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Um caso raro de piopneumotórax

CARTA AO EDITOR

Um caso raro de piopneumotórax

Vanda AreiasI; Jose RomeroII; Isabel RuivoIII; Ulisses BritoIV

IInterna do Internato Complementar de Pneumologia, Hospital de Faro, Faro, Portugal

IIAssistente Hospitalar de Pneumologia, Hospital de Faro, Faro, Portugal

IIIAssistente Hospitalar Graduada de Pneumologia, Hospital de Faro, Faro, Portugal

IVDiretor do Serviço de Pneumologia, Hospital de Faro, Faro, Portugal

Ao Editor:

Os microrganismos do gênero Gemella são cocos gram-positivos, anaeróbios facultativos, catalase negativos e semelhantes ao Streptococcus viridans.(1) Essas bactérias são comensais da orofaringe e das vias aéreas superiores e raramente causam infecções no homem. Contudo, tem sido descrito um número crescente de processos infecciosos em diferentes localizações. As espécies G. morbillorum e G. haemolysans são as espécies patogênicas mais frequentes, normalmente causando endocardite(2) e meningite. As infecções pulmonares provocadas por essas bactérias são raras, mas podem causar abscessos no pulmão, pneumonias necrosantes e empiema pleural.(3) Recentemente tivemos o caso de um paciente com um quadro de piopneumotórax cuja etiologia foi G. haemolysans.

Tratava-se de um paciente do sexo masculino, 29 anos, caucasiano, fumante (15 maços-ano), com hábitos alcoólicos moderados e com antecedentes pessoais de fratura da tíbia esquerda, operada havia 8 anos. Recorreu ao serviço de urgência por quadro de toracalgia tipo pleurítica à direita com um mês de evolução e, 15 dias após, desenvolveu tosse irritativa e dispneia com agravamento progressivo, sem outra sintomatologia acompanhante. Referia ainda extração dentária dois meses antes do internamento. Ao exame objetivo, encontrava-se vígil, colaborante, orientado no espaço e no tempo, febril (temperatura timpânica de 38ºC), hemodinamicamente estável, com SpO2 de 97% (FiO2 = 21%), fácies séptica e palidez mucocutânea. À auscultação pulmonar apresentava murmúrio vesicular diminuído em todo o hemitórax direito, com vibrações vocais abolidas e macicez à percussão. Analiticamente, apresentava anemia normocítica e normocrômica (hemoglobina de 12,6 g/dL), leucocitose (15.380 células/mL) com neutrofilia (77,1%), VHS de 103 mm/h, proteína C reativa de 358 mg/dL, nitrogênio ureico no sangue de 26 mg/dL, creatinina de 0,6 mg/dL, testes sorológicos para HIV 1+2, HBV e HCV negativos, hemoculturas negativas e pesquisa de Mycobacterium tuberculosis em escarro negativas. Na radiografia do tórax, apresentava hipotransparência nos terços inferiores do hemitórax direito, com nível líquido. Na TC de tórax, observou-se volumosa coleção com nível líquido ocupando a quase totalidade do hemitórax direito, condicionando uma compressão do parênquima pulmonar adjacente que poupava apenas o lobo superior direito. Foi realizada toracocentese diagnóstica com saída de 15 cm3 de líquido purulento, com odor fétido. Colocou-se um tubo de drenagem torácico de 28 F no sétimo espaço intercostal direito na linha axilar média, o qual permaneceu durante 18 dias, com drenagem no total de 4.000 cm3 de líquido purulento. Foi isolado no líquido pleural G. haemolysans. A pesquisa de M. tuberculosis no líquido pleural foi negativa. O paciente foi medicado com piperacilina/tazobactam 4,5 g a cada 6 h, durante quatro semanas, e gentamicina 160 mg a cada 24 h, durante 5 dias, e cinesioterapia respiratória, observando-se melhora clínica e radiológica progressiva. O paciente teve alta, mas com a indicação de manter a cinesioterapia respiratória, e foi referenciado à consulta de pneumologia. Na consulta de reavaliação, a nova radiografia do tórax indicou melhora significativa, e o paciente efetuou provas de função respiratória, com resultado normal.

Em uma revisão realizada em 2008,(3) havia somente dois casos de empiema por G. haemolysans descritos, e os dois pacientes apresentavam antecedentes de carcinoma. Entre os fatores predisponentes para a infecção por esse microrganismo destacam-se a má higiene oral e a manipulação dentária prévia, as quais, devido à lesão da mucosa oral, poderiam facilitar a sua disseminação hematogênica; assim como microaspirações da orofaringe, que facilitariam a disseminação broncogênica. A informação acerca da sensibilidade antibiótica a esses microrganismos é limitada; normalmente apresentam sensibilidade aos beta-lactâmicos e aos aminoglicosídeos,(3-5) mas foram descritas algumas resistências.(6) Relativamente à duração da terapêutica, recomenda-se um período mínimo de quatro semanas ou até se completar a drenagem do empiema.(3-5) Apesar da infecção por esse microrganismo ser uma condição rara, ele deve ser considerado em doentes imunodeprimidos ou naqueles com recente manipulação dentária ou do tubo digestivo.

  • 1. Woo PC, Lau SK, Fung AM, Chiu SK, Yung RW, Yuen KY. Gemella bacteraemia characterised by 16S ribosomal RNA gene sequencing. J Clin Pathol. 2003;56(9):690-3.
  • 2. Frésard A, Michel VP, Rueda X, Aubert G, Dorche G, Lucht F. Gemella haemolysans endocarditis. Clin Infect Dis. 1993;16(4):586-7.
  • 3. Senent C, Sancho JN, Chiner E, Signes-Costa J, Camarasa A, Andreu AL. Pleural empyema caused by Gemella species: a rare condition [Article in Spanish]. Arch Bronconeumol. 2008;44(10):574-7.
  • 4. Hayashi Y, Ito G. A case of bacterial empyema caused by Gemella morbillorum [Article in Japanese]. Kansenshogaku Zasshi. 1996;70(3):259-63.
  • 5. Veziris N, Fuhrman C, Chouaid C, Marque E, Housset B, Lange J, et al. Empyema of the thorax due to Gemella haemolysans. J Infect. 1999;39(3):245-6.
  • 6. Kofteridis DP, Anastasopoulos T, Panagiotakis S, Kontopodis E, Samonis G. Endocarditis caused by Gemella morbillorum resistant to beta-lactams and aminoglycosides. Scand J Infect Dis. 2006;38(11-12):1125-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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