Acessibilidade / Reportar erro

DISPUTAS PELA ARQUITETURA NA ESCUELITA DE BUENOS AIRES (1976-83)1 1 Este artigo é resultado de minha pesquisa de doutorado na FAU-USP, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processos n. 2016/22985-7 e 2018/09282-2, sob orientação dos professores José Lira e Claudia Shmidt.

Disputes Over Architecture at La Escuelita of Buenos Aires (1976-83)

RESUMO

O presente artigo enfoca a experiência em ensino de arquitetura conhecida como La Escuelita, desenvolvida em Buenos Aires durante a última ditadura militar argentina (1976-83). São apresentados e discutidos os diferentes discursos sobre arquitetura que disputaram um espaço institucionalmente frágil, mas de grande relevância para a cultura arquitetônica argentina e para a sociabilidade profissional no período.

PALAVRAS-CHAVE:
história da arquitetura; ensino de arquitetura; pós-modernismo; Argentina

ABSTRACT

This article focuses on the experience in architectural education known as La Escuelita, developed in Buenos Aires during Argentina’s last military dictatorship (1976-83). It presents and discusses the different discourses on architecture that disputed an institutionally fragile but highly relevant space for Argentine architectural culture and professional sociability in the period.

KEYWORDS:
history of architecture; architectural education; postmodernism; Argentina

INTRODUÇÃO

Em 23 de março de 1976, um dia antes do golpe militar que depôs a presidente María Estela Martínez de Perón, os arquitetos Tony Díaz e Rafael Viñoly jantavam em um restaurante de Martínez, ao norte de Buenos Aires. A sociedade argentina vivia um período de intensa agitação política, especialmente no meio universitário. A ditadura que governara o país desde 1966 havia pouco fora derrotada. Perón retornava do exílio, assumia a Presidência e, em poucos meses, falecia. Enquanto setores da extrema direita ascendiam ao poder, alunos e professores ao redor do país militavam por uma revolução latino-americana que parecia iminente, e muitas práticas pedagógicas surgiam desse engajamento. No campo da arquitetura, radicalização política e debates sobre o ensino foram reunidos, por exemplo, no Taller Total da Universidad Nacional de Córdoba e nos Talleres Nacionales y Populares da recém-rebatizada Universidad Nacional y Popular de Buenos Aires (Malecki, 2018Malecki, Juan Sebastián. “¿Una arquitectura imposible? Arquitectura y política en el Taller Total de Córdoba, 1970-1975”. Prismas, Revista de Historia Intelectual, n. 22, 2018, pp. 95-115.; Durante, 2020Durante, María Eugenia. “¿La Facultad está en crisis? ¿La arquitectura está en crisis? ¿El país está en crisis?: Radicalización política en la facultad de arquitectura de Buenos Aires en los años setenta”. Registros, v. XVI, n. 2, 2020, pp. 106-23.). No entanto, já no final de 1974, em meio a intervenções federais, embates e perseguições políticas, a docência se tornava insustentável para muitos de seus professores.

Nesse contexto, jantando em Martínez, Díaz e Viñoly resolveram “organizar um instituto dedicado aos problemas da arquitetura que depois, com o tempo, seria o que veio a se chamar La Escuelita” (Díaz, 1999________. “Ernesto Katzenstein y La Escuelita”. In: Katzenstein, Inés (org.). Ernesto Katzenstein Arquitecto. Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 1999, pp. 217-22., p. 217). Por um lado, tratava-se de uma espécie de retorno à ordem na autorrepresentação da arquitetura, que se encontrava diluída na militância e disputando espaço com outros profissionais do habitat. Por outro, tratava-se de encontrar um espaço em que colegas pudessem discutir arquitetura com maior liberdade de conteúdo - e fazê-lo na pequena escala, oposta à massificação e à hierarquia que atravessavam as universidades federais.

A proposta de constituir um espaço de ensino de arquitetura fora do sistema universitário não era de todo incomum. Como já observaram Francisco Liernur (2001________. Arquitectura en la Argentina del siglo XX: la construcción de la modernidad. Buenos Aires: Fondo Nacional de la Artes, 2001.) e Ana Cravino (2012Cravino, Ana. Enseñanza de arquitectura: una aproximación histórica 1901-1955. La inercia del modelo Beaux Arts. Buenos Aires: Nobuko, 2012.), grandes nomes da arquitetura moderna na Argentina mantiveram-se à margem das instituições culturais do país enquanto realizavam verdadeiros espaços formativos, para jovens funcionários, no interior de suas práticas profissionais. E logo após o golpe de 1966, e a renúncia maciça de professores que se seguiu, funcionou, por um par de anos, o Centro de Estudios del Habitat: um espaço informal em que professores podiam dar continuidade a seus cursos universitários - e que provavelmente representou um antecedente para o que viria a ser a Escuelita dez anos depois (Liernur; Gentile; Bonicatto, 2020).

A ideia original de Díaz e Viñoly era convidar quatro arquitetos de prestígio - Justo Solsona, Ernesto Katzenstein, Manuel Borthagaray e Clorindo Testa - e constituir uma organização bem estruturada, independente do sistema universitário. Díaz e Viñoly, mais jovens, assumiriam apenas funções de apoio. No entanto, frente à violência que se instaurou em 1976, os dois perceberam que o instituto não poderia se concretizar com a formalidade e o alcance pretendidos. Borthagaray não chegou a se envolver na experiência, e Testa o fez com reduzido protagonismo. Não havia concessão de diplomas ou certificados, as sedes foram improvisadas, emprestadas ou alugadas, e os cursos se desenvolveram principalmente à noite, algumas vezes por semana, direcionados a arquitetos formados ou alunos dos últimos anos de graduação. Entre 1977 e 1983, a experiência se desenvolveu com enorme fragilidade institucional, encerrando-se com a redemocratização e o retorno (ou ingresso) de vários de seus membros ao ensino universitário formal. Como lembra Díaz, “tudo isso se deu no campo do marginal, quase diria do ilegal […], para a Argentina oficial daqueles tempos, a Escuelita não existia” (Díaz, 1999________. “Ernesto Katzenstein y La Escuelita”. In: Katzenstein, Inés (org.). Ernesto Katzenstein Arquitecto. Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 1999, pp. 217-22., p. 218).

No entanto, mesmo que formalmente inexistente (ou talvez potencializada por essa condição), a Escuelita rapidamente ocupou um espaço singular no imaginário do campo disciplinar. Hoje, a cena continua sedutora: quatro arquitetos de prestígio local, incapazes de lecionar em uma universidade convulsionada, conduziam cursos sobre “os problemas da arquitetura”, à noite, em um edifício histórico de San Telmo, enquanto sirenes tocavam na rua e a ditadura mais sangrenta da história argentina se desenrolava no país. E em meio a uma grande repressão, foram capazes de reunir figuras de relevo para o campo da arquitetura, atuantes na Argentina, nos Estados Unidos, na Itália e na Espanha. Como escreveu Roberto Fernández, ainda em 1982, “uma espécie de aura vanguardista” rapidamente se instalou ao redor da Escuelita (Fernández, 1982Fernández, Roberto. “Crítica bibliográfica. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981”. Dos Puntos, n. 4, 1982, pp. 58-60., p. 58). Uma aura que persiste e que estudos recentes buscam matizar (Acosta, 2016Acosta, María Martina. “La Escuelita: paradojas en la construcción de la autonomía disciplinar”. Arquisur, n. 9, 2016, pp. 22-9.; Delecave, 2020aDelecave, Jonas. Uma disciplina em crise: disputas pela arquitetura na Escuelita de Buenos Aires (1976-1983). Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: FAU/Universidade de São Paulo, 2020a.; Kogan, 2017Kogan, Carolina. “El diseño como colección intencionada de arquitectura: el proyecto en los talleres que Tony Díaz dirigió en La Escuelita y en la nueva Fadu (1976-1987)”. Estudios del Hábitat, v. 15, n. 1, 2017, pp. 1-24.; Plotquin, 2016Plotquin, Silvio. “La Escuelita: bastión, coordenada y cantera”. Plot, n. 33, 2016, pp. 174-7.).

A ressonância da Escuelita se deve, sem dúvida, à diversidade das ideias que circularam em seu interior, com desdobramentos no ensino e na cultura arquitetônica portenha. Por meio de seus professores, a experiência se inseriu em uma rede internacional que processava as crises da arquitetura moderna e buscava caminhos para a disciplina em um mundo progressivamente dominado pela imagem e pelo consumo. Mas sua história também só pode ser entendida analisando os sentidos que a Escuelita assumiu para os jovens arquitetos e estudantes que se matricularam em seus cursos. Em sua maioria, os alunos da Escuelita haviam estudado nas universidades públicas após 1966: ou aquela esvaziada pela ditadura instaurada por Juan Carlos Onganía, ou aquela que se seguiu, conturbada, massificada e quase exclusivamente direcionada à resolução de conflitos sociais. Durante o funcionamento da Escuelita, as universidades não representavam uma possibilidade formativa, marcadas pela perseguição política, intelectualmente canceladas e direcionadas, sem grandes avanços, ao campo tecnológico (Shmidt; Silvestri; Rojas, 2004Shmidt, Claudia; Silvestri, Graciela; Rojas, Monica. “Enseñanza de arquitectura”. In: Liernur, Jorge Francisco; Aliata, Fernando (orgs.). Diccionario de arquitectura en la Argentina: estilos, obras, biografías, instituciones, ciudades. Buenos Aires: Agea, 2004, v. 3 (e-h), pp. 32-44.). Solsona, Díaz e Katzenstein haviam renunciado a seus cargos docentes em 1966 e representavam, de algum modo, um elo com aquilo que se convencionou chamar de “idade de ouro” do ensino universitário argentino, inaugurado dez anos antes. O contato direto com esses profissionais (e com Viñoly, o arquétipo do jovem talento), sem a mediação de uma longa cadeia de adjuntos, assistentes e ajudantes, representava uma oportunidade inédita para muitos daqueles jovens.

Por fim, a relevância cultural da Escuelita também está associada ao espaço de sociabilidade em que acabou se convertendo durante aqueles anos de chumbo. Uma sociabilidade que, talvez inevitavelmente, assumiria conotações de resistência à ditadura. Afinal, mesmo que a Escuelita tenha sido criada como reação às ultrapolitizadas universidades públicas em busca de um refúgio para debates disciplinares, pouco antes dos militares assumirem o poder, o esvaziamento forçado do ambiente universitário e a violência imposta pelo Estado acabaram, inesperadamente, por carregá-la de sentido político (Gorelik; Silvestri, 2019________; Silvestri, Graciela. “Invierno argentino del 81: ¿qué Argentina?”. In: Tafuri, Manfredo et al. (orgs.). Tafuri en Argentina. Santiago: ARQ, 2019, pp. 118-47.). Parece verdade, como afirma Solsona, que “na Escuelita nunca se falou de política”.2 2 Entrevista com Justo Solsona, Buenos Aires, 3/7/2019. Mas o significado desse silêncio variou enormemente para cada um de seus membros. Da certeza de uma iminente batida policial ao estranho sentimento de segurança, do alento à resistência e à transgressão, a Escuelita parece ter sido muitas.

As particularidades da relação entre a Escuelita e a ditadura podem ser verificadas, também, ao se analisarem os compromissos profissionais que vários de seus membros mantiveram com o governo militar. Viñoly (2002________. Rafael Viñoly. Basileia: Birkhäuser, 2002.), por exemplo, lembra que visitava as obras contratadas pelo governo para a Copa de 1978 acompanhado por um pelotão do Exército. Mas relações profissionais, somadas à frágil permissão de funcionamento concedida por uma autoridade policial local, certamente não eram o suficiente para tranquilizar aqueles que haviam construído uma trajetória na militância organizada. O fato de nunca haverem investido contra a Escuelita parece confirmar a real ausência de debates mais diretamente políticos em seu interior, ou apenas revelar certa inofensividade da própria arquitetura, aos olhos do poder.

AUTONOMIA: UM RETORNO AO DESENHO

Em agosto de 1977 iniciaram-se os quatro primeiros cursos oferecidos pela Escuelita (ainda sob seu primeiro nome, Cursos de Arquitectura), ministrados por Tony Díaz (em colaboração com Natalio Tuzman), Rafael Viñoly, Justo Solsona e Ernesto Katzenstein (em colaboração com Jorge Francisco Liernur). Os cursos duraram quatro meses, com duas reuniões semanais, e foram realizados em um imóvel da produtora de cinema MBC, na rua Bolívar, n. 1.130, emprestado em função das relações profissionais que Solsona mantinha com os empresários Antonio e Franco Macri (Solsona; Crispiani, 1997Solsona, Justo; Crispiani, Alejandro. Justo Solsona. Entrevistas: apuntes para una autobiografía. Buenos Aires: Infinito , 1997., p. 6). Havia uma seleção (mediante entrevista e análise de carta de intenções) para as doze vagas de cada curso, e cobravam-se 10 mil pesos de matrícula, mais o mesmo valor de mensalidade3 3 Essa quantia equivalia na época a 27 dólares. Como referência, a revista summa, na qual foram divulgados os primeiros cursos (em abril de 1977), era vendida a 1.200 pesos. - cifras que sempre deixaram a Escuelita dependente de doações e trabalho não remunerado.

O calendário entregue por Díaz no início do curso previa, como última atividade, a escolha dos trabalhos a serem expostos e publicados, explicitando a intenção original de inserir a Escuelita em um circuito que incluiria exposições, publicações, concursos e palestras públicas, além dos próprios cursos.4 4 Calendário de atividades de 1977, depositado no arquivo pessoal de Tony Díaz, em Madri, acessado por meio da Cátedra Libre Antonio Díaz da Fadu/UBA. A exposição ocorreu em junho do ano seguinte no Centro de Arte y Comunicação (CAyC), fundado e dirigido por Jorge Glusberg. Em 1979, ocorreu uma segunda exposição no centro e, entre 1979 e 1980, quando o imóvel da MBC se tornou indisponível, Glusberg cedeu à Escuelita uma sala na própria sede do CAyC. É importante comentar que Glusberg, apesar de seu limitado prestígio acadêmico, foi uma figura central na cultura arquitetônica daqueles anos, aproximando artes plásticas e arquitetura, viabilizando exposições e articulando uma importante rede internacional de críticos de arte e arquitetura (Gorelik; Silvestri, 2019________; Silvestri, Graciela. “Invierno argentino del 81: ¿qué Argentina?”. In: Tafuri, Manfredo et al. (orgs.). Tafuri en Argentina. Santiago: ARQ, 2019, pp. 118-47.).

No catálogo da primeira exposição de trabalhos discentes, os quatro cursos se mostravam interessados em suspender todo e qualquer dado funcional para, por meio do desenho, explorar “os problemas conceituais próprios da arquitetura” (Díaz et al., 1978________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978., p. 3). Foram realizados exercícios de colagem e manipulação de plantas de edificações de vários períodos históricos (Díaz), estudos de composição de elementos formais preestabelecidos (Díaz e Viñoly), explorações da linguagem plástica de Le Corbusier (Katzenstein e Liernur), uma transformação do icônico arranha-céu Kavanagh e um projeto baseado unicamente no título “A casa paisagem” (ambos por Solsona). Apesar de alguns textos introdutórios, é sintomática a maneira pela qual os exercícios foram apresentados: “sem palavras, flutuando no ar, mas compostos com extremo rigor e apresentados com voluntária ausência de expressão; quase confiando, poderíamos dizer, que a arquitetura fala por si própria” (Silvestri, 2000Silvestri, Graciela. “Apariencia y verdad: reflexiones sobre obras, testimonios y documentos de arquitectura producidos durante la dictadura militar en la Argentina”. Block, n. 5, 2000, pp. 38-53., p. 47). Comparando os negativos das fotografias dos desenhos com as imagens publicadas nos catálogos, é possível, até mesmo, reconhecer o apagamento da identificação de ambientes e dados do entorno urbano, corroborando a recusa de função e contexto.5 5 Com apoio financeiro da Fapesp, foi possível catalogar e digitalizar 340 negativos de fotografias de exercícios da Escuelita, principalmente de 1977 a 1978, feitas pelo fotógrafo Alejandro Leveratto para as exposições no CAyC. As imagens deste artigo que são reproduções do acervo de Laveratto estão identificadas com o código AAL.

Figura 1
Sobre a relação interior-exterior (curso de Díaz).

Figura 2
Sobre a relação interior-exterior (curso de Díaz).

Apesar de grandes diferenças entre os quatro fundadores, parecia haver, naquele momento, uma aproximação ao debate conhecido como o da autonomia da arquitetura. Já no folheto de divulgação da experiência de ensino, os quatro fundadores afirmavam que “a discussão sobre a autonomia da arquitetura ou a relação entre as distintas formas da prática arquitetônica são apresentadas a partir do exercício direto do projeto”.6 6 Veiculado na revista summa, n. 111, 1977, s. n. O catálogo sobre o primeiro curso é permeado de expressões como “especificamente arquitetônico” e menções a um “campo de problemas específicos da arquitetura” (Díaz et al., 1978________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978., pp. 4-6).

A ideia de que a arquitetura é uma disciplina com sua própria lógica ou legalidade interna, independente de qualquer outra, foi recorrente em diferentes contextos naqueles anos 1970.7 7 Há uma larga bibliografia sobre o tema. Ver, por exemplo, Architecture Philosophy, v. I, n. 2, 2015, e v. II, n. 1, 2016. Na Escuelita, a aproximação do tema se deu, em larga medida, pelo contato com Diana Agrest, Mario Gandelsonas, Rodolfo Machado e Jorge Silvetti - todos argentinos migrados na Costa Leste norte-americana -, com quem Díaz e Viñoly mantinham relações pessoais. Viñoly, antes de se mudar definitivamente para os Estados Unidos, em 1979, hospedava-se com frequência na residência de Agrest e Gandelsonas, dizia ter um “conhecimento íntimo” da obra dos dois (Viñoly, 1974Viñoly, Rafael. “Letters”. Oppositions, n. 3, 1974, pp. 112-3., p. 112) e chegou a visitar o nova-iorquino Institute for Architecture and Urban Studies (Iaus). É importante mencionar que o próprio Iaus, cujo funcionamento teria sido minuciosamente explicado por Agrest e Gandelsonas,8 8 Entrevistas com Diana Agrest (Nova York, 3/10/2018) e Mario Gandelsonas (Nova Jersey, 9/10/2018). serviu de referência institucional para a Escuelita. Ainda que não houvesse um intercâmbio entre as instituições ou um projeto cultural compartilhado,9 9 A ausência de relações entre Iaus e Escuelita (para além da circulação de Viñoly, Agrest e Gandelsonas) foi confirmada em entrevistas também com Joan Ockman (Nova York, 13/12/2018) e Kenneth Frampton (Nova York, 19/12/2018) e parece corroborada pela ausência de menções à Escuelita nos arquivos do Iaus (depositados no Centro Canadense de Arquitetura) e ao Iaus nos diferentes arquivos pessoais de membros da Escuelita. a Escuelita também se propunha ser um espaço privado, pequeno e capaz de convergir diversas atividades culturais relacionadas à arquitetura. Já Díaz, que ocupava um espaço no campo arquitetônico local associado à crítica e à teoria, havia trabalhado com Machado e Silvetti antes do golpe de 1966. Entre essa data e 1971, trabalhou no Chile, foi bolsista do Centro Palladio de Vicenza e obteve um diploma de pós-graduação do Architectural Association Planning Department, em Londres.

Figura 3
Avenida de Mayo (curso de Díaz, Solsona e Viñoly). Luis Ibarlucía, 1978 [aal eca 1978-S13-15639].

Figuras 4 e 5
Avenida de Mayo (curso de Díaz, Solsona e Viñoly).

Em algumas ocasiões, Agrest, Gandelsonas, Machado e Silvetti chegaram a apresentar seus trabalhos na Escuelita. A proximidade ficou registrada no número 13 da revista summarios (novembro de 1977), dedicada integralmente aos quatro e com introduções de Díaz e Viñoly. Mas é importante reconhecer grandes limitações da circulação, na Escuelita, de debates ligados à semiologia e ao pós-estruturalismo que embasaram boa parte do trabalho dos quatro - limitações recuperadas em depoimentos,10 10 Entrevistas com Jorge Liernur (São Carlos, 14/9/2016), Justo Solsona (Buenos Aires, 3/7/2019) e Rafael Viñoly (Nova York, 18/10/2018). mas também no uso conflitante de termos como “linguagem” e “ideologia” (Díaz et al., 1978________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978.; Díaz et al., 1982________; Katzenstein, Ernesto; Solsona, Justo. “La Escuelita”. A/mbiente, n. 34, 1982, pp. 31-6.).

Mesmo assim, a conexão parece ter cumprido um papel relevante. Em primeiro lugar, fornecia uma referência para que se recuperasse o interesse no próprio desenho e, por meio dele, a especificidade cultural do campo arquitetônico. Em segundo lugar, o interesse no desenho permitia aproximar a Escuelita de um sistema de exposições de desenhos de arquitetura e, eventualmente, do emergente mercado de sua comercialização como objetos artísticos autônomos, do qual Agrest, Gandelsonas, Machado e Silvetti faziam parte (Kauffman, 2018Kauffman, Jordan. Drawing on Architecture: The Objects of Lines, 1970-1990. Cambridge: The MIT Press, 2018.). A conexão com os quatro também associava a Escuelita à “vanguarda dos países centrais” (Waisman, 1977Waisman, Marina. “Editoral”. summarios, n. 13, 1977, p. 2., p. 2), recém-reconhecida por Manfredo Tafuri como o groupe argentin (Tafuri, 1976________. “Les cendres de Jefferson”. Architecture d’Aujourd’hui, n. 186, 1976, pp. 53-8., p. 57), e ironicamente batizada por Peter Eisenman de Buenos Aires four.11 11 Apresentação de Peter Eisenman à palestra Aspects of the American Fifties, no Iaus, em 21/10/1976. Audiocassete ARCH 252127, Centro Canadense de Arquitetura (CCA), Montreal. Por fim, mesmo que o interesse pela autonomia não fosse uma forma de driblar o ambiente repressivo argentino, é importante reconhecer que, “naquela época, era um pouco difícil se ocupar mais do que com formas” (Díaz, 2000________. “Posmodernismo y dictadura”. Block, n. 5, 2000, pp. 51-3., p. 52) e que a suspensão de laços efetivos com a realidade não deixava de ser uma “estratégia de sobrevivência […] frente ao horror” (Liernur, 2001________. Arquitectura en la Argentina del siglo XX: la construcción de la modernidad. Buenos Aires: Fondo Nacional de la Artes, 2001., p. 344). Tal como no filme Tempo de revanche, de Adolfo Aristarain, se a fala estava embargada, o único a fazer era “cortar a própria língua” e “trabalhar sobre a forma”.12 12 Depoimento de Liernur disponível em “La Escuelita por Francisco Liernur”: <https://vimeo.com/201908542>. Acesso em 21/5/2021.

TIPOLOGIA: AS LEIS DE BUENOS AIRES

Foram muitos os temas abordados no relativamente curto período de funcionamento da Escuelita. Em seu segundo ano de atividades, a atenção de Díaz, Viñoly e Solsona se voltou para a cidade de Buenos Aires, encarnada na icônica avenida de Mayo. De acordo com o catálogo da segunda exposição de exercícios, o objetivo dessa guinada era “primeiro, continuar o desenvolvimento de alguns enfoques sobre a problemática da manipulação formal ensaiados no ano anterior e, segundo, tentar uma primeira aproximação parcial a partir de uma perspectiva estritamente estética com uma realidade física que reconhecemos como mais complexa” (Díaz et al., 1979________; ________; ________; ________. Cursos de arquitectura 78: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1979.).

A avenida de Mayo interessava aos membros da Escuelita por seu “caráter acadêmico”, com “claros arremates nas duas praças das extremidades” (onde se localizam a Casa Rosada e o Congresso Argentino), e por seu elevado valor simbólico e arquitetônico (Díaz et al., 1979________; ________; ________; ________. Cursos de arquitectura 78: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1979.). Buenos Aires estava passando por grandes transformações urbanas e havia um debate em andamento sobre a preservação da avenida, o que provavelmente influenciou a escolha do tema. Além das mencionadas “manipulação formal” e abordagem “estritamente estética”, que faziam eco às propostas do ano anterior, os exercícios de 1978 também refletiam sobre a história da arquitetura e “o uso que se faz desse saber como instrumento de uma ação” (Díaz et al., 1979________; ________; ________; ________. Cursos de arquitectura 78: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1979.). Foram explorados, processando referências projetuais de diferentes contextos (do Tendenza italiano ao inglês Archigram), o embate e a conciliação com a arquitetura eclética da avenida, seus eixos, escalas e galerias. Após duas etapas projetuais (em escala 1:2.000 e por setores), estava prevista uma de “análise tipológica” dos exercícios realizados. Com textos de Vidler, Rossi, Silvetti, Maldonado, Argan e Ungers, a bibliografia dessa etapa, notavelmente atualizada, ponderava sobre os reais rendimentos da abordagem semiológica à arquitetura. Ao mesmo tempo, introduzia o conceito de “tipo” como um possível mecanismo para incorporar a história ao projeto.13 13 Bibliografia do curso de 1978 (arquivo pessoal de Tony Díaz).

Em 1975, um pouco por acaso, Díaz havia entrado em contato com alguns escritos do arquiteto italiano Aldo Rossi e, com a intermediação de Agrest e Gandelsonas, foi capaz de viabilizar sua visita à Escuelita. Em dezembro de 1978, em Buenos Aires, Rossi ministrou seminários, participou das análises dos exercícios dos alunos e deixou uma marca relevante na história da experiência de ensino. Em abril de 1979, Díaz fez uma palestra no Istituto Universitario di Architettura di Venezia (Iuav) a convite de Rossi e, de passagem por Barcelona, fez uma palestra na Escola Tècnica Superior d’Arquitectura a convite de seu diretor, Oriol Bohigas, onde conheceu Rafael Moneo, Carlos Martí Arís e Daniele Vitale. Em agosto do mesmo ano, Díaz e Solsona apresentaram os primeiros produtos da Escuelita na ii Bienal Internacional de Arquitetura do Chile, onde reencontraram Bohigas e estiveram em contato próximo com os membros do Centro de Estudios de la Arquitectura (Cedla). Entre abril e agosto de 1979, Díaz ainda reencontrou inesperadamente Tarragó Cid, de passagem por Buenos Aires.14 14 Parte dessa circulação pode ser recuperada nas cartas que Díaz enviou a Rossi, particularmente as escritas em 10/1/1979, 30/8/1979 e 29/6/1980, depositadas no Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo (Maxxi), Collezioni Architettura, The Aldo Rossi Archive, em Roma.

Talvez animado por essa intensa circulação de ideias ou pelas duras críticas que Rossi fez ao exercício da avenida de Mayo (que “lhe pareceu estilístico”),15 15 Entrevista inédita com Tony Díaz, concedida a Carlos Rabinovich em 2/1/2013, em Madri. Díaz decidiu contrariar a intenção original da Escuelita, que insistira em refletir sobre a arquitetura “mediante a prática concreta do projeto” (Díaz et al., 1978________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978., p. 3), e propôs um tema de caráter teórico-histórico para o ano de 1979. O produto foi um texto chamado “Buenos Aires: la arquitectura de la ‘manzana’”, assinado por Díaz e feito em colaboração com os arquitetos Juan Carlos Poli, Luis Ibarlucía, Jorge Sarquis e mais de trinta arquitetos ou “alunos-arquitetos” (Díaz, 1981________; ________; ________; ________. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981., p. 104).

Estudando os planos urbanos para a cidade desde o século xvi, a equipe buscava uma “compreensão científica de [sua] realidade arquitetônica”, desvelando as “leis essenciais” da cidade de Buenos Aires (generalizáveis para a Argentina e mesmo para a América Latina) e chegando a “conclusões válidas para uma prática de projeto” (Díaz, 1981________; ________; ________; ________. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981., pp. 98-9). Para Díaz, uma arquitetura só teria relevância cultural se contemplasse supostas leis arquitetônicas de seu território. No caso de Buenos Aires, essas leis estariam atreladas à clareza e à simplicidade geométrica da quadrícula e à repetição potencialmente infinita de sua manzana. Essa busca aproximava Díaz da fase mais estruturalista de Rossi, também preocupado em encontrar leis ou regras projetuais historicamente concatenadas, ainda que, naquele momento, o italiano estivesse deslocando seus interesses para a subjetividade individual do arquiteto. O texto de Díaz também expressava uma preocupação recorrente na cultura arquitetônica do período, interessada em uma possível identidade nacional ou latino-americana para o projeto.

Figura 6
Kavanagh (curso de Solsona).

Figura 7
Casa paisagem (curso de Solsona).

Vale mencionar que “Buenos Aires: la arquitectura de la ‘manzana’” serviu como fundamentação a posteriori para o Barrio Centenario, projeto de 1.289 unidades habitacionais que Díaz vinha desenvolvendo em Santa Fé, estruturado em quadrículas e com uma clara identidade plástica rossiana. Em 1980, texto e projeto o levaram de volta a Barcelona, para o III Seminario Internacional de Arquitectura Contemporánea (Siac), que tinha como tema “la manzana como idea de ciudad” (Martí Arís, 1982Martí Arís, Carlos (org.). La manzana como idea de ciudad: elementos teóricos y propuestas para Barcelona. Barcelona: 2C Ediciones, 1982.). Essa viagem aproximou Díaz definitivamente do Grupo 2c, enquanto havia uma forte recepção espanhola da obra de Rossi. Naquele ano e nos seguintes, mediante doações de empresários da construção civil, foram viabilizadas as visitas de Salvador Tarragó Cid (1980), Álvaro Siza (1982) e Rafael Moneo (1983) à Escuelita, além de uma segunda visita do próprio Rossi (1982). A escolha de convidar os quatro, os únicos que tiveram suas viagens custeadas pela Escuelita (Díaz, 2009________. Tiempo y arquitectura. Buenos Aires: Infinito, 2009., pp. 22-3), não deixa de revelar certo protagonismo de Díaz na experiência de ensino.

No entanto, apesar da abertura intelectual que representaram, a recepção de seus trabalhos era ambígua. Retrospectivamente, Solsona afirma que Díaz “instrumentalizou na Escuelita uma série de exercícios que tentavam adequar as ideias de Rossi ao nosso país” e que, embora o admirasse, lhe “produzia bastante desconfiança o uso desses modelos edilícios tomados em sua maioria do século xix”, seguros demais e, paradoxalmente, “difíceis de usar criativamente” (Solsona; Crispiani, 1997Solsona, Justo; Crispiani, Alejandro. Justo Solsona. Entrevistas: apuntes para una autobiografía. Buenos Aires: Infinito , 1997., p. 105). Liernur, em um debate com outros membros da Escuelita, afirmava que a “pretendida racionalidade [de Rossi] […] tranquiliza consciências” (Liernur, 1979, p. 176). Em uma crítica que claramente se estendia a Díaz, afirmava: “quando alguém pensa que esse desenhinho que se está fazendo, que é uma planta quadrada, resgata as missões jesuíticas e a memória, e a tradição do povo argentino, bem, isso é balsâmico” (Liernur, 1979, p. 176).

PARTIDO: A INTUIÇÃO DE UM GRANDE ARTISTA

Reconhecido como a face pública de um dos mais importantes escritórios de arquitetura da Argentina no período (o MSGSSV, do qual Viñoly também era sócio), Solsona tinha uma perspectiva bastante distinta da de Díaz sobre como a arquitetura deveria ser pensada e produzida. É verdade que Díaz nunca abandonou completamente a noção de partido, mas o núcleo de seus esforços estava no sentido de articular uma teoria explícita (baseada na ideia de tipologia) que incorporasse o historicamente sedimentado, o anônimo e o repetitivo. Solsona, ao contrário, foi um dos grandes difusores da noção de partido na cultura arquitetônica portenha da época, apostando na intuição do arquiteto em sua busca por uma ideia autoral, original e facilmente reconhecível.

Partido, derivado do francês parti pris, é como ficou conhecida a principal estratégia projetual da tradição Beaux-Arts. Ela consiste na adoção, já nas primeiras etapas de projeto, de uma síntese formal capaz de assegurar ordem, clareza e legibilidade a um programa potencialmente complexo (Aliata, 2006Aliata, Fernando. “Lógicas proyectuales. Partido y sistema en la evolución de la arquitectura contemporánea en la Argentina”. Block, n. 7, 2006, pp. 82-8.; Silvestri, 2008________. “Arquitectura argentina: las palabras y las cosas”. Punto de Vista, n. 90, 2008, pp. 3-12.). Na Argentina, a estratégia foi incorporada pelas primeiras gerações de arquitetos modernos e, desde o início dos anos 1960, foi reapropriada para dotar a arquitetura de expressividade no contexto das críticas ao que se entendia como uma decadência tecnocrática da arquitetura moderna.

Em uma entrevista concedida em 1982 sobre os trabalhos realizados na Escuelita, Solsona descreveu seu entendimento sobre a noção de partido, ainda que sem nomeá-lo. Para ele, a memória, as lembranças e as fantasias “atuam de forma combinada e sintética para iniciar o processo de projeto, que pode se manifestar em poucas palavras, em uma ideia, em um desenho-croqui ou em uma sucessão de rabiscos, que terminam definindo os primeiros traços básicos do que depois será o projeto” (Díaz et al., 1982________; Katzenstein, Ernesto; Solsona, Justo. “La Escuelita”. A/mbiente, n. 34, 1982, pp. 31-6., p. 36). Essa combinação sintética, Solsona insistia, dava-se por meio de “operações inconscientes de projeto”, operações que fazem “‘saltar’ do inconsciente uma ideia para o processo criativo” (idem, 1978, p. 24). Mas cujo resultado deveria ser uma proposta “lógica, compreensível, fácil de transmitir” (idem, 1982, p. 36).

A noção de uma operação inconsciente de projeto, que prescinde de uma teoria explícita, ficou registrada por vários membros da Escuelita, particularmente próximos de Solsona, no Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, organizado pela Federación Argentina de Sociedades de Arquitectos (Fasa) e pelo CAyC em 1978. O escritório Ades, Borghini, Grin, Otaola, Otaola, por exemplo, afirmava que a produção do objeto “não tem teoria, desde que se entenda por teoria um conhecimento especulativo ou estrutura racional como fundamento do fazer”, mas “desenvolve-se na busca obsessiva de imagens poéticas” (Ades et al., 1978Ades, Marcelo et al. “Sobre nuestra forma de producción”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais… Buenos Aires: Fasa/CAyC, 1978, p. 3., p. 3). Também Raúl Lier (1978Lier, Raúl. “Notas sobre la práctica del proceso de diseño”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais…Buenos Aires: Fasa/CAyC , 1978, pp. 6-7., p. 6) afirmava que “não pretendemos […] nem a anunciação de um corpo de teorias a qual submetemos nosso trabalho nem tentamos explicar uma doutrina a partir dos objetos”, mas apenas “esclarecer certas condutas semiconscientes de projeto”.

Figura 8
Exercício sobre Le Corbusier (curso de Katzenstein e Liernur).

Tratava-se de uma abordagem que marcou os diversos cursos de Solsona na Escuelita. Em 1977, o exercício de intervenção sobre o edifício Kavanagh pressuponha a adoção de uma ideia claramente identificável e descritível em um curto texto. O título do segundo exercício daquele mesmo ano, “A casa paisagem”, deveria servir como texto sintético a partir do qual iniciar sua concepção. Assim, o partido era buscado na “equivalência entre a clareza das ideias expressadas em palavras e das formas plásticas” (Silvestri, 2008________. “Arquitectura argentina: las palabras y las cosas”. Punto de Vista, n. 90, 2008, pp. 3-12., p. 12), ao mesmo tempo que estimulava o “novo, e mesmo a improvisação” (Solsona; Crispiani, 1997Solsona, Justo; Crispiani, Alejandro. Justo Solsona. Entrevistas: apuntes para una autobiografía. Buenos Aires: Infinito , 1997., p. 106). No entanto, recusando qualquer posicionamento teórico, a abordagem de Solsona tensionava a experiência de ensino. Afinal, Díaz reprovava qualquer atitude “arbitrária e ‘artística’” (Díaz, 1977Díaz, Tony. “Dos introducciones a Agrest-Gandelsonas-Machado-Silvetti”. summarios, n. 13, 1977, pp. 3-4., p. 3) e Liernur a via criticamente como anti-intelectual (Liernur, 1980________. “Correspondencia”. summa, n. 156, 1980, pp. 96-7.).

Alheio aos debates sobre autonomia, tipologia ou morfologia urbana, Solsona começou a incorporar referências ao mercado imobiliário em seus exercícios. Em 1979, ainda sobre a avenida de Mayo, Solsona buscava “soluções possíveis de realizar, codificar e até mesmo comercializar por via privada” (Díaz et al., 1981________; ________; ________; ________. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981., p. 88). Em uma operação tipicamente liberal, o curso se ocupou em viabilizar o financiamento da preservação das edificações históricas da avenida com a renda gerada pela criação de edificações de elevado gabarito em seus fundos.16 16 Entrevista com Justo Solsona, Buenos Aires, 3/7/2019.

No ano seguinte, o arquiteto propôs a criação de um novo bairro de 400 hectares sobre o rio da Prata. Na esteira de um longo debate sobre o aterro da área (Gorelik, 2007Gorelik, Adrián. “The Puerto Madero Competition and Urban Ideas in Buenos Aires in the 1980s”. In: Liernur, Jorge Francisco (org.). Puerto Madero Waterfront. Munich: Prestel, 2007, pp. 62-73.), o bairro deveria seguir um programa de necessidades extremamente detalhado, oposto à recusa funcional de 1977. Ainda que o resultado possa ser encarado como “um catálogo de composição monumental” com sérias limitações urbanas (Fernández, 1982Fernández, Roberto. “Crítica bibliográfica. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981”. Dos Puntos, n. 4, 1982, pp. 58-60., p. 59), são notáveis a ruptura com as certezas do planejamento moderno e a abertura formal que este e outros exercícios propostos por Solsona representaram.

DA FRAGMENTAÇÃO À AUTONOMIA DA HISTÓRIA

Seja pelo manejo da história defendido por Díaz, seja pelo salto criativo por Solsona, evidenciava-se, em ambos, a busca por uma coesão (geométrica ou metafórica) do projeto de arquitetura. Mas a própria possibilidade de coesão também se mostrava objeto de disputa, como se pode observar nos exercícios propostos por Katzenstein e Liernur (1977-78) e, principalmente, por Eduardo Leston e Liernur (1980Leston, Eduardo; Liernur, Jorge Francisco. “Comentarios sobre 10 años de arquitectura”. summa, n. 157, 1980, pp. 53-4.-81).

Os dois primeiros propuseram exercícios baseados nos projetos e pinturas de Le Corbusier. Katzenstein se interessava pelo arquiteto desde o seu período de formação; e Liernur acabara de passar três anos estudando no Iuav (1974-76), sob orientação de Giorgio Ciucci e Manfredo Tafuri, voltando a Buenos Aires marcado pelas leituras tafurianas das vanguardas do entreguerras e dos trabalhos de Peter Eisenman.17 17 Entrevista com Jorge Liernur, São Carlos, 14/9/2016. Apesar da ênfase no desenho e da recusa das dimensões funcionais haverem, aparentemente, unido os quatro cursos iniciais da Escuelita, o catálogo da primeira exposição registra uma abordagem própria nos cursos de Katzenstein e Liernur - recuperável em expressões como “léxico morfofuncional” e “variações sintático-gramaticais” (Díaz et al., 1978________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978., p. 21). O silêncio (ou a negação do semântico) era imposto pela ditadura, mas certamente potencializado pela incapacidade da arquitetura, sob o capitalismo, de afirmar qualquer conteúdo não ideológico (Tafuri, 1974Tafuri, Manfredo. “L’Architecture dans le Boudoir: The Language of Criticism and the Criticism of Language”. Oppositions, n. 3, 1974, pp. 291-316.). Entre a repressão do Estado e os impasses disciplinares, o que restava era explorar o “mais puro hedonismo fechado em si mesmo” (Liernur, 1979________. “La arquitectura de la década del 70”. 1979 [Transcrição não publicada de curso realizado na sede do CAyC; fotocópia depositada no arquivo pessoal de Fernando Aliata]., p. 137), “sem o menor conteúdo moralizante” (idem, 1978, p. 9).

1978 foi o último ano em que Katzenstein atuou diretamente como professor na Escuelita. Entre 1980 e 1981, Liernur ministrou dois cursos em colaboração com o arquiteto Eduardo Leston, que acabara de voltar de um período de estudos na Universidade Harvard - onde acompanhara seminários de o. m. Ungers e Colin Rowe. Ainda que o interesse pela linguística tenha se mantido entre as duas colaborações, os cursos de 1980 e 1981 ampliaram os debates sobre os impasses que a arquitetura vivia internacionalmente. Talvez a tentativa de formular hipóteses para o projeto de arquitetura (de costurar a língua e dizer algo) começasse a parecer possível entre 1980 e 1981, após o período de maior violência de Estado (1976-79), mas antes da abertura acelerada que se iniciou em 1982.

Na parceria de Leston e Liernur surgia uma convergência inesperada entre o interesse de Rowe e Ungers pela fragmentação (expresso nos textos sobre a cidade-colagem e o arquipélago urbano) e a busca por explodir qualquer pretensa unidade dos objetos analisados, reiterada por Tafuri em “O ‘projeto’ histórico” (Rowe; Koetter, 1978Rowe, Colin; Koetter, Fred. Collage City. Cambridge: The MIT Press , 1978.; Tafuri, 1977________. “Il ‘progetto’ storico”. Casabella, n. 429, 1977, pp. 11-8.; Ungers et al., 2013Ungers, Oswald Mathias et al. The City in the City. Berlin: A Green Archipelago. Zurique: Lars Müller, 2013 [1977]. [1977]). Para os cursos da dupla na Escuelita, foram lidos e traduzidos textos de Tafuri, Rowe e Koetter, Demetri Porphyrios e Alan Colquhoun. E foi montado um caderno com exemplos de obras de arquitetura com configurações aparentemente desordenadas, constituídas na acomodação, no contingente e na sobreposição de lógicas e temporalidades.18 18 Leston e Liernur, caderno didático não publicado (arquivo pessoal de Eduardo Leston). Da Vila Adriana ao Sanatório de Paimio, a coleção contestava procedimentos supostamente racionais ou totalizantes. Afinal, para Liernur (1981a, p. 58), era fundamental “admitir o desconcertante sistema de ausências (de centro, fins, conteúdos, princípios, modelos, regras, certezas) que implica o pensamento Moderno”.

Além de exercícios de análise e manipulação formal - em busca das “estruturas profundas”, nas palavras de Leston19 19 Entrevista com Eduardo Leston, Buenos Aires, 12/6/2017. -, foi proposto um exercício de projeto escolar (1980) e de análise e modificação de residências de arquitetos consagrados pela historiografia (1981).20 20 Leston e Liernur, documentos didáticos de 1981 (arquivo pessoal de Eduardo Leston).

A recusa de qualquer unidade, presente nesses exercícios, também pode ser recuperada em diversos textos da dupla (Leston; Liernur, 1980________. “Correspondencia”. summa, n. 156, 1980, pp. 96-7., 1981________. “Del estilo en la arquitectura”. In: Díaz, Tony et al. (orgs.). La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981, pp. 58-61.; Liernur, 1978Liernur, Jorge Francisco. “La disciplina arquitectónica”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais…Buenos Aires: Fasa/CAyC , 1978, pp. 7-9., 1981a________. “¿Post?: Modernismo”. summa, n. 160, 1981a, pp. 45-67., 1981b________. “Previsione e incertezza”. Casabella, n. 474-475, 1981b, pp. 56-8.) e mesmo nos projetos de arquitetura de um escritório fictício, batizado ironicamente de BDDLLRSS, do qual os dois faziam parte (Bonardo et al., 1982Bonardo, Bimba et al. “BDDLLRSS”. A/mbiente, n. 35, 1982, pp. 34-43.). Assim, as posições de Liernur e Leston se opunham frontalmente tanto à busca pela unidade formal pressuposta pela ideia de partido, presente nos trabalhos de Solsona e Viñoly, quanto à busca pela unidade da identidade argentina ou latino-americana que Díaz vinha explorando em seus trabalhos. Além disso, somada à crítica ao que reconheciam como anti-intelectualismo de Solsona, condenavam, tafurianamente, o projeto intelectual de Díaz por sua explícita operatividade da história.

Paralelamente, Liernur começou a realizar uma série de atividades no campo da história da arquitetura. Em 1979, ministrou um curso chamado “A arquitetura da década de 70” (gravado e transcrito pelos alunos) e, em 1981, outro chamado “De Alberti a Le Corbusier”. No mesmo período, iniciou uma pesquisa coletiva sobre o concurso para a Biblioteca Nacional de 1961, no qual Solsona tivera um papel importante. Sabendo que Tafuri visitaria Buenos Aires a convite de Glusberg, Liernur organizou ainda um grupo de leitura para a realização de uma entrevista coletiva com o italiano, que ocorreu em agosto de 1981. Em seguida, esse grupo de jovens arquitetos fundou o Departamento de Análisis Crítico e Histórico (Dach) da Escuelita e começou a organizar pesquisas coletivas, seminários e tradução de textos - em grande parte registrados na revista do departamento, a artesanal Materiales. Sem dúvida, Tafuri se mantinha como a principal referência teórica do grupo, mas também foi fundamental a interlocução com intelectuais de diferentes campos disciplinares, muitos dos quais vinculados à Punto de Vista: Revista de Cultura. Beatriz Sarlo, Hugo Vezzetti, Carlos Altamirano e Jorge Dotti chegaram a ministrar cursos ou seminários para o grupo, discutindo temas de literatura, psicanálise, filosofia e sociologia, e autores como Foucault, Williams e Bourdieu.

Como nos exercícios projetuais de Liernur e Leston, havia uma intenção de desmontar os objetos analisados. Em história, o foco eram as pretensões à unidade da identidade nacional e popular que se observava na maior parte do campo historiográfico argentino - articulado ao redor de figuras como Ramón Gutiérrez e Marina Waisman, do Instituto Argentino de Investigaciones en Historia de la Arquitectura y del Urbanismo (Iaihau) e da revista DANA: Documentos de Arquitectura Nacional y Americana. Naquele contexto, “a tarefa de reconstruir a ‘Pátria Grande’” e a reflexão sobre “a unidade de nosso destino cultural” eram temas comuns em arquitetura (Gutiérrez, 1975Gutiérrez, Ramón. “Presentación”. Dana, n. 3, 1975, p. 4., p. 4). Entre disputas intelectuais e de campo profissional, os jovens vinculados ao Dach acusavam a história predominante de operativa (de modo semelhante à crítica a Díaz), já que estava direcionada ao patrimônio e a um projeto de identidade regional.

Figura 9
Exercício de habitação coletiva (curso de Solsona).

O Dach saiu da Escuelita meses antes que esta encerrasse suas atividades, mudando-se para a Sociedad Central de Arquitectos (SCA) e alterando seu nome para Programa de Estudios Históricos de la Construcción del Habitar. Por diferenças pessoais e de projeto, há quem conteste o real pertencimento das atividades em história (e do grupo de historiadores) à experiência de ensino. Mas, apesar das tensões, disputas e assimetrias de poder, a Escuelita foi o espaço institucional em que esse grupo inicialmente se reuniu, reproduzindo seu logotipo na revista departamental e publicizando suas atividades sob seu nome. Historiadores como Fernando Aliata, Anahí Ballent, Alejandro Crispiani, Mercedes Daguerre, Adrián Gorelik e Graciela Silvestri, além do próprio Liernur, que se encontraram a partir desses espaços, ainda hoje se reconhecem como um “grupo” cuja relação com Tafuri permanece como “coração de [sua] identidade historiográfica” (Aliata et al., 2019Aliata, Fernando et al. “Prólogo”. In: Tafuri, Manfredo et al. (orgs.). Tafuri en Argentina. Santiago: ARQ, 2019, pp. 8-16., p. 15).

LA ESCUELITA, 1983

Um documento interno da Escuelita, provavelmente do início de 1980, registra os esforços para garantir maior estabilidade institucional à experiência de ensino e produzir “uma mudança importante […] em qualidade, quantidade e duração”.21 21 Documento intitulado “Cursos de arquitectura 1980” (arquivo pessoal de Tony Díaz). Até aquele momento, parecia haver uma ambiguidade em institucionalizar a experiência, fruto das incertezas impostas pelo ambiente político e das divergências de interesses de seus membros. Os próprios nomes adotados, Cursos de Arquitectura e La Escuelita, expressam a discrição e a informalidade que, principalmente em seus primeiros anos, os mais violentos da última ditadura, permeavam a experiência de ensino.

Rapidamente a Escuelita alugou uma sede própria - parte do terceiro andar de um edifício residencial na rua Bolívar, n. 485 -, ganhando autonomia do CAyC e encerrando os inevitáveis atritos com Glusberg. Em seu novo espaço, muito mais amplo, multiplicaram-se as atividades da experiência (que incluíram concursos, palestras, publicações e exposições) e o número de alunos, que passou de cerca de trinta em 1977 - em grande parte (ex-)funcionários dos fundadores ou pertencentes a seus círculos profissionais - para cerca de trezentos, “a maioria deles arquitetos”, no momento de seu encerramento (Díaz et al., 1984________; ________; ________. “La Escuelita/comunicado”. summa, n. 197, 1984, pp. 18-9.).

Multiplicou-se também o número de professores que, entre vários ex-alunos, contou com a participação de Sandro Borghini, Edgardo Minond, Jorge Grin, Francisco Otaola, Raúl Lier, Luis Ibarlucía, Juan Carlos Poli, Alvaro Arrese, Hugo Salama, Manuel Glas, Alejandro Delucchi e Jorge Sarquis, além dos já citados Liernur e Leston e de Clorindo Testa e Ignacio Lopatín. A expansão e a divulgação das atividades da Escuelita - e o livro que ela publicou sobre si foi fundamental nesse sentido (Díaz et al., 1981________; ________; ________; ________. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981.) - levaram-na a “ter papéis públicos e privados, a cumprir compromissos sociais e políticos, e a ter seus conflitos e crises” (Díaz, 1999________. “Ernesto Katzenstein y La Escuelita”. In: Katzenstein, Inés (org.). Ernesto Katzenstein Arquitecto. Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 1999, pp. 217-22., p. 218). Em livros, revistas, jornais e cursos, seus produtos foram alternadamente objeto de grandes elogios (frutos de rara reflexão e cultivo do desenho) e críticas mordazes (frutos do formalismo, do elitismo e da falta de engajamento social). Às críticas talvez devêssemos agregar, hoje, o absoluto predomínio masculino da experiência.

Com o crescimento, a falta de coesão da Escuelita também foi se tornando maior e mais explícita. Se “nasceu com a ideia de trabalhar sobre os princípios próprios da Arquitetura” (Díaz et al., 1982________; Katzenstein, Ernesto; Solsona, Justo. “La Escuelita”. A/mbiente, n. 34, 1982, pp. 31-6., p. 35), recusando função e explorando o desenho, é mais difícil encontrar um programa compartilhado em seus anos finais. O próprio caráter experimental da experiência parece se dissolver com a adoção de temas tradicionais no ensino de arquitetura, baseados nos programas funcionais “A casa” (1981) e “Habitação coletiva” (1982). Esse recuo pode ser explicado pelo crescimento da Escuelita, pela progressiva abertura política ou pelo esgotamento de certas experimentações. Na catalã Arquitecturas Bis (que Díaz e Solsona acompanhavam), Oriol Bohigas afirmava: “Com frequência, a ‘arquitetura desenhada’ é outra evasão a respeito da disciplina real como o foram, ainda mais graves, os sociologismos ou economicismos dos anos 1960” (Bohigas; Domènech, 1980Bohigas, Oriol; Domènech, Lluís. “Los mil días de un director: entrevista a Oriol Bohigas”. Arquitecturas Bis, n. 32-33, 1980, pp. 11-4., p. 12). Uma postura distante daquela que o próprio Bohigas, citado por Díaz (1977Díaz, Tony. “Dos introducciones a Agrest-Gandelsonas-Machado-Silvetti”. summarios, n. 13, 1977, pp. 3-4.), valorizava alguns anos antes. Afinal, as reflexões sobre a arquitetura (e sobre as potencialidades de sua autonomia) também se transformavam rapidamente em outros contextos.

Ao longo de 1983, após a derrota de Malvinas e com a redemocratização iminente, a Escuelita preferiu não oferecer cursos. A nota de encerramento das atividades foi escrita apenas em novembro de 1983, imediatamente após as primeiras eleições presidenciais em dez anos, e publicada em março de 1984 na revista summa (n. 197), enquanto Díaz e Solsona assumiam suas cátedras na Universidad de Buenos Aires (UBA). A Escuelita nunca chegou a formalizar cargos institucionais, sempre centrada nas figuras dos quatro fundadores (chamados ironicamente de coronéis ou generais),22 22 Entrevistas de Sandro Borghini concedidas a Luis E. Carranza (6/10/2007) e trechos não editados da entrevista de Jorge Liernur a Jorge Gaggero para o documentário La Escuelita. mesmo após Viñoly migrar para os Estados Unidos e Katzenstein reduzir drasticamente sua participação didática e institucional. Inviabilizada sua incorporação à universidade como um instituto ou pós-graduação, optou-se pelo encerramento das atividades, ainda que sob protesto de alguns. Mas as cátedras de Díaz e Solsona incorporaram grande número de ex-alunos e professores da Escuelita, levando muitos de seus debates para o ensino formal e transformando-se em duas das mais influentes cátedras na recém-criada Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (Fadu). Como lembra Díaz, “este foi outro objetivo da Escuelita que foi se desenvolvendo: formar e manter gente para quando as coisas mudassem” (Díaz, 2000________. “Posmodernismo y dictadura”. Block, n. 5, 2000, pp. 51-3., p. 52). Ao mesmo tempo, apesar das tensões, a Escuelita acabou por tornar-se um espaço de grande prestígio, contribuindo para o posicionamento profissional de vários de seus membros para além do meio universitário.

O encerramento da Escuelita pode ser visto como a frustração de um projeto coletivo, resultado de obstáculos institucionais e divergências entre seus membros, talvez incapazes de reunir interesses tão distintos em um projeto comum. Pode representar também seu sucesso, o fechamento de um ciclo que, com a redemocratização, levaria seus membros de volta às universidades públicas. Em todo caso, a Escuelita deixou marcas significativas na cultura arquitetônica do período, com desdobramentos na formação de arquitetos e na constituição de laços pessoais e profissionais, e permitiu uma exploração de temas contemporâneos (que muitos chamariam de pós-modernos) como em poucos lugares na América Latina. Por fim, não menos importante, serviu de espaço de encontro e sociabilidade nos momentos mais críticos da história recente argentina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Acosta, María Martina. “La Escuelita: paradojas en la construcción de la autonomía disciplinar”. Arquisur, n. 9, 2016, pp. 22-9.
  • Ades, Marcelo et al. “Sobre nuestra forma de producción”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais… Buenos Aires: Fasa/CAyC, 1978, p. 3.
  • Aliata, Fernando. “Lógicas proyectuales. Partido y sistema en la evolución de la arquitectura contemporánea en la Argentina”. Block, n. 7, 2006, pp. 82-8.
  • Aliata, Fernando et al. “Prólogo”. In: Tafuri, Manfredo et al. (orgs.). Tafuri en Argentina. Santiago: ARQ, 2019, pp. 8-16.
  • Bohigas, Oriol; Domènech, Lluís. “Los mil días de un director: entrevista a Oriol Bohigas”. Arquitecturas Bis, n. 32-33, 1980, pp. 11-4.
  • Bonardo, Bimba et al. “BDDLLRSS”. A/mbiente, n. 35, 1982, pp. 34-43.
  • Cravino, Ana. Enseñanza de arquitectura: una aproximación histórica 1901-1955. La inercia del modelo Beaux Arts. Buenos Aires: Nobuko, 2012.
  • Delecave, Jonas. Uma disciplina em crise: disputas pela arquitetura na Escuelita de Buenos Aires (1976-1983). Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: FAU/Universidade de São Paulo, 2020a.
  • ________. “¿Cuál La Escuelita? Silencio, fragmentación y denuncia en los talleres de Ernesto Katzenstein, Francisco Liernur y Eduardo Leston (1977-1981)”. Registros, v. XVI, n. 2, 2020b, pp. 124-50.
  • Díaz, Tony. “Dos introducciones a Agrest-Gandelsonas-Machado-Silvetti”. summarios, n. 13, 1977, pp. 3-4.
  • ________. “Buenos Aires: La arquitectura de la ‘manzana’”. In: Díaz, Tony; Katzenstein, Ernesto; Solsona, Justo; Viñoly, Rafael (orgs.) La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981, pp. 98-105.
  • ________. “Ernesto Katzenstein y La Escuelita”. In: Katzenstein, Inés (org.). Ernesto Katzenstein Arquitecto. Buenos Aires: Fondo Nacional de las Artes, 1999, pp. 217-22.
  • ________. “Posmodernismo y dictadura”. Block, n. 5, 2000, pp. 51-3.
  • ________. Tiempo y arquitectura. Buenos Aires: Infinito, 2009.
  • ________; Katzenstein, Ernesto; Solsona, Justo. “La Escuelita”. A/mbiente, n. 34, 1982, pp. 31-6.
  • ________; ________; ________. “La Escuelita/comunicado”. summa, n. 197, 1984, pp. 18-9.
  • ________; ________; ________; Viñoly, Rafael. Cursos de arquitectura 77: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1978.
  • ________; ________; ________; ________. Cursos de arquitectura 78: exhibición en el CAyC. Buenos Aires: CAyC, 1979.
  • ________; ________; ________; ________. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981.
  • Durante, María Eugenia. “¿La Facultad está en crisis? ¿La arquitectura está en crisis? ¿El país está en crisis?: Radicalización política en la facultad de arquitectura de Buenos Aires en los años setenta”. Registros, v. XVI, n. 2, 2020, pp. 106-23.
  • Fernández, Roberto. “Crítica bibliográfica. La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981”. Dos Puntos, n. 4, 1982, pp. 58-60.
  • Gorelik, Adrián. “The Puerto Madero Competition and Urban Ideas in Buenos Aires in the 1980s”. In: Liernur, Jorge Francisco (org.). Puerto Madero Waterfront. Munich: Prestel, 2007, pp. 62-73.
  • ________; Silvestri, Graciela. “Invierno argentino del 81: ¿qué Argentina?”. In: Tafuri, Manfredo et al. (orgs.). Tafuri en Argentina. Santiago: ARQ, 2019, pp. 118-47.
  • Gutiérrez, Ramón. “Presentación”. Dana, n. 3, 1975, p. 4.
  • Kauffman, Jordan. Drawing on Architecture: The Objects of Lines, 1970-1990. Cambridge: The MIT Press, 2018.
  • Kogan, Carolina. “El diseño como colección intencionada de arquitectura: el proyecto en los talleres que Tony Díaz dirigió en La Escuelita y en la nueva Fadu (1976-1987)”. Estudios del Hábitat, v. 15, n. 1, 2017, pp. 1-24.
  • Leston, Eduardo; Liernur, Jorge Francisco. “Comentarios sobre 10 años de arquitectura”. summa, n. 157, 1980, pp. 53-4.
  • ________. “Del estilo en la arquitectura”. In: Díaz, Tony et al. (orgs.). La Escuelita: 5 años de enseñanza alternativa de arquitectura en la Argentina, 1976-1981. Buenos Aires: Espacio Editora, 1981, pp. 58-61.
  • Lier, Raúl. “Notas sobre la práctica del proceso de diseño”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais…Buenos Aires: Fasa/CAyC , 1978, pp. 6-7.
  • Liernur, Jorge Francisco. “La disciplina arquitectónica”. Primer Encuentro de Jóvenes Arquitectos, Anais…Buenos Aires: Fasa/CAyC , 1978, pp. 7-9.
  • ________. “La arquitectura de la década del 70”. 1979 [Transcrição não publicada de curso realizado na sede do CAyC; fotocópia depositada no arquivo pessoal de Fernando Aliata].
  • ________. “Correspondencia”. summa, n. 156, 1980, pp. 96-7.
  • ________. “¿Post?: Modernismo”. summa, n. 160, 1981a, pp. 45-67.
  • ________. “Previsione e incertezza”. Casabella, n. 474-475, 1981b, pp. 56-8.
  • ________. Arquitectura en la Argentina del siglo XX: la construcción de la modernidad. Buenos Aires: Fondo Nacional de la Artes, 2001.
  • ________; Gentile, Eduardo; Bonicatto, Virginia. “El historiador como productor: entrevista a Jorge Francisco Liernur”. Registros, v. XVI, n. 2, 2020, pp. 176-92.
  • Malecki, Juan Sebastián. “¿Una arquitectura imposible? Arquitectura y política en el Taller Total de Córdoba, 1970-1975”. Prismas, Revista de Historia Intelectual, n. 22, 2018, pp. 95-115.
  • Martí Arís, Carlos (org.). La manzana como idea de ciudad: elementos teóricos y propuestas para Barcelona. Barcelona: 2C Ediciones, 1982.
  • Plotquin, Silvio. “La Escuelita: bastión, coordenada y cantera”. Plot, n. 33, 2016, pp. 174-7.
  • Rowe, Colin; Koetter, Fred. Collage City. Cambridge: The MIT Press , 1978.
  • Shmidt, Claudia; Silvestri, Graciela; Rojas, Monica. “Enseñanza de arquitectura”. In: Liernur, Jorge Francisco; Aliata, Fernando (orgs.). Diccionario de arquitectura en la Argentina: estilos, obras, biografías, instituciones, ciudades. Buenos Aires: Agea, 2004, v. 3 (e-h), pp. 32-44.
  • Silvestri, Graciela. “Apariencia y verdad: reflexiones sobre obras, testimonios y documentos de arquitectura producidos durante la dictadura militar en la Argentina”. Block, n. 5, 2000, pp. 38-53.
  • ________. “Arquitectura argentina: las palabras y las cosas”. Punto de Vista, n. 90, 2008, pp. 3-12.
  • Solsona, Justo; Crispiani, Alejandro. Justo Solsona. Entrevistas: apuntes para una autobiografía. Buenos Aires: Infinito , 1997.
  • Tafuri, Manfredo. “L’Architecture dans le Boudoir: The Language of Criticism and the Criticism of Language”. Oppositions, n. 3, 1974, pp. 291-316.
  • ________. “Les cendres de Jefferson”. Architecture d’Aujourd’hui, n. 186, 1976, pp. 53-8.
  • ________. “Il ‘progetto’ storico”. Casabella, n. 429, 1977, pp. 11-8.
  • Ungers, Oswald Mathias et al. The City in the City. Berlin: A Green Archipelago. Zurique: Lars Müller, 2013 [1977].
  • Viñoly, Rafael. “Letters”. Oppositions, n. 3, 1974, pp. 112-3.
  • ________. Rafael Viñoly. Basileia: Birkhäuser, 2002.
  • Waisman, Marina. “Editoral”. summarios, n. 13, 1977, p. 2.
  • 1
    Este artigo é resultado de minha pesquisa de doutorado na FAU-USP, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processos n. 2016/22985-7 e 2018/09282-2, sob orientação dos professores José Lira e Claudia Shmidt.
  • 2
    Entrevista com Justo Solsona, Buenos Aires, 3/7/2019.
  • 3
    Essa quantia equivalia na época a 27 dólares. Como referência, a revista summa, na qual foram divulgados os primeiros cursos (em abril de 1977), era vendida a 1.200 pesos.
  • 4
    Calendário de atividades de 1977, depositado no arquivo pessoal de Tony Díaz, em Madri, acessado por meio da Cátedra Libre Antonio Díaz da Fadu/UBA.
  • 5
    Com apoio financeiro da Fapesp, foi possível catalogar e digitalizar 340 negativos de fotografias de exercícios da Escuelita, principalmente de 1977 a 1978, feitas pelo fotógrafo Alejandro Leveratto para as exposições no CAyC. As imagens deste artigo que são reproduções do acervo de Laveratto estão identificadas com o código AAL.
  • 6
    Veiculado na revista summa, n. 111, 1977, s. n.
  • 7
    Há uma larga bibliografia sobre o tema. Ver, por exemplo, Architecture Philosophy, v. I, n. 2, 2015, e v. II, n. 1, 2016.
  • 8
    Entrevistas com Diana Agrest (Nova York, 3/10/2018) e Mario Gandelsonas (Nova Jersey, 9/10/2018).
  • 9
    A ausência de relações entre Iaus e Escuelita (para além da circulação de Viñoly, Agrest e Gandelsonas) foi confirmada em entrevistas também com Joan Ockman (Nova York, 13/12/2018) e Kenneth Frampton (Nova York, 19/12/2018) e parece corroborada pela ausência de menções à Escuelita nos arquivos do Iaus (depositados no Centro Canadense de Arquitetura) e ao Iaus nos diferentes arquivos pessoais de membros da Escuelita.
  • 10
    Entrevistas com Jorge Liernur (São Carlos, 14/9/2016), Justo Solsona (Buenos Aires, 3/7/2019) e Rafael Viñoly (Nova York, 18/10/2018).
  • 11
    Apresentação de Peter Eisenman à palestra Aspects of the American Fifties, no Iaus, em 21/10/1976. Audiocassete ARCH 252127, Centro Canadense de Arquitetura (CCA), Montreal.
  • 12
    Depoimento de Liernur disponível em “La Escuelita por Francisco Liernur”: <https://vimeo.com/201908542>. Acesso em 21/5/2021.
  • 13
    Bibliografia do curso de 1978 (arquivo pessoal de Tony Díaz).
  • 14
    Parte dessa circulação pode ser recuperada nas cartas que Díaz enviou a Rossi, particularmente as escritas em 10/1/1979, 30/8/1979 e 29/6/1980, depositadas no Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo (Maxxi), Collezioni Architettura, The Aldo Rossi Archive, em Roma.
  • 15
    Entrevista inédita com Tony Díaz, concedida a Carlos Rabinovich em 2/1/2013, em Madri.
  • 16
    Entrevista com Justo Solsona, Buenos Aires, 3/7/2019.
  • 17
    Entrevista com Jorge Liernur, São Carlos, 14/9/2016.
  • 18
    Leston e Liernur, caderno didático não publicado (arquivo pessoal de Eduardo Leston).
  • 19
    Entrevista com Eduardo Leston, Buenos Aires, 12/6/2017.
  • 20
    Leston e Liernur, documentos didáticos de 1981 (arquivo pessoal de Eduardo Leston).
  • 21
    Documento intitulado “Cursos de arquitectura 1980” (arquivo pessoal de Tony Díaz).
  • 22
    Entrevistas de Sandro Borghini concedidas a Luis E. Carranza (6/10/2007) e trechos não editados da entrevista de Jorge Liernur a Jorge Gaggero para o documentário La Escuelita.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2021
  • Aceito
    24 Out 2021
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br