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Pegada Hídrica Virtual das exportações de Mato Grosso versus os repasses federais Lei Kandir e FEX: uma análise do período de 2013 a 2017

Virtual Water Footprint of Mato Grosso exports versus Federal Onlendings Kandir Law and FEX: an analysis of the 2013-2017 period

Huella Virtual del Agua de las exportaciones de Mato Grosso versus las transferencias federales Lei Kandir y FEX: un análisis del período de 2013 a 2017

Resumo:

Indispensável para a produção de todos os bens e serviços, a água é utilizada de forma gratuita, principalmente para a produção agropecuária, e grande parte dessa produção é exportada, incluindo a água, denominada de água virtual. Neste contexto, o objetivo do estudo é comparar a Pegada Hídrica Virtual das exportações mato-grossenses com os repasses estabelecidos pela Lei Kandir e pelo Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX) recebidos pelo Estado de Mato Grosso e seus municípios. O estudo é de natureza descritiva, bibliográfica, com abordagem quantitativa, e usou como fonte dados secundários. Os dados das exportações foram obtidos do site oficial do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), pela “Balança comercial brasileira: Unidades da Federação”. A Pegada Hídrica (PH) foi com base na literatura existente, calculada para cada produto, agregando-a por ano e produto. A precificação da água teve como base a cobrança pelo uso dos recursos hídricos disponibilizados pela Agência Nacional de Águas (ANA). Os dados dos repasses federais referentes à Lei Kandir e ao Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX) foram obtidos do site oficial da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Considerando as métricas, a Pegada Hídrica Virtual, no período de 2013/2017, foi de R$ 4.141.608.401,68, enquanto os valores repassados pela União para a compensação foi de R$ 2.192.403.831,16; ou seja, uma diferença no montante de R$ 1.949.204.570,53, ficando, assim, um deficit ambiental, pois os repasses recebidos são menores que a Pegada Hídrica Virtual.

Palavras-chave:
Pegada Hídrica; soja; milho; algodão; carne bovina

Abstract:

Indispensable for the production of all goods and services, water is used free of charge, mainly for agricultural production, and a large part of this production is exported, including water, called virtual water. Thus, the objective of the study is to compare the use of the Virtual Water Footprint of Mato Grosso exports with the refunds applied by the Kandir Law and Financial Aid for Export Promotion (FEX) received by the State and its municipalities. The study is descriptive, bibliographic, with a quantitative approach, and used as a source of secondary data. Export data were displayed on the official website of the Ministry of Industry, Foreign Trade and Services (MDIC) by the “Brazilian Trade Balance: Federation Units”. The Water Footprint (PH) was based on existing literature, calculated for each product, aggregated to one year and product. Water pricing was based on charges for the use of water resources provided by the National Water Agency (ANA). Data on federal onlendings referenced by the Kandir Law and the FEX were recorded on the official website of the National Treasury Secretariat (STN). Considering the metrics, the Virtual Water Footprint, in the 2013/2017, was R$ 4,141,608,401.68, while the amounts transferred by the Federal Government for the compensation was R$ 2,192,403,831.16, that is a difference in the amount of R$ 1,949,204,570.53, thus leaving an environmental deficit, as the transfers received are less than the cost of the Virtual Water Footprint.

Keywords:
Water Footprint; soy; corn; cotton; beef

Resumen:

Indispensable para la producción de todos los bienes y servicios, el agua se utiliza gratuitamente, principalmente para la producción agrícola, y gran parte de esta producción se exporta, incluida el agua, denominado agua virtual. En este contexto, el objetivo del estudio es comparar el costo de la Huella Virtual del Agua de las exportaciones de Mato Grosso con las transferencias establecidas por la Ley Kandir y la Ayuda Financiera para la Promoción de las Exportaciones (FEX) recibidas por el Estado y sus municípios. El estudio es descriptivo, bibliográfico, con un enfoque cuantitativo, y utiliza datos secundarios como fuente. Los datos de exportación se obtuvieron del sitio web oficial del Ministerio de Industria, Comercio Exterior y Servicios (MDIC), por la “Balanza comercial brasileña: Unidades de la Federación”. La Huella Hídrica (HH) se basó en la literatura existente, calculándola para cada producto y sumándola por año y producto. La determinación del precio del agua se basó en el cobro por el uso de los recursos hídricos proporcionados por la Agencia Nacional del Agua (ANA). Los datos sobre transferencias federales que se refieren a la Ley Kandir y la FEX se obtuvieron del sitio web oficial de la Secretaría del Tesoro Nacional (STN). Considerando las métricas de la huella hídrica virtual, en el período 2013/2017, fue R$ 4.141.608.401,68, mientras que los valores transferidos por el Gobierno Federal para la compensación fueron de R$ 2.192.403.831,16, es decir, una diferencia en el valor de R$ 1.949.204.570,53, dejando, así, un déficit ambiental, ya que las transferencias recibidas son inferiores al Huella Hídrica Virtual.

Palabras clave:
Huella Hídrica; soya; maíz; algodón; carne bovina

1 INTRODUÇÃO

A água está ligada ao desenvolvimento de todas as sociedades e culturas; por conseguinte, tem sua disponibilidade afetada por poluição, uso agrícola e produção industrial, sobrecarregando, assim, os recursos hídricos disponíveis (UNITED NATIONS WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME [WWAP], 2015UNITED NATIONS WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME [WWAP]. The United Nations World Water Development Report 2015: water for a sustainable world. Paris: UNESCO, 2015.). Sendo assim, é necessário conhecer as demandas de uso e consumo da água, nos diversos setores de produção e cultivos em geral, e tratá-la como um bem econômico, possibilitando, desta forma, o uso mais racional e igualitário (HOEKSTRA; HUNG, 2002HOEKSTRA, A. Y; HUNG, P. Q. Virtual Water Trade: a quantification of virtual water flows between nations in relation to international crop trade. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2002.).

No mundo, a apropriação de recursos hídricos está distribuída entre 70% para a agropecuária, 20% para a indústria e 10% para consumo doméstico (WWAP, 2014UNITED NATIONS WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME [WWAP]. The United Nations World Water Development Report 2014: water and energy. Paris: UNESCO, 2014. V 1.). Neste sentido, foi criado o conceito denominado de “pegada hídrica” – indicador multidimensional do uso de água para a produção dos bens e serviços (HOEKSTRA; HUNG, 2002HOEKSTRA, A. Y; HUNG, P. Q. Virtual Water Trade: a quantification of virtual water flows between nations in relation to international crop trade. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2002.).

O Brasil, como grande exportador de commodities agrícola e derivados, é também um ilustre exportador de água virtual – água embutida em um produto, não no sentido real, mas no sentido virtual, refere-se ao total de água necessário para produzir os produtos que são exportados e consumidos em outros lugares (HOEKSTRA, 2003HOEKSTRA, A. Y. Virtual water: an introduction. In: HOEKSTRA, A. Y (Ed.). Virtual water trade: proceedings of the international expert meeting on virtual water trade. Delft: UNESCO-LHE, 2003. V. 12, p. 13–23.; HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.).

A Pegada Hídrica Virtual tem sido um crescente indicador de alerta para o equilíbrio em um processo de educação ambiental no uso dos recursos naturais, fator de questionamento e preocupação do uso incorreto e desordenado das águas na cadeia de fornecimento global (DA SILVA et al., 2013DA SILVA, V. P. R.; ALEIXO, D. O; NETO, J. D.; MARACAJÁ, K. F. B.; ARAÚJO, L E. Uma medida de sustentabilidade ambiental: pegada hídrica. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Cidade, v. 17, n. 1, p. 100–05, 2013.; MARACAJÁ; SILVA; DANTAS NETO, 2012MARACAJÁ, K. F. B.; SILVA, V P. R.; DANTAS NETO, J. Pegada hídrica como indicador de sustentabilidade ambiental. REUNIR Revista de Administração, Contabilidade e Sustentabilidade, v. 2, n. 2, p. 113–25, 2012.; GIACOMIN; OHNUMA JÚNIOR, 2012GIACOMIN, G. S.; OHNUMA JÚNIOR, A. A. A pegada hídrica como instrumento de conscientização ambiental. Revista Monografias Ambientais, v. 7, n. 7, p. 1517–26, 2012..).

Assim, a água virtual é a mesma pegada hídrica, porém trata somente do volume de água dos produtos exportados; desta forma, ao exportar um produto, exporta-se a água que é utilizada na produção, denominada de água virtual (BASSI, 2016BASSI, C. de M. Água virtual e o complexo soja: contabilizando as exportações brasileiras em termos de recursos naturais. Rio de Janeiro: IPEA, 2016. V. 1.; HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.). Neste conjunto, a política, os mercados e os regulamentos internacionais influenciam indiretamente na forma como os recursos hídricos em diferentes lugares são alocados, utilizados e quem finalmente se beneficia deles (HOEKSTRA, 2017HOEKSTRA, A. Y. Water Footprint Assessment: Evolvement of a New Research Field. Water Resources Management, v. 31, n. 10, p. 3061–81, 2017.).

No ano de 2017, Mato Grosso foi responsável pela produção de 26,5% da soja; 30,1% do milho; 67,2% do algodão e de 16,7% de carne bovina (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2017INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Levantamento sistemático da produção agrícola: pesquisa mensal de previsão e acompanhamento das safras agrícolas no ano civil. Rio de Janeiro, 2017.; 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Indicadores IBGE: estatística da produção pecuária. Rio de Janeiro, 2018.), sendo também um grande exportador de água, visto que, para a produção, é indispensável seu uso, e o principal destino desta produção é o exterior, assim, os custos dos serviços hídricos usados de forma gratuita no estado são exógenos aos países importadores, ficando no local produtivo somente o impacto ambiental.

Contudo, apesar da relevância da água, não é comum sua valoração e tampouco a inclusão nos custos de produção; sendo assim, as regiões produtoras não recebem por esses custos ambientais e têm de arcar com tais custos endógenos sem nenhuma ou poucas compensações. Exemplo disso são as exportações, cujo tributo de competência dos estados, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tem isenção prevista na Constituição Federal de 1988 (CF). A regulamentação em âmbito federal ocorreu por meio da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei Kandir.

Tais alterações realizadas na legislação do ICMS geraram redução da receita tributária do imposto e grandes perdas para entes da Federação, como os estados e municípios. O governo federal, no intuito de preservar as finanças dos demais entes, estabeleceu uma compensação financeira aos estados e municípios decorrente da desoneração do ICMS (BRASIL, 1996aBRASIL. Lei Complementar n. 87, 13 de setembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Dada a relevância da medida para a economia brasileira, principalmente para o país obter superavits comerciais, o governo federal criou, em 2004, uma nova medida de compensação, denominada Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX) (BRASIL, 2018aBRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional [STN]. O que você precisa saber sobre transferências constitucionais e legais: auxílio financeiro para fomento das exportações – FEX. Portal do Tesouro Nacional, Brasília, DF, 2018a. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/329483/pge_cartilha_fex.pdf. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/docume...
). Desta forma, com base na Lei Kandir e no FEX, o estado de Mato Grosso recebe dois repasses federais pelas exportações.

O incentivo do governo federal, isentando de tributação a exportação dos produtos primários e semielaborados (matéria-prima sem beneficiamento algum), cujo objetivo é aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, causa perdas financeiras aos estados. Entretanto, a legislação incentiva a exploração primária da agropecuária como um todo, fazendo Mato Grosso liderar a produção de soja, milho, algodão, gado etc., no cenário nacional; porém, nesse crescimento e nessas remunerações, não está contabilizado o custo ambiental. Neste contexto, o objetivo do estudo é comparar a Pegada Hídrica Virtual das exportações mato-grossenses com os repasses estabelecidos pela Lei Kandir e pelo FEX recebidos pelo Estado e por seus municípios.

Justifica-se o estudo em razão de que, ao se valorarem os serviços e desserviços ambientais, cria-se um valor de referência, o qual, deste modo, possibilita o desenvolvimento de políticas públicas que permitam a utilização racional e eficiente dos recursos ambientais, bem como subsidiem a preservação, como incentivos à proteção ambiental, conscientizando os diversos usuários sobre o valor e a importância da preservação dos recursos ambientais (SILVA, 2013SILVA, R. G. Valoração contingente do pargue “Chico Mendes”, Rio Branco: uma aplicação probabilística do método referendum com bidding games. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) – Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada, Universidade Federal de Viçosa [UFV], Viçosa, MG, 2003.). Assim, é necessário realizar um balanço entre os benefícios e custos, possibilitando, desta forma, uma maior conscientização e reflexão acerca dos serviços ambientais prestados aos sistemas de produção.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Serviços e desserviços ambientais

Serviços ambientais são as condições e os processos por meio dos quais os ecossistemas naturais e as espécies que os compõem sustentam e realizam recursos que amparam os seres humanos em suas atividades cotidianas (COSTANZA et al., 1997COSTANZA, R. et al. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v. 387, p. 253–60, May 1997.; DE GROOT et al., 2012DE GROOT, R. S. et al. Global estimates of the value of ecosystems and their services in monetary units. Ecosystem Services, v. 1, n. 1, p. 50–61, 2012.; MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT [MEA], 2003MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT [MEA]. Ecosystems and human well-being: a framework for assessment. Washington DC: Island Press, 2003.). Esses serviços são subdivididos de acordo com as funções que exercem nos ecossistemas ou forma de benefícios/apropriação fornecidos aos seres humanos (Quadro 1).

Quadro 1
Classificação dos serviços ambientais

A degradação do ecossistema e, consequentemente, a perda de biodiversidade prejudicam o funcionamento e a resiliência; por conseguinte, ameaçam a capacidade dos ecossistemas em fornecer continuamente o fluxo de serviços ambientais para as gerações presentes e futuras. Acredita-se que, com as mudanças climáticas e o crescente aumento de consumo de recursos pelos humanos, essas ameaças se tornem maiores (DE GROOT et al., 2012DE GROOT, R. S. et al. Global estimates of the value of ecosystems and their services in monetary units. Ecosystem Services, v. 1, n. 1, p. 50–61, 2012.).

Já os desserviços ambientais são funções ou propriedades dos ecossistemas que causam efeitos que são percebidos como negativos, nocivos, desagradáveis ou indesejados para o bemestar humano. Exemplos de desserviços incluem danos causados por patógenos e pragas aos seres humanos e aos sistemas de produção. Os desserviços podem resultar do funcionamento dos ecossistemas relativamente não perturbados ou podem ser efeitos ou efeitos colaterais das ações antrópicas sobre os ecossistemas (LYYTIMÄKI, 2014LYYTIMÄKI, J. Bad nature: newspaper representations of ecosystem disservices. Urban Forestry and Urban Greening, v. 13, n. 3, p. 418–24, 2014., 2015LYYTIMÄKI, J. Ecosystem disservices: embrace the catchword. Ecosystem Services, v. 12, p. 136-150, 2015.).

2.2 Pegada hídrica

O conceito denominado de “pegada hídrica” indica cumulativamente o consumo de água de todos os bens e serviços por um indivíduo ou por indivíduos de uma localidade (HOEKSTRA; HUNG, 2002HOEKSTRA, A. Y; HUNG, P. Q. Virtual Water Trade: a quantification of virtual water flows between nations in relation to international crop trade. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2002.). Foi proposto por Arjen Y. Hoekstra, na reunião internacional de especialistas sobre o comércio internacional de água virtual, em Delft, na Holanda em dezembro de 2002. Água virtual é a água incorporada em um produto, não no sentido real, mas no sentido virtual. Refere-se à água necessária para a produção do produto, chamado de “água embutida” ou “água exógena”; o último refere-se ao fato de que a importação de água virtual para um país significa usar água que é exógena ao país importador (HOEKSTRA, 2003HOEKSTRA, A. Y. Virtual water: an introduction. In: HOEKSTRA, A. Y (Ed.). Virtual water trade: proceedings of the international expert meeting on virtual water trade. Delft: UNESCO-LHE, 2003. V. 12, p. 13–23.).

A Pegada Hídrica é um indicador multidimensional da apropriação de recursos hídricos pelo homem, provendo, desta forma, uma discussão sobre o uso e a alocação mais igualitária e sustentável da água, além de formar uma base para avaliar os impactos ambientais, sociais e econômicos (HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.).

A Pegada Hídrica calcula o uso direto e indireto da água, integrando toda a cadeia produtiva de um determinado produto, consumidor final, empresas intermediárias, comerciantes e produtores. A Pegada Hídrica de um produto se distingue por três cores: verde, azul e cinza, que medem diferentes tipos e formas de apropriação de água. Pegada Hídrica verde é o indicador do volume de água verde – precipitação no continente que não escoa ou repõe os aquíferos, mas é armazenada temporariamente sobre o solo ou vegetação – consumida durante o processo de produção de bens e serviços (HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.).

A Pegada Hídrica azul é o indicador do volume de água azul – água superficial (lagos, rios, córregos etc.) e subterrânea (aquíferos, lençóis freáticos) – consumida durante o processo de produção de bens e serviços. Inclui-se, também, a água azul captada de uma bacia hidrográfica e lançada para outra bacia ou no mar, ou seja, água azul que não retorna para a bacia da qual foi retirada (HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.).

A Pegada Hídrica cinza é o volume de água necessário para absorver a carga de poluentes, baseado nas concentrações em condições naturais e nos padrões ambientais existentes. Este conceito surgiu da necessidade de reconhecimento do tamanho da poluição hídrica, expresso no volume de água necessário para diluir os poluentes, de forma que eles se tornem inofensivos (HOEKSTRA et al., 2011HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011.).

A Pegada Hídrica per capita do brasileiro é de 5.600 litros/dia, menor que muitas nações, como Níger, Bolívia e Estados Unidos da América, que têm as maiores Pegadas Hídricas per capita, respectivamente, com 9.600 litros/dia, 9.500 litros/dia e 7.800 litros/dia. Por outro lado, muito superior à República Democrática do Congo, com a menor Pegada Hídrica per capita, 1.500 litros/dia (HOEKSTRA; MEKONNEN, 2012HOEKSTRA, A. Y; MEKONNEN, M. M.The water footprint of humanity. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 109, n. 9, p. 3232–7, 2012.; MEKONNEN; HOEKSTRA, 2011aMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y National Water Footprint Accounts: the green, blue and grey water footprint of Production and Consumption. Value of Water Research Report Series, n. 50. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2011a. V 1.). Esse consumo pode variar de acordo com os hábitos alimentares e a renda dos consumidores (MARACAJÁ; SILVA; DANTAS NETO, 2013MARACAJÁ, K. F. B.; SILVA, V. P. R.; DANTAS NETO, J. Pegada hídrica dos consumidores vegetarianos e não vegetarianos. Qualit@s Revista Eletrônica, v. 14, n. 1, p. 1–18, 2013.).

A Pegada Hídrica considera, além da água consumida diretamente, a utilizada para a produção e o cultivo de todos os produtos consumidos diariamente, que tem uma quantia significante de água. Palhares (2011)PALHARES, J. C. P. Pegada hídrica dos suínos abatidos nos estados da região centro-sul do Brasil. Acta Scientiarum – Animal Sciences, v. 33, n. 3, p. 309–14, 2011., por exemplo, identificou que, do total da Pegada Hídrica dos suínos abatidos, 99,88% de água eram consumidos pelas culturas vegetais, responsáveis pelo fornecimento de grãos para sua alimentação. Em outro estudo, Palhares (2014)PALHARES, J. C. P. Pegada hídrica de suínos e o impacto de estratégias nutricionais. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 18, n. 5, p. 533–8, 2014. identificou que as diversas fontes nutricionais da alimentação animal influenciam positiva ou negativamente na Pegada Hídrica.

2.3 Cobrança pelo uso dos recursos hídricos

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, apesar de já prevista no Código Civil de 1916 e no Código de Águas de 1934 (MILLAN, 2008MILLAN, P. Cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 103, n. jan./dez., p. 537–60, 2008.), teve sua aplicação de fato, no país, principalmente após a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), pela Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, conhecida como “A Lei das Águas”. De acordo com seu art. 1º, esta política baseia-se nos fundamentos de que a água é um recurso de domínio público, limitado e dotado de valor econômico, seu uso prioritário é para consumo humano e dessedentação de animais, devendo sempre proporcionar o uso múltiplo (BRASIL, 1997BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1997.).

Para Machado (2013)MACHADO, P. A. L Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013., o uso da água é direito de todos, não pode ser apropriado por uma pessoa ou grupos, excluindo os demais usuários em potencial. Seu uso não pode, também, significar a redução da qualidade e quantidade, devendo ser motivada ou fundamentada pelo gestor público.

Neste intuito, a PNRH foi instituída com os seguintes objetivos: I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; e III – a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais (BRASIL, 1997BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1997.).

Por meio da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a água passa a ser estimada dentro dos valores da economia. Todavia, isso não permite que, com o pagamento de um preço, alguém a use em demasia, pois é um recurso natural limitado (MACHADO, 2013MACHADO, P. A. L Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.). Sua cobrança, de acordo com o art. 19 da Lei das Águas, objetiva: I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II – incentivar a racionalização do uso da água; e III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos (BRASIL, 1997BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1997.).

2.4 Lei Kandir – Lei Complementar 87/1996 – e o Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX)

A Lei Kandir trata da regulamentação do ICMS pós-Constituição Federal (CF) de 1988; entretanto, a implementação desse tributo está descrita da seguinte forma:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
);

Na mesma seção do capítulo Sistema Tributário, está o tratamento da desoneração das exportações relativo ao imposto ICMS, em que se expressa a não incidência:

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

X- não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
);

A CF exige a regulamentação para o imposto por meio de uma lei complementar, que, no ano de 1996, foi sancionada com o número 87, com a alcunha de Lei Kandir, em referência a seu idealizador. O Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), considera esta aprovação como um “marco regulatório modernizador do sistema tributário nacional”, aproximando-se das regras internacionais, no sentido de desonerar as exportações de imposto sobre consumo (BRASIL, 2018b, p. 1BRASIL. Ministério da Indústria Comércio Exterior e Serviços [MDIC]. Balança comercial brasileira: unidades da federação. Brasília, DF: MDIC, 2018b. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-unidades-da-federacao. Acesso em: 16 abr. 2018.
http://www.mdic.gov.br/index.php/comerci...
).

Na mesma esteira de pensamento, Kume e Piani (1997)KUME, H.; PIANI, G. O ICMS sobre as exportações brasileiras: uma estimativa da perda fiscal e do impacto sobre as vendas externas. IPEA, Rio de Janeiro, Texto para discussão n. 465, mar. 1997. avalizam o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional; entretanto, afirmam que, com a adoção de tais medidas, os entes subnacionais sofreram perdas significativas de receita, principalmente os menos desenvolvidos. Leitão, Irffi e Linhares (2012)LEITÃO, A.; IRFFI, G.; LINHARES, F. Avaliação dos efeitos da Lei Kandir sobre a arrecadação de ICMS no Estado do Ceará. Planejamento e Políticas Públicas (PPP), v. 39, n., p. 37–63, jun./dez., 2012. indicam perdas de arrecadação de ICMS para os estados e que as compensações financeiras transferidas pelo governo federal não têm sido suficientes para compensá-las.

Dadas as perdas financeiras que estados e municípios vinham apresentando, o governo federal instituiu o FEX como uma transferência fiscal desvinculada da União aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, por meio da Medida Provisória (MP) n. 193, de 24 de junho 2004, que foi transformada na Lei n. 10.966/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Lei n. 10.966, de 9 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2004.). Os recursos são repassados por meio de previsões em orçamento da União, observando-se aspectos de repasse a estado e municípios, sem quaisquer retenções.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo é de natureza descritiva, bibliográfica, com abordagem quantitativa, e usou como fonte dados secundários. As pesquisas descritivas têm como finalidade a descrição de fatos ou fenômenos, ou a relação entre variáveis, sem a interferência do pesquisador, e envolvem técnicas padronizadas de coleta de dados (PROVDANOV; FREITAS, 2013PROVDANOV, C. C; FREITAS, E. C. DE. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.).

É bibliográfica, pois fez o uso de fontes secundárias públicas, como sites oficiais, livros, periódicos, revistas, jornais, dissertações, teses, entre outros (MARCONI; LAKATOS, 2003MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.). É quantitativa, por traduzir os resultados em números, opiniões e informações, produzindo valores e percentuais demonstrados em gráficos e tabelas (PROVDANOV; FREITAS, 2013PROVDANOV, C. C; FREITAS, E. C. DE. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.; RICHARDSON, 2012RICHARDSON, R. J. Pesguisa Social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.).

O objeto de estudo foram as exportações de soja, milho, algodão, bovino e seus principais derivados e os repasses federais referentes à Lei Kandir e ao FEX. Justifica-se a escolha de tais produtos por serem os mais representativos nas exportações do setor agropecuário matogrossense, representando mais de 98% do total das exportações do período. Os dados das exportações do estado de Mato Grosso foram obtidos no site oficial do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) da “Balança comercial brasileira: Unidades da Federação”, referente ao período de 2013 a 2017.

Com base nos dados oficiais das exportações, o recorte temporal estabelecido foi entre os anos 2013 e 2017, sendo que, para cada tipo de produto, foram utilizados os parâmetros de consumo e utilização de água divulgados para o Brasil (MEKONNEN; HOEKSTRA, 2010aMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y The green, blue and grey water footprint of farm animals and animal products. Value of Water Research Report Series, n. 48. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2010a. V 2.; 2010bMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y The green, blue and grey water footprint of farm animals and animal products. Value of Water Research Report Series, n. 48. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2010b. V 1.; 2010cMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y. The green, blue and grey water footprint of crops and derived crop products. Value of Water Research Report Series, n. 47. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2010c. V. 2.; 2010dMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y. The green, blue and grey water footprint of crops and derived crop products. Value of Water Research Report Series, n. 47. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2010d. V. 1.; 2011bMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y The green, blue and grey water footprint of crops and derived crop products. Hydrology and Earth System Sciences, v. 15, n. 5, p. 1577–600, 2011b.; 2012MEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y A Global Assessment of the Water Footprint of Farm Animal Products. Ecosystems, v. 15, n. 3, p. 401–15, 2012.).

3.1 Cálculo da Pegada Hídrica

Os estudos de Hoekstra et al. (2011)HOEKSTRA, A. Y.; CHAPAGAIN, A. K.; ALDAYA, M.M.; MEKONNEN, M. M. The water footprint assessment manual: setting the global standard. London, UK: Earthscan, 2011. estimaram a Pegada Hídrica para cada produto ou subproduto e a quantidade de água necessária para conversão de cada um; sendo assim, a pesquisa, de acordo com a Tabela 1, calculou a PH individualmente, para cada produto, agregando-a por ano e produto. Não foi realizada a distinção de preço para cada tipo de PH – verde, azul e cinza –, considerou-se o somatório de todas para a produção. Para soja, milho, algodão e derivados, foram usadas a PH da produção destas no estado de MT, já para o bovino foi utilizada a média do Brasil.

Tabela 1
Produtos exportado por Mato Grosso utilizados na pesquisa e Pegada Hídrica unitária

Nos resultados, foram utilizados os códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), conforme apresentado na Tabela 1.

Tendo em vista que Mato Grosso não tem a cobrança pelo uso dos recursos hídricos implantada, para a precificação da Pegada Hídrica, utilizaram-se como base os valores das bacias hidrográficas que já possuem a cobrança ou preços definidos, disponibilizados pela Agência Nacional de Águas (ANA, 2018)AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS [ANA]. Cobrança pelo uso de recursos hídricos: normativos legais. Brasília, DF, 2018.. Para obter o preço do m3 da água, foi calculada a média ponderada simples dos valores definidos pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), obtendo-se o valor de R$ 0,012372/m3.

3.2 Cálculo do valor da Pegada Hídrica

Para o cálculo do valor da PH, utilizou-se a seguinte equação:

TCphE = ( TE × TPHve ) × Ct água ( R $ 0 , 012372 )

Em que:

TCphE: total do valor da Pegada Hídrica Virtual exportada

TE: total do volume exportado de cada produto

TPHve: total da Pegada Hídrica Virtual exportada

Ct água: média ponderada simples dos valores definidos pelos comités de bacias hidrográficas

3.3 Base de Cálculo da Lei Kandir e FEX

Os dados dos repasses de que tratam a Lei Kandir e a Lei n. 10.966/2004 que instituiu o FEX, para o estado de Mato Grosso e seus municípios, foram obtidos no site oficial da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) referentes ao período de 2013 a 2017, cujos valores foram repassados ao Estado para compensar a desoneração de impostos sobre a exportação dos produtos primários e semielaborados. Destaca-se que, se houver aumento nas exportações dos produtos, o impacto corresponderá na mesma proporção da PH, sendo que nem sempre reflete nos valores de repasses, já que envolve variáveis políticas do país.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os principais produtos exportados foram a soja (NCM 12019000) e o milho em grão (NCM 10059010), que, somados, representaram mais de 80% das exportações totais dos produtos e subprodutos aqui analisados. Observa-se uma constante evolução das exportações desses dois produtos, com destaque para a soja, e, se tomado como base o período de 2013 e comparado com 2017, houve uma evolução de 46% para a soja e 16% para o milho, sendo que este último sofreu algumas oscilações (Tabela 2). Destaca-se ainda que 60% da produção de soja e milho do estado é exportada (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2017INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Levantamento sistemático da produção agrícola: pesquisa mensal de previsão e acompanhamento das safras agrícolas no ano civil. Rio de Janeiro, 2017.; 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Indicadores IBGE: estatística da produção pecuária. Rio de Janeiro, 2018.).

Tabela 2
Total de produtos exportados por Mato Grosso (em t) de 2013 a 2017

A quantidade exportada influencia diretamente no total da Pegada Hídrica (Tabela 3), porém, destaca-se que, embora a carne bovina tenha sido exportada em menor quantidade, representando 1,3% em relação à soja e a seus derivados, a PH Virtual representa 13%. Tal diferença se dá em razão de que, para produzir uma tonelada de carne bovina, é necessária uma média de 16.107 m3/t, enquanto para a soja e seus derivados, uma média de 2.740 m3/t.

Tabela 3
Pegada Hídrica Virtual exportada pelo estado de Mato Grosso no período de 2013 a 2017

A Pegada Hídrica total de cada produto exportado varia de acordo com os processos realizados, de cultura para cultura e, também, de região para região. Por exemplo, a PH da soja produzida no estado do Paraná, Brasil, é de 2.385 m3/t, já nos Estados Unidos da América é de 1.662 m3/t, e, para o milho, nestas duas localidades, é de 1.870 m3/t e 761 m3/t, respectivamente (MEKONNEN; HOEKSTRA, 2010aMEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y The green, blue and grey water footprint of farm animals and animal products. Value of Water Research Report Series, n. 48. Delft, the Netherlands: UNESCO-LHE, 2010a. V 2.). Percebe-se, portanto, que existem variações com todos os produtos, isso é devido às diferenças agroclimáticas, variedades e formas de cultivos e/ou criação.

Quando analisado o valor da Pegada Hídrica Virtual das exportações com os repasses Federais (Lei Kandir e FEX) para MT (Tabela 4), verifica-se que somente em 2016 os repasses superaram a PH, em razão do repasse acumulado em anos anteriores. No total do período analisado, verifica-se que o estado teve um deficit ambiental de 47,06%. Dos totais repassados, a União entrega diretamente 75% ao Estado e 25% aos municípios, conforme estabelecido na Constituição Federal (CF), no parágrafo primeiro do artigo 91 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
); Lei Kandir, em seu artigo 31 (BRASIL, 1996bBRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional [STN]. O que você precisa saber sobre transferências constitucionais e legais: Lei Complementar 87/1996. Portal do Tesouro Nacional, Brasília, DF, 1996b. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/329483/pge_cartilha_lei_kandir.pdf. Acesso em: 23 abr. 2018.
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/docume...
); e Lei n. 10.966/2004, que instituiu o FEX no artigo quarto (BRASIL, 2004BRASIL. Lei n. 10.966, de 9 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2004.).

Tabela 4
Balanço comparativo entre os repasses federais e o valor da Pegada Hídrica Virtual exportada pelo estado de Mato Grosso no período de 2013 a 2017 (em R$)

Ao se analisar o valor da Pegada Hídrica Virtual exportada (Tabela 4), em 2017, o montante foi de R$ 988.407.427,36, o suficiente para comprar mais de 20 mil carros populares zeroquilômetro ou pagar um salário mínimo para mais de 80 mil trabalhadores durante um ano. Ressalta-se que o custo ambiental é indispensável para a produção e utilizado de forma gratuita, no entanto, é necessário que se reveja tal política, em razão dos custos ambientais arcados pela sociedade como um todo.

O Gráfico 1 apresenta uma melhor visualização da comparação entre o valor da Pegada Hídrica Virtual exportada versus os repasses federais.

Gráfico 1
Custo da Pegada Hídrica Virtual das exportações mato-grossenses versus os repasses federais (Lei Kandir e FEX) no período de 2013 a 2017 (R$ bilhões)

Observa-se, no Gráfico 1, que na maioria dos anos o valor da PH Virtual superou as receitas do FEX, exceto em 2016, ficando, portanto, um deficit ambiental no Estado, em termos monetários, sem considerar o custo ambiental da degradação, uso de defensivos agrícolas, poluição das máquinas etc. Portanto, novas políticas devem ser implementadas no sentido de beneficiar mais o estado e, consequentemente, a população que sofre com problemas de estradas, saúde, educação e outras necessidades da população.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados possibilitaram constatar que a principal finalidade da produção agropecuária mato-grossense é a exportação e, por ser indispensável o uso de água para a produção, o estado é também um grande exportador de Água Virtual. Todavia, este recurso é usado de forma gratuita, tendo em vista que a água é um recurso limitado, dotado de valor econômico, e que não é realizada sua valoração, tampouco sua inclusão nos custos de produção. As exportações levam esse valor gratuitamente, ficando no Estado os custos dos serviços ambientais utilizados na produção.

Os únicos repasses que o Estado e seus municípios recebem diretamente por essas exportações são os da desoneração do ICMS estabelecida na Lei Kandir e o FEX; todavia, tais repasses são cerca de 50% dos custos da Pegada Hídrica Virtual exportada, ficando o estado com um deficit ambiental, pois os custos ambientais utilizados na produção são maiores que os benefícios federais recebidos.

Recomenda-se, portanto, que sejam realizados estudos futuros identificando outros benefícios decorrentes das exportações e da produção agropecuária, que abrangem as esferas sociais, econômicas e ambientais. E, também, estudos sobre o impacto da inclusão do valor da Pegada Hídrica nos custos de produção e outros semelhantes a este, identifícando-se e valorando-se outros serviços ambientais e em outros locais, a fim de se realizar comparação com o resultado aqui encontrado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2020
  • Revisado
    03 Nov 2020
  • Aceito
    28 Dez 2021
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