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Raça, corporeidade e subjetividade em Beatriz Nascimento e Eduardo de Oliveira e Oliveira

Race, corporality and subjectivity in Beatriz Nascimento and Eduardo de Oliveira e Oliveira

Resumo

O artigo analisa as proposições epistemológicas sobre raça, corporeidade e subjetividade nos trabalhos teóricos da historiadora Beatriz Nascimento e do sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira em seus campos disciplinares, entre os anos 1970 e 1990. O trabalho objetiva, dessa forma, a abertura de caminhos empíricos na genealogia do pensamento social e da história da historiografia à dimensão racial na produção do conhecimento em História e Ciências Sociais no Brasil. Em face da historicidade do debate acerca de marcadores sociais de identidade e lugares de fala, o texto considera que os dois autores estabeleceram os fundamentos de um projeto teórico para o estudo da experiência negra brasileira perpassado por problematizações acerca das injunções políticas entre a produção dos discursos sociológico e historiográfico e a identidade racial da figura social do pesquisador. Conclui-se que este projeto instaurou a emancipação epistemológica como princípio político para a elaboração de concepções alternativas de objetividade científica a partir de atravessamentos étnico-raciais.

Palavras-chave:
Epistemologia; História; Ciências Sociais

Abstract

The article analyzes the epistemological propositions on race, corporality and subjectivity in the theoretical works of historian Beatriz Nascimento and sociologist Eduardo de Oliveira e Oliveira in their disciplinary fields, between 1970 and 1990s. The article aims, therefore, to open empirical paths in the genealogy of social thought and history of historiography to the racial dimension of the production of knowledge in History and Social Sciences in Brazil. Considering the historicity of the debate about social markers of identity and places of speech, the text considers that the two authors established the foundations of a theoretical project for the study of the Brazilian Black experience fraught with problematizations about the political injunctions between the production of sociological and historiographical discourses and the racial identity of the researcher’s social figure. In conclusion, this project established epistemological emancipation as a political principle for the elaboration of alternative conceptions of scientific objectivity based on ethnic and race intersections.

Keywords:
Epistemology; History; Social Sciences

Introdução

A historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995) teve no sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira (1924-1980) um interlocutor e parceiro de trabalho. Na segunda metade da década de 1970, em atividades acadêmicas e culturais antirracistas nas cidades de São Paulo e Niterói, sua amizade intelectual estabeleceu os fundamentos de um projeto teórico para o estudo da experiência negra brasileira que foi atravessado por problematizações acerca das injunções políticas entre a produção dos discursos sociológico e historiográfico e a identidade racial da figura social do pesquisador. O presente artigo realiza apontamentos sobre essas relações que, na história do pensamento social e na história da historiografia, constituíram um capítulo importante na discussão epistemológica sobre corporeidade, subjetividade e emancipação racial no Brasil.

As afinidades de trabalho e de intercâmbio intelectual entre Nascimento e Oliveira estão documentadas em dezenas de cartas e outros papéis presentes no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, que guarda o acervo da historiadora, e no Arquivo da Universidade Federal de São Carlos, em São Carlos, que reúne o acervo do sociólogo. Os dois mantiveram estreito contato pelo menos entre 1975 e 1978, no período de grande efervescência político-cultural dos movimentos negros contemporâneos (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar. “O mundo negro”: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.) do qual foram espectadores atentos e agentes privilegiados, principalmente no campo acadêmico (RATTS, 2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007.), no eixo regional Rio-São Paulo. Consoante às bandeiras de luta de grupos como o paradigmático Movimento Negro Unificado (MNU), fundado em julho de 1978, Nascimento exigiu de Oliveira, nos preparativos para um seminário dos 90 anos da Abolição, em São Paulo, neste mesmo ano, uma definição quanto à “posição ideológica nas comemorações (posição nossa)” (NASCIMENTO, 1978NASCIMENTO, Beatriz. Carta a Eduardo de Oliveira e Oliveira. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Correspondências (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 3 mar. 1978., p. 1), e lembrou, na mesma correspondência, do objetivo maior dos dois que seria “tirar a máscara da ideologia nacional” (NASCIMENTO, 1978NASCIMENTO, Beatriz. Carta a Eduardo de Oliveira e Oliveira. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Correspondências (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 3 mar. 1978., p. 2).

Essa ideologia estava assentada na premissa - tornada imagem nacional oficial pela Ditadura Militar - social e sociologicamente disseminada na época de entendimento do Brasil como um país de democracia racial e sem racismo, em que a escravidão fora branda e as questões de raça residuais, e onde os problemas sociais - especialmente dos negros - estariam fadados a desaparecer pela modernização econômica (GUIMARÃES, 2002GUIMARÃES, Antonio S. Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: Ed. 34, 2002.). Sem adentrar no histórico mais amplo dessa construção ideológica, importa dizer que os gestos de protesto intelectual que atrelaram as trajetórias de Nascimento e Oliveira se deram no contexto de intenso questionamento de movimentos sociais negros a esse estado de coisas, ao longo da década de 1970. Inserido nas lutas contra a Ditadura, que sufocava a discussão sobre o racismo, o MNU opunha-se abertamente à democracia racial, vista como uma máscara ideológica que impedia os brasileiros de enxergarem a realidade histórica de violência racial na formação nacional.

Dentro de suas possibilidades de ação naquela conjuntura, atuando como mediadores geracionais (RIOS, 2015RIOS, Flávia. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. 2015. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.) entre diferentes grupos históricos dos movimentos negros, principalmente aqueles dos anos 1930-1950 (como a Frente Negra Brasileira) e os novos ativistas do movimento negro contemporâneo (como o MNU) das décadas de 1970-1980, Nascimento e Oliveira deixaram suas marcas na formação política antirracista brasileira através do discurso acadêmico. Entre as principais experiências nesse sentido estão as Semanas de Estudo do Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR), fundado na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, no ano de 1975, grupo encabeçado por Nascimento que teve em Oliveira um intelectual que ajudou a “viabilizar a construção de um discurso do negro sobre o negro” (SILVA, 2018SILVA, Sandra Martins da. O GTAR (Grupo de Trabalhos André Rebouças) na Universidade Federal Fluminense: memória social, intelectuais negros e a universidade pública (1975/1995). 2018. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 23); na Quinzena do Negro da USP, em 1977, o evento organizado por Oliveira testemunhou Sueli Carneiro reconhecendo na conferência de Nascimento a “afirmação de uma mulher negra como sujeito do conhecimento sobre o seu povo” (CARNEIRO, 2007CARNEIRO, Sueli. Prefácio. In: RATTS, Alex (org.). Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Ed. Kuanza, 2007. p. 11-13., p. 11).

Nas últimas décadas, as demandas sociais por ações afirmativas de reparação aos efeitos cumulativos das violências raciais no Brasil alcançaram o campo da epistemologia histórica. Em associação sobretudo a premissas do feminismo negro e contribuições dos estudos de história social da escravidão e do pós-abolição, historiadoras como Giovana Xavier promovem esforços críticos para pluralizar a escrita da história - e seu ensino - de modo a abarcar de forma mais consistente a diversidade da experiência humana dos diferentes grupos raciais e sociais no Brasil - especialmente negros, no caso da produção dessa intelectual. O caráter eurocêntrico, masculino e branco dos sujeitos e das referências consagradas da historiografia dominante, que, na escrita da história do Brasil fixou a população negra em lugares simbólicos de subalternidade, como a ênfase tradicional na moldura da escravidão (DOMINGUES, 2019DOMINGUES, Petrônio. Protagonismo negro em São Paulo: historiografia e história. São Paulo: Edições SESC, 2019.), é agora interpelado por historiadores1 1 Cf. o perfil da Rede de Historiadorxs Negrxs: https://www.instagram.com/historiadorxsnegrxs/. e produtores de história interessados em abordagens epistemológicas alternativas (XAVIER, 2021aXAVIER, Giovana. Intelectuais negras - protagonismos em (nos) projetos acadêmicos. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), Goiânia, v. 13, n. 35, p. 29-55, fev. 2021a. Disponível em: https://www.abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1186 . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://www.abpnrevista.org.br/index.php...
) na construção de “[...] um projeto político acadêmico pautado em uma objetividade corporificada nos saberes e experiências de mulheres negras” (XAVIER, 2021bXAVIER, Giovana. Como me tornei #dotorainspiração e o brinco de Ewá. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, p. 1-10, 2021b. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/YVrXmQGCtyQck534D7MNRCp/ . Acesso em: 13 fev. 2022.
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, p. 3). A proposta do que essa autora nomeia “ciência localizada” é tributária das obras de teóricos como Beatriz Nascimento e Eduardo de Oliveira e Oliveira:

a história, enquanto matéria dedicada à interpretação de processos sociais e à construção de identidades individuais e coletivas, oferece ferramentas para responder à minha pergunta. Entretanto, estamos falando ao mesmo tempo de uma disciplina que contradiz minha própria motivação se considerarmos que ela foi criada a partir de uma lógica branca, masculina e eurocêntrica. As ferramentas da história e da academia como um todo precisam ser empretecidas na forma de uma ciência para o negro, conforme sinalizado pelo sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira e pela historiadora Beatriz Nascimento nos anos 1980 (XAVIER, 2017 XAVIER, Giovana. “Como me tornei historiadora e a vida entre livros e sala de aula”. Nexo Jornal, São Paulo, 16/10/2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/profissoes/2017/10/16/Como-me-tornei-historiadora.-E-a-vida-entre-livros-e-salas-de-aula . Acesso em: 19 jun. 2022.
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, n. p.).

Localizado no esteio da história intelectual e em diálogo com a necessidade de construção de referenciais para a história antirracista, esse artigo procura analisar os nexos entre raça e epistemologia nas reflexões teóricas sobre corporeidade e subjetividade que Nascimento e Oliveira articularam em seus campos, levando em conta a abertura empírica da genealogia do pensamento social e da história da historiografia à dimensão racial na produção do conhecimento em História e em Ciências Sociais. A pesquisa de fontes foi realizada por meio do livro Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual (2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018.) e dos documentos do acervo pessoal de Eduardo de Oliveira e Oliveira, depositado na Unidade Especial de Informação e Memória da Universidade Federal de São Carlos (SP).

Corporeidade negra e discurso histórico em Beatriz Nascimento

Beatriz Nascimento fez sua formação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968-1971) e trabalhou com o historiador José Honório Rodrigues no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Seguiu carreira de professora de História em paralelo às atividades de pesquisadora, poeta e ativista que subsidiaram, na história da historiografia brasileira, a primeira grande análise da produção historiográfica em relação aos marcadores sociais de corporeidade e subjetividade de caráter racial. Sua obra tem influenciado o ativismo antirracista, a teoria social e principalmente o pensamento historiográfico contra-hegemônico desde o início da década de 1970 (RATTS, 2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007.; VINHAS, 2015VINHAS, Wagner. Palavras sobre uma historiadora transatlântica: estudo da trajetória intelectual de Maria Beatriz Nascimento. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos) - Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.).

Nos últimos cinco anos, seu pensamento ganhou atenção de pesquisas em teoria da história e história da historiografia que vêm examinando seu projeto historiográfico e seus questionamentos à supremacia branca na formação da história-disciplina (PINN, 2019 PINN, Maria. Beatriz Nascimento e a invisibilidade negra na historiografia brasileira: mecanismos de anulação e silenciamento das práticas acadêmicas e intelectuais. Revista Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 25, p. 140-156, dez. 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/96888 . Acesso em: 10 maio 2022.
https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view...
, 2021PINN, Maria. Tem-se que se tornar visível, porque o rosto de um é o reflexo do outro, o corpo de um é o reflexo do outro: Maria Beatriz Nascimento e a reescrita da história do Brasil. 2021. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2021.; REIS, 2019REIS, João Carlos. Historiografia e Quilombo na obra de Beatriz Nascimento. 2019. Monografia (Licenciatura em História) - Graduação em História, Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2019.; PINN; REIS, 2021PINN, Maria; REIS, João. Por uma História Negra: A potência teórica do pensamento de Maria Beatriz Nascimento para a (re)escrita da História. Oficina do Historiador, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/oficinadohistoriador/article/view/41033/27062 . Acesso em: 26 abr. 2022.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ind...
; ASSUNÇÃO; TRAPP, 2021ASSUNÇÃO, Marcello; TRAPP, Rafael P. É possível indisciplinar o cânone da história da historiografia brasileira? Pensamento afrodiaspórico e (re)escrita da história em Beatriz Nascimento e Clóvis Moura. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 88, p. 229-252, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/twzH93CnWDDZSCCzHtKyqxx/ . Acesso em: 20 abr. 2022.
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).

Nascimento circulou em diferentes espaços universitários e de movimento social antirracista, mas foi no Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR), da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, entre 1970-1990, que sua influência teórica - e a de Eduardo de Oliveira e Oliveira, entre outros - se fez mais presente.2 2 Segundo Sandra Martins Silva (2018, p. 63) “os dois intelectuais foram as peças-chave para a construção do arcabouço teórico do GTAR”. Sobre esse assunto, cf. também: CUNHA; SILVA, 2021. Esse grupo do movimento negro brasileiro propunha uma discussão do racismo e das políticas de currículo sobre o negro na formação social e histórica com apoio em “uma nova forma de abordar as relações raciais [...] a partir de um estudo proferido do Negro enquanto Raça [...]” (GTAR, 1976GRUPO de Trabalho André Rebouças. Apresentação. In: SEMANA DE ESTUDOS SOBRE O NEGRO NA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA, II, 1976, Niterói. Anais [...]. Niterói: Editora da UFF, 1976, p. 1-2. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP)., p. 1). Para a historiadora Sandra Martins Silva (2018SILVA, Sandra Martins da. O GTAR (Grupo de Trabalhos André Rebouças) na Universidade Federal Fluminense: memória social, intelectuais negros e a universidade pública (1975/1995). 2018. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 33), foi pelo entendimento “da historicidade que negros e negras se integraram ao [GTAR] para sua iniciação político-pedagógico, não só nas relações inter-raciais, mas para a vida”.

Considerando essas diretrizes de luta antirracista em uma universidade pública, acompanhamos o sociólogo Wagner Vinhas (2015VINHAS, Wagner. Palavras sobre uma historiadora transatlântica: estudo da trajetória intelectual de Maria Beatriz Nascimento. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos) - Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015., p. 32) ao dizer que as pesquisas de Nascimento partiram “do estranhamento pela condenação do negro, por parte da historiografia nacional e do campo intelectual brasileiro, à ordem exclusiva do discurso colonial”, o que ajudou a erguer as bases de um projeto epistemológico para a escrita da história do Brasil que conjugava o ativismo antirracista à lide científica.

No artigo “Por uma história do homem negro”, em 1974, Nascimento propôs uma abordagem sobre a história do negro privilegiando o referente racial contra a ênfase tradicional das Ciências Sociais à época no conceito de classe (TRAPP, 2020TRAPP, Rafael P. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda, 2020.). A autora via na obra do sociólogo Florestan Fernandes, autor de A integração do negro na sociedade de classes (1964FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: o legado da “raça branca”. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008 [1964], v. 1.), “um dos trabalhos mais sérios sobre o negro no Brasil”, mas alegava que sua visão teórica levaria à seguinte situação: “aqueles que buscam somente nestes trabalhos um conhecimento maior da nossa problemática, constatem somente o negro de uma perspectiva social”, entenda-se, de classe (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 43). Ao idealizar em Fernandes uma imagem do sujeito acadêmico brasileiro, ela criticava os historiadores e sociólogos brancos que não estudavam o negro como raça, “perpetuando teorias sem nenhuma ligação com nossa realidade racial” e impondo mistificações “distanciadas desta mesma realidade” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 45).

A autora procurava nesse artigo questionar a ideologia racial brasileira e a percepção dominante das relações raciais denunciada como uma democracia racial inválida para negros, e punha seu campo disciplinar em xeque: censura o conservadorismo metodológico dos que viam na História apenas uma ciência e chama atenção aos historiadores presos eternamente no estudo da escravidão e aos cientistas sociais que fizeram do negro uma figuração subjugada, primitiva e folclórica.

Sua crítica incidia nas correntes teóricas que, a exemplo de franjas do marxismo universitário daquele período dos anos 1960-1970, punham ênfase exclusiva no conceito de classe como elemento interpretativo da realidade social (ASSUNÇÃO; TRAPP, 2021ASSUNÇÃO, Marcello; TRAPP, Rafael P. É possível indisciplinar o cânone da história da historiografia brasileira? Pensamento afrodiaspórico e (re)escrita da história em Beatriz Nascimento e Clóvis Moura. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 88, p. 229-252, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/twzH93CnWDDZSCCzHtKyqxx/ . Acesso em: 20 abr. 2022.
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). O desejo de autonomia analítica para a categoria raça na teoria da história e na teoria social percorre sua obra e pode ser observada na conferência proferida na Quinzena do Negro da Universidade de São Paulo, em 1977, evento organizado por Eduardo de Oliveira e Oliveira. Nascimento declara que, embora fatores econômicos tenham motivado a escravização de africanos na América Portuguesa, no âmago da constituição histórica da estrutura social brasileira estaria uma “relação de dominação racial e não a dominação da luta de classe” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 155). Segundo a autora:

nós temos importado mesmo ideologias de análise que não correspondem à nossa estratificação étnica e esse [...] é um problema fundamental para nós, uma população heterogênea, de encontrar um método de análise que nos permita manejar a categoria social e a categoria étnica (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 155).

Em vista desse arcabouço conceitual, Nascimento se perguntava na época se os negros, em sua densidade histórica, não teriam “características próprias, não só em termos ‘culturais’, sociais, mas em termos humanos? Individuais? Eu sou preta, penso e sinto assim” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 43). Embora haja um tom essencialista, é importante entender que, para a autora, o pensamento não era separado nem alheio ao corpo, a “superfície histórica de inscrição dos acontecimentos” (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 22) que produziu, através da escravização, do colonialismo e do racismo processos de inferiorização racial e respostas identitárias específicas a essas violências. Suas definições de negritude melhor se evidenciam, para Alex Ratts (2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007., p. 50) “em face de um racismo múltiplo” que ela entende ser chave para compreender a dominação social no Brasil.

Para a autora, o discurso histórico não deveria ser subsumido em uma racionalidade científica imune a jogos de interesse e relações de poder, nem ser resumido epistemologicamente ao “tempo representado” da Ciência moderna, pois “o tempo é que está dentro da história. Não se estuda, no negro que está vivendo, a História vivida. Somos a História Viva do Preto, não números” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 45). O olhar para o passado implicava um regresso temporal e um reposicionamento da identidade histórica recoberta por violências raciais sedimentadas no terreno intelectual de uma historiografia indiferente - por omissão, ignorância ou racismo - ao rompimento das colonialidades do poder/saber (QUIJANO, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 227-278.) e ao fim das barreiras supremacista brancas no avanço político positivo da subjetividade negra (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.).

Esses argumentos reverberavam as ideias do sociólogo Guerreiro Ramos sobre objetividade e subjetividade na pesquisa social em relações raciais no Brasil. No artigo “Patologia social do ‘branco’ brasileiro”, em 1955, o autor diferenciava o “negro-tema” e o “negro-vida”. Ao passo que o primeiro conceito representaria a objetivação racial amorfa, o segundo seria o sujeito “que não se deixa imobilizar; é despistador, proteico, multiforme, do qual na verdade, não se pode dar versão definitiva, pois é hoje o que não era ontem e será amanhã o que não é hoje” (RAMOS, 1954 apudBARBOSA, 2004BARBOSA, Muryatan S. Guerreiro Ramos e o personalismo negro. 2004. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004., p. 146). O autor buscava o negro-vida como estratégia de legitimação de um discurso de autenticidade racial no enfrentamento intelectual e político da ideologia da brancura.

No início dos anos 1980, no livro Tornar-se Negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (originalmente dissertação de mestrado em Psiquiatria defendida no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1981), a psicanalista Neusa Santos Souza3 3 Sobre a trajetória e o pensamento da autora, cf. PENNA, 2019. faria também um influente trabalho seguindo a linha guerreiriana de integrar a experiência racial como fator determinante da análise de processos sociais - no caso, de ordem psicossocial. Conforme a autora,

aqui esta experiência é a matéria prima. É ela quem transforma o que poderia ser um mero exercício acadêmico, exigido como mais um requisito da ascensão social, num anseio apaixonado de produção de conhecimento. É ela que, articulada com experiências vividas por outros negros e negras, transmutar-se-á num saber que - racional e emocionalmente - reivindico como indispensável para negros e brancos, num processo real de libertação (SOUZA, 1983SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal, 1983., p. 18).

Beatriz Nascimento pareceu ter traduzido essas e outras ideias dos movimentos negros brasileiros da segunda metade do século XX (RATTS, 2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007.) para constatar a “ausência [...] de um pensamento livre do negro sobre si” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 51) e demandar uma historiografia sensível a “nossas aspirações e necessidades” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 56) para abrir espaços epistemológicos para o negro na escrita da história do Brasil como fundamento de um projeto político antirracista.

As problematizações conformaram o trabalho de mestrado sobre quilombos que Nascimento levou a cabo em diferentes momentos das décadas de 1970-90. A percepção do racismo historiográfico que reservava ao negro o paradigma da escravidão informou seu trabalho para além do referente do cativeiro, em nome do prisma teórico da liberdade. A configuração histórica quilombola foi tomada como uma experiência social em que a reificação atribuída ao negro pela historiografia hegemônica poderia ser enfrentada pela ideia do quilombo como um espaço de liberdade, a “paz quilombola” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., 2021NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras: relações raciais, quilombos e movimentos. Organização de Alex Ratts. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.; RATTS, 2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007.2021; VINHAS, 2015VINHAS, Wagner. Palavras sobre uma historiadora transatlântica: estudo da trajetória intelectual de Maria Beatriz Nascimento. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos) - Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.; PINN, 2019 PINN, Maria. Beatriz Nascimento e a invisibilidade negra na historiografia brasileira: mecanismos de anulação e silenciamento das práticas acadêmicas e intelectuais. Revista Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 25, p. 140-156, dez. 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/96888 . Acesso em: 10 maio 2022.
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).

Essa pesquisa, embora não concluída, ajudou a delinear o importante filme Orí (1989), dirigido por Raquel Gerber com roteiro de Beatriz Nascimento, obra que deu formato geral a suas ideias e a projetou para além dos meios universitários. Entre outros temas, a produção discutiu a cultura negra no Brasil e retomou a trajetória dos movimentos negros da Quinzena do Negro da USP (1977) até o Centenário da Abolição (1988). Nesse “filme-tese” (MILLARCH, 1989MILLARCH, Arami. “Orí”, um filme-tese sobre a cultura negra. Jornal O Estado do Paraná, Curitiba, 9 abr. 1989. Almanaque, p. 3. Disponível em:Disponível em:https://www.millarch.org/artigo/ori-um-filme-tese-sobre-cultura-negra . Acesso em: 25 jan. 2022.
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), a historiadora levanta a ideia-chave de “corpo histórico”: o corpo negro ele mesmo como documento, território existencial e epistêmico carregado das marcas humanas de ancestralidade africana. O conceito tinha sido lançado no artigo “Etnias bantos na formação do povo brasileiro e do Hemisfério Sul”, em 1984, texto no qual Nascimento elaborou a premissa teórica de que

[...] não é a quantidade maior ou menor de documentos escritos que fornece uma visão aproximada da realidade histórica. Não é só o que está escrito que nos conta a verdade de nossos antepassados e nos proporciona a reflexão sobre nossa identidade nacional. A História também está registrada nos nossos corpos, enquanto corpo físico oriundo de uma cadeia de outros corpos na natureza (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 267).

Se a corporeidade negra era superfície histórica e refletia saberes e experiências, o que a autora descreve também como “continente de identidade” (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidades nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 270),4 4 A filósofa Denise Ferreira da Silva tem levado contemporaneamente esse projeto mais longe em vista de “modelo[s] de intervenção capaz[es] de contemplar o corpo como um referente da Coisa afora da significação moderna” (SILVA, 2019, p. 71, grifos no original). a mobilização da ideia de quilombo durante a reorganização dos movimentos negros brasileiros na Ditadura Militar operou como instrumento simbólico de luta contra a opressão racial da estrutura social e do Estado (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar. “O mundo negro”: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.) e virou metáfora historiográfica e condição histórica de possibilidade para a resistência política e, consequentemente, para a emancipação epistemológica negra no Brasil. Seu pensamento representa a luta contra o racismo no campo da historiografia, através, sobretudo, da ideia-força de quilombo como código político-cultural de análise do passado para a mudança social no tempo presente, ideia verbalizada por sujeitos cuja corporeidade histórica era performada “[...] como documento vivo, não um texto-objeto, frio e inerte, aguardando o olho e a curiosidade do historiador, seu olho de legista como numa autópsia. Ali, vida e história se reencontram” (PINN, 2019 PINN, Maria. Beatriz Nascimento e a invisibilidade negra na historiografia brasileira: mecanismos de anulação e silenciamento das práticas acadêmicas e intelectuais. Revista Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 25, p. 140-156, dez. 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/96888 . Acesso em: 10 maio 2022.
https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view...
, p. 90).

Subjetividade negra e discurso sociológico em Eduardo de Oliveira e Oliveira

Mais ou menos na mesma época em que Beatriz Nascimento efetuava sua análise da historiografia pela perspectiva da corporeidade negra, em meados da década de 1970, Eduardo de Oliveira e Oliveira problematizou a subjetividade racial na produção da teoria social na Sociologia de relações raciais no Brasil. O autor teria escolhido o campo da Sociologia “em vista de sua experiência de vida, de pertencer a um grupo étnico minoritário e viver no contexto de uma sociedade predominantemente branca, preso aos requisitos e regras impostas pelo grupo racial dominante” (OLIVEIRA, [1979OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (plano da tese em Sociologia na USP). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978 ou 1979].?], p. 1).

Seus principais questionamentos e proposições relativos a esse tema apareceram nos diferentes papéis de seu mestrado e doutorado em Sociologia na USP, entre 1971-1979, pesquisa igualmente sem conclusão formal, como a de Nascimento. Algumas discussões no mesmo sentido constaram também nos debates de eventos públicos que o sociólogo organizou juntamente à historiadora, especialmente a III Semana de Estudos do GTAR, em 1977, a Quinzena do Negro da USP, também em 1977, e em eventos concernentes aos 90 anos da Abolição, em 1978, além da participação nas reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1977 e 1978.

Os textos das conferências de 1977-1978 trazem mais ou menos a mesma ordem de problemas teóricos. Na Quinzena do Negro, a Folha de São Paulo registrou Oliveira discorrendo sobre como as libertações nacionais africanas e dos negros nos Estados Unidos estavam impactando “o negro brasileiro, que começa a querer conhecer-se, a dirigir-se a si mesmo” (FOLHA de São Paulo, 1977FOLHA de São Paulo. Debate: um racismo cordial? São Paulo, 1977, p. 6. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Folhetos (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP)., p. 6). A Quinzena seria uma oportunidade de “revelar o negro como criatura e criador. Numa palavra: Sujeito” (OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Uma Quinzena do Negro. In: ARAÚJO, Emanoel (Curador). Para nunca esquecer: negras memórias, memórias de negros. Brasília: MINC/Fundação Cultural Palmares, 2001 [1977]. p. 287., p. 287), de modo que esse grupo consolidasse um conhecimento de si partindo de sua história e de sua realidade social.

O autor tinha sido afetado em meados da década por The Death of White Sociology (LADNER [org.], 1973LADNER, Joyce (org.). The Death of White Sociology. New York: Vintage, 1973.), coletânea fundadora da Black Sociology (Sociologia Negra) nos Estados Unidos. Construída na esteira do movimento Black Power em universidades norte-americanas no final dos anos 1960 por sociólogos, mas também historiadores, antropólogos e psicólogos negros, a Black Sociology se engajava nas experiências e lutas políticas dos afro-americanos, visando reposicionar as vozes e centralizar as epistemologias de autores negros não como objetos, como fazia a White Sociology (Sociologia Branca), mas como sujeitos de pesquisa. Seu objetivo era instituir contranarrativas dissidentes para abranger o pensamento social negro e da diáspora africana em sua diversidade, de modo a reorganizar a produção social do conhecimento de forma crítica e antirracista.

Nesse sentido, em “De uma ciência Para e não tanto sobre o negro”, conferência na SBPC de 1977, a preocupação teórica capital estava na “adequação ou não da sociologia geral [...] na abordagem do problema negro; ou este requer uma formulação paralela a esta sociologia, englobando-a, e que pode ser cognominada de ‘sociologia negra’?” (OLIVEIRA, 1977aOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. De uma ciência Para e não tanto sobre o negro (conferência). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1977a., p. 1, grifos no original). A Sociologia Negra constituiria (OLIVEIRA, 1977aOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. De uma ciência Para e não tanto sobre o negro (conferência). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1977a., p. 10) conhecimentos para uma ideologia produzida por e para aqueles identificados “com sua etnia ou classe social”, os “intelectuais negros (ou mesmo brancos) devotados à tarefa de esclarecer a natureza da experiência negra”. Na conferência “Etnia e Compromisso Intelectual”, apresentada na III Semana de Estudos do GTAR, em 1977, o autor asseverava, ao lado de Beatriz Nascimento, uma das organizadoras do evento, que os intelectuais negros não lidavam tão somente com um assunto, mas com uma causa. Em seus ombros recaía a tarefa de descolonização epistêmica “como um passo positivo para o estabelecimento de definições básicas, conceitos e construções teóricas que utilizem as experiências e histórias dos afro-brasileiros” (OLIVEIRA, 1977bOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Etnia e Compromisso Intelectual. In: GTAR. Caderno de Estudos da Semana de Estudos Sobre o Negro na Formação Social Brasileira, III, Niterói. Anais [...]. Niterói: Editora da UFF, 1977b, p. 22-27. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1977b., p. 26).

Na SBPC de 1978, o simpósio organizado com Beatriz Nascimento intentava revelar “a situação do negro no Brasil hoje, não como uma categoria sociológica ou antropológica manipulável, mas como algo de substancial e real em sua experiência num contexto histórico” (OLIVEIRA, 1978aOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Abolição 90 Anos: Noves Fora? Formulário para a reprodução de resumo. In: Reunião Anual da SBPC, 30 ª, 1978a, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Editora SBPC, p. 25. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Documentos Pessoais (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1978a., p. 1). Enquanto a historiadora discutia novamente os quilombos no Brasil, Oliveira, na conferência “Brasil, Abolição 90 Anos... Noves Fora?” se utilizava do leitmotiv da SBPC, “Fronteiras do Conhecimento”, para dizer que o simpósio, “levando em consideração essas fronteiras, reúne quatro cientistas sociais negros que extrapolam esses limites, mesmo que fronteiriços, por um denominador comum - o grupo étnico ao qual pertencem [...]” (OLIVEIRA, 1978bOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Brasil, Abolição 90 Anos: Noves Fora? (conferência apresentada na 30 ª Reunião Anual da SBPC, em São Paulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1978b., p. 1).

Em sintonia com os movimentos negros na contraposição ao racismo e ao discurso ideológico da democracia racial (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar. “O mundo negro”: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.), a posição teórica do negro-vida de Guerreiro Ramos ganhava a cena pública brasileira em espaços que naquele tempo possuíam significativa ressonância científica e de denúncia política, como as reuniões anuais da SBPC, mas tinha sido maturada, em termos de pesquisa sociológica, ao longo de quase toda a década de 1970 nos projetos, relatórios e rascunhos de textos relativos ao mestrado e ao doutorado em Sociologia que Oliveira realizou na USP.

O mestrado foi iniciado em 1971, com orientação do sociólogo Ruy Coelho. No projeto de Ideologia racial: estudo de relações raciais, mesmo reconhecendo o cânone sociológico de relações raciais (Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Florestan Fernandes, entre outros), Oliveira destaca que seus autores eram quase todos brancos. Seriam “seus impulsos e níveis de preocupações os mesmos que de um negro?”. Considerando o “absoluto critério de ‘objetividade’ do cientista”, o autor cogita “se a experiência de um e de outro pode oferecer uma ótica diferente” (OLIVEIRA, 1971OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Ideologia Racial: estudo de relações raciais (projeto de pesquisa para FAPESP). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1971., p. 3).

Nesse sentido, a posicionalidade de pesquisador-sujeito era considerada ponto de observação privilegiado para traçar o perfil histórico e sociológico das manifestações ideológicas e contraideológicas afro-paulistanas entre 1900 e 1972, em face das relações raciais na ordem social competitiva. Ancorado em Florestan Fernandes (1964FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes: o legado da “raça branca”. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008 [1964], v. 1.), afirmava que o negro àquela altura (início dos anos 1970) não tinha ainda uma ideologia racial própria: “[...] o negro brasileiro está em busca de uma definição, que pode ser ideológica, que responda a seus anseios de representatividade ao nível da estrutura sócio-político-econômica de nossa sociedade [...]” (OLIVEIRA, 1971OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Ideologia Racial: estudo de relações raciais (projeto de pesquisa para FAPESP). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1971., p. 3). Contudo, acontecimentos como os Bailes do Burro Negro de 1969 e 1970, que celebravam os negros que entravam nas universidades em São Paulo, a eleição de parlamentares negros como Adalberto de Camargo, em 1966, e de Theodosina Ribeiro, em 1970; e declarações na imprensa sugeriam que a população negra estava “construindo uma consciência histórica com a qual poderá tornar-se o próprio agente de seu destino” (OLIVEIRA, 1971OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Ideologia Racial: estudo de relações raciais (projeto de pesquisa para FAPESP). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 1971., p. 13).

Desse momento em diante, já com novo orientador, o antropólogo João Baptista Borges Pereira5 5 Ele assumiu a orientação da pesquisa devido ao exílio de Ruy Coelho para a França, em 1973. , a pesquisa prosseguiu como doutorado direto. O mestrado, portanto, não foi defendido. No entanto, uma série de relatórios para a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) e para a Fundação Ford, que o subsidiaram por alguns anos, permitem conhecer os rumos que a pesquisa tomou até 1978 (quando foi modificada e, em seguida, em 1979, abandonada) no sentido de incorporar a subjetividade negra em um espaço teórico sobre raça no Brasil e alcançar uma “nova epistemologia” (OLIVEIRA, 1976OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Relatório Trimestral - de 06/08 a 06/11 de 1976 - para a Fundação Ford do Brasil. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). 30 nov. 1976., p. 1) para as Ciências Sociais, na qual a neutralidade científica seria posta em xeque.

Os relatórios enviados para a FAPESP referentes a 1976-1977 indicam que, além do primeiro capítulo, que já teria sido entregue, Oliveira estaria escrevendo o segundo - “O ‘Ser’ Ausente” -, que mostraria “o fracasso político e social do advento da abolição [...] no Brasil” (OLIVEIRA, 1977cOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Relatório Trimestral - Interino - 07/11/1976 a 06/02/1977 - para a Fundação Ford do Brasil. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). Fev. 1977c., p. 1). O terceiro capítulo - “O Alvorecer de uma Ideologia” - se basearia na “visão e história do próprio grupo estudado e que é feito através da análise dos depoimentos [...] de homens negros que desenvolveram os movimentos sociais e políticos, com sede em São Paulo, na primeira metade deste século” (OLIVEIRA, 1977cOLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Relatório Trimestral - Interino - 07/11/1976 a 06/02/1977 - para a Fundação Ford do Brasil. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). Fev. 1977c., p. 4).

Entretanto, um possível primeiro capítulo foi preservado. Intitulado “O poder branco”, o texto, escrito em algum momento entre 1975 e 1978, se constitui em um esboço mais ou menos preciso do que o autor pode ter desejado escrever e apresentar como corolário dessa primeira fase da pesquisa. O recorte histórico eram os anos 1920-1940, quando os movimentos sociais do meio negro em São Paulo surgiram como a primeira manifestação de uma “‘negritude’ assumida, mas não concluída” (OLIVEIRA, [entre 1975 e 1978OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978].], p. 1). Um trecho do Manifesto da Gente Negra Brasileira (da Frente Negra, de 1934) prendera sua atenção: “A nossa História tem sido exageradamente deturpada pelos interesses em esconder a face histórica interessante ao Negro, aquilo que se poderia dizer a ‘negridade’ de nossa evolução nacional” (OLIVEIRA, [entre 1975 e 1978] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 11). Haveria, então, a urgência de

[...] afirmarmo-nos como subjetividade, como autoconsciência, como indivíduos, e assim, transcendendo o próprio objeto, projetar-se para além dele, visá-lo em significação e integrá-lo num complexo de significações, (negar, e porque se nega), recusa-se a si próprio a condição de “coisa”, afirmando-se em-si a condição de um para-si contra um em-si, implicando desta forma a liberdade no próprio ato “intencional”; isto seria a Negritude (OLIVEIRA, [entre 1975 e 1978] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 12-13, grifo no original).

O autor tinha notado que, com as mudanças trazidas pelos “negros da diáspora” (OLIVEIRA, [entre 1975 e 1978] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 14) entre os anos 1960-1970, era chegado o momento, no Brasil, da formulação política de uma “identidade comum” (OLIVEIRA, [entre 1975 e 1978]OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 25). Juntos aos movimentos negros no momento mesmo de sua formação histórica - movimentos com os quais mantinha intercâmbios intelectuais (RIOS, 2015RIOS, Flávia. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. 2015. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.; ALBERTI; PEREIRA, 2007ALBERTI, Verena; PEREIRA, A. Araújo (org.). Histórias do Movimento Negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas/CPDOC-FGV, 2007.) -, a proposta de “O Poder Branco”, conquanto seja um recorte de um trabalho incompleto, significou uma primeira tentativa de interpretação sociológica do ressurgimento da negritude política no Brasil nos anos 1970, processo registrado, por sinal, no documentário O negro, da senzala ao soul (TV Cultura, 1977) e no filme Orí.

Um segundo resultado dessa pesquisa, agora a nível de doutorado em Sociologia, pode ser observado em rascunhos, sumários e no plano da tese História e Consciência de Raça, escrita entre 1978 e 1979. Há elementos comuns à primeira fase da pesquisa, condensada no mestrado Ideologia racial - estudo de relações raciais, que acabamos de descrever, mas certas marcas temporais indicam ser um texto de 1978 ou 1979. O recuo máximo no tempo é indicado pela presença do “Movimento Negro Unificado” em um dos sumários, grupo que fora fundado em 7 de julho de 1978. Pensada, portanto, do final de 1978 até os últimos meses de 1979, essa etapa da pesquisa se articulava diretamente ao contexto social e político em que seu autor se movia, principalmente em São Paulo.

Um dos sumários resume o formato imaginado. Seriam cinco capítulos: 1) Propósitos; 2) História; 3) Consciência de Raça; 4) Objetivos imediatos; 5) Objetivos a longo prazo (OLIVEIRA, [1978?c]OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 1). O plano geral da tese sugere que História e Consciência de Raça seria um trabalho com uma importante dimensão teórica, mas seu sentido maior era político. Não obstante tivesse uma perspectiva histórica, não era simplesmente uma história global da consciência de raça, mas “o ponto de partida para tentar entendê-la e iluminar as opções políticas, ou seja, as linhas de ação que inevitavelmente determina” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 1). Essa natureza política estava informada pela experiência dos “movimentos de tomada de consciência do homem negro nas várias nações” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 2), principalmente nas Américas.

A face histórica da tese buscava definir a “autoconsciência do negro no Brasil” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 3) mediante a escrita de uma história da consciência racial que seguia o modelo teórico utilizado no mestrado de um olhar “hemisférico” dos processos históricos, indo do geral ao particular. O Capítulo 2, “História”, iria se debruçar nos conceitos “clássico” e colonialista de raça, na presença do negro nas Américas “até a abolição” e “após a abolição”, nas lutas dos Estados Unidos e da África. No Brasil, o autor queria investigar as primeiras manifestações de consciência de raça até a década de 1920, passando pela Frente Negra e pelo que é chamado de eclipse, entre 1940-1978. Previa-se ainda uma análise dos “reflexos no Brasil dos movimentos no exterior” e do período de “1978 - até hoje - Movimento Negro Unificado” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Sumário da Tese (à mão). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?c]., p. 2).

Em que pese a abrangência deste cenário histórico, o aspecto sociopolítico constituía “o verdadeiro motivo do trabalho” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 3), que era encarado como uma pesquisa participante sobre a condição do negro, posicionamento que atualizava seus esforços intelectuais pela reflexividade racial dos lugares de fala nas Ciências Sociais. O sociólogo dizia estar convencido do poder do conhecimento na luta contra o racismo e na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, asserção compartilhada pelo MNU, que defendia um antirracismo baseado na educação e na constituição de uma “autêntica democracia racial” (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amilcar. “O mundo negro”: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013., p. 25). A referência a este grupo é importante porque História e Consciência de Raça sinalizava um diálogo com o que o MNU representava em termos de consciência racial como “instrumento de intervenção na realidade” (OLIVEIRA, [1978 ou 197] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 3). Era, portanto, provavelmente do MNU que o autor falava ao incluir no escopo da tese “a consciência ativa do negro brasileiro de hoje”, a qual estaria “já historicamente madura” e cujo retrato evidenciaria as possibilidades de “linhas políticas de ação” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 3).

O Capítulo 3 - “Consciência de Raça” - privilegiaria o estudo sincrônico deste contexto sociopolítico em uma “definição funcional ou operativa de consciência de raça, analogamente ao que foi proposto pelo marxismo para consciência de classe [...]” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 3) - daí a analogia no título com o livro do filósofo Georg Lucáks História e Consciência de Classe (1923). O plano revela que essa terceira parte analisaria a consciência de raça no mundo e a situação como “deveria ser” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 4) no Brasil, identificando a natureza dessa consciência na comunidade negra e entre os brancos. No Capítulo 4 - “Objetivos imediatos” - haveria um quadro das “implicações políticas desta consciência” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Poder Branco (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual, Fol. 63, ex. 2 (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [entre 1975 e 1978]., p. 4), e no Capítulo 5 - “Objetivos a longo prazo” - se demonstraria “o negro na perspectiva mais geral do desenvolvimento humano”, agregando sua história como “fator de evolução conjunta da sociedade” (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Currículo Vitae. Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Documentos Pessoais (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1979?]., p. 5). Os capítulos discutiriam a condição do “Negro segregado de hoje” pelo conceito de raça. Porém, conforme esclareceu no último parágrafo dessa pesquisa que resistiu como projeto de emancipação epistemológica:

não é pretensão deste trabalho, definir o que seja esta plenitude da condição humana. Trata-se, porém, de uma aspiração legítima para todos, inclusive negros. A história, principalmente dos negros, transborda de exemplos do que ela certamente não é.6 6 O rascunho de uma possível introdução ou capítulo da tese discute a relação entre a pesquisa doutoral de Eduardo de Oliveira e Oliveira e o discurso historiográfico ocidental: “Para atingirmos este nível de consciência faz-se necessário uma consciência histórica, e, na medida em que a história supostamente feita com H é a história do Ocidente e feita pelo Ocidente, (e que nos nega) é então a ela que devemos recorrer para afirmar o que ela tem até hoje procurado negar. Procuraremos desenvolver toda uma caracterização do negro como visto no Mundo Antigo, desde a Antiguidade Clássica até o Mundo Cristão, digamos, da perspectiva de uma ‘negritude’ abstrata, em que ele é visto a nível de percepção, como o outro, e como sua identidade se vai sendo substantivada (sempre que a história se faz política)” (OLIVEIRA, [1978?d] , p. 2). Não se deseja nesta última breve parte do trabalho acenar a uma utopia, mesmo se convencidos que as utopias são também, uma via de acesso ao conhecimento sociológico. Como para o marxismo, no que concerne à consciência de classe, a utopia indica apenas uma direção (OLIVEIRA, [1978 ou 1979] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 5).

Considerações finais

Beatriz Nascimento e Eduardo de Oliveira e Oliveira deixaram pesquisas de mestrado e doutorado inconclusas, em parte devido ao racismo acadêmico (ALMEIDA, 2021ALMEIDA, Mariléa de. Racismo acadêmico e seus afetos. História: Questões & Debates, Curitiba, v. 69, n. 2, p. 96-109, jul./dez. 2021. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/80267/44215 . Acesso em: 25 ago. 2021.
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) e aos constrangimentos epistemicidas (CARNEIRO, 2005CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.) que agiram e continuam a incidir na produção teórica de pensadores pertencentes a grupos sociais historicamente marginalizados (ROSSI, 2015ROSSI, Gustavo. O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2015.) e excluídos das bibliografias e dos cânones disciplinares (ASSUNÇÃO, 2022ASSUNÇÃO, Marcello F. M. As injustiças de Clio revisitado: Clóvis Moura e a crítica da branquitude no campo historiográfico. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 15, n. 38, p. 231-252, 2022. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1841/985 . Acesso em: 26 maio 2022.
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) no Brasil. Porém, suas teses sobre o papel da subjetividade racial e da corporeidade negra na construção de questionamentos para a teoria da história e a teoria social foram recebidas, discutidas e compartilhadas nos fóruns de debate político do ativismo social antirracista através de redes intelectuais insurgentes (MORRIS, 2015MORRIS, Aldon. The Scholar Denied: W. E. B. DuBois and the Birth of Modern Sociology. Oakland: University of California Press, 2015.) que deram vida à formação dos movimentos negros dos anos 1970 até o presente (RATTS, 2007RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2007., 2021; SILVA, 2018SILVA, Sandra Martins da. O GTAR (Grupo de Trabalhos André Rebouças) na Universidade Federal Fluminense: memória social, intelectuais negros e a universidade pública (1975/1995). 2018. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.; RIOS; LIMA, 2020RIOS, Flávia; LIMA, Márcia. Apresentação. In: GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Organizado por Flávia Rios e Márcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2020. p. 6-18.; TRAPP, 2020TRAPP, Rafael P. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda, 2020.).

As proposições de pensadores como Nascimento e Oliveira às dinâmicas da construção de problemas de pesquisa de seus próprios campos de saber se constituíram em interpelações à reificação de experiências de vida - do passado e do presente - da população negra denunciada por Guerreiro Ramos, consistiram em importantes gestos de deslocamento crítico e apontaram para a abertura de horizontes teóricos a contrapelo. O “corpo histórico” negro de Beatriz Nascimento e a “pesquisa participante” negra de Eduardo de Oliveira e Oliveira, respeitando as especificidades de seus respectivos campos disciplinares - e da formação pessoal, acadêmica e mesmo política de seus propositores - compuseram os alicerces (SILVA, 2018SILVA, Sandra Martins da. O GTAR (Grupo de Trabalhos André Rebouças) na Universidade Federal Fluminense: memória social, intelectuais negros e a universidade pública (1975/1995). 2018. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.) de um projeto científico fundado em uma discussão estratégica do lugar epistêmico do sujeito - e do grupo - racial negro como portador histórico de uma agência cognoscente diversificada e pulsante.

Suas confrontações epistemológicas sobre reflexividade racial na construção dos discursos e práticas disciplinares da História e da Sociologia, fruto de uma amizade intelectual sedimentada em diferentes cenários da luta antirracista, formataram ideias e ferramentas de análise teórica e intervenção política para os movimentos negros brasileiros e seus intelectuais orgânicos na construção do que a teórica da educação Nilma Lino Gomes define como o movimento negro educador, que surge através das lutas de homens e mulheres negras e negros na tarefa de tecer “saberes e aprendizados políticos, identitários e estéticos-corpóreos específicos” (GOMES, 2020GOMES, Nilma Lino. A força educativa e emancipatória do movimento negro em tempos de fragilidade democrática. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 21, n. 62, p. 360-371, jul./set. 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/49715/35073 . Acesso em: 11 maio 2022.
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, p. 366).

Seus trabalhos delinearam episódios importantes e pouco conhecidos na história do debate sobre colonialidade, raça e lugar de fala no Brasil (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento/Justificando, 2017.). Tratou-se de um projeto de emancipação epistemológica e política que lançou os princípios de uma “ciência localizada” (XAVIER, 2021b XAVIER, Giovana. “Como me tornei historiadora e a vida entre livros e sala de aula”. Nexo Jornal, São Paulo, 16/10/2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/profissoes/2017/10/16/Como-me-tornei-historiadora.-E-a-vida-entre-livros-e-salas-de-aula . Acesso em: 19 jun. 2022.
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, p. 3) com a meta de instaurar concepções alternativas de objetividade científica que levariam em conta as figurações existenciais, os pertencimentos culturais e as marcas corporais racializadas e racializadoras integradas às identidades metodológicas dos historiadores e dos cientistas sociais no estudo da história e da sociedade brasileiras em seus atravessamentos étnico-raciais.

Referências

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  • XAVIER, Giovana. “Como me tornei historiadora e a vida entre livros e sala de aula”. Nexo Jornal, São Paulo, 16/10/2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/profissoes/2017/10/16/Como-me-tornei-historiadora.-E-a-vida-entre-livros-e-salas-de-aula Acesso em: 19 jun. 2022.
    » https://www.nexojornal.com.br/profissoes/2017/10/16/Como-me-tornei-historiadora.-E-a-vida-entre-livros-e-salas-de-aula
  • XAVIER, Giovana. Intelectuais negras - protagonismos em (nos) projetos acadêmicos. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), Goiânia, v. 13, n. 35, p. 29-55, fev. 2021a. Disponível em: https://www.abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1186 Acesso em: 19 mar. 2022.
    » https://www.abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1186
  • 1
    Cf. o perfil da Rede de Historiadorxs Negrxs: https://www.instagram.com/historiadorxsnegrxs/.
  • 2
    Segundo Sandra Martins Silva (2018, p. 63) “os dois intelectuais foram as peças-chave para a construção do arcabouço teórico do GTAR”. Sobre esse assunto, cf. também: CUNHA; SILVA, 2021CUNHA, João Alípio; SILVA, Rafael Moreira Serra. Da “casa da Marlene” para universidade: uma análise sobre as pedagogias negras. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste, Cuiabá, v. 8, n. 17, p. 31-52, maio/ago. 2021. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/12508 . Acesso em: 13 maio 2022.
    https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
    .
  • 3
    Sobre a trajetória e o pensamento da autora, cf. PENNA, 2019PENNA, Willian Pereira. Escrevivências das Memórias de Neusa Santos Souza: Apagamentos e Lembranças Negras nas Práticas Psis. 2019. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019..
  • 4
    A filósofa Denise Ferreira da Silva tem levado contemporaneamente esse projeto mais longe em vista de “modelo[s] de intervenção capaz[es] de contemplar o corpo como um referente da Coisa afora da significação moderna” (SILVA, 2019SILVA, Denise Ferreira da. A dívida impagável. São Paulo: Casa do Povo, 2019., p. 71, grifos no original).
  • 5
    Ele assumiu a orientação da pesquisa devido ao exílio de Ruy Coelho para a França, em 1973.
  • 6
    O rascunho de uma possível introdução ou capítulo da tese discute a relação entre a pesquisa doutoral de Eduardo de Oliveira e Oliveira e o discurso historiográfico ocidental: “Para atingirmos este nível de consciência faz-se necessário uma consciência histórica, e, na medida em que a história supostamente feita com H é a história do Ocidente e feita pelo Ocidente, (e que nos nega) é então a ela que devemos recorrer para afirmar o que ela tem até hoje procurado negar. Procuraremos desenvolver toda uma caracterização do negro como visto no Mundo Antigo, desde a Antiguidade Clássica até o Mundo Cristão, digamos, da perspectiva de uma ‘negritude’ abstrata, em que ele é visto a nível de percepção, como o outro, e como sua identidade se vai sendo substantivada (sempre que a história se faz política)” (OLIVEIRA, [1978?d] OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. História e Consciência de Raça (esboço de capítulo). Coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”, Série Produção Intelectual (Unidade Especial de Informação e Memória, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP). [1978?d]., p. 2).
  • Financiamento

    Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Contexto de pesquisa

    Esse artigo é uma versão adaptada e modificada dos capítulos 3 e 6 de minha tese de doutorado “O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil”, defendida em 2018 na Universidade Federal Fluminense.
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    O artigo não é um preprint.
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Flávia Varella - Editora-chefe
Fabio Duarte Joly - Editor executivo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2022
  • Revisado
    14 Set 2022
  • Aceito
    20 Out 2022
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