uma doente que não podia comer arroz, farinha ou feijão, que não catasse demoradamente, receosa sempre de que ali se aninhasse um alfinete (belenofobia).

Duas outras tive eu que tinham a fobia da poeira e de se emporcalhar (rupo e misofobia). Uma delas vinha de casa e no bonde bastava que o seu vizinho encostasse o pé, para que saltasse a se limpar. Lavar as mãos uma infinidade de vezes receosa sempre de que estivessem sujas e contaminadas.

A outra não podia abrir a porta, sem que com um papel limpo pegasse na maçaneta, onde naturalmente muitos já deveriam ter tocado.

Há uma outra que tem já as mãos descoradas de tanto as lavar. É que as pessoas, com que fale, já podem muitas vezes ter estreitado a mão de doentes.

Na fobia de atos se enquadram os indivíduos que se sentem incapazes de escrever diante de muita gente o seu nome ou de realizar qualquer trabalho, a que já estejam afeitos. Ficam com medo de não fazer direito e o não fazem. Um cliente meu, tabelião no interior se São Paulo, teve de deixar o trabalho, porque vivia apavorado com a ideia de o fazer em público.

Entre as fobias de lugares há: a de grandes espaços (agorafobia), de pequenos espaços (claustrofobia), de cumes (acrofobia), de precipícios (cremnofobias), da casa (oicofobia), de carros (amaxofobia), de trens (siderodromofobia), etc.

Tive um cliente que era incapaz de atravessar o largo de São Francisco de Paula, sem que o bordejasse pelas paredes da casa. Tenho tido mais de uma cliente que não pode frequentar teatros ou cinemas, porque sente o medo de que a multidão a abafe, sentindo o espaço muito pequeno.

Aqui há claustrofobia, ali agorafobia.

Há quem nunca tenha podido ir ao Pão de Açúcar ou ao Corcovado (acrofobia), há quem não possa ficar em casa e só queira viver na rua (oicofobia).

As clínicas de especialista demonstram também a existência de psicastênicos que são incapazes de entrar num ascensor.

As fobias de elementos são representadas pelo medo do ar ou ventos (aero ou anemofobia), de fogo (pirofobia), de águas, rios e mar (hidro, potamo e talassofobia), da terra (geofobia), de tem-pestades (queimofobia), de trovão (brontomofobia), de relâmpagos (astrapofobia), de montanhas (orofobia), de ladeiras (clinofobia), de vácuo (quenofobia), da noite ou escuridão (nictalofobia, queronaufobia), da claridade (fotofobia), etc.

Um pequeno cliente meu de 6 anos, esconde-se debaixo da cama, sempre que escuta o roncar do trovão (brontomofobia).

Mais de um tenho visto que fecha hermeticamente janelas e portas, com receio da menor corrente de ar (anemofobia).

Tenho outro que nunca se sentiu capaz de tomar banhos de mar (talassofobia). Mais de um tem me consultado que não dispensa uma lamparina ou mesmo a luz bem forte, para que possa dormir, sem que se apavore.

Fobias de doenças são muito comuns.

São as nosofobias ou patofobias, de que a mais importante é a psicopatofobia ou manifobia, isto é, o medo de ficar louco.

Mais de um cliente me tem consultado com esta fobia.

Um deles, empregado na Estrada de Ferro Central, sente de vez em quando uma aflição enorme na cabeça, pensa que vai ficar louco, aterroriza-se com a ideia e começa a ruminar que o que lhe adviria se fosse agarrado e levado para o Hospício, vendo-se brutalizado e em estado miserável a família.

Uma ideia desperta outra e se uma pessoa pensa em ficar louca, tudo quanto há de mal a respeito disso lhe acode e uma hiperestesia sensorial faz com que sinta como prova disso tudo quanto lhe venha do mundo exterior.

Outro me pergunta sempre se não há risco de que enlouqueça.

Acarofobia ou medo de estar com sarna também já foi visto por mim.

Ocorrera em um doente que anteriormente tivera sarna.

Também conheço casos de tisiofobia ou medo de estar tuberculoso, sifilofobia ou de ter contraído a sífilis, micróbio ou bacilofobia ou dos micróbios, lissofobia ou de raiva e cardiofobia de doença do coração.

Os autores citam também gonocofobia ou medo de ter blenorragia, a histerofobia ou de histeria, a hipnofobia ou do hipnotismo, glossofobia ou de doença da língua, odontofobia ou de doença nos dentes, spmatonheofobia [sic], tremofobia, etc.

Morselli cita que a dismorfofobia ou medo de ter ficado diferente no aspecto em relação ao que era, mas isto, a meu ver, é mais frequente na demência precoce, de que é um dos sinais mais curiosos e mais prematuros.

A fobia de enrubecer, ou ereutofobia, a de suar ou efidrofobia, a de evacuar ou apopotofobia, a de estar em pé ou andar ou estasofobia ou basofobia, a de vestir ou encluofobia, etc. também pertencem a esse grupo.

Há quem viva sempre a pensar na hora da morte ou tanatofobia.

Entre as de seres vivos há: a de homens ou antropofobia, a de mulheres ou ginecofobia, a do povo ou colofobia, a de cães ou cinofobia, a de gatos ou galefobia, a de qualquer bicho ou zoofobia, etc.

A impulsão é constituída pela tendência irresistível a realização de um ato.

Muitas vezes é ele absurdo, extravagante, desarrazoado, mas o indivíduo o não pode sopitar.

Frequentemente é o complemento de uma obsessão e não consiste unicamente no agir e sim no tender a agir.

O doente luta não raramente, para que o ato se não realize, mas a aflição que o fenômeno inibitório lhe acarreta é de tal ordem, que prefere deixar que a reação extravase, porque sente que isso lhe acarreta um alívio enorme. Há como que um desabafo.

Há uma escassez de energia volitiva e a pessoa não consegue fazer unicamente o que queria.

Pitres e Régis dividem as impulsões em motoras, psicomotoras e psíquicas.

Morselli divide em impulsões a realizar gestos ou atos ou tiques, a pronunciar palavras, a realizar atos inofensivos, e a praticar atos daninhos e perigosos.

No primeiro caso o ato pode não ter utilidade ou qualquer fim prático, mas irrompe e a vontade baqueia no sopitá-lo.

Há doentes que dizem uma série de palavras obscenas (coprolalia) e só aliviam depois que o fazem.

A ecolalia ou impulsão a repetir as palavras ouvidas é fenômeno que pertence menos a psicastenia que à demência precoce.

Entre as impulsões a atos inofensivos a poriomania, ou a viajar, dromomania ou a caminhar e a, do jogo.

Entre as, a atos nocivos ou perigosos há a cleptomania ou impulsão ao furto, a piromania ou do incêndio, a clastomania ou à destruição, as impulsões ao suicídio, ao homicidio, às perversões sexuais, às bebidas alcoólicas, às mutilações, etc.

Conheci em Paris uma brasileira de alta sociedade que era sempre acompanhada por um empregado que ia repor no dia seguinte os objetos que era impulsionada a roubar.

Casos de dipsomania conheço-os muitos e o doente tem nojo da bebida, sente que não a deve tragar, mas não consegue refrear o vício que o empolga e impulsiona.

Obsessões, fobias e impulsões frequentemente se associam ou se substituem. O psicastênico vive à mercê delas.

Em qualquer delas se assinala bem a psicologia da psicastenia, em que sobressai a falta de vontade. Este é seu defeito característico.

O sofrimento que o conturba, ocupa plano inferior ao que se encontra no nervosismo.

Aquilo que se destaca é a falta de energia para refugar o que campeia na sua consciência, para agir sem que se aperceba do que estorva o seu querer.

A debilidade nervosa acarreta a impossibilidade de bem desempenhar a capacidade volitiva e ela deriva, por sua vez, de uma desnutrição nervosa que resulta de fatores acumulados desde o berço, em que se salientam emoções e toxi-infecções.

Às vezes, é só o impulso inicial que falta; outras vezes, a ação em toda sua plenitude falha. Inibido na vontade ou indolente no seu desempenho, o psicastênico é uma presa que se não liberta facilmente das obsessões, fobias e impulsões.

A demonstração de que tudo é absurdo o não surpreende, porque não raro assim pensa, mas não é isto que lhe incurtirá o querer. A persuasão o não curará. É preciso restaurar o sistema nervoso esgotado, tonificá-lo e demonstrando ao doente que é preciso reeducar a vontade, ir dando alimento e medicamento à célula nervosa que baqueou.

A fraqueza nervosa pode chegar a ponto que, como na observação de Schwab (The Journal of Nervous and Mental Diseases, Nov. 1905), se verifique uma atrofia acentuada muito regular de todos os músculos. Via de regra, o psicastênico emagrece.

A consciência de incapacidade, a dúvida e indecisão e a fraqueza das funções psíquicas concorrem para o abatimento em que vive o doente.

Gianelli diz que os psicastênicos são tímidos, misoneístas, capazes de tudo no domínio intelectual e de coisa alguma no da ação. Há, às vezes, verdadeiras paradas do pensamento que vive numa ideia única.

Há hipoacidez de urina. Hipotensão arterial vê-se na quase unanimidade dos casos e penso existir aí um bom meio para se fazer a distinção do histérico e do simulador.

Há muito frequentemente edemas que predominam nas pálpebras e nos lábios. A pele mostra-se seca. Há falta de lágrimas e de catarro.

A vida sexual é poderosamente influenciada. Há muito frequentemente impotência psíquica. Em consequência de um dia de calor excessivo ou de qualquer outro desprazer, pode falhar a ereção no momento da cópula. Qualquer outro se não impressionaria com isso que perceberia não corresponder a um vício insanável. Com o psicastênico tal não sucede. Pensa ele logo que possa estar impotente e com esta convicção muito naturalmente se incomoda. Buscando convencer-se do contrário, entra timorato numa casa de meretriz e o pensamento obsessivo de que possa falhar a potência é o motivo único pelo qual mais uma vez o insucesso se constata.

Horrorizado e descrente, não tarda que corra aos consultórios médicos e de um em um vá buscando a certeza que talvez se lhe não antolhe na primeira relação sexual. É indispensável que se lhe levante o moral, que se lhe demonstrem perfeitos os reflexos e que se lhe explique o mecanismo do fenômeno. É a ideia da impotência a se intrometer no ato e a o inibir. É preciso que se busque convencer o doente disto, mas tanto não basta. É indispensável que um tônico nervino lhe revigore a inervação esgotada, que se lhe aparem com um antiespasmódico as demasias de emoção e que se aconselhe a frequência de uma mulher, com que tenha muita liberdade ou com a qual já se tenha ostentado pujante e varonil. No recesso dos consultórios são comuns estes doentes que, às vezes, numa longa exposição de coisas outras, adiam e evitam o toque na ferida que os tortura e compunge. É o pleno domínio da doutrina de Freud, que na sexualidade busca a origem de todos os males.

A impotência psíquica é efeito de uma obsessão e de uma fobia. Aquela lhe incute a ideia tenaz de que tenha uma doença grave, talvez da medula, esta a do receio, de que nunca mais possa exercer o seu poder genésico.

Simidoff, que escreveu uma tese interessante sobre a psicastenia, diz que a incapacidade dos psicastênicos se assinala principalmente na função do real, isto é, nos fenômenos psicológicos que presidem à adaptação do indivíduo à realidade atual.

Bernheim apresenta como sintomas: cefaleia, vertigem, zumbido de ouvido, abulia, obsessões tristes, pesadelos, dores e sensações diversas, formigamentos, entorpecimento, amiostenia, distúrbios gastrointestinais e exagero dos reflexos rotulianos. Alguns destes sintomas, os mais acentuadamente sensoriais, pertencem antes, a meu ver, ao nervosismo. Pode haver, porém, a associação deste à psicastenia.

O psicastênico é muitas vezes um toxomaníaco e principiando a fazer uso de um deles, injeções de morfina, por exemplo, delas fica um escravo, pois a força de vontade não surge a vencer a obsessão que o empolga.

Há comumente a sensação de que se está inferior ao que se era antigamente. Tudo que se faz, parece que seria realizado melhor em outros tempos. E tudo fica como que por finalizar. Falret assinala que frequentemente há apelo a opinião de outras pessoas, duvidosos sempre da firmeza de suas percepções.

O psicastênico pensa em agir, sabe como o deve fazer, delineia seus planos, mas, doente da vontade, os não executa. Tive um doente que, residindo na Avenida Rio Branco, ficara cinco anos sem que conseguisse sair à rua. Ficava sem energia para o fazer, e um estado de ansiedade o empolgava, se insistia. Mediquei-o e hoje está completamente curado.

O Dr. José Garcia de Barros que foi um dos mais aplicados dos meus alunos e escreveu uma boa tese sobre psicastenia, cita o caso de uma senhora que não consegue igualmente por abulia ir à rua.

A memória é vagarosa. O indivíduo não é um esquecido, mas custa a evocar suas ideias. Há um entorpecimento geral do cérebro, a não ser em relação ao que diretamente interessa às obsessões, fobias e impulsões.

Há um embotamento sensorial, nunca, porém, tão acentuado como na demência precoce.

A insônia sói ocorrer bastas vezes.

Muitas vezes, passa-se a noite inteira a remoer uma ideia e o sono é desviado; outras, o cérebro fica como vazio, exausto, e abstrato se queda sem sono, e a não pensar em coisa alguma.

O apetite foge. Preocupado, não tem vontade de comer e, se o faz, não mastiga bem e digere mal.

Alternativas de prisão de ventre e diarreia se constatam, mas o que predomina, é a constipação. O doente, ou urina muito e o líquido é claro, quase transparente, ou o faz raramente, como que esquecido da função. A vida vegetativa como que se perturba toda ela, e o doente principia a emagrecer e definhar.

A vida do indivíduo toda ela se compromete e Mönkemöller, no Archiv für Psychiatrie, nº 54 de 1914, assinala casos interessantes, em que questões forenses graves se suscitavam.

O humor e a moral se pervertiam e defeitos psicopáticos eram oriundos, em última análise, da falta de energia volitiva.

Para que se faça o diagnóstico diferencial, é preciso que se firme bem a doutrina de que a psicastenia tem uma individualidade própria e que não deve ser confundida com a histeria, por exemplo.

Lewandowsky (Handbuch der Neurologie, 1914) acredita que haja aí sempre um caráter histérico.

Adotando-se as ideias modernas sobre histeria, de que foi criador Babinsky, vê-se que é qualidade essencial ser constituída por fenômenos formados por sugestão e removidos pela influência exclusiva da persuasão.

Não é isto o que ocorre na psicastenia. Pode a sugestão influenciá-la, mas não é o fato primordial, o elemento originário de tudo quanto nela se verifique.

A persuasão, por si só, não a curará e isto é também elemento de grande valia para extremar dúvidas.

Impulsões se constatam muitas vezes nos epilépticos, mas a diferenciação se fará, porque nestes, além da existência das crises convulsivas ou quaisquer outras comiciais, há instantanei-dade e maior rapidez na descarga.

A reação motora vem de um jato e nela se não acha presente a consciência. Esta pode na psicastenia achar-se em certo momento obnubilada, mas se não encontrará suspensa como no ato comicial.

Poder-se-ia pensar em psicose maníaco-depressiva, mas a diferenciação se firmará bem nas modificações fundamentais do humor, da associação de ideias e da atividade motora.

A demência precoce simples poderia parecer psicastenia, mas basta prestar atenção aos elementos básicos daquela, que são a perda de afetividade, de associação lógica de ideias e de iniciativa.

Quando obsessões, fobias e impulsões surgem como síndromes no decurso dos estados de enfraquecimento mental infeccioso, sobressaem os predicados deste que consistem em diminuição do coeficiente intelectual e resíduos toxi-infecciosos confusionais.

Na psicose sifilítica, há os dados do laboratório a extremar as dúvidas e os sintomas clínicos, frequentemente de lesões em foco, que dão a preponderância à sífilis e plano secundário à síndrome psicastênica.

Na debilidade mental e imbecilidade, há os caracteres essenciais de escassez de inteligência, e aí também pode enxertar-se, como uma síndrome, a psicastenia.

Para tratar um psicastênico, basta meditar na sua essência neurastênica. É preciso nutrir a célula nervosa e não excitá-la, devendo, portanto, como no nervosismo, ser postas de lado cola e estriquinina.

Os melhores tônicos do sistema nervoso são o arsênico, a cerebrina e o glicerofosfato de magnésio. A par disto, é necessário evitar a excitabilidade emotiva e emprego sempre com proveito o valerianato de zinco e a Cannabis indica.

O ópio pode ser vantajoso e dos preparados deste o que me parece mais adequado é o fosfato de codeína.

O brometo só poderá ser utilizado em doses muito pequenas; em caso contrário, só poderá ser nocivo.

Em qualquer hipótese, é preciso fazer a reeducação da vontade.

É necessário que se demonstre ao doente que tudo quanto padece, é um efeito de sua escassez volitiva e que deve reagir contra isto. Se se não tira uma parte da emoção à custa da medicação antiespasmódica, o esforço será baldado, porque, para que não sinta ansiedade, preferirá entregar-se a sua astenia. Um pouco mais tranquilo, porém, e tonificado o sistema nervoso poderá reagir melhor e a autossugestão, ou antes a persuasão própria, poderá obter a cura que por si só não obteria. O isolamento é útil, mormente quando no meio familiar se deparar um adubo propício às ideias que brotarem no campo da consciência.

A educação, incutindo, desde a infância, força de vontade, procurará evitar o grande desenvolvimento que vai tendo a psicastenia, o grande mal da época, que suprimirá os vencedores do futuro que serão sempre aqueles que mais souberem e puderem querer.

Conclusões

A neurastenia divide-se em duas partes: psicastenia e nervosismo. Nesta há essencialmente distúrbios da sensação; naquela, distúrbios de vontade.

O doente de nervosismo é um desequilibrado da vida sensorial, um esgotado que vive se sentindo mal a cada instante. O psicastênico é um esgotado, em que se notam emoções, mas no qual predomina a falta de força de vontade.

A psicastenia compreende obsessões, fobias e impulsões.

O conceito de Janet, que a divide em muitas classes, deve ser modificado, de acordo com a evolução científica e a rigorosa observação dos fatos. No entanto, a individualidade da psicastenia deve subsistir, não devendo o que nela comporta ser dispensado entre os estados atípicos de degeneração. Os elementos fundamentais da neurastenia aí se deparam e a sua gênese não difere da que se constata nos estados neurastênicos. Há um estado de desnutrição nervosa que acarreta a falta de energia volitiva.

Obsessões, fobias e impulsões podem figurar como uma síndrome, no decurso da epilepsia, estados de enfraquecimento mental infeccioso, psicose sifilítica, debilidade mental e imbecilidade. A preponderância dos predicados destas entidades clínicas permite que se extremem as dúvidas e se reconheça que a psicastenia figura aí como uma simples síndrome.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com a histeria, demência precoce, epilepsia e psicose maníaco-depressiva, tipos clínicos que têm seu feitio próprio.

Para tratar um psicastênico, é preciso nutrir o sistema nervoso esgotado e atenuar a excitação emotiva que o empolga e exaure.

Elemento básico será sempre a reeducação da vontade, recurso pelo qual será permitido ao psicastênico, auxiliado pela intervenção medicamentosa, transformar-se em um vencedor na luta pela vida.

Novembro de 1916.

Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, Rio de Janeiro, n.4-6, 1916, p.175-205

N.E. - Sobre este artigo, ver "Psicastenia", de Rafaela Teixeira Zorzanelli, neste número de História, Ciências, Saúde - Manguinhos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br