Acessibilidade / Reportar erro

Heterogeneidade cognitiva e comportamental em síndromes genéticas Como citar este artigo: Pegoraro LF, Steiner CE, Celeri EH, Banzato CE, Dalgalarrondo P. Cognitive and behavioral heterogeneity in genetic syndromes. J Pediatr (Rio J). 2014;90:155-60.

Resumos

OBJETIVO:

investigar o perfil cognitivo e comportamental, sintomas e transtornos psiquiátricos em crianças com três diferentes síndromes genéticas, com antecedentes socioculturais e socioeconômicos semelhantes.

MÉTODOS:

trinta e quatro crianças, entre 6 e 16 anos, com as síndromes de Williams-Beuren (n = 10), de Prader-Willi (n = 11) e do X-Frágil (n = 13), dos ambulatórios de Psiquiatria Infantil e Genética Médica, foram avaliadas cognitivamente pela Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-III). Posteriormente, o QI total, o QI Verbal, o QI de Execução, os escores ponderados dos subtestes e a frequência de sintomas e transtornos psiquiátricos foram comparados entre as síndromes.

RESULTADOS:

diferenças significativas foram encontradas entre as síndromes quanto ao QI Verbal e os subtestes verbais e de execução. A análise Post-hoc demonstrou que os escores dos subtestes vocabulário e compreensão foram significativamente superiores na síndrome de Williams-Beuren em relação às síndromes de Prader-Willi e do X-Frágil, e os escores dos subtestes cubos e armar objetos foram significativamente superiores na síndrome de Prader-Willi em relação às síndromes de Williams-Beuren e do X-Frágil. Além disso, houve diferença significativa entre as síndromes quanto às características comportamentais e os sintomas psiquiátricos. O grupo com síndrome de Prader-Willi apresentou maior frequência de hiperfagia e comportamentos autolesivos. Já o grupo com síndrome do X-Frágil apresentou maior frequência do déficit da interação social. Esta diferença quase alcançou a significância estatística.

CONCLUSÃO:

as três síndromes genéticas apresentaram um padrão cognitivo, comportamental e psiquiátrico diferenciado quando foram comparadas entre si.

Cognição; Comportamento; Síndrome de Williams-Beuren; Síndrome de Prader-Willi; Síndrome do X-Frágil


OBJECTIVE:

this study aimed to investigate the cognitive and behavioral profiles, as well as the psychiatric symptoms and disorders in children with three different genetic syndromes with similar sociocultural and socioeconomic backgrounds.

METHODS:

thirty-four children aged 6 to 16 years, with Williams-Beuren syndrome (n = 10), Prader-Willi syndrome (n = 11), and Fragile X syndrome (n = 13) from the outpatient clinics of Child Psychiatry and Medical Genetics Department were cognitively assessed through the Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC-III). Afterwards, a full-scale intelligence quotient (IQ), verbal IQ, performance IQ, standard subtest scores, as well as frequency of psychiatric symptoms and disorders were compared among the three syndromes.

RESULTS:

significant differences were found among the syndromes concerning verbal IQ and verbal and performance subtests. Post-hoc analysis demonstrated that vocabulary and comprehension subtest scores were significantly higher in Williams-Beuren syndrome in comparison with Prader-Willi and Fragile X syndromes, and block design and object assembly scores were significantly higher in Prader-Willi syndrome compared with Williams-Beuren and Fragile X syndromes. Additionally, there were significant differences between the syndromes concerning behavioral features and psychiatric symptoms. The Prader-Willi syndrome group presented a higher frequency of hyperphagia and self-injurious behaviors. The Fragile X syndrome group showed a higher frequency of social interaction deficits; such difference nearly reached statistical significance.

CONCLUSION:

the three genetic syndromes exhibited distinctive cognitive, behavioral, and psychiatric patterns.

Cognition; Behavior; Williams-Beuren syndrome; Prader-Willi syndrome; Fragile X syndrome


Introdução

A deficiência intelectual (DI), termo atual para retardo mental, é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais comumente observados que prejudicam o funcionamento social e o comportamento adaptativo de crianças e adolescentes.11.Vasconcelos MM. Retardo mental. J Pediatr (Rio J). 2004;80:S71-82. Em países subdesenvolvidos, a prevalência da DI é quase duas vezes maior que sua prevalência em países desenvolvidos.22.Maulik PK, Mascarenhas MN, Mathers CD, Duad T, Saxena S. Prevalence of intellectual disability: a meta-analysis of population-based studies. Res Dev Disabil. 2011;32:419-36.

Causas comuns de DI são síndromes genéticas, problemas durante a gravidez ou parto, defeitos congênitos que afetam o cérebro e problemas durante a primeira infância, infância e adolescência, como lesões, doenças ou anomalias do cérebro.33.Pratt HD, Greydanus DE. Intellectual disability (mental retardation) in children and adolescents. Prim Care Clin Office Pract. 2007;34:375-86. Em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, desnutrição, privação sociocultural e atendimento precário à saúde também são fatores frequentemente associados à DI.44.Einfeld SL, Ellis LA, Emerson E. Comorbidity of intellectual disability and mental disorder in children and adolescents: A systematic review. J Intellect Dev Disabil. 2011;36:137-43.

Pessoas com DI apresentam maior risco de transtornos psiquiátricos que a população geral. A taxa de transtornos psiquiátricos nessa população varia de 30% a 50%.55.Ly TM, Hodapp RM. Children with Prader-Willi syndrome vs Williams syndrome: Indirect effects on parents during a jigsaw puzzle task. J Intellectl Disabil Res. 2005;49:929-39.

Apesar da alta prevalência de DI e da forte associação a transtornos psiquiátricos, profissionais de saúde mental normalmente não dão a devida atenção à DI.55.Ly TM, Hodapp RM. Children with Prader-Willi syndrome vs Williams syndrome: Indirect effects on parents during a jigsaw puzzle task. J Intellectl Disabil Res. 2005;49:929-39. , 66.Salvador-Carulla L, Bertelli M. 'Mental retardation' or 'intellectual disability': time for a conceptual change. Psychopathology. 2008;41:10-6. Com relação a essas doenças menos prevalentes no tratamento diário da saúde mental, como síndromes genéticas com DI,77.Siegel MS, Smith WE. Psychiatric features in children with genetic syndromes: toward functional phenotypes. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am. 2010;19:229-61. os médicos frequentemente ignoram suas características cognitivas, comportamentais e psicopatológicas específicas.

Especificamente, três síndromes genéticas com DI têm recebido atenção cada vez maior dos especialistas no cuidado de crianças com síndromes genéticas, devido a sua diferente expressão de características cognitivas e comportamentais: a síndrome de Williams-Beuren, a síndrome de Prader-Willi e a síndrome do X Frágil.88.Bellugi U, Bihrle A, Jernigan T, Trauner D, Doherty S. Neuropsychological, neurological, and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am J Med Genet. 1990;6:115-25.

9.Dykens E. Are jigsaw puzzle skills 'spared' in persons with Prader-Willi syndrome?. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43:343-52.
- 1010.Fisch GS. Psychology genetics. Am J Med Genet. 2000;97:109-11.

A síndrome de Williams-Beuren (SWB), transtorno do neurodesenvolvimento causado por uma deleção submicroscópica no cromossomo 7q11.23, é caracterizada por características faciais dismórficas, arteriopatia elastina, baixa estatura, anormalidades do tecido conjuntivo, hipercalcemia infantil e DI.1111.Morris CA. Introduction: Williams syndrome. Am J Med Genet C Semin Med Genet. 2010;154C:203-8. Crianças com SWB normalmente mostram alta sociabilidade, excesso de empatia (o que pode ser inapropriado), ansiedade, preocupações e medos, impulsividade, falta de atenção, tristeza e depressão, transtorno de ansiedade generalizada, fobias e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.77.Siegel MS, Smith WE. Psychiatric features in children with genetic syndromes: toward functional phenotypes. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am. 2010;19:229-61. , 1212.Pérez-García D, Granero R, Gallastegui F, Pérez-Jurado LA, Brun-Gasca C. Behavioral features of Williams-Beuren syndrome compared to Fragile X syndrome and subjects with intellectual disability without defined etiology. Res Dev Disabil. 2011;32:643-52.

Foram descritos habilidades de linguagem e memória verbal de curto prazo relativamente boas e déficit significativo nas habilidades visoespaciais na SWB.88.Bellugi U, Bihrle A, Jernigan T, Trauner D, Doherty S. Neuropsychological, neurological, and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am J Med Genet. 1990;6:115-25. , 1313.Karmiloff-Smith A, Tyler LK, Voice K, Sims K, Udwin O, Howlin P, et-al. Linguistic dissociations in Williams syndrome: Evaluating receptive syntax in on-line and off-line tasks. Neuropsychologia. 1998;36:343-51.

A síndrome de Prader-Willi (SPW), doença genética que resulta da anormalidade ou deleção de uma região essencial do cromossomo 15q11-13, é caracterizada por hipotonia neonatal, hiperfagia com possível obesidade e DI.77.Siegel MS, Smith WE. Psychiatric features in children with genetic syndromes: toward functional phenotypes. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am. 2010;19:229-61. Crianças com SPW normalmente mostram um bom desempenho nas tarefas de construção visoespaciais,55.Ly TM, Hodapp RM. Children with Prader-Willi syndrome vs Williams syndrome: Indirect effects on parents during a jigsaw puzzle task. J Intellectl Disabil Res. 2005;49:929-39. , 99.Dykens E. Are jigsaw puzzle skills 'spared' in persons with Prader-Willi syndrome?. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43:343-52. porém apresentam déficits importantes em matemática1414.Bertella L, Girelli L, Grugni G, Marchi S, Molinari E, Semenza C. Mathematical skills in Prader-Willi Syndrome. J Intellect Disabil Res. 2005;49:159-69. e na linguagem expressiva.1515.Van Borsel J, Defloor T, Curfs LM. Expressive language in persons with Prader-Willi syndrome. Genet Couns. 2007;18:17-28.

Pessoas com SPW apresentam um fenótipo comportamental característico, com acessos de raiva, teimosia, interesse excessivo em comida e comportamentos obsessivos, compulsivos, manipuladores, de oposição e desafiadores.1616.Cassidy SB, Schwartz S, Miller JL, Driscoll DJ. Prader-Willi syndrome. Genet Med. 2012;14:10-26. As características psiquiátricas comumente relatadas na SPW são transtorno obsessivo-compulsivo, depressão/transtorno do humor, psicose e comportamentos autolesivos (skin picking).77.Siegel MS, Smith WE. Psychiatric features in children with genetic syndromes: toward functional phenotypes. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am. 2010;19:229-61.

A síndrome do X Frágil (SXF), doença causada por uma expansão inusitadamente grande das repetições de trinucleotídeos (CGG) no braço longo do cromossomo X, é a causa mais comum de DI hereditária.1010.Fisch GS. Psychology genetics. Am J Med Genet. 2000;97:109-11. O perfil cognitivo na SXF inclui déficits no controle executivo e nas habilidades visoespaciais,1717.Cornish KM, Li L, Kogan CS, Jacquemont S, Turk J, Dalton A, et-al. Age-dependent cognitive changes in carriers of the fragile X syndrome. Cortex. 2008;44:628-36. bem como na linguagem pragmática e morfossintaxe, porém não no vocabulário.1818.Abbeduto L, Brady N, Kover ST. Language development and fragile X syndrome: Profiles, syndrome-specificity, and within-syndrome differences. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13:36-46.

Meninos com SXF apresentam alterações cognitivas mais severas em comparação a meninas com a mesma síndrome1919.Fisch GS, Carpenter N, Holden JJ, Howard-Peebles PN, Maddalena A, Borghgraef M, et-al. Longitudinal changes in cognitive and adaptive behavior in fragile X females: A prospective multicenter analysis. Am J Med Genet. 1999;83:308-12. e frequentemente manifestam comportamentos do espectro autista, como aversão ao contato visual, evitação social e comportamento estereotipado e repetitivo.2020.Van Lieshout CF, De Meyer RE, Curfs LM, Fryns JP. Family contexts, parental behaviour, and personality profiles of children and adolescents with Prader-Willi, fragile-X, or Williams syndrome. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39:699-710.

Pessoas com SXF normalmente atendem aos critérios de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno desafiador opositivo, enurese, encoprese e apresentam sintomas e comportamentos isolados que nem sempre são característicos das categorias de diagnóstico utilizadas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), como sintomas de ansiedade e compulsão, humor instável, irritabilidade, explosões de agressividade, comportamento autolesivo, comprometimento da atenção e hiperatividade.2121.Tranfaglia MR, Fragile X. syndrome: a psychiatric perspective. Results Probl Cell Differ. 2012;54:281-95.

Embora cada uma dessas doenças genéticas individuais associadas à DI tenha sido investigada isoladamente, devido a sua diferente expressão de características cognitivas e comportamentais, ainda são escassos os estudos que as comparam juntas, com participantes de histórico social e cultural semelhante e utilizando a mesma metodologia de avaliação cognitiva e comportamental/psiquiátrica.

Assim, o presente estudo visou investigar os perfis cognitivos e as características comportamentais, bem como os sintomas e transtornos psiquiátricos em crianças e adolescentes com SWB, SPW e SXF.

Métodos

Este foi um estudo transversal analítico que utilizou uma amostra de conveniência. Todas as crianças e adolescentes com SWB, SPW ou SXF dos ambulatórios de Psiquiatria da Criança e do Adolescente e de Genética Médica do Hospital Universitário de Campinas (Campinas, Brasil) participaram deste estudo. Dois participantes com SWB vieram de uma instituição especializada no cuidado de crianças com DI (Campinas, Brasil). Considerando que a SWB é uma síndrome relativamente rara, essa estratégia foi adotada para tonar o tamanho da amostra dos três grupos comparável.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade de Campinas (Unicamp). A amostra obtida consistiu de 34 crianças e adolescentes entre seis e 16 anos de idade, dez participantes com SWB (sete meninos e três meninas); 11 participantes com SPW (cinco meninos e seis meninas); e 13 participantes com SXF (12 meninos e uma menina). Os participantes tinham históricos socioculturais e socioeconômicos semelhantes (tabela 1). Os termos de consentimento aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Unicamp) foram assinados pelos pais.

Tabela 1
Características sociodemográficas

Os critérios de inclusão foram: crianças e adolescentes com diagnóstico clínico de SWB, SPW ou SXF confirmado por testes citogenéticos, avaliados por um psiquiatra clínico dos ambulatórios de Psiquiatria da Criança e do Adolescente. O critério de exclusão refere-se a participantes que não desenvolveram a linguagem, o que impediria a avaliação psicológica.

O diagnóstico de SWB foi confirmado utilizando a técnica de hibridação in situ fluorescente. Todos os participantes com SPW tiveram o diagnóstico confirmado pela técnica de hibridação in situ fluorescente e/ou pela análise da metilação do gene SNRPN. Todos os participantes com SXF tiveram o diagnóstico confirmado pelo estudo molecular da mutação FRAXA, utilizando a técnica de Southern blotting.

Psiquiatras clínicos (EHRV e PD) diagnosticaram os participantes utilizando o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª Edição, Texto Revisado.2222.Associação Americana de Psiquiatria. DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. rev. Porto Alegre: Artmed; 2002. Os sintomas e diagnósticos psiquiátricos, a caracterização comportamental (p. ex., explosão, comportamento de oposição, hiperfagia), bem como as características socioculturais e socioeconômicas (ou seja, renda familiar, renda per capita e nível de escolaridade dos participantes e de seus pais) foram obtidos pela análise dos prontuários antes da avaliação cognitiva de cada participante. Esses dados foram adquiridos previamente durante a avaliação psiquiátrica/anamnese, com os cuidadores dos participantes por meio de um protocolo estruturado.

A versão brasileira da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III), 3ª edição,2323.Wechsler D. Manual for the Wechsler intelligence scale for children. 1991. foi aplicada por um psicólogo (LFLP) após a avaliação psiquiátrica de cada criança e adolescente. O WISC-III é uma medida de avaliação da capacidade intelectual de aplicação individual destinada a crianças de seis a 16 anos e 11 meses de idade. O WISC-III é dividido em dez subtestes (Apêndice), que são organizados em duas escalas, uma Verbal e outra de Execução. Os subtestes geram três escores compostos: QI Verbal, QI de Execução e QI Total - estimativas da linguagem verbal do indivíduo de habilidades não verbais/visoespaciais/viso-motoras e do nível intelectual geral.

A comparação entre a idade, os escores dos QIs compostos e os escores padronizados dos subtestes foi realizada utilizando o teste de Kruskal-Wallis, seguido pelo teste de Dunn, para obter uma análise post-hoc. O teste exato de Fisher generalizado foi utilizado para comparar o sexo e os sintomas e transtornos psiquiátricos entre as síndromes. Todas as análises foram realizadas utilizando o software SAS, versão 9.1.3 para Windows, com um nível de significância de 5%.

Resultados

As características sociodemográficas da amostra estão detalhadas na tabela 1. Dentre os poucos participantes que frequentaram a escola regular (17%), apenas dois (33%) concluíram o ensino fundamental. A tabela 2 apresenta a comparação entre as três síndromes no que diz respeito à idade, os QIs compostos e escores dos subtestes. As frequências de comportamentos específicos e sintomas e transtornos psiquiátricos são apresentados na tabela 3.

Tabela 2
Médias, desvios-padrão e intervalos de idade e subtestes o WISC-III para a SWB, a SPW e a SXF
Tabela 3
Frequências de transtornos/sintomas psiquiátricos e características comportamentais na SWB, SPW e SXF

Foram encontradas diferenças significativas entre as três síndromes no que diz respeito ao QI verbal e aos subtestes verbais e de execução (tabela 2). A análise post-hocrevelou que o grupo com SWB apresentou escores significativamente maiores em comparação ao grupo com SPW em relação ao QI verbal e aos subtestes informação, vocabulário e compreensão (p < 0,05), e escores significativamente maiores em comparação ao grupo com SXF em relação aos subtestes de vocabulário e compreensão (p < 0,05). Além disso, o grupo SPW apresentou escores significativamente maiores em comparação aos grupos com SWB e SXF em relação aos subtestes de cubos e armar objetos (p < 0,05).

Os resultados do teste exato de Fisher generalizado mostraram que houve uma diferença significativa entre as três síndromes quanto às frequências de hiperfagia e comportamentos autolesivos (tabela 3).

Discussão

Apesar de nossa amostra ter sido relativamente pequena, até onde sabemos, no mundo em desenvolvimento, este é o primeiro estudo a comparar especificamente essas três doenças genéticas utilizando a mesma metodologia de avaliação cognitiva e comportamental/psiquiátrica.

Neste estudo, descobrimos que crianças e adolescentes com síndromes genéticas e DI que compartilham graus equivalentes de comprometimento intelectual e que vêm de contextos sociais e econômicos semelhantes mostraram um perfil cognitivo, comportamental e psicopatológico heterogêneo.

A predominância das habilidades de linguagem sobre as visoespaciais em crianças e adolescentes com SWB foi destacada em alguns estudos88.Bellugi U, Bihrle A, Jernigan T, Trauner D, Doherty S. Neuropsychological, neurological, and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am J Med Genet. 1990;6:115-25. , 1313.Karmiloff-Smith A, Tyler LK, Voice K, Sims K, Udwin O, Howlin P, et-al. Linguistic dissociations in Williams syndrome: Evaluating receptive syntax in on-line and off-line tasks. Neuropsychologia. 1998;36:343-51.; contudo, não foi identificada em outros.2424.Greer MK, Brown FR, Pai GS, Choudry SH, Klein AJ. Cognitive, adaptive, and behavioral characteristics of Williams Syndrome. Am J Med Genet. 1997;74:521-5. , 2525.Sampaio A, Férnandez M, Henriques M, Carracedo A, Sousa N, Gonçalves OF. Cognitive functioning in Williams syndrome: A study in Portuguese and Spanish patients. Eur J Paediatr Neurol. 2009;13:337-42. Neste estudo, o bom desempenho em atividades de linguagem verbal (ou seja, a capacidade de entender os outros e comunicar-se adequadamente) de crianças e adolescentes com SWB tornou-se ainda mais evidente quando essa síndrome foi comparada à SXF e à SPW.

Outro resultado relevante deste estudo foi um escore significativamente maior obtido por crianças com SPW nas habilidades de construção visoespacial (p. ex., quebra-cabeças, modelos de construção com blocos e peças), corroborando os resultados de estudos anteriores,55.Ly TM, Hodapp RM. Children with Prader-Willi syndrome vs Williams syndrome: Indirect effects on parents during a jigsaw puzzle task. J Intellectl Disabil Res. 2005;49:929-39. , 99.Dykens E. Are jigsaw puzzle skills 'spared' in persons with Prader-Willi syndrome?. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43:343-52. , 2626.Woodcock KA, Oliver C, Humphreys GW. Task-switching deficits and repetitive behaviour in genetic neurodevelopmental disorders: Data from children with Prader-Willi syndrome chromosome 15 q11-q13 deletion and boys with Fragile X syndrome. Cogn Neuropsychol. 2009;26:172-94. e difere de outros.2727.Foti F, Menghini D, Petrosini L, et-al. Spatial competences in Prader-Willi syndrome: a radial arm maze study. Behav Genet. 2011;41:445-56. , 2828.Fisch GS, Carpenter N, Howard-Peebles PN, Holden JJ, Tarleton J, Simensen R, et-al. Studies of age-correlated features of cognitive-behavioral development in children and adolescents with genetic disorders. Am J Med Genet A. 2007;143A:2478-89.

Esses achados podem ajudar a aumentar a conscientização de pediatras e outros profissionais da saúde sobre o desenvolvimento neuropsicomotor peculiar e as habilidades cognitivas de pessoas com essas síndromes genéticas, o que pode, possivelmente, levar a melhores esforços de reabilitação informada pelos profissionais da saúde.

Com relação ao perfil comportamental característico entre as três síndromes, Sarimski2929.Sarimski K. Behavioural phenotypes and family stress in three mental retardation syndromes. Eur Child Adolesc Psychiatry. 1997;6:26-31. constatou uma maior associação entre apetite insaciável e crianças com SPW, maior frequência de comportamentos autolesivos, hiperatividade, comportamento agressivo e de oposição em crianças com SXF e maior prevalência de distúrbios do sono e melhor interação social em crianças com SWB. Di Nuovo e Buono3030.Di Nuovo S, Buono S. Behavioral phenotypes of genetic syndromes with Intellectual Disability: Comparison of adaptive profiles. Psychiatry Res. 2011;189:440-5. relataram piores habilidades de comunicação em crianças com SWB, em comparação às com SXF.

Em nosso estudo, uma comparação entre crianças com SWB, SPW e SXF com relação a características comportamentais e sintomas/transtornos psiquiátricos revelou que as frequências de hiperfagia e comportamentos autolesivos foram significativamente maiores no grupo SPW que nos grupos SWB e FSX.

Fobias e medos, falta de atenção e diagnóstico de depressão foram mais prevalentes no grupo com SWB. Crianças com SPW mostraram um comportamento mais opositivo, explosivo, distúrbio do sono, obsessões e transtorno obsessivo-compulsivo. Hiperatividade e impulsividade, déficits de interação social e diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade foram mais frequentes no grupo com SXF.

As diferenças na prevalência de sintomas/transtornos psiquiátricos e comportamentos específicos entre as síndromes justificam um cuidado direcionado para esses indivíduos. Pediatras e outros profissionais de saúde devem ter conhecimento do fenótipo comportamental de diferentes síndromes genéticas com DI, adaptando o tratamento farmacológico e a reabilitação para cada doença.

A amostra do estudo foi relativamente pequena, tendo sido selecionada por conveniência, e não foi realizado o cálculo do tamanho amostral. Assim, os resultados obtidos devem ser considerados com certa prudência no que diz respeito à generalização. Contudo, os dados apresentados neste estudo exploratório são suficientemente sólidos para justificar que essas três síndromes possuem um perfil cognitivo e comportamental característico.

Segundo Salvador-Carulla e Bertelli,66.Salvador-Carulla L, Bertelli M. 'Mental retardation' or 'intellectual disability': time for a conceptual change. Psychopathology. 2008;41:10-6. o cuidado de pessoas com DI tem sido realizado quase que exclusivamente por serviços sociais e educacionais. Assim, pouca atenção é dada por profissionais de saúde e cientistas a esse assunto. No caso de síndromes genéticas com prevalência relativamente baixa, a SWB, a SPW e a SXF, a lacuna de conhecimento por parte dos profissionais da saúde é ainda maior.

Para pediatras e outros profissionais de saúde, ter um melhor conhecimento dos perfis cognitivo, comportamental e psicopatológico de crianças e adolescentes com síndromes genéticas e com formas distintas de DI deve auxiliar na escolha das estratégias com relação ao cuidado e reabilitação dessas pessoas. Como um tema de pesquisa, esse conhecimento pode suscitar ideias a respeito do relacionamento complexo entre os genes, o desenvolvimento cerebral e a expressão de características cognitivas, comportamentais e psicopatológicas específicas.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer nossos pacientes e suas famílias pela participação.

References

  • 1
    Vasconcelos MM. Retardo mental. J Pediatr (Rio J). 2004;80:S71-82.
  • 2
    Maulik PK, Mascarenhas MN, Mathers CD, Duad T, Saxena S. Prevalence of intellectual disability: a meta-analysis of population-based studies. Res Dev Disabil. 2011;32:419-36.
  • 3
    Pratt HD, Greydanus DE. Intellectual disability (mental retardation) in children and adolescents. Prim Care Clin Office Pract. 2007;34:375-86.
  • 4
    Einfeld SL, Ellis LA, Emerson E. Comorbidity of intellectual disability and mental disorder in children and adolescents: A systematic review. J Intellect Dev Disabil. 2011;36:137-43.
  • 5
    Ly TM, Hodapp RM. Children with Prader-Willi syndrome vs Williams syndrome: Indirect effects on parents during a jigsaw puzzle task. J Intellectl Disabil Res. 2005;49:929-39.
  • 6
    Salvador-Carulla L, Bertelli M. 'Mental retardation' or 'intellectual disability': time for a conceptual change. Psychopathology. 2008;41:10-6.
  • 7
    Siegel MS, Smith WE. Psychiatric features in children with genetic syndromes: toward functional phenotypes. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am. 2010;19:229-61.
  • 8
    Bellugi U, Bihrle A, Jernigan T, Trauner D, Doherty S. Neuropsychological, neurological, and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am J Med Genet. 1990;6:115-25.
  • 9
    Dykens E. Are jigsaw puzzle skills 'spared' in persons with Prader-Willi syndrome?. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43:343-52.
  • 10
    Fisch GS. Psychology genetics. Am J Med Genet. 2000;97:109-11.
  • 11
    Morris CA. Introduction: Williams syndrome. Am J Med Genet C Semin Med Genet. 2010;154C:203-8.
  • 12
    Pérez-García D, Granero R, Gallastegui F, Pérez-Jurado LA, Brun-Gasca C. Behavioral features of Williams-Beuren syndrome compared to Fragile X syndrome and subjects with intellectual disability without defined etiology. Res Dev Disabil. 2011;32:643-52.
  • 13
    Karmiloff-Smith A, Tyler LK, Voice K, Sims K, Udwin O, Howlin P, et-al. Linguistic dissociations in Williams syndrome: Evaluating receptive syntax in on-line and off-line tasks. Neuropsychologia. 1998;36:343-51.
  • 14
    Bertella L, Girelli L, Grugni G, Marchi S, Molinari E, Semenza C. Mathematical skills in Prader-Willi Syndrome. J Intellect Disabil Res. 2005;49:159-69.
  • 15
    Van Borsel J, Defloor T, Curfs LM. Expressive language in persons with Prader-Willi syndrome. Genet Couns. 2007;18:17-28.
  • 16
    Cassidy SB, Schwartz S, Miller JL, Driscoll DJ. Prader-Willi syndrome. Genet Med. 2012;14:10-26.
  • 17
    Cornish KM, Li L, Kogan CS, Jacquemont S, Turk J, Dalton A, et-al. Age-dependent cognitive changes in carriers of the fragile X syndrome. Cortex. 2008;44:628-36.
  • 18
    Abbeduto L, Brady N, Kover ST. Language development and fragile X syndrome: Profiles, syndrome-specificity, and within-syndrome differences. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13:36-46.
  • 19
    Fisch GS, Carpenter N, Holden JJ, Howard-Peebles PN, Maddalena A, Borghgraef M, et-al. Longitudinal changes in cognitive and adaptive behavior in fragile X females: A prospective multicenter analysis. Am J Med Genet. 1999;83:308-12.
  • 20
    Van Lieshout CF, De Meyer RE, Curfs LM, Fryns JP. Family contexts, parental behaviour, and personality profiles of children and adolescents with Prader-Willi, fragile-X, or Williams syndrome. J Child Psychol Psychiatry. 1998;39:699-710.
  • 21
    Tranfaglia MR, Fragile X. syndrome: a psychiatric perspective. Results Probl Cell Differ. 2012;54:281-95.
  • 22
    Associação Americana de Psiquiatria. DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. rev. Porto Alegre: Artmed; 2002.
  • 23
    Wechsler D. Manual for the Wechsler intelligence scale for children. 1991.
  • 24
    Greer MK, Brown FR, Pai GS, Choudry SH, Klein AJ. Cognitive, adaptive, and behavioral characteristics of Williams Syndrome. Am J Med Genet. 1997;74:521-5.
  • 25
    Sampaio A, Férnandez M, Henriques M, Carracedo A, Sousa N, Gonçalves OF. Cognitive functioning in Williams syndrome: A study in Portuguese and Spanish patients. Eur J Paediatr Neurol. 2009;13:337-42.
  • 26
    Woodcock KA, Oliver C, Humphreys GW. Task-switching deficits and repetitive behaviour in genetic neurodevelopmental disorders: Data from children with Prader-Willi syndrome chromosome 15 q11-q13 deletion and boys with Fragile X syndrome. Cogn Neuropsychol. 2009;26:172-94.
  • 27
    Foti F, Menghini D, Petrosini L, et-al. Spatial competences in Prader-Willi syndrome: a radial arm maze study. Behav Genet. 2011;41:445-56.
  • 28
    Fisch GS, Carpenter N, Howard-Peebles PN, Holden JJ, Tarleton J, Simensen R, et-al. Studies of age-correlated features of cognitive-behavioral development in children and adolescents with genetic disorders. Am J Med Genet A. 2007;143A:2478-89.
  • 29
    Sarimski K. Behavioural phenotypes and family stress in three mental retardation syndromes. Eur Child Adolesc Psychiatry. 1997;6:26-31.
  • 30
    Di Nuovo S, Buono S. Behavioral phenotypes of genetic syndromes with Intellectual Disability: Comparison of adaptive profiles. Psychiatry Res. 2011;189:440-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2013
  • Aceito
    19 Jun 2013
Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: jped@jped.com.br