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Desempenho de diferentes critérios diagnósticos de sobrepeso e obesidade como preditores de síndrome metabólica em adolescentes Como citar este artigo: Oliveira RG, Guedes DP. Performance of different diagnostic criteria of overweight and obesity as predictors of metabolic syndrome in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2017;93:525–31.

Resumo

Objetivo:

Analisar o desempenho de três diferentes critérios diagnósticos de sobrepeso e obesidade (WHO, IOTF e Conde & Monteiro) a partir do índice de massa corporal (IMC) como preditores da síndrome metabólica (SMet) em amostra representativa de adolescentes.

Métodos:

A amostra foi constituída por 1.035 adolescentes (565 moças e 470 rapazes) entre 12 e 20 anos. O IMC foi calculado mediante quociente entre peso (kg)/altura (m)2 e SMet foi definida através dos critérios da International Diabetes Federation. Desempenho preditivo foi descrito a partir das estimativas de sensibilidade, especificidade e acurácia global (área sob a curva) com o método de curvas Receiver Operating Characteristic.

Resultados:

Os três critérios diagnósticos apresentaram maiores valores absolutos de sensibilidade e especificidade para predição da SMet nos rapazes e nos adolescentes com mais idade. Maior sensibilidade para identificar SMet foi observada com o critério IOTF (60% a 85%), enquanto especificidade ≥ 90% foi observada mediante o uso dos três critérios diagnósticos. O critério diagnóstico Conde & Monteiro apontou acurácia global (0,52 a 0,64) significativamente menor do que os critérios diagnósticos WHO (0,70 a 0,84) e IOTF (0,75 a 0,89).

Conclusões:

Sobrepeso e obesidade a partir do IMC mostraram uma moderada associação com SMet, independentemente do critério diagnóstico empregado. Contudo, o critério IOTF demonstrou melhor capacidade preditiva para presença de SMet do que os critérios WHO e Conde & Monteiro.

PALAVRAS-CHAVE
Índice de massa corporal; Diagnóstico; Acurácia; Risco cardiovascular; Jovens

Abstract

Objective:

To analyze the performance of three different diagnostic criteria of overweight and obesity (WHO, IOTF and Conde and Monteiro) using body mass index (BMI) as predictors of metabolic syndrome (MetS) in a representative sample of adolescents.

Methods:

A sample of 1035 adolescents aged 12–20 years (565 girls and 470 boys) was used in the study. BMI was calculated through the quotient of weight (kg)/height squared (m)2, and MetS was defined according to the criteria of the International Diabetes Federation. Sensitivity, specificity, and overall accuracy (area under the curve) were estimated using the receiver operating characteristic (ROC) curves method and used to describe the predictive performance.

Results:

The three diagnostic criteria showed higher absolute values of sensitivity and specificity for predicting MetS in boys and older adolescents. The highest sensitivity to identify MetS was found using the IOTF criterion (60–85%), while specificity values ≥ 90% were found for the three criteria. The Conde and Monteiro diagnostic criterion pointed to a significantly lower overall accuracy (0.52–0.64) than that of the WHO (0.70–0.84) and IOTF (0.75–0.89) diagnostic criterion.

Conclusions:

Overweight and obesity using BMI showed a moderate association with MetS, regardless of the diagnostic criteria used. However, the IOTF criterion showed better predictive capacity for the presence of MetS than the WHO and the Conde and Monteiro criteria.

KEYWORDS
Body mass index; Diagnosis; Accuracy; Cardiovascular risk; Youth

Introdução

Atualmente, independentemente de sexo, idade, estrato socioeconômico e região geográfica, o sobrepeso e a obesidade têm se constituído em uma epidemia global,11 Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980–2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2014;384:766-81. o que contribui decisivamente para o aparecimento de biomarcadores de risco cardiovascular.22 Ahima RS, Lazar MA. The health risk of obesity – better metrics imperative. Science. 2013;341:856-8. Nos últimos anos, têm ocorrido mudanças expressivas na compreensão dos biomarcadores implicados na patogênese das doenças cardiovasculares, inclusive a identificação de citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, adipocinas, chemocinas, indicadores de inflamação derivados de hepatócitos e algumas enzimas específicas.33 US Preventive Services Task Force. Using nontraditional risk factors in coronary heart disease risk assessment: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Ann Intern Med. 2009;151:474-82. Contudo, em idades jovens, ainda prevalece o uso de biomarcadores de risco ditos tradicionais, com destaque para a síndrome metabólica (SMet).44 Zimmet P, Alberti G, Kaufman F, Tajima N, Silink M, Arslanian S, et al. The metabolic syndrome in children and adolescents. Lancet. 2007;369:2059-61.

5 Grundy SM. Metabolic syndrome pandemic. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2008;28:629-36.
-66 Papakonstantinou E, Lambadiari V, Dimitriadis G, Zampelas A. Metabolic syndrome and cardiometabolic risk factors. Curr Vasc Pharmacol. 2013;11:858-79.

No entanto, a complexidade dos procedimentos necessários para identificar a SMet dificulta sua inclusão em rotinas de monitoramento do estado de saúde dos jovens, o que solicita a proposição de opções mais práticas e de uso imediato. Nessa direção, estudos anteriores têm apresentado evidências no sentido de que o sobrepeso e a obesidade, identificados por intermédio do índice de massa corporal (IMC), são definidos como possíveis preditores da SMet.77 Freedman DS, Fulton JE, Dietz WH, Pan L, Nihiser AJ, Srinivasan SR, et al. The identification of children with adverse risk factor levels by body mass index cutoffs from two classification systems: the Bogalusa Heart Study. Am J Clin Nutr. 2010;92:1298-305.

8 Kakinami L, Henderson M, Delvin EE, Levy E, O'Loughlin J, Lambert M, et al. Association between different growth curve definitions of overweight and obesity and cardiometabolic risk in children. CMAJ. 2012;184:E539-50.
-99 Laurson KR, Welk GJ, Eisenmann JC. Diagnostic performance of BMI percentiles to identify adolescents with metabolic syndrome. Pediatrics. 2014;133:e330-8. Portanto, a classificação adequada do sobrepeso e da obesidade pode constituir-se em importante instrumento complementar de triagem para presença da SMet em crianças e adolescentes.

O uso de um critério diagnóstico de sobrepeso e obesidade a partir do IMC como forma de triagem de SMet em adolescentes justifica-se como opção acessível, de fácil manuseio, interpretação imediata e bom custo-efetividade. Contudo, em nenhum momento busca substituir a intervenção médica, considerando que não exclui a necessidade de monitorar os componentes individuais para confirmar o diagnóstico da SMet. Uma triagem, quando feita em ambientes de grande concentração de jovens, como é o caso das escolas, alcança quantidade elevada de adolescentes, em especial aqueles que apresentam dificuldade de acesso ou não procuram o sistema de saúde. Dessa maneira, uma vez identificados os adolescentes com maior probabilidade de apresentar SMet, esses podem ser encaminhados para acompanhamento médico especializado.

Em adultos existe consenso quanto ao critério diagnóstico para classificar o sobrepeso e a obesidade a partir do IMC; porém, esse não é o caso em crianças e adolescentes. Considerando implicações relacionadas aos processos de crescimento físico e maturação biológica que surgem nessa fase de desenvolvimento, o significado do IMC para saúde dos jovens solicita diferenciações mais complexas do que aquelas atribuídas aos adultos. Nesse particular, foram propostos e têm sido usados diferentes critérios diagnósticos a partir do IMC para identificar o excesso de peso corporal em jovens. No contexto internacional destacam-se as propostas da World Health Organization (WHO)1010 World Health Organization. Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85.,1111 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7. e da International Obesity Task Force (IOTF),1212 Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320:1240-3.,1313 Cole TJ, Lobstein T. Extended international (IOTF) body mass index cut-offs for thinness, overweight and obesity. Pediatr Obes. 2012;7:284-94. enquanto para uso específico na população jovem brasileira a proposta de Conde & Monteiro1414 Conde WL, Monteiro CA. Body mass index cutoff points for evaluation of nutritional status in Brazilian children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2006;82:266-72. tem recebido atenção especial. No entanto, não existe consenso sobre a proposta a ser usada e, desse modo, surgem discussões quanto à validade de cada critério diagnóstico para uso em populações específicas.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar o desempenho dos três diferentes critérios diagnósticos de sobrepeso e obesidade a partir do IMC (WHO, IOTF, Conde & Monteiro) como preditores da SMet em uma amostra representativa de adolescentes.

Métodos

O estudo está vinculado a um projeto maior, que teve como objetivo estimar a prevalência de SMet e fatores associados em adolescentes. Para tanto, fez-se levantamento de corte transversal de base populacional que envolveu escolares da cidade de Jacarezinho, Paraná. A coleta dos dados se estendeu de agosto a novembro de 2014. Os protocolos de intervenção usados foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Norte do Paraná (Unopar) (Parecer 1.302.963).

Amostra e seleção dos sujeitos

A população de referência incluiu adolescentes de ambos os sexos, entre 12 e 20 anos, matriculados em escolas públicas e privadas de 2° ciclo do ensino fundamental (6° ao 9° ano) e ensino médio (1° ao 3° ano). Inicialmente, o tamanho da amostra foi estabelecido para atender ao objetivo de estimar a prevalência de SMet e fatores associados, assumiram-se intervalo de confiança de 95%, erro amostral de 3 pontos percentuais e acréscimo de 10% para atender eventuais casos de perdas e como o planejamento amostral envolveu conglomerados (estrutura escolar, sexo, turno e ano de estudo), adicionou-se efeito de delineamento (deff) equivalente a 1,5.

De acordo com procedimentos empregados para cálculo do tamanho de amostras em estudos que envolvem teste diagnóstico,1515 Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health Organization; 1999. identificou-se que essa amostra, que reuniu 1.035 adolescentes, permite identificar adequadamente as propriedades de sensibilidade e especificidade. O poder estatístico da amostra, estratificado por sexo (565 moças e 470 rapazes), foi calculado a posteriori e permite considerar, com poder de 80% e significância de 5%, áreas sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) de, pelo menos, 0,53 e 0,56 para moças e rapazes, respectivamente.

Coleta dos dados

A idade cronológica foi estabelecida em anos e meses, a partir da confrontação entre data de coleta dos dados e data de nascimento. No entanto, para feito de análise dos dados, foram constituídos dois grupos etários: 12 a 15 anos e 16 a 20 anos.

O IMC foi calculado mediante a razão entre medida do peso corporal, expressa em quilogramas, e da estatura, expressa em metros quadrados (kg/m2), a partir dos procedimentos apresentados pela Organização Mundial da Saúde.1616 World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. 854. Geneva: WHO; 1995. WHO Technical Report Series. O sobrepeso e a obesidade foram identificados com os três critérios diagnósticos específicos para sexo e idade: WHO,1111 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7. IOTF1313 Cole TJ, Lobstein T. Extended international (IOTF) body mass index cut-offs for thinness, overweight and obesity. Pediatr Obes. 2012;7:284-94. e Conde & Monteiro,1414 Conde WL, Monteiro CA. Body mass index cutoff points for evaluation of nutritional status in Brazilian children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2006;82:266-72. conforme explicitados na tabela 1.

Tabela 1
Critérios diagnósticos para identificar excesso de peso corporal em jovens a partir do índice de massa corporal (IMC) de acordo com a World Health Organization (WHO), International Obesity Task Force (IOTF) e Conde & Monteiro

A SMet foi identificada a partir da análise do teor sanguíneo de lipídeos plasmáticos (triglicerídeos e lipoproteínas de alta densidade – HDL-colesterol) e glicemia, da pressão arterial em repouso (sistólica e diastólica) e do acúmulo de gordura abdominal (circunferência de cintura), de acordo com critérios propostos pela International Diabetes Federation.1717 Alberti KG, Zimmet P, Shaw J. Metabolic syndrome: a new world-wide definition. A consensus statement from the international diabetes federation. Diabet Med. 2006;23:469-80. Nesse caso, a SMet é definida pela presença obrigatória da circunferência de cintura elevada (< 16 anos: ambos os sexos ≥ percentil 90; ≥ 16 anos: rapazes ≥ 90 cm e moças ≥ 80 cm) e, pelo menos, mais dois componentes comprometidos: triglicerídeos aumentados (≥ 150 mg/dL), HDL-colesterol diminuído (< 16 anos: ambos os sexos < 40 mg/dL; ≥ 16 anos: rapazes < 40 mg/dL e moças < 50 mg/dL), glicemia de jejum elevada (≥ 100 mg/dL) e pressão arterial alterada (sistólica ≥ 130 mmHg ou diastólica ≥ 85 mmHg).

As dosagens de lipídeos plasmáticos e glicemia foram feitas mediante coleta de amostras de sangue por punção venosa, após 12 horas de jejum, de acordo com técnicas laboratoriais convencionais. Os níveis de pressão arterial sistólica e diastólica foram aferidos pelo método auscultatório com auxílio de esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, com o adolescente sentado, após período mínimo de cinco minutos de repouso. Foram feitas duas medidas, considerou-se o valor médio de ambas as medidas para efeito de cálculo. As medidas de circunferência de cintura foram determinadas no ponto médio entre a última costela e a crista-ilíaca, com uma trena antropométrica inextensível.

Tratamento estatístico

O tratamento estatístico foi feito mediante o software SPSS, versão 22 (IBM Corp. Released 2013. IBM SPSS Statistics para Windows, NY, EUA). Foram estimadas as proporções circunstanciais e respectivos intervalos de confiança de 95% dos desfechos de interesse (sobrepeso, obesidade e SMet) estratificados para sexo e idade. Diferenças estatísticas entre os estratos sob investigação foram analisadas com o teste de qui-quadrado (χ2) para tendência linear. O desempenho dos três critérios diagnósticos de sobrepeso e obesidade (WHO, IOTF e Conde & Monteiro) como preditores da SMet foi analisado mediante propriedades de sensibilidade, especificidade e acurácia global, identificadas pelo método da curva ROC (Receiver Operating Characteristic), acompanhadas dos respectivos intervalos de confiança a 95%.1818 Akobeng AK. Understanding diagnostic test: receiver operating characteristic curves. Acta Paediatr. 2007;96:644-7. Possíveis diferenças significativas relacionadas às propriedades de sensibilidade, especificidade e acurácia global foram identificadas mediante estatística de McNemar (χ2).1919 Trajman A, Luiz RR. McNemar χ 2 test revisited: comparing sensitivity and specificity of diagnostic examinations. Scand J Clin Lab Invest. 2008;68:77-80.

Resultados

A tabela 2 mostra as prevalências de sobrepeso, obesidade e SMet na população de adolescentes analisada no estudo. As prevalências mais elevadas foram observadas mediante o uso do critério diagnóstico Conde & Monteiro; fundamentalmente, nos adolescentes entre 16 e 20 anos. Por outro lado, o critério diagnóstico IOTF apontou prevalências significativamente menores, sobretudo nos rapazes. A presença de SMet foi identificada em 4,5% [IC95% 3,8-5,4] da amostra, significativamente maior nos rapazes e nos adolescentes com mais idade.

Tabela 2
Prevalências (95% de intervalo de confiança) de sobrepeso e obesidade estimadas pelos três critérios diagnósticos e síndrome metabólica na população de adolescentes escolares analisada no estudo

O desempenho dos três critérios diagnósticos de sobrepeso e obesidade como preditores de SMet é apresentado na tabela 3. De maneira geral, tanto no caso do sobrepeso como da obesidade, constatam-se sensibilidades similares em ambos os sexos; contudo, valores mais elevados nos adolescentes com mais idade. Quanto à especificidade, observa-se tendência para os valores apresentados pelas moças se destacarem em comparação com os apresentados pelos rapazes, não foram identificadas diferenças importantes em relação à idade.

Tabela 3
Desempenho dos critérios diagnósticos WHO, IOTF e Conde e Monteiro de sobrepeso e obesidade como preditores de síndrome metabólica

Em ambos os sexos, independentemente da idade, e nos três critérios diagnósticos, a sensibilidade equivalente à obesidade se mostrou mais elevada, enquanto maior especificidade foi observada para o sobrepeso. Em todos os estratos considerados o critério diagnóstico IOTF foi o que demonstrou maior sensibilidade. Em contrapartida, menor sensibilidade foi observada mediante o critério diagnóstico Conde & Monteiro. Quanto à especificidade, os três critérios diagnósticos apresentaram valores semelhantes e próximos de 90%.

No que se refere à propriedade de acurácia global, com variações entre 0,52 e 0,89, visualizam-se diferenças mais acentuadas entre idades do que entre sexo. Com relação aos critérios diagnósticos, a proposta Conde & Monteiro apontou acurácia global significativamente menor do que as propostas WHO e IOTF. O uso do critério diagnóstico Conde & Monteiro apontou valores ≤ 0,69, o que sugere baixa acurácia global. Por outro lado, o uso dos critérios diagnóstico WHO e IOTF indicou valores entre 0,70 e 0,89, com significativa vantagem para o critério diagnóstico IOTF, revelou-se, desse modo, moderada acurácia global.

Discussão

Independentemente do critério diagnóstico usado, um em cada quatro adolescentes analisados no estudo apresentou excesso de peso corporal (≈ 25%). Essa proporção é similar à encontrada em estudo representativo do conjunto de municípios brasileiros de médio e grande porte;2020 Bloch KV, Klein CH, Szklo M, Kuschnir MC, Abreu GA, Barufaldi LA, et al. ERICA: prevalências de hipertensão arterial e obesidade em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50(Suppl. 1):9s. contudo, discretamente inferior à de países desenvolvidos e próximo de duas vezes maior do que a encontrada na população jovem de países em desenvolvimento.11 Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980–2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2014;384:766-81. Mediante o uso do mesmo critério diagnóstico (IDF), a proporção de adolescentes com SMet é superior à encontrada recentemente na população jovem brasileira (4,5% vs. 2,6%);2121 Kyscgubur NC, Bloch KV, Szklo M, Klein CH, Barufaldi LA, Abreu GA, et al. ERICA: prevalência de síndrome metabólica em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50(Suppl. 1):11s. porém, inferior à descrita em adolescentes americanos e europeus.2222 Tailor AM, Peeters PH, Norat T, Vineis P, Romaquera D. An update on the prevalence of the metabolic syndrome in children and adolescents. Int J Pediatr Obes. 2010;5:202-13.

O critério diagnóstico Conde & Monteiro apresentou a menor capacidade para discriminar adolescentes portadores e não portadores de SMet. Estimativas relativas à acurácia global revelaram que as chances de identificar corretamente a presença de SMet mediante o uso desse critério diagnóstico se aproximou de 50-60% (área sob a curva ROC entre 0,52 e 0,64). Nesse contexto, se por um lado as especificidades alcançadas mediante o uso do critério diagnóstico Conde & Monteiro apresentaram valores ≥ 90%, por outro as sensibilidades não ultrapassaram 55%. Logo, ao empregar esse critério diagnóstico para identificar SMet, existe grande probabilidade dos adolescentes eutróficos serem identificados como não portadores de SMet; porém, as chances de detectar SMet diminuem acentuadamente entre aqueles adolescentes que apresentam sobrepeso ou são obesos.

As capacidades preditivas dos critérios diagnóstico WHO e IOTF para presença de SMet se mostraram mais elevadas e com menores diferenças entre si; contudo, o critério diagnóstico IOTF apresentou sensibilidades significativamente maiores do que os critérios diagnósticos WHO e Conde & Monteiro. Nesse sentido, o uso do critério diagnóstico IOTF para identificar corretamente SMet resultou em 5-10% e 13-22% menos casos falso-negativos do que os critérios diagnósticos WHO e Conde & Monteiro, respectivamente. Em valores probabilísticos, mediante o uso dos critérios diagnósticos WHO e IOTF, de cada dez adolescentes com excesso de peso corporal surgiram igualmente indicações de que por volta de sete a nove deles foram corretamente identificados com SMet (área sob a curva ROC entre 0,70 e 0,89).

De maneira geral, ao considerar os três critérios diagnósticos como preditores da SMet, as moças e os adolescentes entre 12 e 15 anos apresentaram menor acurácia global. Provavelmente esse fato possa ser reflexo do surto de crescimento puberal que ocorre nessa idade, sobretudo entre as moças. Nesse caso, devido às diferenças no timing da puberdade, constata-se mais elevada variabilidade na associação entre acúmulo de gordura corporal, proporção de massa isenta de gordura e mudanças nos valores de IMC, o que impacta diretamente na identificação do sobrepeso e da obesidade.2323 Daniels SR, Khoury PR, Morrison JA. The utility of body mass index as a measure of body fatness in children and adolescents: differences by race and gender. Pediatrics. 1997;99:804-7.

Apesar de terem sido encontradas diferenças significativas equivalentes às propriedades de sensibilidade, especificidade e acurácia global, os achados do presente estudo confirmaram que os três critérios diagnósticos apresentam capacidade de predizer SMet, com indicadores de validade mais adequados nos adolescentes tidos como obesos. Nesse contexto, é importante mencionar que os três critérios diagnósticos têm em comum o fato de usarem pontos de corte arbitrários, alicerçados, sobretudo, em pressupostos estatísticos. Logo, essas diferenças podem, em parte, ser explicadas pelas diferentes metodologias empregadas em suas proposições e, principalmente, pelas prevalências de sobrepeso e obesidade e tendência secular do IMC da população de referência usada para o conjunto de dados da amostra.

A proposta da WHO baseia-se em dados de jovens americanos coletados em 1971-74 e reprocessados mais recentemente, para atenuar limitações detectadas em proposta anterior.1111 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7. Embora possam existir evidências no sentido de que, na última década, as prevalências de sobrepeso e obesidade na população jovem dos Estados Unidos têm apresentado tendência de estabilização, esse não é o caso quando da comparação entre dados da década de 1970 e de gerações mais recentes.2424 Ogden CL, Carroll MD, Kit BK, Flegal KM. Prevalence of childhood and adult obesity in the United States, 2011–2012. JAMA. 2014;311:806-14.

Por outro lado, a proposta IOTF provém de levantamentos nacionais representativos de jovens de seis países (Estados Unidos, Inglaterra, Brasil, Cingapura, Holanda e Hong-Kong). Os levantamentos foram feitos em momentos diferentes, entre 1973 e 1993,1212 Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320:1240-3.,1313 Cole TJ, Lobstein T. Extended international (IOTF) body mass index cut-offs for thinness, overweight and obesity. Pediatr Obes. 2012;7:284-94. o que dificulta a análise da tendência secular do IMC na proposição desse critério diagnóstico. A proposta Conde & Monteiro usou dados extraídos da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, envolveu amostra com representatividade nacional de jovens brasileiros.1414 Conde WL, Monteiro CA. Body mass index cutoff points for evaluation of nutritional status in Brazilian children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2006;82:266-72. Os dados foram coletados em 1989, momento em que a prevalência de sobrepeso e obesidade da população jovem no Brasil era significativamente menor do que nos dias atuais.2020 Bloch KV, Klein CH, Szklo M, Kuschnir MC, Abreu GA, Barufaldi LA, et al. ERICA: prevalências de hipertensão arterial e obesidade em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50(Suppl. 1):9s.

Ainda, ressalta-se que, quando da seleção de um critério diagnóstico específico, torna-se prudente levar em conta a influência de componentes étnicos. Neste sentido, para uso em adolescentes brasileiros, a princípio, o critério diagnóstico Conde & Monteiro apresenta grande vantagem e, pelo contrário, mesmo assumindo o perfil multiétnico da população jovem norte-americana, deverá ser contabilizada importante limitação na seleção do critério diagnóstico WHO. O critério diagnóstico IOTF parece ser mais adequado para garantir uma aplicação multiétnica, uma vez que é baseado em seis conjuntos de dados, inclusive o Brasil.

Quanto às diferentes metodologias empregadas para identificar os pontos de corte, a proposta WHO usou recursos probabilísticos em que valores de IMC equivalentes aos percentis 85 e 95 foram apontados para identificar aqueles adolescentes com sobrepeso e obesos, respectivamente. Portanto, assumiu-se que, na população de referência, independentemente de qualquer outra informação adicional, exatamente 15% dos jovens de cada sexo e idade apresentavam sobrepeso e 5% obesidade. Limitação importante dessa metodologia é considerar que valores mais elevados de IMC na distribuição de percentil da população de referência possam representar a presença de sobrepeso e obesidade, em vez de apenas indicar os jovens que são mais pesados em comparação com seus pares.

Pelo contrário, as propostas IOTF e Conde & Monteiro foram idealizadas de forma independente da distribuição de percentil do IMC na população de referência. Nesse caso, os pontos de corte foram definidos mediante critério epidemiológico, a partir de ajustes de modelos matemáticos específicos para sexo e idade, em que aos 18 anos apresentavam intercepção com valores de IMC representativos de riscos aumentados para presença de desfechos de saúde no início da vida adulta, em consequência do sobrepeso e da obesidade, ou seja, 25 kg/m2 e 30 kg/m2, respectivamente. No entanto, o procedimento metodológico adotado pelas duas propostas não está isento de crítica. Embora não sejam dependentes da distribuição de percentil, presumiu-se que a proporção de jovens da população de referência com sobrepeso e obesidade era a mesma em ambos os sexos e em todas as idades.

Os resultados reunidos no estudo corroboram achados da literatura que apontam elevada especificidade acompanhada de razoável sensibilidade para identificar risco cardiometabólico em jovens mediante o uso de critérios diagnósticos a partir do IMC.77 Freedman DS, Fulton JE, Dietz WH, Pan L, Nihiser AJ, Srinivasan SR, et al. The identification of children with adverse risk factor levels by body mass index cutoffs from two classification systems: the Bogalusa Heart Study. Am J Clin Nutr. 2010;92:1298-305.

8 Kakinami L, Henderson M, Delvin EE, Levy E, O'Loughlin J, Lambert M, et al. Association between different growth curve definitions of overweight and obesity and cardiometabolic risk in children. CMAJ. 2012;184:E539-50.
-99 Laurson KR, Welk GJ, Eisenmann JC. Diagnostic performance of BMI percentiles to identify adolescents with metabolic syndrome. Pediatrics. 2014;133:e330-8. Contudo, de alguma maneira, discordam parcialmente dos resultados encontrados em estudo que envolveu crianças brasileiras que procurou identificar a capacidade preditiva de critérios diagnósticos especificamente para presença de pressão arterial elevada.2525 Moraes LI, Nicola TC, Jesus JS, Alves ER, Giovaninni NP, Marcato DG, et al. High blood pressure in children and its correlation with three definitions of obesity in childhood. Arq Bras Cardiol. 2014;102:175-80. No estudo foram encontrados indicadores equivalentes à acurácia global similares para os critérios diagnósticos Conde & Monteiro e IOTF. Possivelmente, o uso isolado do componente pressão arterial elevada, em vez do conglomerado de componentes que define a SMet, e a menor idade dos sujeitos reunidos no estudo (entre seis e 13 anos) possam explicar eventuais discordância entre ambos os estudos.

O presente estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Mesmo que tenha assumido a baixa taxa de recusa para a tomada das medidas (≈ 8%), não se pode descartar a possibilidade de ter ocorrido viés de seleção, tendo em vista que não foi possível comparar dados dos adolescentes participantes e não participantes. Também é importante referir que, por não haver um critério universal para definição de SMet, optou-se por usar critério proposto pela IDF e, nesse sentido, as estimativas de prevalência de SMet podem variar de acordo com o critério empregado.2626 Cavali ML, Escrivão MA, Brasileiro RS, Taddei JA. Metabolic syndrome: comparison of diagnosis criteria. J Pediatr (Rio J). 2010;86:325-30.,2727 Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.

Concluindo, evidências encontradas no estudo contribuem para o conhecimento da área e mostram que, dos três critérios diagnóstico de sobrepeso e obesidade a partir do IMC (WHO, IOTF e Conde & Monteiro), o IOTF demonstrou capacidade preditiva significativamente mais elevada para presença de SMet. Contudo, tendo em vista que o IMC é um preditor importante para presença de SMet em adolescentes, o grande desafio continua a ser ajustar pontos de corte que possam minimizar a quantidade de casos falso-negativos (maiores índices de sensibilidade) e maximizar a quantidade de casos verdadeiro-negativos (maiores índices de especificidade), como já observados nos três critérios diagnósticos considerados no estudo.

  • Financiamento
    Dartagnan Pinto Guedes é bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Como citar este artigo: Oliveira RG, Guedes DP. Performance of different diagnostic criteria of overweight and obesity as predictors of metabolic syndrome in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2017;93:525–31.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2016
  • Aceito
    25 Nov 2016
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