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A Direcionalidade das Práticas na Definição de Padrões de Consumo “Solidários”, “Antropofágicos” ou “Estrangeiros” no Espaço

Resumo

Neste artigo demonstramos que o trabalho desenvolvido pelo geógrafo brasileiro Milton Santos se adequa bem a estudos no campo das práticas e consumo. Quando utilizamos o termo ‘prática’ estamos nos referindo especificamente ao tipo de prática que é encontrado na corrente teórica criada pelos trabalhos de Schatzki. Mais especificamente, com esta fusão, criamos o construto de direcionalidade das práticas. Ao olhar para esta dimensão, pesquisadores podem ver a origem das práticas e o consequente padrão de consumo que acontece nos lugares. Como argumentamos, o consumo “solidário” é criado por práticas horizontais, o consumo “estrangeiro” é criado por práticas verticais e o consumo “antropofágico” é criado por práticas indiferenciadas. Nós também esperamos que este artigo possa contribuir para abrir espaço à obra de Milton Santos no campo dos estudos do consumo.

Palavras-chave:
Milton Santos; espaço; Schatzki; teoria da prática

Abstract

In the present paper, we demonstrate that the work developed by the Brazilian geographer Milton Santos is suitable for studies in the field of practices and consumption. When we use the term ‘practice’ we are referring to a specific kind of practice that is found in the strand of theory created by Schatzki’s work. More specifically, with this merge, we created the construct of directionality of practices. Looking at this dimension, the researchers can see the origin of practices and the consequent consumption patterns in the places. As we argue, “solidary” consumption is created by horizontal practices, “foreign” consumption is created by vertical practices, and “anthropophagic” consumption is created by undifferentiated practices. We expect that this paper can also contribute to giving room for Milton Santo’s work in the field of consumption studies.

Keywords:
Milton Santos; space; Schatzki; practice theory.

Introdução

No campo dos estudos do consumo em pesquisa social há múltiplas e, às vezes, divergentes visões ontoepistemológicas (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E., & Thompson, C. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. https://doi.org/10.1086/426626
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; 2007Arnould, E., & Thompson, C. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics): dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. In R. W. Belk, & J. F. Sherry (Eds.), Research in Consumer Behavior: Consumer Culture Theory (Vol. 11, pp. 3-22). Elsevier.; 2015Arnould, E., & Thompson, C. (2015). Consumer Culture Theory: Ten years gone (and beyond). In A. Thyraff, J. B. Murray, & R. W. Belk (Org.). Research in Consumer Behavior (pp. 1-21). Emerald Group Publishing.; Askegaard & Linnet, 2011Askegaard, S., & Linnet, J. T. (2011). Towards an epistemology of consumer culture theory: Phenomenology and the context of context. Marketing Theory, 11(4), 381-404. https://doi.org/10.1177/1470593111418796
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). Ainda assim, uma das proeminentes correntes de estudos é não-cartesiana e, consequentemente, marcada por métodos de pesquisa ideográficos e qualitativos (Thompson, et al., 2013Thompson, C., Arnould, E. & Giesler, M. (2013). Discursivity, difference, and disruption: Genealogical reflections on the consumer culture theory heteroglossia. Marketing Theory, 13(2), 149-174. https://doi.org/10.1111/j.1470-6431.2010.00882.x
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; Saatcioglu & Corus, 2019Saatcioglu, B., & Corus, C. (2019). Towards a macromarketing and consumer culture theory intersection: Participatory and deliberative methodologies. Journal of Macromarketing, 39(1), 9-24. https://doi.org/10.1177/0276146718793487
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).

Não por acaso, o campo do consumo já tem em conta a discussão do espaço e do lugar (e.g., Moor, 2003Moor, E. (2003). Branded spaces; The scope of ‘new marketing’. Journal of Consumer Culture, 3(1), 39-60. https://doi.org/10.1177/1469540503003001929
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; Visconti, et al., 2010Visconti, L., Sherry Jr., J., Borghini, S., & Anderson, L. (2010). Street Art, Sweet Art? Reclaiming the 'Public' in Public Place. Journal of Consumer Research, 37(3), 511-529. https://doi.org/10.1086/652731
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; Warnaby & Medway, 2013Warnaby, G., & Medway, D. (2013). What about the ‘place’ in place marketing?. Marketing Theory, 13(3), 345-363. https://doi.org/10.1177/1470593113492992
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; Martin & Schouten, 2014Martin, D. M., & Schouten, J. W. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-870. https://doi.org/10.1086/673196
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; Castilhos, et al., 2018Castilhos, R., & Dolbec, P-Y. (2018). Conceptualizing spatial types: Characteristics, transitions, and research avenues. Marketing Theory, 18(2), 154-168. https://doi.org/10.1177/1470593117732455
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; Castilhos, 2019Castilhos, R. (2019). Branded places and marketplace exclusion. Consumption, Markets & Culture, 22(5-6), 582-597. https://doi.org/10.1080/10253866.2018.1561645
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). Por exemplo, o trabalho de Castilhos et al. (2017)Castilhos, R., Dolbec, P-Y., & Veresiu, E. (2017). Introducing a spatial perspective to analyze market dynamics. Marketing Theory, 17(1), 9-29. https://doi.org/10.1177/1470593116657915
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, ancorado no campo da geografia, indica um esforço de inserir a complexidade do espaço nos estudos de mercado e CCT (consumer culture theory), criando, então, uma categorização geral dos tipos de espaço e o papel dos lugares. A perspectiva espacial abordada por esses trabalhos, consequentemente, está ontologicamente ligada à uma visão de mundo não-cartesiana, como a que seguimos neste ensaio. De toda forma, alguns pesquisadores de marketing têm dado atenção aos estudos envolvendo espaços e lugres, trazendo à discussão subjetividades e processos relacionais dessas categorias de análise (Chatzidakis, et al., 2018Chatzidakis, A., McEachern, M. G., & Warnaby, G. (2018). Consumption In and Of Space and Place: Introduction to the Special Issue. Marketing Theory, 18(2), 149-153. https://doi.org/10.1177/1470593117732452
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; Giovanardi & Lucarelli, 2018Giovanardi, M., & Lucarelli, A. (2018). Sailing through marketing: A critical assessment of spatiality in marketing literature. Journal of Business Research, 82, 149-159. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.09.029
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). Por outro lado, no campo da geografia, pesquisadores também têm abordado o fenômeno do mercado para além da ingênua noção de um lugar “consistindo de meras trocas de commodities”, dando ao espaço e seus elementos - bem como às subjetividades e objetos - um papel proeminente (Cohen, 2018Cohen, D. (2018). Between perfection and damnation: The emerging geography of markets. Progress in Human Geography, 42(6), 898-915. https://doi.org/10.1177/0309132517729769
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, p. 5, tradução nossa). Para esta seção introdutória, é suficiente dizer que na terminologia de Milton Santos o lugar é onde a vida realmente acontece, enquanto o espaço se coloca como um enquadramento mais transversal e fluido (Santos, 1997Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec.; 2013Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.).

O que nós propomos com este trabalho é inserir a obra de um premiado e renomado geógrafo no campo dos estudos do consumo, introduzindo algumas de suas categorias analíticas (e criando novas) para jogar luz sobre a direcionalidade das práticas e padrões de consumo em lugares. Além disso, sabemos que a abordagem da prática no campo do consumo já superou questionamentos a respeito do foco sobre práticas pequenas e comuns, dando destaque, por exemplo, ao plenum (Schatzki, 2009), ao nexus de práticas (Hui, Schatzki & Shove, 2016Hui, A., Schatzki, T., & Shove, E. (2016). The nexus of practices: connections, constellations, practitioners. Routledge.), ou a formações (Welch, 2017). Com isso, a abordagem empírica sobre as práticas também tem levado em conta aspectos amplos (ou macro) no campo do consumo. Contudo, a dinâmica de imposição de práticas em lugares ainda se apresenta de forma difusa na literatura e um construto específico para isso poderia ser útil. Argumentamos que o construto de direcionalidade das práticas é mais efetivo para tratar imposições, dinâmicas de poder e questões éticas do consumo e práticas no espaço (e entre lugares). Além disso, este construto é especialmente útil para pesquisadores do Sul.

Milton Santos foi um geógrafo brasileiro de relevância internacional que foi para o exílio na França em 1964 devido a pressões exercidas pela ditadura militar no Brasil. Santos lecionou em diversas universidades do mundo e retornou para seu país em 1977 (Lima, 2018Lima, T. M. (2018). Um intelectual na mira da repressão: Milton Santos e o golpe de 1964. Revista de História (São Paulo), 177, 1-25. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2018.137230
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). Devido à relevância de sua obra, ganhou o prêmio Vautrin Lud, o mais importante da geografia no mundo. Muito do trabalho de Santos foi publicado em português, francês e espanhol, mas poucos em inglês. De acordo com Melgaço (2017)Melgaço, L. (2017). Thinking outside the bubble of the global north: Introducing Milton Santos and “the active role of geography”. Antipode, 49(4) 1-6. https://doi.org/10.1111/anti.12319
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, um pesquisador que está traduzindo o renomado geógrafo para o inglês, mais do que teorias e construtos, Santos criou uma escola de pensamento rica e robusta. O simpósio editado por Melgaço no periódico Antipode e o livro Toward an Other Globalization: From the Single Thought to Universal Conscience (Santos, 2017Santos, M. (2017). Toward an other globalization: From the single thought to universal conscience. Springer.) dão ao leitor anglo-saxão uma visão geral do trabalho do geógrafo. Nas referências deste artigo é possível ver alguns de seus trabalhos publicados em inglês (1980bSantos, M. (1980b). The Devil’s Totality: how geographic forms diffuse capital and change social structures. Antipode, 12(3), 41-46. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1980.tb00654.x
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; 1974Santos, M. (1974). Geography, Marxism and underdevelopment. Antipode, 6(3), 1-9. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1974.tb00608.x
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; 1979Santos, M. (1979). Shared Space: the two circuits of urban economy in underdeveloped countries. Methuen.; 1977aSantos, M. (1977a). Society and Space: social formation as theory and method. Antipode, 9(1), 3-13. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1977.tb00077.x
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; 1977bSantos, M. (1977b). Spatial Dialectics: the two circuits of urban economy in underdeveloped countries. Antipode, 9(3), 49-60. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1977.tb00092.x
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; 1977cSantos, M. (1977c). Planning Underdevelopment. Antipode, 9(3), 86-98. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1977.tb00095.x
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).

Para jogar luz sobre a direcionalidade das práticas e o consequente padrão de consumo em lugares, nós também utilizamos o framework de Theodore Schatzki e Alan Warde. De acordo com Schatzki (2012)Schatzki, T. (2012). A prime on practices: Theory and research. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billet, M. Hutchings, & F. Trede. Practice-based education (Vol. 6, pp. 13-26). Brill Sense., práticas são compostas de fazeres e dizeres (doings and sayings) e “organizadas por regras práticas, entendimentos, estruturas teleoafetivas e entendimentos gerais” (p. 15, tradução nossa). Por outro lado, de acordo com Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
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, o consumo está arraigado com a performance das práticas.

O objetivo deste ensaio teórico é introduzir o construto de direcionalidade para melhor entender o padrão de consumo em lugares. Pela dimensão da direcionalidade das práticas podemos ver se elas têm uma origem externa (verticalidade) ou se elas cresceram em seus próprios locais de performance (horizontalidade). Propomos que práticas verticais criam consumos “estrangeiros” e práticas horizontais criam consumos “solidários”. Além disso, práticas que são mais indiferenciadas criam consumos “antropofágicos”. Por verticalidade e horizontalidade queremos nos referir, de acordo com a teorética de Milton Santos, a um enquadramento para analisar a imposição de técnicas de um território a outro. Nessa teorética, uma imposição do Norte global para o Sul. Como argumentamos, esta viagem de técnicas é composta por entendimentos, regras e teleoafetividades de práticas. Nosso argumento é que o espaço é atravessado por horizontalidades e verticalidades. Se as práticas são partes do espaço, elas também manifestam essas direcionalidades. Além disso, se o consumo é parte de todas as práticas, a direcionalidade da prática pode formatar padrões de consumo.

Por exemplo, Giovanardi and Lucarelli (2018)Giovanardi, M., & Lucarelli, A. (2018). Sailing through marketing: A critical assessment of spatiality in marketing literature. Journal of Business Research, 82, 149-159. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.09.029
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sugeriram alguns caminhos para investigar lugares e espaços em marketing. Uma das possibilidades sugeridas pelos autores é abordar o “espaço como também interligado e articulado por meio do marketing, que é reproduzido pelos profissionais de mercado, fornecedores e consumidores em um contexto locacional” (p. 156, tradução nossa). Contudo, nosso trabalho contribui para a literatura dando aos pesquisadores um framework distinto com elementos miltonianos e schatzkianos para visualizarem a direcionalidade das práticas e padrões de consumo em lugares.

Como discutido na vasta literatura em consumo e práticas, mudanças em prática podem modificar padrões de consumo. Utilizamos o termo consumo e práticas porque entendemos que consumo e práticas são inseparáveis. Portanto, não utilizamos o termo práticas de consumo, pois entendemos que o consumo não é uma prática em si mesmo (nem um tipo de prática), mas é seu elemento constitutivo e inerente (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
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; Shove & Araújo, 2010Shove, E., & Araújo, L. (2010). Consumption, materiality, and markets. In L. Araujo, J. Finch, & H. Kjellberg, Reconnecting marketing to markets (pp. 13-28). Oxford University Press.; Halkier, et al., 2011Halkier, B., Katz-Gerro, T., & Martens, L. (2011). Applying practice theory to the study of consumption: Theoretical and methodological considerations. Journal of Consumer Culture, 11(1), 3-13. https://doi.org/10.1177/1469540510391765
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).

Vamos demonstrar como a obra de Santos destaca a importância da técnica para a distribuição de ações pelo mundo. Também demonstraremos como as técnicas carregam elementos que têm um importante papel na criação de práticas e padrões de consumo em lugares. O enquadramento para analisar a imposição de técnicas é chamado de verticalidade e o enquadramento para analisar técnicas orgânicas de seus próprios lugares é chamado de horizontalidade. Baseado nesta teorética, objetos se tornam objetos técnicos, e a difusão de técnicas e práticas pelo mundo reflete verticalidades (imposições), que se manifestam em oposição a horizontalidades (solidariedades horizontais) em lugares. As categorias de verticalidade e horizontalidade poderiam ser de interesse, por exemplo, de estudos como o de Shove e Pantzar (2005Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64. https://doi.org/10.1177/1469540505049846
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; 2007Shove, E., & Pantzar, M. (2007). Recruitment and reproduction: The careers and carriers of digital photography and floorball. Human Affairs, 17(2), 154-167. https://doi.org/10.2478/v10023007-0014-9
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), que investigam a difusão de esportes por países e como essas práticas se ajustam a realidades locais.

No texto que segue apresentamos na revisão de literatura uma síntese da teoria da prática de Schatzki para entender seus elementos constitutivos. Em segundo lugar, demonstramos um pouco do trabalho de Milton Santos e o destaque dado ao papel das técnicas, verticalidades e horizontalidades para lançar luz em como eles têm um papel na dinâmica de práticas e consumo.

A teoria da prática schatzkiana e seus elementos lançando luz sobre o consumo

As teorias da prática que estamos lidando têm origem na discussão teórica que emergiu dos anos 1970 com a virada cultural das ciências sociais, com foco na análise das práticas que são carregadas pelos indivíduos (Schatzki, 2001Schatzki, T. (2001). Introduction: Practice theory. In T. Schatzki, K. Cetina, & E. Savigny, The practice turn in contemporary theory (pp. 10-23). Routledge.; Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263. https://doi.org/10.1177/13684310222225432
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). Com isso, a realidade social começa a ser entendida como parte da ação humana e não como um dado externo objetivo, como é o fato social de Durkheim (Schatzki, 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.; Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263. https://doi.org/10.1177/13684310222225432
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).

No fim do século 20 e início do século 21, uma destacada característica da teoria da prática - ainda presente hoje - foi sua forte inclinação para investigações empíricas de práticas cotidianas, como é o caso da preparação de alimentos (Lehtokunnas, et al., 2020Lehtokkunas, T., Mattila, M., Närvänen, E., & Mesiranta, N. (2020). Towards a circular economy in food consumption: Food waste reduction practices as ethical work. Journal of Consumer Culture, 22(1), 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540520926252
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), prática de dirigir (Shove et al., 2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. Sage.), consumo de energia (Gram-Hanssen, 2011Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 61-78. https://doi.org/10.1177/1469540510391725
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) e produção de alimentos em áreas urbanas (Kontothanasis, 2017Kontothanasis, G. (2017). Social practices of urban agriculture in the metropolitan region of Thessaloniki. Procedia Environmental Sciences, 38, 666-673. https://doi.org/10.1016/j.proenv.2017.03.147
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). Nesse sentido, Elizabeth Shove e seus colaboradores tiveram um papel central e é possível dizer que eles criaram uma corrente de pesquisa com forte orientação empírica. Ao lado desses desenvolvimentos, o trabalho de Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
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foi um ponto de inflexão para conectar os estudos de práticas com o campo do consumo e, consequentemente, criar uma forte linha investigativa.

No geral, estas teorias são sustentadas pelos trabalhos de Reckwitz (2002)Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263. https://doi.org/10.1177/13684310222225432
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e Schatzki (1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge University Press.; 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.). De acordo com este autor, a ontologia para os estudos da sociedade deve ser baseada na ideia de local (site). Dessa forma, o local do social é formado por um feixe de arranjos materiais e práticas sociais (Schatzki, 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.; 2019Schatzki T. (2019). Social Change in a material world: How activity and material processes dynamize practices. Routledge.). Conceitualizar e entender estes elementos, como argumentamos, é primordial para enxergarmos o que está envolvido quando enquadramos verticalidades mudando ou criando práticas em lugares. Realizamos uma breve descrição desses elementos nos parágrafos que seguem.

Neste ponto, analisamos uma das partes desse emaranhado: os arranjos. Arranjos, de acordo com Schatzki, correspondem à ordem social e são feitas de entidades, que correspondem aos indivíduos, artefatos (objetos feitos pelo homem), coisas (coisas naturais) e organismos. Logo, a geografia natural, rochas, montanhas, árvores, animais, edifícios, carros, ratos, tempestades e uma série de outras entidades pertencem a esse arranjo e são importantes para a constituição da sociedade. Seres humanos e seus corpos também são parte desse arranjo e relacionados a ele.

O que garante a coesão desse arranjo são as relações sociais existentes entre entidades. A maioria significativa das relações, de acordo com o autor, são de quatro tipos: (1) intencional, relacionados à intencionalidade de indivíduos em relação a outras entidades; (2) causal, que determina relações de causa e efeito entre entidades; (3) espacial, que engloba as atividades que acontecem em cada espaço e a distância física entre entidades; (4) prefiguração, que diz respeito à habilidade dos arranjos em direcionar atividades futuras, como no caso de constranger ou permitir determinadas ações.

Esses arranjos são compostos de entidades que são relacionadas umas às outras, como descrito no último parágrafo, que se colocam nessa ordem social, garantindo seus significados a partir da posição dentro do arranjo. Esses significados que as entidades têm dizem respeito a como eles estão posicionados dentro desse arranjo complexo de indivíduos, artefatos, organismos e coisas, bem como os tipos de relacionamentos que existem entre eles.

A outra parte desse emaranhado que forma o local do social é composto por práticas. Práticas são feitas d[e]o “nexo[s] de fazeres e dizeres” (Schatzki, 1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge University Press.; 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.; 2012Schatzki, T. (2012). A prime on practices: Theory and research. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billet, M. Hutchings, & F. Trede. Practice-based education (Vol. 6, pp. 13-26). Brill Sense.). Fazeres são performances de ações corporais ou mentais. Lavar um alimento, por exemplo, é um fazer que pertence à prática de cozinhar. Por outro lado, os dizeres compõem uma subcategoria de fazeres (Schatzki, 2012Schatzki, T. (2012). A prime on practices: Theory and research. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billet, M. Hutchings, & F. Trede. Practice-based education (Vol. 6, pp. 13-26). Brill Sense.; 2016bSchatzki, T. (2016b). Sayings, texts and discursive formations. In A. Hui, T. Schatzki, & E, Shove, The nexus of practices: connections, constellations, practitioners (pp. 24-36). Routledge.) e dizem respeito ao que os praticantes dizem sobre o que eles estão fazendo dentro da prática.

Para Schatzki (1996Schatzki, T. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge University Press.; 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.; 2012Schatzki, T. (2012). A prime on practices: Theory and research. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billet, M. Hutchings, & F. Trede. Practice-based education (Vol. 6, pp. 13-26). Brill Sense.), os fazeres e dizeres das práticas só podem formar um nexo se eles manifestarem uma série de entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva. Entendimentos são responsáveis por fazer com que os indivíduos saibam identificar, agir diante e responder a certas ações dentro da prática. A estrutura teleoafetiva se refere a uma ordem de fins, tarefas, projetos, emoções e humores relacionados à determinada prática. Por fim, regras são “formulações explícitas, princípios, preceitos e instruções” sobre a prática (Schatzki, 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press., p. 79, tradução nossa).

Logo, dentro deste emaranhado de arranjos e práticas, são estas que vão moldar o local do social por meio da agência de entidades, transformando arranjos e as próprias práticas, sendo que as práticas também dependem em larga medida desses arranjos. Vale destacar, contudo, que humanos não são os únicos capazes de agência, outras entidades, como as coisas, organismos e artefatos também são capazes disso. Contudo, Schatzki é enfático em dizer que a agência humana, por exemplo, nunca deveria ser comparada a dos objetos, pois nesta é ausente, por exemplo, a intencionalidade tipicamente humana. Este é um dos pontos de conflito do autor com a teoria atorrede (Schatzki, 2002Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press.). Entidades não-humanas podem exercer agência sobre o emaranhado de arranjos e práticas quando, por exemplo, ratos aparecem em uma horta, que demanda uma série de ações dos produtores para combater os invasores.

Em um de seus trabalhos, Schatzki (2016a)Schatzki, T. (2016a). Practice theory as flat ontology. In G. Spaargaren, D. Weenink, & M. Lamers, Practice theory and research: Exploring the dynamics of social life (pp. 28-42). Routledge. argumenta que desenvolveu uma ontologia plana porque todo fenômeno social, onde quer que ele se manifeste no mundo, é composto de feixes dos mesmos elementos: arranjos materiais e práticas sociais. Por isso, o mundo social se manifesta como um plenum de práticas. De acordo com o autor, a ideia de macro e microestruturas tão frequentemente encontradas na literatura sociológica não deve ser entendida como hierarquias superiores e inferiores. A relação de causa e efeito identificada no mundo social ocorre horizontalmente e a noção de macro e micro existe devido à diferença de densidade e extensão desses feixes de arranjos e práticas, por exemplo.

Argumentamos que a ontologia proposta por Milton Santos também pode ser considerada plana porque em sua visão, o mundo, como um espaço, é formado por um sistema de objetos e um sistema de ações. Apesar de utilizar o termo ‘verticalidade’ para se referir à relação entre territórios, isto não contradiz sua natureza ontológica, já que o termo é utilizado para caracterizar uma relação de poder.

Por fim, o consumo, de acordo com Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
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, p. 137, tradução nossa) “não é uma prática em si, mas, ao contrário, um momento em quase toda prática”. Logo, se é possível ver os elementos envolvidos nas práticas, é possível entender melhor seu consumo relacionado. Um destacado exemplo disso é o trabalho de Woremann and Rokka (2015Woermann, N., & Rokka, J. (2015). Timeflow: How Consumption Practices Shape Consumers' Temporal Experiences. Journal of Consumer Research, 41(6), 1486-1508. https://doi.org/10.1086/680668
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), que afirma que o timeflow das práticas é moldado pelo alinhamento ou desalinhamento de seus elementos. No mesmo sentido, o trabalho de Moraes et al. (2017)Moraes, C., Carrigan, M., Bosangit, C., Ferreira, C., & McGrath, M. (2017). Understanding ethical luxury consumption through practice theories: A study of fine jewellery purchases. Journal of Business Ethics, 145(3), 525-543. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2893-9
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, baseado em Magaudda (2011)Magaudda, P. (2011). When materiality ‘‘bites back’’: Digital music consumption practices in the age of dematerialization. Journal of Consumer Culture, 11(1), 15-36. https://doi.org/10.1177/1469540510390499
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, ajuda a entender o consumo de luxo ao desvelar os elementos da prática. Por fim, o trabalho de Bartiaux et al. (2014)Bartiaux, F., Gram-Hanssen, K., Fonseca, P., Ozoliņa, L., & Christensen, T. H. (2014). A practice- theory approach to homeowners' energy retrofits in four European areas. Building Research & Information, 42(4), 525-538. https://doi.org/10.1080/09613218.2014.900253
https://doi.org/10.1080/09613218.2014.90...
, utilizando o referencial de Gram-Hanssen (2011)Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 61-78. https://doi.org/10.1177/1469540510391725
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, demonstra como é possível reduzir o consumo de energia residencial ao se atentar a quatro componentes das práticas.

A “Natureza do Espaço” de acordo com Milton Santos, horizontalidades e verticalidades

Enquanto para Schatzki o local do social é composto de um feixe de arranjos materiais e práticas sociais, para Milton Santos o espaço é formado por um sistema de objetos e um sistema de ações. A similaridade ontológica é visível. Mas antes de tudo, é importante realizar algumas considerações sobre a terminologia proposta por Milton Santos. Para definir o espaço é necessário fazer uma distinção entre os conceitos de lugares, regiões e territórios, à medida em que eles são formas específicas de espaço. Apesar das distinções, é importante compreender que estes conceitos são transversais. Veja alguns exemplos de acordo com a forma com que o autor utiliza cada uma dessas categorias em seus trabalhos. De acordo com Santos (1997)Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec., territórios se referem a configurações geográficas delimitadas pela materialidade do ambiente natural e, com a evolução da história humana, crescentemente pela artificialidade dos objetos. Territórios moldam nações, mas não podem ser tratados somente de um ponto de vista político-legal, mas também como um “quadro de vida” (Santos, 2005Santos, M. (2005). O retorno do território. In Observatório Social de América Latina, 6(16), (pp. 255-261), CLACSO. http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/osal/osal16/32Santo.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libro...
, p. 255). Territórios, dessa forma, são compostos de diversos lugares e regiões. Exemplos de lugares são cidades, grandes ou pequenas. Contudo, o lugar não é sinônimo de cidade. Um lugar se refere a algum tipo de configuração do território e é formado por coisas, objetos e pessoas vivendo suas vidas. O lugar é onde os atores sociais de fato realizam suas ações. Por fim, regiões são partes dos territórios e são compostos de uma variedade de lugares (Santos, 2013Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.).

O espaço, analisado sob essa perspectiva, corresponde a um espaço vivo (social) e material onde as ações acontece em um dado tempo. O espaço é um espaço-tempo vivo. Consequentemente, o espaço é distinto de lugares e territórios por servir como forma de abordagem ontoepistemológica ao fenômeno da geografia. O espaço geográfico se sobrepõe como forma de análise de territórios e lugares.

Um passo adentro do universo conceitual de Milton Santos, vemos objetos como entidades materiais que têm forma. Contudo, um objeto não tem significado fora do contexto da ação humana. O que dá significado aos objetos são as intenções técnicas presentes em suas construções, já que o significado do objeto é dado pela ação humana (Santos, 1980bSantos, M. (1980b). The Devil’s Totality: how geographic forms diffuse capital and change social structures. Antipode, 12(3), 41-46. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1980.tb00654.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1980...
; 1997Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec.; 2013Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.). Mesmo materialidades naturais como rochas e montanhas, por exemplo, se utilizadas pelo homem, ganham status de objetos. Contudo, objetos são forma e conteúdo.

O conteúdo desses objetos é carregado com técnicas, formando então um sistema de técnicas, como o caso da técnica da estrada de ferro, por exemplo, que depende da técnica da siderurgia, dos maquinistas, etc. A técnica, de acordo com Milton Santos, é um meio para a realização da atividade humana. Um objeto, como carregado de técnicas, termina por regular a ação daqueles que o utilizam. Assim, a ação humana, ao mesmo tempo que cria a forma-conteúdo, também é direcionada pelos objetos.

Para Milton Santos, a técnica não é neutra, nem mesmo os objetos técnicos. Dessa forma, dentro de uma ontologia onde, de um lado, temos um sistema de ações e, do outro, um sistema de objetos, este termina por moldar ações humana em lugares por meio de sua técnica e de seu conteúdo intencional. Milton Santos (2013)Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo. advoga que a técnica é cada vez mais definida pelas grandes empresas que, com sua crescente difusão de objetos técnicos pelo globo acaba, verticalmente, definindo ações em lugares que as absorvem. Logo, em territórios e lugares que estão fora dos centros de poder global, há uma absorção de técnicas que são “estrangeiras” àquelas criadas em seus próprios lugares, que passam a ser consideradas “ultrapassadas” por uma nova forma de produção. De acordo com Santos, há a possibilidade de que - como cidadãos de países subdesenvolvidos - nós carreguemos ações (orientados por certa técnica e objetos técnicos) que são definidas em territórios e lugares distantes, em vez de gestarmos nossas próprias ações e técnicas de forma horizontal.

Para finalizar esta seção, explicamos as categorias de horizontalidades e verticalidades citando o geógrafo:

As segmentações e partições presentes no espaço sugerem, pelo menos, que se admitam dois recortes. De um lado, há extensões formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade, como na definição tradicional de região. São as horizontalidades. De outro lado, há pontos no espaço que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. São as verticalidades. O espaço se compõe de uns e de outros desses recortes, inseparavelmente. É a partir dessas novas subdivisões que devemos pensar novas categorias analíticas. (Santos, 1997Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec., p. 225).

De acordo com a definição acima, horizontalidades e verticalidades são ambos quadros de análise. Com o quadro das horizontalidades podemos ver no espaço as solidariedades e relações mais ou menos igualitárias entre os atores, como é o caso das economias locais e tradicionais. Contudo, pelo quadro da verticalidade vemos as relações de poder, como a imposição de técnicas de um país a outro. A crítica de Milton Santos à globalização reside nas verticalidades, suas imposições e suas consequências para os países pobres. Os países pobres do Sul estão importando técnicas e ações dos países do Norte? As ações humanas, de acordo com a ontologia de Milton Santos, manifestam a carga técnica capaz de orientar e organizá-las de forma muito similar à estrutura teleoafetiva, entendimentos e regras da prática social discutida por Schatzki.

Neste ponto queremos destacar a similaridade entre o conteúdo da técnica, exposto por Milton Santos, que está presente nas pessoas e nos objetos, e os elementos que estruturam as práticas sociais, que correspondem aos entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva, de acordo com Schatzki.

O papel das técnicas para Milton Santos e a análise das práticas

Tanto Schatzki quanto Milton Santos trazem elementos que podem ser de grande relevância para uma ontologia adequada à investigação das práticas e do consumo. Milton Santos, por sua vez, enfatiza a importância da técnica. Em um mundo globalizado, as técnicas presentes nos objetos e ações individuais se tornam “estrangeiras” aos territórios e lugares e, também aos próprios indivíduos, já que essas técnicas são desenvolvidas na maior parte das vezes por grandes empresas multinacionais que impõem técnicas a territórios pelo globo de uma forma vertical (Santos, 1980aSantos, M. (1980a). A urbanização desigual: a especificidade do fenômeno urbano em países subdesenvolvidos (2a ed.). Vozes.; 2017Santos, M. (2017). Toward an other globalization: From the single thought to universal conscience. Springer.; 2013). A ideia de técnica não está presente de forma clara em Schatzki, mas parece estar diluída nas categorias organizadoras da prática: entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva. Parece, contudo, que o interesse de Milton Santos em destacar o papel da técnica no mundo social se relaciona ao interesse em questionar sua origem e a violência vertical direcionada àqueles indivíduos de lugares em países subdesenvolvidos.

A técnica e suas instruções, contidas nos objetos, presente em grande parte da ontologia de Santos, também parece manifestar o que Schatzki (2002)Schatzki, T. (2002). The site of the social: A philosophical account of the constitution of social life and change. The Pennsylvania State University Press. chama de inteligibilidade. De acordo com este autor, “inteligibilidade é o que faz sentido para as pessoas fazerem. Ela governa a ação especificando o que um ator faz em seguida em um contínuo fluxo de atividades” (p. 75, tradução nossa). O que torna esse ponto relevante para a nossa teorética é que Santos (1997)Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec. dá um papel similar às técnicas quando afirma que

O espaço racional supõe uma resposta pronta e adequada às demandas dos agentes, de modo a permitir que o encontro entre a ação pretendida e o objeto disponível se dê com o máximo de eficácia. Esta tanto depende da técnica contida nas coisas e nas ações. (p. 239).

Para esta seção uma melhor definição de técnica é necessária. Milton Santos (1997)Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec. define a técnica como um meio. Tal perspectiva também está de acordo com a discussão filosófica sobre o conceito de técnica. Bruno Latour (1994Latour, B. (1994). On technical mediation: Philosophy, sociology, genealogy. Common Knowledge, 3(2), 29-64., p. 6, tradução nossa) afirma que “técnicas, conforme aprendemos com arqueólogos, são subprogramas articulados para ações que subsistem (no tempo) e se estendem (no espaço)”. Contudo, a técnica, em um sentido bourdiano, funcionaria como uma forma de habitus, que é carregado pelos indivíduos e os guiam em suas ações.

Esta definição de técnica como algo que guia ações também é discutida por Habermas (2011Habermas, J. (2011). Teoria e Práxis: estudos de filosofia social. Editora Unesp., p. 509).

Mas por técnica entendemos também um sistema de regras que define a ação racional com respeito a fins - ou seja, estratégias e tecnologias. Chamo as regras da escolha racional de estratégias e as regras da ação instrumental de tecnologias. Tecnologias funcionam também na qualidade de princípios que definem procedimentos, deixando de ser propriamente um meio técnico. Enquanto meio técnico, as coisas desejadas podem ser inseridas em um contexto de ação instrumental.

A ideia de que a técnica é um meio para atingir certo fim também está presente no trabalho de Habermas. Em outras palavras, técnica é um meio instrumental carregado pelos indivíduos por meio de estratégias e regras. Logo, indivíduos carregam técnica para atingir seus objetivos.

Para completar o delineamento do conceito de técnica discutido aqui, retornamos a

Aristóteles e sua Metafísica. O filósofo (Aristóteles, 2002Aristóteles. (2002). Metafísica (5a ed., Vol. 2). Edições Loyola.) diferencia a ɛπιστήμη (epistéme) da τέχνη (téchne, traduzida como arte), colocando a primeira como autônoma e a mais nobre forma de conhecimento, já que não estaria subordinada à fins e à criação de bens específicos. A téchne, ou arte, é usada por indivíduos em suas atividades, como é o caso da prática da medicina ou arquitetura. A técnica é, dessa forma, subordinada a fins para a criação de bens.

Baseado no conceito de técnica destacado até aqui, é possível perguntar: onde está a técnica na discussão e análise das práticas? Argumentamos que a técnica manifesta os elementos organizadores das práticas conforme Schatzki: entendimentos, regras e estruturas teleoafetiva. Como esses elementos, que são os organizadores da prática destacados por Schatzki, a técnica guia e organiza ações, tanto na discussão empreendida por Milton Santos como também na filosofia. A técnica do médico guia uma boa prática médica, bem como a técnica do arquiteto guia uma boa prática de arquitetura. Mesmo assim, não é possível afirmar que dentro de uma prática todos os entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva formam uma técnica. Contudo, dentro de uma prática, um feixe direcionado a fins e composto de fazeres, dizeres, arranjos materiais, entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva manifesta uma técnica.

As atividades da prática schatzkiana são organizadas por (1) entendimentos, (2) regras e (3) estrutura teleoafetiva. Ora, a técnica carregada pelos indivíduos não (1) determina a maneira com que identificamos, agimos e respondemos ações, justamente como os entendimentos práticos? A técnica não vem com (2) regras explícitas determinadas - também na forma de objetos técnicos - de como agir para atingir determinados fins, bem como nas práticas sociais? As técnicas não (3) definem uma série de hierarquias de objetivos, tarefas, valores e humores envolvidos em determinadas atividades, bem como são as estruturas teleoafetiva das práticas? O que queremos enfatizar com isso é que as técnicas constituem um elemento fundamental para organizar as práticas sociais e elas são carregadas de teleoafetividades, regras e entendimentos.

A novidade da discussão sobre a técnica levada a cabo por Milton Santos na análise de práticas e consumo é: se as técnicas são definidas em centros de grande densidade técnica (Santos, 2013Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.) e impostas sobre territórios subdesenvolvidos, fazendo com que indivíduos tenham ações “estranhas” e “não-naturais”, podemos afirmar que a existência de práticas impostas e não-naturais nos seus lugares de performance é possível. Ao definir uma técnica específica (e objetos técnicos), uma empresa multinacional automaticamente define entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva que guiam a performance das práticas. Por outro lado, da perspectiva dos lugares que importam as técnicas, o importado coexiste em conflito com as técnicas nativas e orgânicas.

De acordo com Milton Santos, de um lado, as técnicas têm um papel perverso e central na distribuição de ações pelo mundo, pelo fato delas serem cada vez mais criadas nos centros de poder do mundo capitalista e agir como cavalos de Tróia (1980b). Por outro lado, a análise de Milton Santos do espaço ajuda a abordá-lo (seja como território, região ou lugar) como um “espaço banal” (Santos, 2005Santos, M. (2005). O retorno do território. In Observatório Social de América Latina, 6(16), (pp. 255-261), CLACSO. http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/osal/osal16/32Santo.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libro...
), isto é, um espaço complexo, histórico e vivo repleto de contradições, múltiplas técnicas, verticalidades (imposições) e horizontalidades (solidariedades naturais e orgânicas do espaço). Lacerda (2021)Lacerda, D. (2021). Investigating the political economy of the territory: The contradictory responses of organisations to spatial inequality. Organization, 1-20. https://doi.org/10.1177/13505084211061239
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, ancorado na perspectiva miltoniana, ao investigar o papel das organizações da sociedade civil na favela da Papua, no Rio de Janeiro, demonstra a complexidade do espaço ao destacar as ações contraditórias dessas organizações em suas respostas às questões da desigualdade.

Meta-análise qualitativa

Realizamos uma meta-análise qualitativa (Stall-Meadows & Hyle, 2010Stall-Meadows, C., & Hyle, A. (2010). Procedural methodology for a grounded meta-analysis of qualitative case studies. International Journal of Consumer Studies, 34(4), 412-418. https://doi.org/10.1111/j.1470-6431.2010.00882.x
https://doi.org/10.1111/j.1470-6431.2010...
; Levitt, 2018Levitt, H. (2018). How to conduct a qualitative meta-analysis: Tailoring methods to enhance methodological integrity. Psychotherapy Research, 28(3), 367-378. 10.1080/10503307.2018.1447708
https://doi.org/10.1080/10503307.2018.14...
) para identificar estudos em prática e consumo na espacialidade. Nosso primeiro objetivo é demonstrar como os construtos e a teoria de Milton Santos são adequados a estes estudos e para dar ao leitor um breve panorama sobre eles. Logo após, utilizaremos algumas das práticas investigadas por esses trabalhos para demonstrar suas direcionalidades (ver tabela 2). Como já abordamos, a direcionalidade é o construto que advogamos aqui.

Para isso, utilizamos a base de dados Web of Science para pesquisar pelos termos: “consumer” AND “practice”. A pesquisa partiu do ano inicial de 2005 (ano do seminal trabalho de Warde que faz o “casamento” dos estudos do consumo com a teoria da prática) e foi limitada aos journals Marketing Theory, Journal of Consumer Research, Journal of Consumer Culture e Consumption, Markets & Culture. Depois de exportar os artigos para o Excel, foi possível selecionar aqueles que realizaram ao menos uma citação de Schatzki. Com isso, buscamos por aqueles artigos em que a teoria da prática utilizada foi a de origem schatzkiana. Se queremos demonstrar que técnicas de verticalidades são carregadas com os elementos organizadores da prática da teoria de Schatzki (entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva), a obra schatzkiana ilustra melhor nossos argumentos. Esta foi a razão para nossas escolhas. Nossa intenção é demonstrar, com o mínimo de critério, como é possível utilizar os conceitos e construções teóricas discutidos até aqui.

Com a exclusão do trabalho de Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
https://doi.org/10.1177/1469540505053090...
, o resultado foi de 40 artigos. O segundo passo da meta-análise qualitativa foi verificar se os artigos pré selecionados na etapa anterior respondiam positivamente a três questões: (1) é empírico?; (2) a abordagem da prática é realizada de forma schatzkiana?; (3) a espacialidade é relevante para o fenômeno investigado? Por fim, obtivemos 10 artigos que passaram por todos os filtros. Eles são apresentados na primeira coluna da Tabela 1 e foram agrupados de acordo com as similaridades de abordagem sobre o espaço.

Tabela 1
Adequação do Trabalho de Milton Santos em Estudos de Prática, Consumo e Espacialidade
Tabela 2
Direcionalidade das Práticas e Tipos de Consumo Associados

Não temos a intenção, nem mesmo implícita, de sugerir que os autores dos artigos deveriam tomar este ou aquele caminho em suas investigações. Acreditamos que esses trabalhos são excelentes. Nosso objetivo é somente de pontuar a riqueza do framework de Milton Santos para abordar tópicos que já são discutidos no campo de práticas, consumo e espaço.

O trabalho empírico de Phipps and Ozanne (2017)Phipps, M., & Ozanne, J. (2017). Routines Disrupted: Reestablishing Security through practice alignment. Journal of Consumer Research, 44(2), 361-380. https://doi.org/10.1093/jcr/ucx040
https://doi.org/10.1093/jcr/ucx040...
, que relata um estudo durante o período de seca na Austrália, demonstra como os consumidores foram de um estado de insegurança para um novo estado de segurança devido à necessidade de adotarem novas práticas de economia de consumo de água, que são demandadas pelo fenômeno natural da seca. Uma abordagem inspirada em Milton Santos poderia adicionar uma boa perspectiva ontológica à discussão ao demonstrar como a paisagem e as coisas estão enraizadas em nossas ações quando formam o espaço. Além disso, outra abordagem atenta às técnicas e objetos técnicos poderia enfatizar seus papéis na constituição dos entendimentos, regras e estruturas teleoafetivas, configurando todo um sistema de práticas estrangeiras, como discutido previamente. Estas práticas auxiliam ou não na constituição da segurança ontológica?

O papel do espaço, bem como a materialidade e as atividades envolvidas, também parece ser relevante para a investigação do timeflow das práticas, como realizado por Woremann and Rokka (2015Woermann, N., & Rokka, J. (2015). Timeflow: How Consumption Practices Shape Consumers' Temporal Experiences. Journal of Consumer Research, 41(6), 1486-1508. https://doi.org/10.1086/680668
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). Um olhar atento ao papel das técnicas, sejam carregadas pelos indivíduos ou presente em objetos, poderia elevá-las à centralidade de uma investigação empírica, entendendo-as, de acordo com Milton Santos (1997)Santos, M. (1997). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (2a ed.). Hucitec., como responsáveis pela conexão fundamental entre tempo e espaço. Em certa medida, essa foi a descoberta dos autores (a relação entre tempo e espaço na performance das práticas), contudo, sem discutir a questão das técnicas. As técnicas não formariam, como discutido anteriormente, pacotes de atividades, entendimentos, regras e estrutura teleoafetiva que mudam o timeflow de práticas e consumo? De acordo com o achado dos autores, não seria o alinhamento e o desalinhamento desses elementos das práticas que alteram o timeflow?

É comum que estudos envolvendo o consumo alimentar e práticas adotem como objetos de investigação empírica contextos em que há práticas conflitantes entre as redes alimentares alternativas (RAAs) e redes convencionais de fornecimento de alimentos. O trabalho de Domaneschi (2012)Domaneschi, L. (2012). Food social practices: Theory of practice and the new battlefield of food quality. Journal of Consumer Culture, 12(3), 306-322. https://doi.org/10.1177/1469540512456919
https://doi.org/10.1177/1469540512456919...
demonstra como a qualidade da comida servida por restaurantes na Itália é inerente à tradição dos territórios, seja no que diz respeito a seus aspectos físicos ou abstratos. Neste caso, horizontalidades são utilizadas precisamente para combater imposições verticais (estrangeiras) de padrões de qualidade alimentar. Horizontalidade e verticalidade coexistem - às vezes contraditoriamente e harmoniosamente - nos mesmos lugares, como demonstrado por Rinkinen et al. (2019)Rinkinen, J., Shove, E., & Smits, M. (2019). Cold chains in Hanoi and Bangkok: Changing systems of provision and practice. Journal of Consumer Culture, 19(3), 379-397. https://doi.org/10.1177/1469540517717783
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quando identificaram o papel do freezer como um permissor do consumo de alimentos processados e de alimentos de redes alternativas e locais. Neste caso, o conflito entre práticas estrangeiras e locais é evidente. Enquanto Crivitis and Paredis (2013) investigam RAAs no contexto do Norte global, Erler et al. (2020)Erler, M., Keck, M., & Dittrich, C. (2020). The changing meaning of millets: Organic shops and distinctive consumption practices in Bengaluru, India. Journal of Consumer Culture, 22(1) 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540520902508
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realizam o debate no contexto da Índia. Nesses dois artigos, é possível identificar algumas formas de resistência dos modelos tradicionais de aquisição de alimentos, além da dominação de espaços e territórios por racionalidades globais, como alertado por Milton Santos. Sendo assim, é possível imaginar como elementos de horizontalidades começam ser incorporados à equação devido ao gosto de classe cosmopolita de classe média.

O trabalho de Boulaire and Cova (2013)Boulaire, C., & Cova, B. (2013). The dynamics and trajectory of creative consumption practices as revealed by the postmodern game of geocaching. Consumption, Markets & Culture, 16(1), 1-24. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.659434
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investiga um tipo de jogo digital para abordar questões relacionadas à tecnologia informacional e o espaço. Uma abordagem miltoniana crítica poderia questionar se a ideia de rede que permeia a discussão da digitalização do espaço ocorre graças à impressão de uma falsa horizontalidade que poderia quebrar solidariedades locais, por exemplo, por meio da criação de barreiras culturais entre classes.

Por fim, a globalização promove simultaneamente relacionamentos complexos, contraditórios e harmoniosos. Da nossa seleção, enfatizamos o estudo de Jafari and Goulding (2013)Jafari, A., & Goulding, C. (2013). Globalization, reflexivity, and the project of the self: a virtual intercultural learning process. Consumption, Markets & Culture, 16(1), 65-90. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.659435
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ao investigar a ocidentalização do Irã, o estudo de Zalewska (2015)Zalewska, J. (2015). Consumer revolution in People’s Poland: Technologies in everyday life and the negotiation between custom and fashion (1945-1980). Journal of Consumer Culture, 17(2), 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540515595125
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, que aborda a revolução do consumidor em uma Polônia pós-soviética, e o de Gowricharn (2019)Gowricharn, R. (2019). Practices in taste maintenance. The case of Indian diaspora markets. Journal of Consumer Culture, 19(3), 398-416. https://doi.org/10.1177/1469540517717784
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, que investiga comunidades indianas nos Países Baixos. Todos esses trabalhos lançam luz sobre relacionamentos complexos, em níveis globais e locais. Nessa complexidade, é possível vislumbrar técnicas ao observar o “transporte” de práticas de um lugar a outro pelo globo, elementos de horizontalidades resistindo em territórios e relações verticais e horizontais coexistindo contraditoriamente em espaços. Agora é hora de advogarmos pelo nosso construto de direcionalidade das práticas.

Esta meta-análise não é exaustiva, e sabemos que possui limitações. Em primeiro lugar, definir a data inicial da busca para depois da publicação de Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and Theories of Practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131153. https://doi.org/10.1177/1469540505053090
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não implica que não havia trabalhos anteriores que investigavam empiricamente práticas e consumo. Segundo, restringimos conscientemente nossa meta-análise em poucos periódicos. Isso se torna uma limitação quando imaginamos que pode haver tantos outros artigos que trabalham com uma teorética similar à que propomos, mas que, contudo, são publicadas em periódicos da área ambiental, por exemplo (é o caso de Røpke, 2009Røpke, I. (2009). Theories of practice - new inspiration for ecological economic studies on consumption. Ecological Economics, 68(10), 2490-2497. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2009.05.015
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). Por fim, a necessidade imposta por nós mesmos de analisar somente aqueles que têm ao menos uma referência a Schatzki pode ter deixado de fora aqueles que utilizam o referencial de Shove e seus colaboradores, por exemplo, que consideramos uma ramificação das discussões iniciais de Schatzki.

A direcionalidade como construto para analisar práticas e padrões de consumo em espaços

Demonstramos até agora algumas similaridades entre a teoria da prática de Schatzki e a chamada natureza do espaço de Milton Santos, bem como suas ontologias. Argumentamos que essas ontologias são muito similares e uma teorética que se utilize desses autores seminais poderia ser frutífera para pesquisadores que estão interessados em investigar consumo, práticas e espaço. Para sustentar nossos argumentos, também realizamos uma meta-análise como demonstrado na Tabela 1. Nesta seção demonstramos o que criamos com esta fusão: o construto da direcionalidade, uma dimensão para se observar nas práticas.

Práticas, em termos direcionais, podem ser predominantemente horizontais, predominantemente verticais e indiferenciadas. Como discutimos até então, o espaço é atravessado por verticalidades e horizontalidades. É importante lembrar que, para Milton Santos, o Norte global, com sua densidade tecnológica, espalha técnicas pelo mundo e, normalmente, os países subdesenvolvidos incorporam algumas dessas técnicas. Essas técnicas, de acordo com Milton Santos, podem ser consideradas cavalos de Tróia (Santos, 1980bSantos, M. (1980b). The Devil’s Totality: how geographic forms diffuse capital and change social structures. Antipode, 12(3), 41-46. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.1980.tb00654.x
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). Como argumentamos, as técnicas incorporadas geram dentro de seus territórios e lugares (normalmente do Sul global) práticas “estrangeiras” e, consequentemente, padrões de consumo “estrangeiros”.

Logo, argumentamos que as práticas espelham essa dinâmica. Se observarmos algumas práticas que possuem raízes no exterior (já que a técnica que a transporta pelo espaço do globo é criada no exterior), esta prática manifesta uma direcionalidade vertical. Por outro lado, se enquadrarmos algumas práticas que são criadas em seus próprios lugares ou territórios, de uma forma mais orgânica, estamos falando sobre uma direcionalidade horizontal. No primeiro caso, temos consumos “estrangeiros”. No segundo, temos consumos “solidários”.

Em outros, temos práticas que são de grande dificuldade diferenciá-las entre “estrangeiras” ou “solidárias”. Neste caso, rotulamos o consumo que emerge da situação como “antropofágico”. O termo antropofágico faz referência ao escritor Oswald de Andrade e ao seu texto histórico publicado em 1928. O autor, em seu Manifesto Antropófago, fez um chamado à camada artística brasileira para incorporar a cultura exterior, mas também para criar algo novo e brasileiro. A principal ideia está em aceitar o multiculturalismo. Esse rótulo parece ser bastante adequado para práticas que são atravessadas por verticalidades e horizontalidades, já que não é muito seguro classificar suas direcionalidades ou seus padrões de consumo como “estrangeiros” ou “solidários”.

Nosso trabalho em identificar um novo construto (direcionalidade) pode auxiliar pesquisadores interessados em ver outra dimensão das práticas e, consequentemente, diferenciar padrões de consumo. Além disso, acreditamos que realizamos essa tarefa de acordo com MacInnis (2011)MacInnis, D. J. (2011). A framework for conceptual contributions in Marketing. Journal of Marketing, 75(4), 136-154. https://doi.org/10.1509/jmkg.75.4.136
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. Para a autora, um construto é uma forma de contribuição conceitual e “artigos que contribuem para a identificação [de construtos] nos faz conscientes do que tem sido esquecido” (p. 143, tradução nossa). Sendo assim, no que segue, realizamos o esforço de justificar a importância desse construto.

Na literatura, as práticas já foram estudas sob a ótica de entidades e da capacidade de se espalhar pelo tempo e espaço (Shove & Pantzar, 2007Shove, E., & Pantzar, M. (2007). Recruitment and reproduction: The careers and carriers of digital photography and floorball. Human Affairs, 17(2), 154-167. https://doi.org/10.2478/v10023007-0014-9
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; Røpke, 2009Røpke, I. (2009). Theories of practice - new inspiration for ecological economic studies on consumption. Ecological Economics, 68(10), 2490-2497. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2009.05.015
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; Gram-Hanssen, 2011Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 61-78. https://doi.org/10.1177/1469540510391725
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). Contudo, acreditamos que ideias sobre o plenum de práticas (Schtazki, 2019) e sobre o nexus de práticas (Hui, Schatzki & Shove, 2016Hui, A., Schatzki, T., & Shove, E. (2016). The nexus of practices: connections, constellations, practitioners. Routledge.), por exemplo, são insuficientes na missão de problematizar as relações entre lugares do mandar e lugares do fazer (Santos, 2013Santos, M. (2013). Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional (5a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.). A dimensão da direcionalidade que propomos aqui chama atenção para as dinâmicas de imposição/resistência ou de harmonização de práticas entre lugares e territórios. Como pesquisadores do Sul global, temos a intenção de questionar as dinâmicas de poder quando estudamos práticas e consumo. Não é do nosso interesse apenas aceitar algumas teorias criadas no Norte para enquadrar nossas especificidades. De forma “antropofágica”, pretendemos criar algo único e adequado para investigar nossas próprias questões.

Por exemplo, a ideia de “estrangeiro” e “solidário” poderia ser útil para pesquisadores de consumo que tenham interesse em investigar relações de poder em lugares e territórios. Como mencionado anteriormente, Lacerda (2021)Lacerda, D. (2021). Investigating the political economy of the territory: The contradictory responses of organisations to spatial inequality. Organization, 1-20. https://doi.org/10.1177/13505084211061239
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investigou o papel das organizações da sociedade civil (OSCs) no desenvolvimento da favela da Papua, no Rio de Janeiro. De alguma forma, práticas “estrangeiras” importadas por estudantes de escolas de negócios “tentando melhorar a eficiência das OSCs” (p. 14, tradução nossa) quebram práticas horizontais e formas de consumo solidário sobre o MuseumOrg, um museu de favelas.

Em relação à ideia de práticas horizontais e verticais, trabalhamos no sentido weberiano de tipos ideais. Em um plenum de práticas ou em um mundo global, sabemos que é muito difícil enquadrar um tipo “puro” de prática. Por causa disso, utilizamos o termo “predominante” para ilustrar práticas que são “mais” horizontais ou “mais” verticais.

Utilizamos alguns exemplos extraídos de nossa meta-análise para finalizar esta seção e ilustrar nosso framework. No que segue, não vamos mais utilizar aspas para nos referir a esses termos.

Nosso consumo solidário é uma conceitualização que auxilia a enquadrar o fenômeno do espaço e prática, focalizando sempre a origem da última. Especificamente, estamos olhando para um tipo de consumo que anda ao lado - e faz oposição a - algum consumo estrangeiro. É muito importante notar que com o termo solidário não estamos nos referindo sobre o consumo de tribos ou formas de comunidades. Já há uma literatura consistente abrangendo esse fenômeno (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E., & Thompson, C. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. https://doi.org/10.1086/426626
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). Para tornar essa diferença clara, trazemos um exemplo. Motociclistas brasileiros fãs de Harley Davidson podem ser uma tribo, mas o consumo que emerge da prática de participar do grupo não é solidário em nossos termos, pois é estrangeiro. Dessa forma, o jogo de geocaching estudado por Boulaire and Cova (2013)Boulaire, C., & Cova, B. (2013). The dynamics and trajectory of creative consumption practices as revealed by the postmodern game of geocaching. Consumption, Markets & Culture, 16(1), 1-24. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.659434
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tem características coletivas, mas não é solidário no sentido que propomos, pois parece pertencer a uma camada mais cosmopolita do espaço (neste caso o consumo parece ser mais indiferenciado). Um exemplo de consumo solidário é o caso dos food teams estudados por Crivits and Paredis (2013)Crivits, M., & Paredis, E. (2013). Designing an explanatory practice framework: Local food systems as a case. Journal of Consumer Culture, 13(3), 306-336. https://doi.org/10.1177/1469540513484321
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na Bélgica. Eles são “sistemas alimentares que diferem do sistema agroalimentar dominante e são criados como uma reação ao paradigma produtivista convencional” (p. 312). Neste caso há claramente algum conflito de poder.

Um exemplo de consumo estrangeiro é apresentado por Zalewska (2015)Zalewska, J. (2015). Consumer revolution in People’s Poland: Technologies in everyday life and the negotiation between custom and fashion (1945-1980). Journal of Consumer Culture, 17(2), 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540515595125
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em seu estudo sobre a “revolução do consumo” na Polônia socialista. Em muitos casos, os objetos técnicos do mundo ocidental “invadiram” o país comunista e mudaram práticas e costumes. Consequentemente, o consumo se alterou, como no caso dos avanços técnicos que deram às mulheres mais tempo para trabalhar fora de casa. Este é um caso claro em que o consumo estrangeiro veio com a verticalidade de práticas (carregadas por técnicas ou objetos técnicos).

Um exemplo de consumo antropofágico, que não é fácil de classificar como solidário ou estrangeiro, é o caso do consumo dos millets na Índia estudado por Erler et al. (2020)Erler, M., Keck, M., & Dittrich, C. (2020). The changing meaning of millets: Organic shops and distinctive consumption practices in Bengaluru, India. Journal of Consumer Culture, 22(1) 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540520902508
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. De acordo com os autores, “nas partes urbanas de Bengaluru, os millets durante muito tempo têm sido considerados como um suprimento inferior quando comparados com arroz e trigo” (p. 2, tradução nossa). Contudo, uma nova classe média indiana, influenciada por uma ideia ocidental e exclusivista de comida orgânica, se tornou mais interessada nesse tipo de consumo e nas práticas envolvidas no caso dos millets. Apesar de utilizar o consumo dos millets como diferencial de classe, a nova classe média indiana, em um movimento antropofágico, incorporou um alimento ancestral do norte da África e Ásia para ressignificá-lo em um gosto de classe mais cosmopolita. As práticas verticais de ir a uma loja orgânica e as práticas horizontais de cozinha indiana se fundiram e criaram uma forma de consumo antropofágico.

Conclusões

Discutimos neste trabalho o potencial da teoria de Milton Santos para a pesquisa em estudos do consumo e práticas. Mais especificamente, dessa junção criamos o construto de direcionalidade das práticas. Com isso, também esperamos que o trabalho possa abrir caminho para outros interessados em investigar o consumo, práticas e o espaço utilizando a teoria miltoniana. O trabalho do geógrafo é muito rico e pode dar muitos insights para o campo do consumo e práticas. Por exemplo, a ideia de rugosidade (velhas técnicas sobreviventes) é muito interessante quando estudamos práticas e padrões de consumo que são considerados “atrasados”.

Contudo, nosso foco aqui é que a direcionalidade das práticas guia padrões de consumo em lugares. Práticas predominantemente horizontais criam consumos solidários, práticas predominantemente verticais criam consumos estrangeiros e práticas com direcionalidade indiferenciada criam consumos antropofágicos. Por isso, ao final deste ensaio escolhemos apontar três caminhos de investigação derivados do nosso construto.

Primeiro. Pesquisadores que estão interessados em revelar alguns aspectos críticos sobre consumo e práticas podem utilizar o construto de direcionalidade, pois ele aponta para as origens das práticas e padrões de consumo. Por exemplo, nosso construto pode ser utilizado em investigações sobre dinâmicas de mercado, como é o caso das redes alimentares alternativas (RAAs) em países subdesenvolvidos. Em alguns casos, é possível ver imposições de agentes de mercado em lugares alimentando inequalidades, como no caso das RAAs investigadas por Lopes, Menezes e Araújo (2017)Lopes, A. C. S., Menezes, M. C., & Araújo, M. L. (2017). O ambiente alimentar e o acesso a frutas e hortaliças: “uma metrópole em perspectiva”. Saúde Sociedade, 26(3), 764-773. https://doi.org/10.1590/S0104-12902017168867
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na cidade de Belo Horizonte. Neste caso, o consumo de RAAs dos moradores da cidade de Belo Horizonte é estrangeiro?

Em segundo lugar, a direcionalidade das práticas, em nosso argumento, guia padrões de consumo em lugares. Pesquisadores que estiverem interessados em revelar aspectos críticos em práticas de consumo podem utilizar esse tipo de teorética para apontar para as origens das práticas e padrões de consumo. Por exemplo, a investigação de Warnaby and Medway (2013)Warnaby, G., & Medway, D. (2013). What about the ‘place’ in place marketing?. Marketing Theory, 13(3), 345-363. https://doi.org/10.1177/1470593113492992
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demonstra como os conflitos de 2011 em Londres e as consequentes campanhas governamentais poderiam ser erroneamente enquadradas caso não prestássemos atenção às verticalidades e horizontalidades do espaço. O caso também nos demonstra que é possível utilizar esta teorética além do contexto do Sul global.

Desvendar se o consumo é solidário ou estrangeiro pode dar algumas pistas sobre preferências por “gostos estrangeiros” em países do Sul. Esta questão é o caso do já mencionado novo gosto de classe média na Índia discutido por Erler et al. (2020)Erler, M., Keck, M., & Dittrich, C. (2020). The changing meaning of millets: Organic shops and distinctive consumption practices in Bengaluru, India. Journal of Consumer Culture, 22(1) 1-19. https://doi.org/10.1177/1469540520902508
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. O trabalho de Castilhos (2019)Castilhos, R. (2019). Branded places and marketplace exclusion. Consumption, Markets & Culture, 22(5-6), 582-597. https://doi.org/10.1080/10253866.2018.1561645
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, por exemplo, lança luz sobre o gosto de classe média e seu consumo estrangeiro quando destaca o caso do conflito dos moradores de um condomínio para mudar o nome do bairro de Vila Ipiranga para Jardim Europa. Neste caso, o gosto dos moradores de uma cidade brasileira vem com a dinâmica de mercado do espaço. De acordo com a investigação, as práticas hegemônicas (estrangeiras) de mercado criaram fronteiras entre aqueles de classe média e de classe baixa, promovendo exclusão.

Em terceiro lugar, saber as origens de práticas e padrões de consumo auxilia a entender a origem dos entendimentos gerais de algumas práticas. Como sabemos, entendimentos gerais atuam como ethos nas performances das práticas. Logo, encontrar o que sustenta a moralidade envolvida em padrões de consumo e suas práticas pode se tornar um caminho frutífero para pesquisadores interessados em investigar questões éticas sobre o consumo. Dessa forma, nosso construto de direcionalidade das práticas pode destacar as imposições entre lugares na discussão da ética de consumo e práticas (Gram-Hanssen, 2021Gram-Hanssen, K. (2021). Conceptualising ethical consumption within theories of practice. Journal of Consumer Culture, 21(3), 432-449. https://doi.org/10.1177/14695405211013956
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). Por outro lado, nosso construto também pode contribuir para a discussão das formações teleoafetivas levantada por Welch (2017). De acordo com o autor, este construto, derivado dos entendimentos gerais de práticas individuais, aponta para uma diversidade de práticas coordenando fins comuns e fazendo sentido para seus participantes. Esperamos que o construto de direcionalidade contribua também para estes estudos sobre a ética do consumo. Nossas motivações são estrangeiras? Nossa ética é importada? Como cidadãos do Sul global, nossa moralidade é estranha a nós?

Como dissemos, com este ensaio queremos revelar caminhos para investigar o consumo e práticas em lugares. Nós também esperamos que pesquisadores possam ir além e explorar os vastos insights que o trabalho de Milton Santos pode dar ao campo.

  • Financiamento
    Os autores agradecem o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Linguagem inclusiva

Os autores usam linguagem inclusiva que reconhece a diversidade, demonstra respeito por todas as pessoas, é sensível a diferenças e promove oportunidades iguais.

Verificação de plágio

A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.

Disponibilidade de dados

A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

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Editor Associado: Marcelo de Souza Bispo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2022
  • Aceito
    14 Fev 2023
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