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Depressão e sintomas depressivos: confusão conceitual

Depression and depressive symptoms: conceptual confusion

CARTAS

Depressão e sintomas depressivos: confusão conceitual

Depression and depressive symptoms: conceptual confusion

Lucas Spanemberg

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Hospital São Lucas, Unidade de Internação Psiquiátrica; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucas Spanemberg Hospital São Lucas, PUCRS, Unidade de Internação, Psiquiátrica – 6º andar sul Av. Ipiranga, 6.690 90160-090 - Porto Alegre, RS Telefone: (51) 3320-3041 E-mail: lspanemberg@yahoo.com.br

Prezado editor,

A respeito do artigo intitulado "Prevalência de depressão entre homens adultos em situação de rua em Belo Horizonte"1, cabem algumas considerações.

Em primeiro lugar, os estudos dirigidos à saúde mental de populações vulneráveis são sempre bem-vindos, uma vez que instrumentam os agentes políticos e gestores de saúde para as necessárias intervenções nessas populações. Ainda que questões sociais possam ser determinantes para a condição dessas pessoas, é evidente que muitas delas são portadoras de doenças mentais graves e passam por sofrimento psíquico significativo, cabendo também ao Estado a construção de políticas públicas pertinentes à problemática. Nesse sentido, estudos que avaliem diagnósticos e intensidade de sintomas nessas populações são necessários e pertinentes. Contudo, cabem aqui alguns comentários conceituais sobre o estudo.

O título do trabalho utiliza o termo "prevalência de depressão", definindo o diagnóstico de depressão com um ponto de corte de 12 pontos no Inventário de Depressão de Beck (BDI). Como o próprio artigo explica, esse instrumento foi desenvolvido para avaliar a intensidade dos sintomas depressivos, não sendo um instrumento diagnóstico, ainda que um ponto de corte possa ser utilizado como screening de quadros depressivos. Contudo, durante grande parte do artigo, o termo "depressão" ou "quadro depressivo" foi utilizado como diagnóstico categórico, ainda que nenhuma escala diagnóstica tenha sido aplicada, podendo induzir o leitor ao erro. Ainda que essa limitação tenha sido considerada brevemente, todas as tabelas levam a denominação "depressão", e não "sintomas depressivos", da mesma forma que o título. Esse é um grave erro conceitual comum em nosso meio2 e pode acarretar superestimação diagnóstica da depressão. Além disso, alguns dos sintomas depressivos avaliados pela BDI podem decorrer de outras patologias ou ser mais bem explicados pelas próprias condições desses indivíduos. O título e as tabelas estão, dessa forma, com termos equivocados e confundem o leitor.

Por fim, o artigo contribui para a discussão da problemática em relação ao sofrimento mental de moradores de rua, mas peca na descrição de conceitos. Penso que os autores devem ser estimulados a seguirem com estudos nessa população, mas com maior cuidado no uso dos termos. A literatura científica deve primar pelo rigor nos conceitos, uso adequado dos instrumentos e clareza das informações, ou corremos o risco de equívocos e extrapolações indevidas, num universo científico já inundado de estatísticas controversas.

Recebido em 10/7/2010

Aprovado em 10/8/2010

  • 1. Botti NCL, Castro CGd, Silva MF, et al. Prevalência de depressão entre homens adultos em situação de rua em Belo Horizonte. J Bras Psiquiatr. 2010;59:10-6.
  • 2. Spanemberg L. Depressão pós-parto: considerações terminológicas. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30:85-6.
  • Endereço para correspondência:
    Lucas Spanemberg
    Hospital São Lucas, PUCRS, Unidade de Internação, Psiquiátrica – 6º andar sul
    Av. Ipiranga, 6.690
    90160-090 - Porto Alegre, RS
    Telefone: (51) 3320-3041
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      2010
    Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos, 22295-140 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel./Fax: (55 21) 3873-5510 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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