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Prevalência de anticorpos contra o vírus da hepatite A em crianças e adolescentes expostos e/ou infectados pelo HIV

EDITORIAIS

Prevalência de anticorpos contra o vírus da hepatite A em crianças e adolescentes expostos e/ou infectados pelo HIV

Themis Reverbel Silveira

Doutora. Professora adjunta, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Dados recentes do Programa Nacional de DST/AIDS mostram que há cerca de 600.000 casos de HIV no Brasil; nas regiões Sul e Sudeste, estão concentrados cerca de 85% desses casos. Atualmente, a doença hepática terminal é considerada uma das causas mais importantes de morte nos pacientes adultos hospitalizados portadores de HIV, estima-se que, em cerca de 40% dos pacientes infectados pelo HIV, haja co-infecção com os vírus das hepatites B e/ou C. As inter-relações das hepatites virais com o HIV são complexas, pois o HIV pode modificar a história natural das hepatites e possibilitar um comportamento semelhante ao de doenças oportunistas. Há estudos in vitro, in vivo e ensaios clínicos controlados que demonstram os efeitos nocivos dessas associações. Embora haja um crescente interesse no reconhecimento dessas co-infecções, as peculiaridades relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento das hepatites virais nos pacientes infectados pelo HIV são várias e nem todas estão bem resolvidas. Pode haver: a) dificuldade no diagnóstico sorológico das hepatites com imunodeficiência significativa (T-CD4+ < 200 cels/mm3), b) maior risco de cronificação das hepatites, c) maior possibilidade de transmissão vertical do VHC, d) maior rapidez de transformação cirrogênica, e) maior replicação vital (B, C, HIV), e f) maior possibilidade de evoluir para hepatite fulminante quando o paciente HIV+ for co-infectado pelo vírus da hepatite A.

Os dados de co-infecção hepatite viral e HIV relacionados com a população pediátrica são muito escassos e geralmente relacionados às hepatites B e/ou C. Os aspectos da infecção pelo vírus da hepatite A (VHA) raramente são descritos. Só esse motivo já faria com que o estudo sobre prevalência de anticorpos contra o VHA em crianças e adolescentes expostos e/ou infectados pelo HIV, publicado neste número do Jornal de Pediatria, fosse de grande interesse. Mas há outros motivos para parabenizar as autoras. Até recentemente, era afirmado não haver evidência consistente de agravamento da doença hepática aguda pelo VHA em pacientes com HIV. Gouvêa et al.1 apresentam uma revisão sucinta da literatura e dados interessantes do seu próprio estudo, que demonstra a relevância da associação HIV e VHA. Realizaram análise retrospectiva do prontuário de 352 pacientes acompanhados no Ambulatório da Disciplina de Infectologia Pediátrica da UNIFESP/EPM, em São Paulo. Nenhum desses pacientes havia sido vacinado contra o VHA. Houve maior prevalência de anticorpos totais para VHA no grupo HIV em todas as faixas etárias, e não foi autoras. Até recentemente, era afirmado não haver evidência consistente de agravamento da doença hepática aguda pelo VHA em pacientes com HIV. Gouvêa et al.1 apresentam uma revisão sucinta da literatura e dados interessantes do seu próprio estudo, que demonstra a relevância da assocação HIV e VHA. Realizaram análise retrospectiva do prontuário de 352 pacientes acompanhados no Ambulatório da Disciplina de Infectologia Pediátrica da UNIFESP/EPM, em São Paulo. Nenhum desses pacientes havia sido vacinado contra o VHA. Houve maior prevalência de anticorpos totais para VHA no grupo HIV em todas as faixas etárias, e não foi observada associação entre a catego ria imunológica e a presença de anticorpos anti-VHA1.

Apesar da incidência de VHA, nos últimos anos, ter declinado em alguns países da América Latina, ainda há taxas altas da doença e, inclusive, epidemias ocasionais, a indicar que o VHA permanece um problema importante de Saúde Pública no nosso país2. São muito raros os estudos sobre a resposta de pacientes pediátricos com HIV à vacina contra a hepatite A. Os indivíduos infectados pelo HIV constituem um grupo especial e, portanto, a estratégia de vacinação deverá também ser elaborada diferentemente.

Desde a introdução das drogas de terapia anti-retroviral altamente ativa (HAART), houve uma mudança radical no manejo dos infectados pelo HIV com a conhecida redução de infecções oportunistas e da mortalidade dos pacientes. Essa proteção parece sugerir que o aumento de células CD4+ nos pacientes que recebem HAART possa refletir uma restauração da função imunológica. É nesse contexto que se situa a complexidade das respostas dos pacientes infectados pelo HIV à vacinação. Embora haja relatos de aumento da replicação viral no sangue periférico após vacinação contra influenza3,4, o mesmo não ocorre após a vacinação contra hepatite A5,6. Sabe-se que a vacina da hepatite A provoca diferentes taxas de soroconversão em pacientes com doenças crônicas, quando comparadas com as taxas dos sujeitos normais. Em relação às crianças com síndrome de Down e hepatopatas crônicas, em estudos anteriores já mostramos que, apesar de responderem com títulos mais baixos de anticorpos, os pacientes apresentam taxas adequadas de soroconversão7,8.

A observação das autoras de que apenas 26% dos pacientes expostos e/ou infectados pelo HIV apresentaram anticorpos contra o VHA é altamente interessante. A necessidade de oferecer aos pacientes a desejável profilaxia vacinal também deve levar em consideração o estágio da infecção pelo HIV. Assim, alguns autores observaram diferenças marcantes nas respostas às vacinas, na dependência da gravidade da infecção pelo HIV. Houve nítida relação entre a resposta à vacina e o estágio da infecção pelo HIV para Santagostino et al.9, que, estudando pacientes hemofílicos com e sem infecção pelo HIV, observaram a presença de anticorpos, 12 meses após a vacinação (duas doses subcutâneas), em 76% dos casos e em apenas 40% daqueles com sintomas progressivos associados ao HIV. Todos os hemofílicos não infectados pelo HIV desenvolveram anticorpos. Já foi relatado que mesmo pacientes com importante depleção de células CD4+ podem responder às vacinas. Em um estudo recente, Lederman et al. demonstraram 28% de seroconversão após a primeira dose e 46% após a segunda dose da vacina contra a hepatite A. No grupo respondedor, a média de células CD4+ era 254, em comparação à média de 212 dos pacientes que não responderam. O número de células CD4+ também foi determinante para a resposta vacinal nos pacientes analisados por Kemper et al.10. A seroconversão no 9º mês foi observada em 68% daqueles com > 200 células/mm3 e apenas em 9% dos pacientes com contagem CD4+ inferior (p = 0,004). O efeito da segurança da imunização contra o VHA foi analisado por Bodsworth et al.5, 1 ano após a administração de duas doses (1 e 6 meses) de Havrix 1.440 U/E. Foi realizado um estudo caso-controle com 90 adultos HIV+, que foram pareados pela porcentagem de linfócitos CD4+ e avaliados em relação ao desenvolvimento de AIDS, sobrevida e subclasses de células-T. Não houve diferença entre os grupos.

Ultimamente, vem sendo apontado, por diversos autores, a necessidade de vacinar contra o VHA os indivíduos HIV, estando em uso ou não de antiretrovirais potentes5,10,11. Por outro lado, a aderência às vacinas contra as hepatites A e B, por parte dos infectados pelo HIV, não costuma ser boa. No estudo de Tedaldi et al.12 com pacientes HIV em regime ambulatorial, os autores relataram que apenas 32,4% de 612 elegíveis para receberem a vacina contra hepatite B e 23,3% de 716 dos identifica dos para a vacina contra a hepatite A receberam uma dose. O esquema completo de vacinação foi atingido em um número muito pequeno de pacientes.

As conclusões das autoras do estudo brasileiro quanto à necessidade de profilaxia vacinal da hepatite A nas crianças e nos adolescentes com HIV são judiciosas e oportunas. Devemos ficar alertas para a implantação dessa medida, que, provavelmente, terá impacto positivo na qualidade de vida desse grupo tão vulnerável de pacientes.

Referências

1. Gouvêa AFTB, de Moraes-Pinto MI, Machado DM, do Carmo FB, Beltrâo SCV, Cunegundes KS, et al. Prevalência de anticorpos contra o vírus da hepatite A em crianças e adolescentes expostos e/ou infectados pelo HIV. J Pediatr (Rio J). 2005;81:205-8.

2. Costa Clemens SA, da Fonseca JC, Azevedo T, Cavalcanti AM, Silveira TR. Soroprevalência para hepatite A e hepatite B em quatro centros no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2000;35:1-100.

3. Günthard HF, Wong JK, Spina CA. Effect of influenza vaccination on viral replication and immune response in persons infected with human immunodeficiency virus receiving potent antiretroviral therapy. J Infect Dis. 2000;181:522-31.

4. O'Brien WA, Grovit-Ferbas K, Namazi A. HIV type 1 replication can be increased in peripheral blood of seropositive patients after influenza vaccination. Blood. 1995;86:1082-9.

5. Bodsworth NJ, Neilsen GA, Donovan B. The effect of immunization with inactivated hepatitis A vaccine on the clinical course of HIV-infection: 1-year-follow-up. AIDS. 1997;11:747-9.

6. Hess G, Clemens R, Bienzle U, Schonfeld C, Schunck B, Bock HL. Immunogenicity and safety of an inactivated hepatitis A vaccine in anti-HIV positive and negative homosexual men. J Med Virol. 1995;46:40-2.

7. Ferreira CT, Taniguchi NA, Vieira SM, Lima JP, Silveira TR. Prevalência do anticorpo da hepatite A em crianças e adolescentes com hepatopatia crônica. J Pediatr (Rio J). 2002;78:503-8.

8. Ferreira CT, Leite JC, Taniguchi A, Vieira S, Pereira-Lima J, Silveira TR. Immunogenicity and safety of an inactivated Hepatitis A Vaccine in children with Down Syndrome. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004;39:337-40.

9. Santagostino E, Gringeri A, Rocino A, Zanetti A, de Biasi R, Mannucci PM. Patterns of immunogenicity of an inactivated hepatitis A vaccine in anti-HIV positive and negative hemophilic patients. Thromb Haemost. 1994;72:508-10.

10. Kemper C, Haubrich R, Frank I, Dubin G, Buscarino C, McCutchan JA, et al. California Collaborative treatment group. Safety and immunogenicity of hepatitis A Vaccine in Human Immunodeficiency virus-infected patients: a double blind, tandomized, placebo-controlled trial. J Infect Dis. 2003;187:1327-31.

11. Valdez H, Smith KY, Landay A, Connick E, Kuritzkes DR, Kessler H, et al Response to immunization with recall and neoantigens after prolonged administration of an HIV-1 protease inhibitor- containing regimen. ACTG 375 team. AIDS Clinical Trials Group. AIDS. 2000;14:11-21.

12. Tedaldi EM, Baker RK, Moorman AC, Wood KC, Fuhrer J, McCabe RE, et al. HIV Outpatient Study (HOPS) Investigators. Hepatitis A and B vaccination practices for ambulatory patients infected with HIV. Clin Infect Dis. 2004;38:1478-84.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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