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Correção endovascular do aneurisma da aorta abdominal: vazamento tipo 2 e o risco de rotura

O advento da correção endovascular do aneurisma da aorta abdominal trouxe uma nova morbilidade denominada vazamento (ou escape sanguíneo), pressurizando o saco aneurismático. Com isso, o risco da tão temida rotura do aneurisma persiste, sendo que esta não ocorre igualmente entre os diferentes tipos de vazamento11. Buth J, Harris PL, van Marrewijk C. Causes and outcomes of open conversion and aneurysm rupture after endovascular abdominal aortic aneurysm repair: can type II endoleaks be dangerous? J Am Coll Surg. 2002;194(1, Suppl):S98-102. http://dx.doi.org/10.1016/S1072-7515(01)01128-0. PMid:11800362
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. Tem sido recomendado que os vazamentos tipo 1 e 3 sejam corrigidos prontamente; porém, quanto à conduta no tipo 2, persiste o debate entre a intervenção e o seguimento clínico do mesmo.

Este debate não é recente. Em uma conferência de especialistas na área, concluiu-se que o vazamento tipo 2 pode ocorrer entre 10 e 25% das correções endovasculares do aneurisma da aorta abdominal. Entre 30 e 100% dos casos, oclui-se espontaneamente, sem efeitos adversos na evolução. Quando, porém, ocorre crescimento do aneurisma após EVAR (correção endovascular), é mandatória a intervenção cirúrgica ou endovascular22. Veith FJ, Baum RA, Ohki T, et al. Nature and significance of endoleaks and endotension: summary of opinions expressed at an international conference. J Vasc Surg. 2002;35(5):1029-35. http://dx.doi.org/10.1067/mva.2002.123095. PMid:12021724
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Em revisão sistemática, incluindo-se 61 entre 606 trabalhos, avaliaram-se a eficácia e a segurança do reparo endovascular eletivo do aneurisma da aorta infrarrenal (AAA), em 19.804 casos. O vazamento tipo 2 foi o mais comum, ocorrendo em 14% dos casos, no primeiro mês, e decrescendo espontaneamente para 10,3%, em até 12 meses33. Drury D, Michaels JA, Jones L, Ayiku L. Systematic review of recent evidence for the safety and efficacy of elective endovascular repair in the management of infrarenal abdominal aortic aneurysm. Br J Surg. 2005;92(8):937-46. http://dx.doi.org/10.1002/bjs.5123. PMid:16034817
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Na experiência da Cleveland Clinic, durante um período de oito anos, entre outubro de 1999 e dezembro de 2007, entre 1.606 EVAR, ocorreram nove (0,52%) casos de vazamento tipo 244. Kelso RL, Lyden SP, Butler B, Greenberg RK, Eagleton MJ, Clair DG. Late conversion of aortic stent grafts. J Vasc Surg. 2009;49(3):589-95. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2008.10.020. PMid:19135829
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. Em nossa experiência, tratando 105 casos consecutivos de AAA, com um único tipo de endoprótese, entre março de 1997 e julho de 2003, observamos a ocorrência de quatro (3,8%) casos de vazamento tipo 255. Sampaio AM. Endovascular treatment of infrarenal abdominal aorta aneurysm tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 2005..

No acompanhamento de 873 pacientes submetidos à EVAR por AAA, observaram-se 164 (18,9%) casos de vazamento tipo 2. Evoluíram para completa resolução, em menos de seis meses, 131 casos (79,9%), não tendo ocorrido nenhum evento adverso neste período. Para os que persistiram por período superior a seis meses, ocorreram quatro roturas do aneurisma em um tempo médio de 31,6 meses, sugerindo que deve ser intensificada a vigilância ou atuar-se mais agressivamente66. Jones JE, Atkins MD, Brewster DC, et al. Persistent type 2 endoleak after endovascular repair of abdominal aortic aneurysm is associated with adverse late outcomes. J Vasc Surg. 2007;46(1):1-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2007.02.073. PMid:17543489
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No acompanhamento de 486 pacientes consecutivos submetidos à EVAR para AAA, utilizando-se a tomografia computadorizada, foram analisadas a presença de vazamento tipo 2 e a ocorrência de crescimento do saco aneurismático maior que 5 mm. Em 90 (18,5%) pacientes, foi detectado o vazamento tipo 2. No seguimento médio de 21,7±16 meses, somente 35 (7,2%) pacientes mantiveram o vazamento tipo 2 por mais de seis meses. O crescimento do saco aneurismático foi observado em cinco pacientes, representando 1% de toda a série. Após o tratamento, não houve recorrência do crescimento do aneurisma em seguimento de 18,2±8 meses. Não houve ocorrência de rotura do aneurisma durante o seguimento do vazamento tipo 2, tanto nos tratados quanto nos não tratados77. Steinmetz E, Rubin BG, Sanchez LA, et al. Type II endoleak after endovascular abdominal aortic aneurysm repair: a conservative approach with selective intervention is safe and cost-effective. J Vasc Surg. 2004;39(2):306-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2003.10.026. PMid:14743129
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Entre os achados da tomografia computadorizada na avaliação pré-operatória do AAA, a presença de trombo mural circunferencial parece ser um fator protetor contra a presença do vazamento tipo 288. Brountzos E, Karagiannis G, Panagiotou I, Tzavara C, Efstathopoulos E, Kelekis N. Risk factors for the development of persistent type II endoleaks after endovascular repair of infrarenal abdominal aortic aneurysms. Diagn Interv Radiol. 2012;18(3):307-13. PMid:21986961.. Na mesma linha de observação, em estudo retrospectivo da tomografia pré-operatória em 326 pacientes, foram analisados o diâmetro do aneurisma, a presença do trombo mural e a perviedade da artéria mesentérica inferior e das artérias lombares. A análise univariada demonstrou que a perviedade de todas as artérias lombares é um significativo preditor do vazamento tipo 2. Por outro lado, a análise multivariada demonstrou que a oclusão da artéria mesentérica inferior ou a oclusão do par de artérias lombares em nível de L3 ou em nível de L4, é um fator protetor independente contra o vazamento tipo 299. Ward TJ, Cohen S, Patel RS, et al. Anatomic risk factors for type-2 endoleak following EVAR: a retrospective review of preoperative CT angiography in 326 patients. Cardiovasc Intervent Radiol. 2014;37(2):324-8. http://dx.doi.org/10.1007/s00270-013-0646-7. PMid:23703668
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No seguimento de 108 pacientes durante 24 meses, após embolização da artéria mesentérica inferior antes do EVAR para AAA, foi observada a diminuição do crescimento do saco aneurismático e da ocorrência de vazamento tipo 21010. Ward TJ, Cohen S, Fischman AM, et al. Preoperative inferior mesenteric artery embolization before endovascular aneurysm repair: decreased incidence of type II endoleak and aneurysm sac enlargement with 24-month follow-up. J Vasc Interv Radiol. 2013;24(1):49-55. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvir.2012.09.022. PMid:23273697
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. Contra a embolização rotineira pré-operatória da artéria mesentérica inferior, há o risco da isquemia intestinal. A recomendação é que somente o tronco da artéria mesentérica inferior seja embolizado, sendo deixadas livres a artéria cólica esquerda e a artéria retal superior1111. Müller-Wille R, Uller W, Gößmann H, et al. Inferior mesenteric artery embolization before endovascular aortic aneurysm repair using amplatzer vascular plug type 4. Cardiovasc Intervent Radiol. 2014;37(4):928-34. http://dx.doi.org/10.1007/s00270-013-0762-4. PMid:24170169
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. Quanto à embolização pré-operatória das artérias lombares, esta costuma ser mais demorada, tecnicamente mais difícil e com maior ocorrência de falhas técnicas. Por estes motivos, tal intervenção não é realizada pela maioria dos especialistas1212. Bonvini R, Alerci M, Antonucci F, et al. Preoperative embolization of collateral side branches: a valid means to reduce type II endoleaks after endovascular AAA repair. J Endovasc Ther. 2003;10(2):227-32. http://dx.doi.org/10.1583/1545-1550(2003)010<0227:PEOCSB>2.0.CO;2. PMid:12877603
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O resultado da avaliação do espectro de velocidade de fluxo pela ultrassonografia Doppler do vazamento tipo 2 pode ser preditivo de selamento espontâneo. Em seguimento de 265 pacientes submetidos à EVAR para AAA, foram avaliados 14 pacientes que, sem intervenção, tiveram selamento do vazamento tipo 2 em até seis meses. Outros 16 pacientes tiveram o vazamento persistente além deste período. A velocidade foi menor no grupo com selamento em tempo inferior a 6 meses (75,5±78,8 cm/s versus 138±36,2 cm/s; p<0,01). Os pacientes com vazamento selado e baixa velocidade (<100 cm/s) tinham menor ocorrência de artéria mesentérica inferior pérvia (43% versus 81%; p<0,01), diâmetro menor da artéria mesentérica inferior (5,6± 1,8 mm versus 7,2±1,3 mm; p<0,01) e menor número de pares de lombares (1,3±0,8 versus 2,4±0,6; p<0,0001), quando comparados com o grupo com vazamento persistente e velocidade intrassaco maior que 100 cm/s. Estes dados sugerem que a alta velocidade no vazamento tipo 2 está relacionada com o número e o diâmetro aumentado dos ramos na avaliação pré-operatória1313. Arko FR, Filis KA, Siedel SA, et al. Intrasac flow velocities predict sealing of type II endoleaks after endovascular abdominal aortic aneurysm repair. J Vasc Surg. 2003;37(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1067/mva.2003.55. PMid:12514572
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Considerando-se a presença de fatores preditivos para ocorrência de vazamento tipo 2, foram analisados 195 pacientes pela tomografia computadorizada. Foi observado vazamento tipo 2 em 28 (13,4%) pacientes. Em dez pacientes, estavam presentes, em média, 4,3 artérias lombares pérvias, que tinham diâmetro menor de 2 mm (média 1,5 mm). Nos demais 18 pacientes, o diâmetro médio das artérias lombares era de 2,7 mm. Não foi observada significante correlação entre o diâmetro ou a perviedade da artéria mesentérica inferior e o desenvolvimento do vazamento tipo 2. Porém, a presença de quatro lombares pérvias (p<0,001) e pelo menos de uma artéria ilíaca interna pérvia (p<0,001) foram fatores preditivos. O mesmo foi observado para pelo menos uma artéria lombar pérvia com diâmetro maior de 2 mm (p<0,001)1414. Marchiori A, von Ristow A, Guimaraes M, Schönholz C, Uflacker R. Predictive factors for the development of type II endoleaks. J Endovasc Ther. 2011;18(3):299-305. http://dx.doi.org/10.1583/10-3116.1. PMid:21679064
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Em que pese à controvérsia entre condutas, intervir ou acompanhar o vazamento tipo 2, temos adotado a seguinte conduta no seguimento do EVAR para AAA: tomografia computadorizada em até um mês de pós-operatório e, posteriormente, de acordo com o resultado da mesma, exame de ultrassonografia da aorta e das ilíacas a cada seis ou 12 meses, por laboratório agregado ao serviço. Este controle visa a acompanhar o diâmetro do aneurisma e a detecção de vazamento. Em caso de vazamento tipo 2, dependendo do achado ultrassonográfico, a repetição se dará com dois ou três meses de intervalo, com a finalidade de detectar o possível crescimento do aneurisma.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014
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