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Uma análise sobre a estrutura de competição dos setores de acordo com a intensidade tecnológica

An analysis of the competition structure of the sectors according to the technological intensity

Resumo

O objetivo deste estudo é enfatizar a importância das estruturas de competição nos diferentes setores de acordo com a intensidade tecnológica e com as importantes teorias de Melitz (2003) e Baldwin e Harrigan (2011). Utilizando dados dos 70 principais exportadores e importadores, estimamos a relação entre vantagem comparativa e a qualidade/preço dos produtos comercializados por meio de cross-sections para os anos de 2008 e 2017. Conforme as evidências encontradas, países que exibem vantagem comparativa sobre produtos com maior conteúdo tecnológico conseguem transformar essa vantagem em avanço tecnológico e produtivo, de forma a aumentar a qualidade de seus produtos. Por outro lado, países que exibem vantagem comparativa sobre produtos com menor conteúdo tecnológico investem em melhoria produtiva com o intuito de diminuir seus custos marginais e, portanto, competem no mercado internacional por meio de menores preços.

Palavras-chave:
vantagem comparativa revelada; competitividade; qualidade das exportações; preço dos produtos

Abstract

The purpose of this paper is to emphasize the importance of competition structures in different sectors according to technological intensity, following the important theories of Melitz (2003) and Baldwin and Harrigan (2011). Using data from the 70 main exporters and importers, we estimated the relationship between comparative advantage and the quality/price of products sold through cross-sections between 2008 and 2017. We found evidence that countries that exhibit comparative advantage over products with higher technological content are able to transform this advantage into technological and productive advancement in order to increase the quality of their products. On the other hand, the evidence points out that countries that exhibit comparative advantage over products with lower technological content invest in productive improvement in order to reduce their marginal costs and, therefore, compete in the international market through lower prices.

Keywords:
revealed comparative advantage; competitiveness; quality of exports; price of products

1 Introdução

Nas últimas décadas tem-se assistido a um avanço substancial nos modelos de firmas heterogêneas desde o trabalho de Krugman (1981KRUGMAN, P. R. Intraindustry specialization and the gains from trade. Journal of Political Economy, v. 89, n. 5, p. 959-973, 1981.), no qual o autor incorpora diferenças de produtividade das firmas e evidencia que grande parte do comércio mundial possui caráter intraindustrial. Em avanço ao modelo de Krugman (1981), Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
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) relaciona a produtividade das firmas com o comércio internacional. Para o autor, empresas com maior produtividade têm custos marginais mais baixos, são capazes de cobrar menores preços e, por isso, obtêm maiores receitas.

Em Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.) e Johnson (2012JOHNSON, R. C. Trade and prices with heterogeneous firms. Journal of International Economics, v. 86, n. 1, p. 43-56, 2012.) são incorporados outros aspectos relacionados à competição, como a qualidade dos produtos. Para eles os consumidores se preocupam com a qualidade e, portanto, as empresas produzem variedades diferenciadas de produtos. O aumento dos valores unitários com a distância pode ser explicado pela autosseleção de firmas heterogêneas entre destinos, isto é, apenas produtores que ofertam produtos de maior qualidade conseguiriam acessar mercados mais distantes.

Grande parte da produção industrial atualmente tem sido caracterizada por uma estrutura de competição oligopolista, na qual não se verifica uma competição agressiva via preços. À medida que os países ficam mais ricos ao longo do tempo, tende a haver uma mudança de ênfase dentro dos setores para a novidade, qualidade e confiabilidade do produto e, em geral, para produtos de alto valor agregado para os quais fatores não relacionados ao preço são extremamente importantes. Esse tipo de estrutura de competição é chamado de "concorrência de qualidade" (Mccombie; Thirlwall, 1994MCCOMBIE, J. S. L.; THIRLWALL, A. P. Economic Growth and the Balance-of-Payments Constraint. New York: ST. Martin’s Press, 1994.).

Vandenbussche (2014VANDENBUSSCHE, H. Quality in exports. Directorate General Economic and Financial Affairs (DG ECFIN), European Commission, 2014.) sugere que a qualidade dos produtos exportados oferece oportunidade para que empresas e países escapem à concorrência de custos, porque a melhoria na qualidade está associada com uma maior disposição a pagar dos consumidores. Os principais resultados de estudos recentes referem-se ao aumento da qualidade das exportações de países com maior acesso ao mercado importador de parceiros comerciais, principalmente devido ao aumento da competitividade de seus produtos no comércio. Além disso, associam produtos de melhor qualidade a maior produtividade, melhores salários, maiores preços de mercadorias e renda, resultando em uma possível melhoria nos termos de troca.1 1 Ver Brooks (2006), Verhoogen (2008), Bastos e Silva (2010), Vanderbussche (2014), Jaimovich e Merella (2015), Manova e Yu (2017). Pesquisas recentes constataram que os países mais ricos exportam bens de melhor qualidade (Schott, 2004SCHOTT, P. K. Across-product versus within-product specialization in international trade. The Quarterly Journal of Economics, v. 119, n. 2, p. 647-678, 2004.; Hummels; Klenow, 2005HUMMELS, D.; KLENOW, P. J. The variety and quality of a nation's exports. American Economic Review, v. 95, n. 3, p. 704-723, 2005.; Hallak; Schott, 2011HALLAK, J. C.; SCHOTT, Peter K. Estimating cross-country differences in product quality. The Quarterly Journal of Economics, v. 126, n. 1, p. 417-474, 2011.) e têm consumidores com maior inclinação a pagar por esses produtos e, portanto, também importam bens de melhor qualidade (Hallak, 2006; Fieler, 2012FIELER, A. C. Quality differentiation in international trade: theory and evidence. University of Pennsylvania, 2012. (Mimeo).; Crinò; Epifani, 2012CRINÒ, R.; EPIFANI, P. Productivity, quality and export behaviour. The Economic Journal, v. 122, n. 565, p. 1.206-1.243, 2012.).

A ideia das diferenças relativas de produtividade entre os países utilizada neste estudo é baseada na teoria do comércio ricardiana, por meio da concepção de vantagem comparativa revelada (VCR). A definição clássica de vantagens comparativas postula que os padrões de comércio entre os países são determinados por suas diferenças relativas nas tecnologias de produção, que podem ocorrer por diferentes fatores. A fundamentação teórica e as medidas empíricas de vantagem comparativa há muito são analisadas pelos economistas do comércio. O interesse na pesquisa empírica para detectar e quantificar as fontes de vantagens comparativas em termos de diferenças tecnológicas e dotações de fatores foi renovado com o artigo seminal de Eaton e Kortum (2002EATON, J.; KORTUM, S. Technology, geography, and trade. Econometrica, v. 70, n. 5, p. 1.741-1.779, 2002.). A partir disso, Costinot et al. (2012COSTINOT, A.; DONALDSON, D.; KOMUNJER, I. What goods do countries trade? A quantitative exploration of Ricardo's ideas. The Review of Economic Studies, v. 79, n. 2, p. 581-608, 2012.), Romalis (2004ROMALIS, J. Factor proportions and the structure of commodity trade. American Economic Review, v. 94, n. 1, p. 67-97, 2004.) e Chor (2010CHOR, D. Unpacking sources of comparative advantage: A quantitative approach. Journal of International Economics, v. 82, n. 2, p. 152-167, 2010.) são importantes trabalhos nesse sentido.

Segundo Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016), empresas em um país com vantagem comparativa em um setor tendem a ser mais produtivas globalmente e, portanto, produzem bens de maior qualidade. Jaimovich e Merella (2015JAIMOVICH, E.; MERELLA, V. Love for quality, comparative advantage, and trade. Journal of International Economics, v. 97, n. 2, p. 376-391, 2015.) destacaram que a vantagem comparativa é fortalecida à medida que aumenta a qualidade do produto. Para Crinò e Epifani (2012CRINÒ, R.; EPIFANI, P. Productivity, quality and export behaviour. The Economic Journal, v. 122, n. 565, p. 1.206-1.243, 2012.), a melhoria da qualidade pode ser um pré-requisito para o acesso efetivo aos mercados dos países mais ricos. Nesse sentido, quando uma empresa vende produtos de melhor qualidade, pode chegar a mercados mais distantes, ou seja, mais difíceis de penetrar, conforme evidenciado em Bastos e Silva (2010BASTOS, P.; SILVA, J. Journal of International Economics, v. 82, n. 2, p. 99-111, 2010.), Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), Johnson (2012JOHNSON, R. C. Trade and prices with heterogeneous firms. Journal of International Economics, v. 86, n. 1, p. 43-56, 2012.) e Verhoogen (2008VERHOOGEN, E. A. Trade, quality upgrading, and wage inequality in the Mexican manufacturing sector. The Quarterly Journal of Economics, v. 123, n. 2, p. 489-530, 2008.).

Dessa forma, acreditamos que produtos com conteúdo tecnológico diferentes competem de maneiras divergentes no mercado internacional. Os produtos que demandam menor tecnologia e que são bens mais homogêneos parecem competir pelo menor preço. Já produtos com maior conteúdo tecnológico conseguem se diferenciar tecnologicamente uns dos outros e podem se distinguir por meio da qualidade e, portanto, parecem competir por meio do preço ajustado à qualidade. Kravis & Lipsey (1971KRAVIS, I. B.; LIPSEY, R. E. Price Competitiveness in World Trade. New York: National Bureau of Economics Research, 1971.) demonstram que produtos básicos estão mais suscetíveis à competição preço do que produtos manufaturados, que apresentam maior diferenciação. Conforme Aiginger (1997AIGINGER, Karl. The use of unit values to discriminate between price and quality competition. Cambridge Journal of Economics, v. 21, n. 5, p. 571-592, 1997.), o “valor unitário” pode, por um lado, ser comparado aos conceitos de produtividade e qualidade, e, por outro, ao conceito de preço e custos, dependendo das especificidades e qualificações.

A vantagem comparativa depende de diferenças de tecnologia e de produtividade não observáveis. Para operacionalizar esse conceito, ele foi reformulado através de índices que levam em conta a especialização relativa à exportação (Vollrath, 1991VOLLRATH, T. L. A theoretical evaluation of alternative trade intensity measures of revealed comparative advantage. Weltwirtschaftliches Archiv, v. 127, n. 2, p. 265-280, 1991.; Yu et al., 2009YU, R.; CAI, J.; LEUNG, P. S. The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, v. 43, n. 1, p. 267-282, 2009.; Leromain; Orefice, 2014LEROMAIN, E.; OREFICE, G. New revealed comparative advantage index: dataset and empirical distribution. International Economics, v. 139, p. 48-70, 2014.; Gnidchenko; Salnikov, 2015GNIDCHENKO, A.; SALNIKOV, V. Net comparative advantage index: Overcoming the drawbacks of the existing indices. Higher School of Economics Research Paper No. WP BRP, v. 119, 2015.; Laursen, 2015LAURSEN, K. Revealed comparative advantage and the alternatives as measures of international specialization. Eurasian Business Review, v. 5, n. 1, p. 99-115, 2015.). No entanto, cada um possui vantagens e desvantagens em relação a vários aspectos. Estimamos a VCR utilizando cinco índices; revelando-se, que os resultados obtidos são consistentes independentemente da medida escolhida.

Neste artigo, enfatizamos a importância das diferentes maneiras de competição entre os distintos setores. Enquanto um modelo acredita que a competição ocorra por meio da diminuição do preço (Melitz, 2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
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), o outro, em contrapartida, considera que ela acontece através do aumento na qualidade - e nos preços (Baldwin; Harrigan, 2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.). Dado que a literatura sobre o tema não considera a separação dos bens de acordo com suas características e/ou potencial tecnológico, esse é um dos avanços deste estudo. Acreditamos que as duas teorias - competição via preço ou qualidade - se adaptam à realidade de maneiras diferentes. À vista disso, para os resultados obtidos por este trabalho, os modelos de competitividade precisam considerar o potencial tecnológico de cada bem transacionado. Se os custos de produção aumentam quando um setor possui vantagem comparativa, isso é importante para determinar o padrão de comércio internacional, bem como influencia as políticas do governo para promover a competitividade das empresas. Um dos motivos pelos quais os países no processo de desenvolvimento transformam suas estruturas produtivas para produtos com maior conteúdo tecnológico é que são bens que, com base nos resultados do artigo, competem por meio de qualidade e obtêm um preço maior por cada produto.

Utilizamos dados dos 70 principais exportadores e importadores, correspondendo a cerca de 90% do comércio mundial, com estimações em cross-section de 2008 a 2017 para produtos industrializados. Para desagregar essa análise estimamos os diferentes fatores que afetam a qualidade das exportações considerando dois grupos de produtos, divididos por intensidade tecnológica - produtos de baixa e alta tecnologia - e por quantis de preço/qualidade. Assim, é possível incluir, para uma melhor compreensão, vários cenários considerando características diferentes para cada desagregação.

O restante do artigo está organizado da seguinte forma. Na segunda seção, apresentamos a teoria que embasa o estudo. Na terceira seção, explicamos a metodologia, enquanto na quarta mostramos os resultados e a discussão. Finalmente, na quinta seção, concluímos.

2 Competição via preço e qualidade

2.1 Competição via preço em um modelo com vantagens comparativas

Nesta seção, explicamos o modelo de concorrência via preço, incorporando a vantagem comparativa do tipo ricardiana em um padrão de firmas heterogêneas, como encontrado em Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
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) e Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.).

As preferências de um consumidor representativo de um país i são dadas por uma função de utilidade do tipo CES em uma quantidade de mercadorias ω.

U i = ( ω Ω [ x i ( ω ) ] ρ d ω ) 1 / ρ (1)

Onde o conjunto Ω representa todos os bens disponíveis; xi(ω) representa a quantidade da variedade ω. Dadas as preferências, temos a receita de uma variedade enviada do país i para o mercado externo d relacionada com o índice agregado de preços de consumo e o total de gastos no mercado de destino d. Com algumas manipulações, que podem ser encontradas em Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.), obteve-se o custo total das empresas no país i no setor k:

T C i k ( α ) = f i w i + α w i T i k x i ( α ) (2)

considerou-se que α é a quantidade de trabalho necessária para produzir uma unidade física do produto exportado, sendo um parâmetro específico da empresa. Além disso, a produtividade do trabalho das empresas é afetada por uma vantagem comparativa do tipo ricardiana, que é dada pela tecnologia comum das empresas no país i no setor k, representada por CAik; fi é o custo fixo e wi é a taxa salarial no país i. Assumindo-se um ambiente de concorrência monopolista, o preço ideal de uma empresa é proporcional ao seu custo marginal e, portanto, o preço cobrado pelas empresas em um país i é pi=(σσ1)(αwi/CAik). Como a competição é apenas via preço, as empresas com α mais baixo são as mais competitivas e lucrativas. Assim, o preço de exportação de uma empresa com a do país i para o mercado de destino d é: pid(α)=(σσ1)τid(αwi/CAik), em que τid é o custo variável.

Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.), ao definir que empresas abaixo de um αidk* são rentáveis ​​o suficiente para enviar seus produtos no destino d -, estabelece um limite de requisito de mão de obra unitária utilizada. O autor, portanto, considera que a vantagem comparativa CAik tem dois efeitos opostos na média do preço unitário de exportação: (i) um efeito positivo por meio do aumento da produtividade inversa αidk* (efeito de autosseleção das empresas); (ii) um efeito negativo pela redução dos custos de produção de todas as empresas do país i do setor k.

Quando um país i tem uma vantagem comparativa, mais firmas com um relativamente alto αidk*- ou seja, relativamente menos produtivas -, podem conseguir exportar para mercados estrangeiros, de modo que a média do valor unitário nesse país aumentará. Por outro lado, uma maior vantagem comparativa, CAik, implica que todas as empresas produtoras fiquem mais produtivas, reduzindo, assim, seus preços (como observado pela equação de preço).

Para Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.), o efeito positivo anterior da vantagem comparativa na média do valor unitário será exatamente compensado pelo último efeito negativo, portanto não há influência da vantagem comparativa na média do valor unitário de exportação. É preciso ressaltar que a vantagem comparativa exerce efeito direto sobre o preço das exportações: pid(α)=(σσ1)τid(αwi/CAik). Enquanto, sob outra perspectiva, a influência de CAik sobre αidk* é secundária, fazendo com que apenas algumas firmas menos produtivas se insiram no mercado internacional. A entrada dessas empresas possui um efeito menor do que a queda geral de custo marginal de todas as firmas daquele setor (o efeito direto), resultando em uma diminuição no preço unitário de exportação e melhorando a competitividade internacionalmente, à medida que seus custos marginais também se reduzem com maior produtividade.

2.2 Competição via qualidade em um modelo com vantagens comparativas

No modelo de Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
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), as firmas que conseguem produzir com preço mais baixo (competição via preço), isto é, as que têm maior produtividade, serão as mais competitivas. Porém, esse modelo não foi capaz de explicar a relação positiva entre o preço unitário e a distância dos mercados. Dessa forma, Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), mantendo a heterogeneidade na produtividade das empresas do modelo de Melitz (2003), introduzem a diferenciação em termos de qualidade do produto. Nesta seção utilizamos um modelo que considera a heterogeneidade da firma, introduzindo a qualidade com a vantagem comparativa do tipo ricardiano, baseado em Melitz (2003), Baldwin e Harrigan (2011) e Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.).

Conforme Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), há duas mudanças principais: uma no lado da demanda (os consumidores agora se preocupam com a qualidade) e uma no lado da oferta (as empresas produzem variedades de produtos com qualidades diferentes). Diferentemente dos bens da seção anterior - os quais são mais homogêneos -, estamos nos referindo a produtos k que conseguem se diferenciar uns dos outros.

A função de utilidade do consumidor representativo assume a preferência CES sobre o consumo de variedades diferenciadas:

U i = ( ω ϵ Ω i [ q i ( ω ) x i ( ω ) ] σ 1 σ d ω ) σ / ( σ 1 ) (3)

ω denota uma variedade individual no conjunto potencial Ωi das variedades disponíveis no país; i. σ> 1 a elasticidade da substituição entre variedades; qi (ω) e xi (ω) denotam qualidade e quantidade da variedade ω, respectivamente. Encontram-se a função de demanda correspondente e o preço ajustado pela qualidade da variedade ω, que pode ser verificado em Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.).

Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.) considera que cada variedade do bem diferenciado verticalmente é produzida por uma empresa monopolisticamente competitiva. O custo unitário específico da empresa a é a quantidade de trabalho necessária para produzir uma unidade física de produção.

Seguindo Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), assumimos que a qualidade do produto qi de uma empresa esteja positivamente correlacionada com o seu custo marginal αωi. Isso significa que o produto de maior qualidade possui um custo marginal mais alto. As empresas de um país com vantagem comparativa usam sua vantagem técnica para melhorar a qualidade de suas variedades, em vez de reduzir os custos de produção. Podemos pensar em CAik como o nível de conhecimento específico do país dentro do setor k (por exemplo, tecnologia), que está relacionado à melhoria na qualidade do produto. Consideramos que o preço doméstico das empresas com a é:

p i ( α ) = ( σ σ 1 ) α ω i (4)

Observe que o preço não depende do índice de vantagem comparativa CAik. Em vez de baixar os preços, as empresas de um país com vantagem comparativa tendem a melhorar a qualidade do produto.

Para Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.), após encontrar o corte de produtividade α, aumentos no grau de vantagem comparativa CAik permitem que empresas menos competitivas entrem no mercado externo. Nesse sentido, há um declínio do preço unitário médio de exportação. Isso significa que o valor médio da unidade de exportação varia com o grau de vantagem comparativa do exportador devido à autosseleção das empresas no mercado de exportação (empresas com produtos de baixa qualidade entrando no mercado de exportação).

Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.) não leva em consideração o efeito direto que o aumento do custo marginal exerce sobre o preço dos produtos de todas as firmas - e não só uma autosseleção que atinge algumas. As empresas de um país com vantagem comparativa utilizam sua vantagem técnica para melhorar a qualidade de suas variedades de produtos, em vez de reduzir os custos de produção, utilizando, portanto, insumos de maior qualidade. Como em Brambilla e Porto (2016BRAMBILLA, I.; PORTO, G. G. High-income export destinations, quality and wages. Journal of International Economics, v. 98, p. 21-35, 2016.), os países que exportam bens de alto padrão pagam salários mais altos. A ideia básica é que a produção de qualidade requer insumos de maior qualidade (incluindo mão de obra e insumos intermediários), que são mais caros de comprar. Assim, a vantagem comparativa no setor k no país i faz com que se eleve a qualidade do produto e, como consequência, há aumento no preço do bem.

Aiginger (1997AIGINGER, Karl. The use of unit values to discriminate between price and quality competition. Cambridge Journal of Economics, v. 21, n. 5, p. 571-592, 1997.) discute sobre o impacto da inovação no valor unitário dos bens. Para o autor, existem dois impactos, um do lado da oferta e outro pela demanda. O resultado combinado, no entanto, provavelmente tenderá ao aumento do valor unitário, uma vez que o efeito sobre o efeito do lado do custo é ambíguo, enquanto o efeito da demanda é inequivocamente positivo (aumento da avaliação do consumidor).

2.3 Revisão da literatura empírica sobre qualidade

A maioria dos artigos que abordam a qualidade das exportações procuram identificar padrões entre os países e empresas com a comercialização de produtos de maior qualidade (maior preço unitário) (Schott, 2004SCHOTT, P. K. Across-product versus within-product specialization in international trade. The Quarterly Journal of Economics, v. 119, n. 2, p. 647-678, 2004.; Hummel; Klenow, 2005; Hallak, 2006HALLAK, J. C. Product quality and the direction of trade. Journal of International Economics, v. 68, n. 1, p. 238-265, 2006.; Hallak; Schott, 2011; Fieler, 2012FIELER, A. C. Quality differentiation in international trade: theory and evidence. University of Pennsylvania, 2012. (Mimeo).; Crinò; Epifani, 2012CRINÒ, R.; EPIFANI, P. Productivity, quality and export behaviour. The Economic Journal, v. 122, n. 565, p. 1.206-1.243, 2012.; Brambilla; Porto, 2016BRAMBILLA, I.; PORTO, G. G. High-income export destinations, quality and wages. Journal of International Economics, v. 98, p. 21-35, 2016.). Alguns poucos artigos procuram relacionar os índices de vantagem comparativa com a qualidade/preço dos produtos exportados. Khandelwal (2010KHANDELWAL, A. The long and short (of) quality ladders. The Review of Economic Studies, v. 77, n. 4, p. 1.450-1.476, 2010.), Jaimovich e Merella (2015JAIMOVICH, E.; MERELLA, V. Love for quality, comparative advantage, and trade. Journal of International Economics, v. 97, n. 2, p. 376-391, 2015.), Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016) e Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.) buscam relacionar a vantagem de um país produzir determinados bens com o aumento da qualidade dos respectivos bens no mercado internacional.

Tabela 1
Literatura sobre vantagem comparativa e qualidade

Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
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) e Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.) oferecem relevância teórica por trás dos diferenciais de competitividade via preços e qualidade. Os autores trazem microfundamentos teóricos que conferem a base teórica dos resultados encontrados no artigo - competitividade via preço e qualidade.

Entretanto, como é possível inferir pela Tabela 1, nenhum dos trabalhos apontados faz a separação da competição ou da análise da qualidade dos produtos exportados a partir da intensidade tecnológica desses bens. As análises de Khandelwal (2010KHANDELWAL, A. The long and short (of) quality ladders. The Review of Economic Studies, v. 77, n. 4, p. 1.450-1.476, 2010.), Jaimovich e Merella (2015JAIMOVICH, E.; MERELLA, V. Love for quality, comparative advantage, and trade. Journal of International Economics, v. 97, n. 2, p. 376-391, 2015.), Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016) e Whang (2017WHANG, U. Comparative advantage, product quality, and the competitiveness of firms. Journal of Korea Trade, 2017.) são feitas em torno de dados de exportação incorporando todos os tipos de bens. Quando se refere à competição, as características da indústria importam significativamente, além dos fatores relacionados aos países exportadores e importadores, firmas, entre outros, que já foram explorados pela literatura.

3 Metodologia

3.1 Vantagem comparativa revelada (VCR)

A ideia de vantagem comparativa revelada (VCR) se baseia nos princípios ricardianos de que existem diferenças relativas de produtividades entre os países. A despeito da dificuldade intrínseca de se parametrizar os diferenciais de produtividade, uma métrica de VCR pode ser calculada usando dados comerciais para "revelar" essas diferenças, proposta por Balassa (1965BALASSA, B. Trade liberalisation and “revealed” comparative advantage 1. The Manchester School, v. 33, n. 2, p. 99-123, 1965.). BIikt é o indicador de vantagem comparativa revelada das exportações do país i do produto k no ano t, calculado de acordo com Balassa (1965):

B I i k t = ( X i k t X i t ) / ( W k t W t ) (5)

Xikt é o valor total das exportações do produto k do país i no ano t; Xit é o valor total das exportações do país i no ano t; Wkt é o valor total das exportações do mundo do produto k no ano t; e Wt é o valor total das exportações do mundo no ano t. Esse índice reflete o nível de especialização da exportação de um país em um produto em comparação à parcela mundial de exportação do mesmo produto.2 2 O índice de Balassa (1965) possui uma assimetria à direita, fazendo com que o índice deva ser utilizado com cuidado em modelos econométricos (Gnidchenko; Salnikov, 2015). No intuito de amenizar esse problema, utilizamos nas estimações o logaritmo dessa variável.

Laursen (2015LAURSEN, K. Revealed comparative advantage and the alternatives as measures of international specialization. Eurasian Business Review, v. 5, n. 1, p. 99-115, 2015.) realiza uma modificação no índice de Balassa, com o objetivo de fornecer mais simetria à distribuição, criando o índice SRCA, que é: SRCAikt=(BIikt1)/(BIikt+1).

A partir dessas constatações, Proudman e Redding (2000PROUDMAN, J.; REDDING, S. Evolving patterns of international trade. Review of International Economics, v. 8, n. 3, p. 373-396, 2000.) propuseram colocar pesos no índice BI de um país para uma mercadoria individual com a média aritmética dos valores de BI do país de acordo com a seguinte fórmula:

W R C A i k t = B I i k t / ( j = 1 N B I i k t / N ) (6)

N é o número de mercadorias. Para Proudman e Redding (2000PROUDMAN, J.; REDDING, S. Evolving patterns of international trade. Review of International Economics, v. 8, n. 3, p. 373-396, 2000.), essa transformação ajuda a estabelecer a comparabilidade do índice WRCA em um país individual, dado que o índice de Balassa (1965BALASSA, B. Trade liberalisation and “revealed” comparative advantage 1. The Manchester School, v. 33, n. 2, p. 99-123, 1965.) possui uma difícil comparabilidade entre países com uma pauta mais diversificada do que aqueles que possuem uma menor diversificação.

Hoen e Oosterhaven (2006HOEN, A. R.; OOSTERHAVEN, J. On the measurement of comparative advantage. The Annals of Regional Science, v. 40, n. 3, p. 677-691, 2006.) construíram um índice de vantagem comparativa aditivo (ARCA), levando em consideração a diferença entre as parcelas de exportação, em vez do quociente, como no BI e SRCA. Assim, a vantagem comparativa revelada aditiva (ARCA) do setor k no país i no ano t é definida como: ARCAikt=(Xikt/Xit)(Xkt/Xt).

Yu et al. (2009YU, R.; CAI, J.; LEUNG, P. S. The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, v. 43, n. 1, p. 267-282, 2009.) propõem o índice normalizado de vantagem comparativa revelada (NRCA) capaz de revelar a extensão da vantagem comparativa que um país possui em uma mercadoria de forma mais precisa e consistente do que outros indicadores alternativos de VCR na literatura. O cálculo do NRCA é descrito na seguinte equação3 3 O NRCA possui atributos que podem classificar e comparar em termos de vantagem comparativa entre produtos, países e períodos de tempo. :

N R C A i k t = ( Δ X i k t ) W t = X i k t W t X k t X i t W t W t (7)

Xikt é o valor exportado do produto k do país i no ano t para um mercado específico; Xit é o valor exportado do produto i no ano t para um mercado específico; Xkt é o valor exportado do país i no ano t para um mercado específico; Wt é o valor exportado do mundo para o mercado específico.

O intervalo de valores de NRCA varia entre o valor neutro (0), isto é, -0,25 <NRCA<0 e 0<NRCA<0,25. Isso significa que um produto possui valor de exportação menor do que o nível de vantagem comparativa-neutro se o valor de NRCA for menor que 0. (YU et al., 2009YU, R.; CAI, J.; LEUNG, P. S. The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, v. 43, n. 1, p. 267-282, 2009.).

Utilizamos todos os índices apresentados nesta seção para as estimativas da relação entre a VCR e a qualidade/preço das exportações, com a finalidade de ressaltarmos que, apesar das limitações, os resultados são consistentes independentemente do índice utilizado.

3.2 Qualidade das exportações

A dificuldade de definir a qualidade dos produtos é uma das limitações dos estudos que envolvem qualidade, principalmente por abranger características mensuráveis e imensuráveis e, algumas vezes, até questões de preferências do consumidor. Além disso, por envolver diferentes países, cada um com suas características, a mensuração da qualidade se torna um cálculo ainda mais difícil.

Inúmeros estudos procuraram inferir indiretamente a qualidade do produto, observando, por exemplo, preços do produto ou valores unitários. O preço unitário, em outras palavras, o valor exportado ou importado dividido pela quantidade exportada ou importada, indica uma variável proxy comum utilizada para tentar medir a qualidade, sugerindo que preços unitários mais altos resultam em produtos de maior qualidade, como nos trabalhos de Hummels e Klenow (2005HUMMELS, D.; KLENOW, P. J. The variety and quality of a nation's exports. American Economic Review, v. 95, n. 3, p. 704-723, 2005.), Brooks (2006BROOKS, E. L. Why don't firms export more? Product quality and Colombian plants. Journal of Development Economics, v. 80, n. 1, p. 160-178, 2006.), Hallak (2006HALLAK, J. C. Product quality and the direction of trade. Journal of International Economics, v. 68, n. 1, p. 238-265, 2006.), Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016) e Brambilla e Porto (2016BRAMBILLA, I.; PORTO, G. G. High-income export destinations, quality and wages. Journal of International Economics, v. 98, p. 21-35, 2016.).

Alguns autores tentam separar a qualidade dos valores unitários, como Hallak (2006HALLAK, J. C. Product quality and the direction of trade. Journal of International Economics, v. 68, n. 1, p. 238-265, 2006.), Hallak e Schott (2011), Khandelwal (2010KHANDELWAL, A. The long and short (of) quality ladders. The Review of Economic Studies, v. 77, n. 4, p. 1.450-1.476, 2010.), Martin e Méjean (2010MARTIN, J.; MÉJEAN, I. Reallocation across firms and aggregate quality upgrading. CREST and Ecole Polytechnique, 2010.) e Freenstra e Romalis (2014). Apesar das tentativas de utilizar outras variáveis que representem a qualidade de um produto e de todas as limitações do valor unitário, o preço unitário ainda é a variável mais simples e representativa empregada pela literatura. Schott (2004) e Anwar e Sun (2018ANWAR, S.; SUN, S. Foreign direct investment and export quality upgrading in China's manufacturing sector. International Review of Economics & Finance, v. 54, p. 289-298, 2018.) demonstram que, pelo fato de os produtos de alta qualidade serem relativamente intensivos em capital e mão de obra qualificada, eles exigem melhores recursos, que resultam em preços mais altos. Anwar e Sun (2018) provam que a qualidade das exportações está intimamente ligada aos preços de exportação da indústria para dados altamente desagregados de firmas chinesas. Esse estudo utilizou os preços unitários para representar a qualidade do produto e avaliar os mecanismos que ligam a VCR a essa variável4 4 Para mais discussões sobre essa variável, ver Alcalá (2016); Bastos e Silva (2010); Brambilla e Porto (2016); Flach (2016); Hallak (2006); Hallak e Schott (2011); Hummels e Klenow (2005). .

3.3 Modelo empírico

Esta seção se constitui da descrição do modelo empírico utilizado neste trabalho para estudar a relação entre vantagem comparativa revelada e a qualidade dos produtos5 5 Em todas as análises, consideramos produtos a 4 dígitos do Sistema Harmonizado (SH). exportados, o qual é representado pela seguinte equação:

ln v u i j k = β 0 + β 1 ln V C R i k + β 2 P I B i + β 3 P & D i + β 4 I D E i + β 5 P I B j + β 6 ln t x _ c â m b i o j + β 7 f r o n t i j + β 8 ln d i s t i j + β 9 A C R i j + α i + μ k + τ j + ε i j k (8)

uvijk é o valor unitário do produto k exportado do país i para o país j. Observe que a quantidade exportada pode variar dependendo do produto que está sendo analisado, porém as métricas mais utilizadas são quilogramas e o número de itens. Essa variável foi utilizada também por Hummels e Klenow (2005HUMMELS, D.; KLENOW, P. J. The variety and quality of a nation's exports. American Economic Review, v. 95, n. 3, p. 704-723, 2005.), Brooks (2006BROOKS, E. L. Why don't firms export more? Product quality and Colombian plants. Journal of Development Economics, v. 80, n. 1, p. 160-178, 2006.), Hallak (2006HALLAK, J. C. Product quality and the direction of trade. Journal of International Economics, v. 68, n. 1, p. 238-265, 2006.), Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016) e Brambilla e Porto (2016BRAMBILLA, I.; PORTO, G. G. High-income export destinations, quality and wages. Journal of International Economics, v. 98, p. 21-35, 2016.).

RCAiké a vantagem comparativa revelada do produto k do país exportador i. Utilizamos várias medidas de vantagem comparativa, que foram explicadas na seção 3.1. PIBi é o produto interno bruto por paridade de poder de compra do país exportador i (Schott, 2004SCHOTT, P. K. Across-product versus within-product specialization in international trade. The Quarterly Journal of Economics, v. 119, n. 2, p. 647-678, 2004.; Hummel; Klenow, 2005; Hallak; Schott, 2011HALLAK, J. C.; SCHOTT, Peter K. Estimating cross-country differences in product quality. The Quarterly Journal of Economics, v. 126, n. 1, p. 417-474, 2011.). P&Di é a despesa interna bruta com pesquisa e desenvolvimento, expressa como uma porcentagem do PIB do país exportador i, como em Flach (2016FLACH, L. Quality upgrading and price heterogeneity: Evidence from Brazilian exporters. Journal of International Economics, v. 102, p. 282-290, 2016.). IDEi é o fluxo de entrada de investimento direto estrangeiro no país exportador i, seguindo Anwar e Sun (2018ANWAR, S.; SUN, S. Foreign direct investment and export quality upgrading in China's manufacturing sector. International Review of Economics & Finance, v. 54, p. 289-298, 2018.), Wang e Blomstrom (1992WANG, J-Y; BLOMSTRÖM, M. Foreign investment and technology transfer: A simple model. European Economic Review, v. 36, n. 1, p. 137-155, 1992.), Fosfuri et al. (2001FOSFURI, A.; MOTTA, M.; RØNDE, T. Foreign direct investment and spillovers through workers’ mobility. Journal of International Economics, v. 53, n. 1, p. 205-222, 2001.) e Glass e Saggi (2002GLASS, A. J.; SAGGI, K. Multinational firms and technology transfer. Scandinavian Journal of Economics, v. 104, n. 4, p. 495-513, 2002.).

PIB_impj é o produto interno bruto por paridade de poder de compra do país importador j, de acordo com Hallak (2006HALLAK, J. C. Product quality and the direction of trade. Journal of International Economics, v. 68, n. 1, p. 238-265, 2006.), Fieler (2012FIELER, A. C. Quality differentiation in international trade: theory and evidence. University of Pennsylvania, 2012. (Mimeo).) e Crinò e Epifani (2012CRINÒ, R.; EPIFANI, P. Productivity, quality and export behaviour. The Economic Journal, v. 122, n. 565, p. 1.206-1.243, 2012.). tx_câmbioi refere-se à taxa de câmbio determinada pelas autoridades nacionais ou à taxa determinada no mercado de câmbio legalmente sancionado e é calculado como uma média anual com base nas médias mensais (unidades da moeda local em relação ao dólar americano) (Hallak; Schott, 2011).

frontijé a variável dummy que assume valor 1 se o país i e o país j compartilham uma fronteira comum, e 0, caso contrário. distij representa a distância, em quilômetros, entre as capitais de dois países. Esta é uma proxy comumente utilizada para medir custos de transporte entre dois países (Mendonça, 2011MENDONÇA, T. G. Efeitos da heterogeneidade institucional sobre o comércio bilateral de produtos agropecuários, 2005 a 2009. 2011. 124 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) - Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2011.; Almeida et al., 2014ALMEIDA, F. M. de; GOMES, M. F. M.; SILVA, O. M. da. Notificações aos acordos TBT e SPS: diferentes objetivos e resultados sobre o comércio internacional de agroalimentos. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, n. 1, p. 157-176, 2014.; Silva, 2016SILVA, F. A. Desenvolvimento do sistema financeiro e exportações brasileiras: uma análise para o período de 1995 a 2014. 2016. 107 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) - Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2016.; Bastos; Silva, 2010BASTOS, P.; SILVA, J. Journal of International Economics, v. 82, n. 2, p. 99-111, 2010.). ACRij é uma dummy que assume valor 1 se os dois países possuem um acordo comercial (ACR). αi, μz, τj e εijkt representa, respectivamente, país exportador, produtos6 6 No nível de 04 dígitos do SH. e país importador, dummies, e o resíduo da regressão.

As observações foram divididas em dois grupos, utilizando a classificação por intensidade tecnológica da OECD (2011), que desagrega diversos setores da indústria por diferentes níveis tecnológicos. Sendo a tecnologia importante para o desenvolvimento de produtos de melhor qualidade, consideramos essa desagregação relevante para tentar captar os padrões de competitividade entre esses produtos no que se refere aos preços e à qualidade dos produtos exportados. As estimações foram feitas para cada grupo de produtos individualmente, sendo eles: i. Indústrias de alta tecnologia; e ii. Indústrias de baixa tecnologia. Essa classificação é baseada na intensidade direta de P&D (gastos em P&D, em relação ao produto) em 12 países da OCDE, ponderados por setor. Essa classificação utiliza a ISIC Rev. 3. Fizemos a conversão para a CNAE 1.0, para poder compatibilizar com a ISIC. Foram necessários alguns ajustes, devido à desagregação da base de dados ser de 4 dígitos do SH.7 7 Quando alguns produtos a 4 dígitos estavam com códigos que pertenciam a dois grupos de conteúdo tecnológico, consideramos aquele grupo que continha maior número de produtos (a 4 dígitos). Acreditamos que isso não comprometeu a desagregação, uma vez que isso ocorreu em poucas situações.

As estimações foram feitas pelo modelo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), para cada ano da amostra, que compreende de 2008 a 2017. As estimações foram realizadas com dados em cross-section devido à característica da teoria ricardiana, em que o tempo não se apresenta como elemento, já que a tecnologia é dada. Dessa forma, as estimações para cada ano separadamente foram feitas para comprovar que, independentemente do período utilizado, os resultados se mostraram robustos.

Além disso, estimamos a equação (9) usando regressão quantílica incondicional, proposta por Firpo et al. (2009FIRPO, S.; FORTIN, N. M.; LEMIEUX, T. Unconditional quantile regressions. Econometrica, v. 77, n. 3, p. 953-973, 2009.), considerando que a relação entre as variáveis ​​explicativas e a variável explicada pode ser diferente ao comparar diferentes níveis de qualidade. A vantagem desse método é que ele permite analisar a influência das variáveis ​​explicativas utilizadas nos diferentes quantis de qualidade, além de fazer comparações entre os resultados dos quantis.

A abordagem de Firpo et al. (2009FIRPO, S.; FORTIN, N. M.; LEMIEUX, T. Unconditional quantile regressions. Econometrica, v. 77, n. 3, p. 953-973, 2009.) é baseada na função de influência (IF). A função de influência IF(Y;v;Fy) de uma estatística de distribuição v(Fy) representa a influência de uma variável individual nessa estatística de distribuição. Ao adicionar a estatística v(Fy) novamente à função de influência, isso resulta no que é chamado de função de influência recentrada (RIF). Esse método permite estimar o efeito das mudanças em um conjunto de covariáveis ​​X na distribuição estatística de interesse. Nesse caso, estamos interessados ​​na influência na distribuição de quantis. A regressão quantílica incondicional é definida por Firpo et al. (2009) como:

v ( F y ) = E x [ E [ R I F ( y ; v ; F y ) ] ] = E ( X ) . β (9)

Alcalá (2008ALCALÁ, F. Comparative advantage across goods and product quality. Fundacion BBVA, 2008., 2016) sugere a existência de endogeneidade entre qualidade e VCR. Portanto, há ressalvas quanto aos resultados obtidos por este trabalho e não estamos analisando a causalidade entre as duas variáveis, mas as relações entre elas.

3.3 Fonte de dados e análise descritiva

Os dados utilizados são anuais e cobrem os anos de 2008 a 2017 dos 70 principais exportadores e importadores mundiais,8 8 Os países que compõem a amostra estão descritos no Apêndice A3. que abrangiam 90% do comércio internacional no período. Acreditamos que essa porcentagem contemple boa parte das principais estruturas e padrões de comércio no mundo. A escolha desses anos foi para tentar isolar os efeitos específicos do boom de commodities, ocorrido especialmente no início dos anos 2000. Embora a base de dados contenha apenas produtos industrializados, alguns bens que integram indústrias de baixa tecnologia dependem das commodities e, portanto, procuramos empregar um período em que os preços desses produtos já estivessem se estabilizando.

Tabela 2
Fonte de dados

A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva das variáveis ​​do modelo para o ano de 2017. Pode-se observar que para o valor unitário há um alto desvio padrão, com uma média de 15 mil dólares. Os índices VCR apresentam grandes variações, sendo o menor desvio padrão para o NRCA, além de apresentar média zero. O BI tem o maior desvio padrão e também exibe o maior valor máximo, identificando-se sua distribuição simétrica à direita.

O PIB per capita dos países exportadores tem uma média de $39.000, com valor máximo de $ 112.000 para Luxemburgo e valor mínimo para o Camboja. Em relação aos investimentos em P&D (% PIB), temos para a amostra uma média de 1,84%. O valor máximo foi de 4,82% do PIB para Israel, e o valor mínimo para Mianmar (0,03%).

Em relação aos investimentos estrangeiros diretos (IDE) como percentual do PIB, a média é de 4,14% para os países da amostra. O país com o valor mais alto dessa variável foi Hong Kong, com cerca de 36% do IDE como porcentagem do PIB. O país com menor valor foi o Kuwait, com 0,09% dos investimentos como percentual do PIB. Além disso, cerca de 9% da amostra é composta por países fronteiriços, enquanto 52% do par de países tem algum acordo comercial regional.

Tabela 3
Relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para indústria de alta tecnologia em 2017

4 Resultados

As estimativas cross-sections de 2008 a 2017 foram feitas para dois tipos de produtos: alta tecnologia e baixa tecnologia. Encontramos que, independentemente dos índices de VCR e dos anos, os resultados se mantiveram. Embora todos os índices tenham limitações, eles sugerem a mesma direção para nossos resultados. As tabelas seguintes apresentam os resultados apenas para o ano de 2017, enquanto as estimações para os outros anos estão no Apêndice.

Aiginger (1997AIGINGER, Karl. The use of unit values to discriminate between price and quality competition. Cambridge Journal of Economics, v. 21, n. 5, p. 571-592, 1997.) já argumentava que, para algumas indústrias, o valor unitário é um bom indicador de competitividade de preços, enquanto para outras indústrias pode ser um bom indicador de competitividade de não preço ou qualidade. Isto é, ao fazer a conexão da vantagem de um país na produção de determinados bens com a comercialização de produtos de maior qualidade, isso pode não ser identificado para todos os setores.

A Tabela 3 mostra que existe uma relação positiva entre o VCR - independentemente do índice considerado - e a qualidade/preço das estimativas. Verificamos que para o grupo de produtos com tecnologia superior, quando um país possui um VCR superior, essa vantagem é utilizada para melhorar a qualidade do produto, tornando este bem também mais caro.

De acordo com a teoria básica de Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), os produtos são distinguíveis, ou seja, os consumidores consideram algumas variedades superiores a outras. Portanto, a competição no mercado internacional ocorre por meio da qualidade do produto. A empresa que consegue diferenciar seus produtos de seus concorrentes adquire maior participação de mercado, vende seus produtos por um preço mais alto e obtém um lucro maior. Conforme Baldwin e Harrigan (2011), a competitividade das empresas depende de preços ajustados pela qualidade, e, em equilíbrio, produtos de maior qualidade são mais caros, mais lucrativos e mais capazes de penetrar em mercados distantes.

Segundo Alcalá (2016ALCALÁ, F. Specialization across goods and export quality. Journal of International Economics, v. 98, p. 216-232, 2016), produtores de um país que têm vantagem em um determinado setor serão, em média, mais eficientes do que produtores de outros países. Se maior eficiência for utilizada para melhorar a qualidade, os produtores nesse país e a indústria vão produzir, em média, bens de qualidade superior aos seus concorrentes, pois já possuem uma "vantagem inicial" - ou seja, uma VCR nesse setor.

O coeficiente da variável distância (Tabela 4) apresenta o sinal esperado, indicando que, para mercados mais distantes, mais difíceis de serem alcançados, os países exportam com maior qualidade. Tal resultado também foi encontrado por Bastos e Silva (2010BASTOS, P.; SILVA, J. Journal of International Economics, v. 82, n. 2, p. 99-111, 2010.), Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), Verhoogen (2008VERHOOGEN, E. A. Trade, quality upgrading, and wage inequality in the Mexican manufacturing sector. The Quarterly Journal of Economics, v. 123, n. 2, p. 489-530, 2008.) e Johnson (2012JOHNSON, R. C. Trade and prices with heterogeneous firms. Journal of International Economics, v. 86, n. 1, p. 43-56, 2012.) para Portugal, Estados Unidos, México e um grupo de 125 países, respectivamente. Em Bastos e Silva (2010), ao considerarem a heterogeneidade das firmas, o resultado pode ser explicado pela autosseleção de empresas entre destinos, com apenas produtores de melhor qualidade entrando em mercados mais distantes.

Na mesma tabela, o coeficiente da variável PIB se mostrou significativo e com sinal positivo indicando que, quanto maior a renda do país importador, maior a qualidade das exportações. Esse resultado é consistente com a hipótese de que países mais ricos exportam produtos de melhor qualidade por possuírem maiores capacidades tecnológicas e de produção para serem competitivos (Schott, 2004SCHOTT, P. K. Across-product versus within-product specialization in international trade. The Quarterly Journal of Economics, v. 119, n. 2, p. 647-678, 2004.; Hummel; Klenow, 2005; Hallak; Schott, 2011HALLAK, J. C.; SCHOTT, Peter K. Estimating cross-country differences in product quality. The Quarterly Journal of Economics, v. 126, n. 1, p. 417-474, 2011.).

Tabela 4
Relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para indústria de alta tecnologia em 2017

A Tabela 5 mostra os resultados para a relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para o setor da indústria de baixa tecnologia. Verificamos que os resultados se adequam à ideia de que esses produtos são mais homogêneos - compatíveis com produtos de baixa tecnologia - e apresentam relação negativa entre todos os índices e a qualidade/preço das exportações. À vista disso, temos indícios de que a competição, por setores com maior vantagem comparativa e em produtos de menor tecnologia, ocorre por meio do preço. As firmas parecem aproveitar a maior competitividade daquele setor para se tornarem mais produtivas, reduzirem seus custos marginais e, portanto, competirem internacionalmente com preços reduzidos.

Bottega e Romero (2021BOTTEGA, A.; ROMERO, J. P. Innovation, export performance and trade elasticities across different sectors. Structural Change and Economic Dynamics, 2021.) encontraram que a competitividade tecnológica exerce maior influência nas exportações de alta tecnologia, e a competitividade por meio dos preços é mais relevante para o setor de baixa tecnologia. Mesmo que as análises sejam diferentes, os resultados verificados convergem com o que foi identificado em nosso modelo.

Verificamos também que a relação entre preço e distância dos mercados importadores manteve-se positiva mesmo para os grupos de produtos com menor intensidade tecnológica. Inferimos que, mesmo para esse grupo de produtos, os bens mais caros ainda são enviados para os mercados mais distantes, isto é, aqueles que são mais difíceis de serem atingidos, conforme Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.).

Tabela 5
Relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para indústria de baixa tecnologia em 2017

A Tabela 6 apresenta as estimações das regressões quantílicas para todos os cinco índices de vantagem comparativa revelada, para o ano de 2017, divididas entre os produtos de alta e baixa tecnologia. Para as análises da regressão quantílica, independentemente do quantil analisado, identifica-se uma competição via preço para produtos com baixa tecnologia e via qualidade para produtos de alta tecnologia.

Portanto, existe uma divisão entre competitividade de preços e competitividade por qualidade. O primeiro é a capacidade de produzir a custos baixos, e isso é extremamente crucial em mercados maduros e homogêneos. Este último é a capacidade de competir em áreas de alta tecnologia, de inovar, de atingir o segmento de mercado mais sofisticado (Aiginger, 1997AIGINGER, Karl. The use of unit values to discriminate between price and quality competition. Cambridge Journal of Economics, v. 21, n. 5, p. 571-592, 1997.).

Tabela 6
Regressão quantílica para a relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para a indústria de alta e baixa tecnologia em 2017

5. Considerações finais

Este estudo aborda duas importantes teorias sobre competitividade das empresas no cenário internacional - Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
https://doi.org/10.1111/1468-0262.00467...
) e Baldwin e Harrigan (2011BALDWIN, Richard; HARRIGAN, James. Zeros, quality, and space: Trade theory and trade evidence. American Economic Journal: Microeconomics, v. 3, n. 2, p. 60-88, 2011.), estimando a relação entre VCR e a qualidade/preço dos produtos comercializados a partir de dados dos 70 principais países no comércio. Acreditamos que as duas teorias - competição via preço ou qualidade - se adaptam à realidade de maneiras diferentes. As estimações foram feitas anualmente entre 2008 e 2017 para os cinco índices mais utilizados na literatura para captar vantagem comparativa, e em todos os resultados os produtos de alta tecnologia apresentaram relação positiva entre preço e VCR. Com base na teoria de Baldwin e Harrigan (2011), isso é justificado por uma melhoria na qualidade desses produtos quando o país apresenta vantagem em produzi-lo. A maneira com que esses produtos competem no mercado internacional é através de melhorias nos produtos. A competição via qualidade permite considerar que os produtos se diferenciam entre si e, portanto, são heterogêneos, adaptando-se melhor à concorrência de produtos de alta tecnologia.

Em contraste, foi encontrado que os produtos de baixa tecnologia apresentam relação negativa com preço e VCR. Nesse sentido, a competição via preço ocorre em produtos de baixa tecnologia por serem mais homogêneos. As evidências apontam que os países que exibem VCR sobre produtos de menor conteúdo tecnológico investem na melhoria produtiva para diminuir seus custos marginais, conforme Melitz (2003MELITZ, M. J. The impact of trade on intra‐industry reallocations and aggregate industry productivity. Econometrica, v. 71, n. 6, p. 1.695-1.725, 2003. doi:10.1111/1468-0262.00467.
https://doi.org/10.1111/1468-0262.00467...
).

Além disso mesmo para as análises em quantis, as relações entre preço/qualidade e VCR se mantiveram negativa para produtos de baixo conteúdo tecnológico, e positiva para bens de alto conteúdo tecnológico.

Desse modo, ressalta-se a importância da vantagem comparativa na estrutura de competitividade dos setores produtivos. A constatação de aumento ou diminuição dos custos do produto, quando um setor apresenta vantagem comparativa, é importante para delinear as políticas governamentais que podem ser implementadas a fim de promover a competitividade das empresas. Como a literatura sobre o assunto não considera a separação dos bens de acordo com suas características e/ou potencial tecnológico, este é, portanto, um dos avanços deste estudo.

Procuramos utilizar vários índices de VCR como forma de mostrar robustez nas análises. Porém, cada índice tem suas desvantagens e problemas, e esta é uma das limitações deste trabalho. A própria ideia de qualidade é difícil de medir na maioria das vezes e, portanto, usamos como proxy o valor unitário de exportação, comumente utilizado na literatura. Os dados utilizados não são desagregados no nível da empresa, sendo uma das limitações para lidar com a competitividade dos setores. Assim, uma indicação para possível trabalho é a utilização de microdados em nível de empresa, buscando captar efetivamente a competitividade dessas organizações.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao CNPq o auxílio recebido para a pesquisa. Agradecem, também, aos editores e pareceristas anônimos as críticas e sugestões. Qualquer erro remanescente é de nossa exclusiva responsabilidade.

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    F11, F12, 040.
  • JEL Codes:

    F11, F12, 040.
  • 1
    Ver Brooks (2006), Verhoogen (2008), Bastos e Silva (2010), Vanderbussche (2014), Jaimovich e Merella (2015), Manova e Yu (2017).
  • 2
    O índice de Balassa (1965) possui uma assimetria à direita, fazendo com que o índice deva ser utilizado com cuidado em modelos econométricos (Gnidchenko; Salnikov, 2015). No intuito de amenizar esse problema, utilizamos nas estimações o logaritmo dessa variável.
  • 3
    O NRCA possui atributos que podem classificar e comparar em termos de vantagem comparativa entre produtos, países e períodos de tempo.
  • 4
    Para mais discussões sobre essa variável, ver Alcalá (2016); Bastos e Silva (2010); Brambilla e Porto (2016); Flach (2016); Hallak (2006); Hallak e Schott (2011); Hummels e Klenow (2005).
  • 5
    Em todas as análises, consideramos produtos a 4 dígitos do Sistema Harmonizado (SH).
  • 6
    No nível de 04 dígitos do SH.
  • 7
    Quando alguns produtos a 4 dígitos estavam com códigos que pertenciam a dois grupos de conteúdo tecnológico, consideramos aquele grupo que continha maior número de produtos (a 4 dígitos). Acreditamos que isso não comprometeu a desagregação, uma vez que isso ocorreu em poucas situações.
  • 8
    Os países que compõem a amostra estão descritos no Apêndice A3.
  • 9
    PIB em paridade de poder de compra (PPC) per capita em US$ constantes de 2017.
  • 10
    Taxa de câmbio oficial (LCU por US$), média do período.

APÊNDICE A

Apêndice A1
Relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para a indústria de alta tecnologia de 2008 a 2016
Apêndice A2
Relação entre VCR e qualidade/preço das exportações para a indústria de baixa tecnologia de 2008 a 2016
Apêndice A3
Lista dos países utilizados na amostra

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2021
  • Aceito
    04 Dez 2021
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