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O Itinerário Epistemológico de Herbert Simon aos Limites da Racionalidade

Resumo

O objetivo deste artigo é investigar o itinerário epistemológico de Herbert A. Simon acerca dos limites da racionalidade registrados em seu livro Administrative Behavior , de 1947. A pesquisa, fundamentada no materialismo, abordou o itinerário epistemológico, a partir de duas categorias de análise: as fontes principais ao estabelecimento dos limites da racionalidade e o modo como o autor procedeu a investigação desse objeto. A pesquisa revelou que o desenvolvimento dos limites da racionalidade galgava terreno nas primeiras décadas do século XX e inúmeros materiais, dentro de certa tendência de então, serviram de canal difusor para Simon cuja assimilação por este autor se deu dentro das fronteiras do empirismo, dando continuidade ao criticismo ao irrealismo do agente maximizador na escola neoclássica. Em termos procedimentais de investigação sobre os limites da racionalidade, Simon realizou observações pontuais e, a partir delas, inferências lógicas das consequências dos limites da racionalidade para certos aspectos organizacionais.

história da ciência administrativa; epistemologia; Herbert Simon; limites da racionalidade

Abstract

This article investigates Herbert A. Simon’s epistemological itinerary with regard to the limits of rationality presented in his book Administrative Behavior , published in 1947. The investigation, grounded in materialism, explores his epistemological itinerary based on two categories of analysis: the key sources used to establish the limits of rationality and the way in which the author proceeded to investigate this object. The investigation revealed that the development of the limits of rationality gained ground in the early decades of the twentieth century and that numerous texts, which reflected a particular trend at the time, served as a conduit for Simon. Simon’s assimilation of this development took place within the boundaries of empiricism, continuing the critique of the unrealism of the maximizing agent in the neoclassical school. In procedural terms of research on the limits of rationality, Simon made specific observations and, based upon them, logical inferences regarding the consequences of the limits of rationality for certain organizational aspects.

history of administrative science; epistemology; Herbert Simon; limits of rationality

“Science is after the way the universe really is, not what makes us feel good.” Carl Sagan

Introdução

Os “limites da racionalidade” foram originalmente explicitados pelo estadunidense Herbert Simon em sua dissertação, no ano de 1943 ( Simon, 1943aSimon, H. A. (1943a). A theory of administrative decision. Chicago: University of Chicago. ), apresentada na Universidade de Chicago, posteriormente no livro Administrative Behavior ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press.1 1 . Administrative Behavior recebeu quatro edições (1947, 1957, 1976 e 1997). As edições foram modificadas de tal modo a gerar alguma confusão na discussão sobre a racionalidade limitada e o agente “satisficiente” (cf. Kerr, 2007 ). A edição que estamos utilizando é a segunda (de 1957) e que contém uma introdução especialmente escrita para ela. Assim, para toda inserção será considerado o ano da segunda edição (1957a), acrescentando a data da primeira edição (1957a/1947) para as passagens que não pertencem exclusivamente à introdução da segunda edição. ) (doravante AB ) e, por fim, sob o conceito de “racionalidade limitada” ( Simon, 1957bSimon, H. A. (1957b). Models of man: social and rational; mathematical essays on rational human behavior in society setting. New York: Wiley. ) – designação por meio da qual ganhou, enfim, notoriedade. Trata-se de material considerado como um dos mais influentes na administração e nos estudos organizacionais do século XX ( Bedeian & Wren, 2001Bedeian, A. G., Wren, D. A. (2001). Most influential management books of the 20thCentury. Organizational Dynamics, 29(3), 221-225. Accessed from https://bit.ly/3yLE5od
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). Laureado com o prêmio Nobel de economia, em 1978, deixou uma vasta literatura dedicada, influenciada e crítica ( Ando, 1979Ando, A. (1979). On the contributions of Herbert A. Simon to economics. The Scandinavian Journal of Economics, 81(1), 83-93. doi.org/10.2307/3439460 ; Argyris, 1973Argyris, C. (1973). Some limits of rational man organizational theory. Public Administration Review, 33(3), 253-267. doi:10.2307/974803
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; Barros, 2010Barros, G. (2010). Herbert A. Simon and the concept of rationality: boundaries and procedures. Brazilian Journal of Political Economy, 30(3), 455-472. doi:10.1590/S0101-31572010000300006
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; Baumol, 1979Baumol, W. J. (1979). On the contributions of Herbert A. Simon to economics. The Scandinavian Journal of Economics, 81(1), 74-82. doi:10.2307/3439459
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; Georgiou, 2013Georgiou, I. (2013). A blast at the past: an inquiry into Herbert Simon’s arguments against the principles. Public Administration, 91(4), 1015-1034. doi:10.1111/padm.12001
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; Hortal, 2017Hortal, A. (2017). Empiricism in Herbert Simon: Administrative Behavior within the evolution of the Models of Bounded and Procedural Rationality. Brazilian Journal of Political Economy, 37(4), 719-733. doi:10.1590/0101-31572017v37n04a04
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; Larkey, 2002Larkey, P. D. (2002). Ask a simple question: A retrospective on Herbert Alexander Simon. Policy Sciences, 35(3), 239-268. doi:10.1023/A:1021359528146 ; Sent, 2005Sent, E.-M. (2005). Simplifying Herbert Simon. History of Political Economy, 37(2), 227-232. doi:10.1215/00182702-37-2-227
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; & Waring, 1991)Waring, S. (1991). Taylorism transformed: scientific management theory since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. .

Simon refletiu a preocupação na teoria administrativa, ao longo do século XX, com o processo de escolha dos agentes organizacionais. A versão dessa teoria, pela perspectiva de Simon, ganhou considerável influência, despertando interesses a respeito da tomada de decisão envolvendo aspectos racionais e não racionais do comportamento humano ( Burrel & Morgan, 1979Burrell, G., Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organisational analysis: elements of the sociology of corporate life. London: Routledge. ). Ela teve considerável impacto na chamada teoria da firma ( Mahoney, 2004Mahoney, J. T. (2004). Economic foundations of strategy. London: Sage. ; Williamson, 2004)Williamson, O. E. (2004). Herbert Simon and organization theory: lessons for the theory of the firm. In J. G. Augier, M. March, Models of a man: essays in memory of Herbert A. Simon (pp. 279-303). Cambridge: MIT Press. , na organização industrial ( Spiegler, 2011)Spiegler, R. (2011). Bounded rationality and industrial organization. New York: Oxford University Press. e em outros campos fora da administração ( Viale, 2021)Viale, R. (2021). Routledge handbook of bounded rationality. London: Routledge. .

Existe considerável debate sobre as versões de racionalidade limitada apresentada por Simon ao longo de sua carreira ( Gigerenzer, 2021Gigerenzer, G. (2021). What is bounded rationality? In R. Viale, Routledge handbook of bounded rationality (pp. 55-69). London: Routledge. ). Em termos gerais, entretanto, é possível dizer que Simon sustentou interesses em compreender como os seres humanos fazem escolhas, considerando que a capacidade humana de tomar decisões racionais é inerentemente limitada e afetada por diversos fatores, impossibilitando-os, por esse motivo, de obter respostas maximizadoras, tal como supostamente preconizava a teoria econômica neoclássica de então. Simon, portanto, colocou o problema da seguinte maneira:

Como os seres humanos raciocinam quando as condições de racionalidade postuladas pelo modelo da economia neoclássica não são satisfeitas – por exemplo, quando ninguém pode definir a função de utilidade apropriada, ou sugerir como a contribuição dos gastos para a utilidade deve ser medida? ( Simon, 1989Simon, H. A. (1989). The scientist as problem solver. In D. Klahr, K. Kotovsky, Complex information processing: the impact of Herbert A. Simon (pp. 375-398). New York: Lawrence Erlbaum Associates. , p. 377)

Essa teoria administrativa foi amplamente criticada ( Argyris, 1973Argyris, C. (1973). Some limits of rational man organizational theory. Public Administration Review, 33(3), 253-267. doi:10.2307/974803
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; Waring, 1991Waring, S. (1991). Taylorism transformed: scientific management theory since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. ), inclusive por Ramos (1989)Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações. São Paulo, SP: FGV. cuja repercussão no Brasil foi relevante. Para esse autor, Simon se enquadrava em uma tendência denominada “política cognitiva”, isto é, em um impulso de estudar as escolhas humanas, a fim de obter formas de controle sobre os agentes organizacionais. O ponto recuperado por Ramos, e por outros autores, é o de que existem diferentes racionalidades e não apenas a econômica sobre a qual Simon se debruçou, isto é, racionalidades que são mais correspondentes a outros espaços organizacionais e modos de agir.

Essa discussão prossegue nos tempos correntes e é expressada, de modo geral, no frequentado confronto entre teorias administrativas e teorias críticas. O debate sobre as racionalidades envolvidas na atuação dos agentes organizacionais permanece, dessa forma, assunto candente ( Bizarria, 2019Bizarria, F. P. A. (2019). Da razão substantiva à razão substantiva cosmopolita: ensaiando novas possibilidades. Organizações & Sociedade, 26(90), 393-413. doi:10.1590/1984-9260901
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; Matarazzo & Serva, 2019Matarazzo, G., Serva, M. (2019). Unidades de conservação ambiental – uma análise pragmatista da gestão e dos modos de existência organizacional de uma estação ecológica. Organizações & Sociedade, 28(98), 607-626. doi: 10.1590/1984-92302021v28n9806pt.
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). É possível dizer que se trata de um dos aspectos teóricos que ajudaram a moldar os próprios estudos em gestão e organizações, remontando, de um modo ou de outro, a Herbert Simon.

Embora esse resultado teórico ocupe lugar central e tenha Simon como um de seus autores emblemáticos, não parece haver suficiente investigação sobre o caminho percorrido pelo autor e o que o levou aos limites da racionalidade. Estudos sobre as influências de alguns autores sobre Simon ( Kerr, 2007Kerr, G. (2007). The development history and philosophical sources of Herbert Simon’s. Journal of Management History, 13(3), 255-268. doi.org/10.1108/17511340710754707 ; Nieuwenburg, 2007Nieuwenburg, P. (2007). Practical reasoning and action: Simon’s administrative behavior in context. In G. Morçöl, Handbook of decision making (pp. 81-97). London: Taylor & Francis. ) e o desenvolvimento do conceito de racionalidade (e adjacências), após 1943 ( Barros, 2010Barros, G. (2010). Herbert A. Simon and the concept of rationality: boundaries and procedures. Brazilian Journal of Political Economy, 30(3), 455-472. doi:10.1590/S0101-31572010000300006
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; Brown, 2004Brown, R. (2004). Consideration of the origin of Herbert Simon’s theory of “satisficing” (1933‐1947). Management Decision, 42(10), 1240-1256. doi:10.1108/00251740410568944 ; Hortal, 2017Hortal, A. (2017). Empiricism in Herbert Simon: Administrative Behavior within the evolution of the Models of Bounded and Procedural Rationality. Brazilian Journal of Political Economy, 37(4), 719-733. doi:10.1590/0101-31572017v37n04a04
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), não são dedicados à investigação desse caminho. Até mesmo as importantes compilações recentes ( Viale, 2021Viale, R. (2021). Routledge handbook of bounded rationality. London: Routledge. ) parecem não se debruçar sobre o assunto. Há, portanto, uma lacuna relevante a ser preenchida pela investigação desse percurso.

Ao considerar tal itinerário percorrido por Simon, nossa preocupação passa a ser de ordem epistemológica. Seguindo Serva (2013)Serva, M. (2013). O surgimento e o desenvolvimento da epistemologia da administração – inferências sobre a contribuição ao aperfeiçoamento da teoria administrativa. Revista Gestão Organizacional, 6(3), 51-64. doi:10.22277/rgo.v6i3.1529 , epistemologia é a teoria interessada no conhecimento, podendo se desenvolver também em áreas específicas, como a teoria do conhecimento em administração. Segundo o autor, a epistemologia pode contribuir para, entre outras coisas, a historiografia das teorias administrativas, uma vez que permitiria explorar outras possibilidades diferenciadas do predominante “caráter serial estabelecido” ( Serva, 2013Serva, M. (2013). O surgimento e o desenvolvimento da epistemologia da administração – inferências sobre a contribuição ao aperfeiçoamento da teoria administrativa. Revista Gestão Organizacional, 6(3), 51-64. doi:10.22277/rgo.v6i3.1529 , p. 61), por meio do qual o pensamento administrativo costuma ser apresentado. Sobretudo nesse último aspecto, a teoria do conhecimento, na área de administração, parece demandar necessariamente uma história da ciência administrativa como abordagem geral, isto é, o esforço de colocar a produção do conhecimento da área em uma perspectiva histórica.

Com efeito, o objetivo deste artigo é realizar uma análise histórica do itinerário epistemológico de Herbert Simon relacionado à chegada aos limites da racionalidade, conforme apresentados em 1947; tendo em vista a satisfação da lacuna identificada sobre o assunto. Para a realização da investigação, adotamos neste artigo o entendimento de que o itinerário epistemológico de um autor (ou grupo de autores) é o percurso que reflete seu processo de conhecimento. Sobre esse itinerário epistemológico, podemos considerar duas categorias de análise: tanto em relação à tradição teórico-epistemológica em que se situou quanto em relação com os procedimentos investigativos propriamente empregados. Essas e outras questões metodológicas serão apresentadas na parte dedicada ao assunto.

O artigo está, portanto, dividido em quatro partes. Na primeira parte, apresentaremos os fundamentos e os procedimentos metodológicos. Na segunda parte, trataremos de delimitar, com maior precisão, o período e os principais materiais que expressaram a problemática dos limites da racionalidade. Na terceira parte, apresentaremos os canais principais por meio dos quais tais limites se fizeram presentes no itinerário epistemológico de Simon e como o autor investigou esses limites para suas proposições sobre o comportamento administrativo. Na quarta e última parte, apresentaremos as considerações finais deste artigo.

Fundamentos e procedimentos metodológicos

Como dito, a abordagem geral sobre o itinerário epistemológico de Simon se deu por meio do esforço de análise histórica. É necessário considerar tanto os fundamentos quanto os procedimentos desse tipo de análise, sobretudo porque a história da ciência administrativa é um campo ainda a ser mais bem explorado dentro do grande tema da história do pensamento administrativo.

Em termos fundamentais, a abordagem mobilizada está calcada nas aquisições do materialismo científico que, assim como outras correntes que se debruçam sobre os processos científicos, leva em consideração as incontornáveis exigências da objetividade e do realismo histórico ( Bunge, 2001Bunge, M. (2001). La ciencia: su método y su filosofía. Buenos Aires: Editorial Sudamericana. , 2006Bunge, M. (2006). Chasing reality: strife over realism. Toronto: University of Toronto Press. ; Schaff, 1991Schaff, A. (1991). História e verdade. São Paulo, SP: Martins Fontes. ).

Nessas aquisições, ocupam lugar especial os estudos das formas de consciência, incluindo o pensamento administrativo ( Paço Cunha, 2020Paço Cunha, E. (2020). Gênese do taylorismo como ideologia: acumulação, crise e luta de classes. Organizações & Sociedade, 27(95), 674-704. doi:10.1590/1984-9270953
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, 2021aPaço Cunha, E. (2021a). Henri Fayol na encruzilhada da terceira via: organização da grande corporação e conflito social na forja do ideário fayolista. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 20(2), 233-261. doi:10.21529/RECADM.2021008
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; Paço Cunha & Guedes, 2016Paço Cunha, E., & Guedes, L. T. (2016). “Teoria das relações humanas” como ideologia na particularidade brasileira (1929-1963). Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 3(8), 957-1018. doi:10.25113/farol.v3i8.3783 ). Em tal abordagem, as formações ideais não são autônomas ou possuem história própria. Elas são possibilitadas por condições histórico-concretas, possuem enraizamento prático independente do grau de abstração dessas formações e repercutem sobre as próprias condições habilitadoras, efetivando resultados variados e em direções diversas – por vezes contrários às pretensões manifestas. As formas de consciência, em suma, são respostas (de eficácia variada) aos problemas postos por suas próprias condições objetivas de possibilidade. O itinerário epistemológico, portanto, não ocorre no vácuo ou como movimento autônomo do plano das ideias.

No entanto, dadas as limitações impostas de escopo e espaço, admitimos a possibilidade, no presente artigo, de abstrair, provisoriamente, a análise direta das condições histórico-concretas envolvidas no itinerário epistemológico de Simon. E isso com vistas a considerar as problemáticas imanentes a tal itinerário específico. Mesmo porque, dentro da abordagem materialista, o “mundo das formas de consciência e seus conteúdos não é visto como produto imediato da estrutura econômica, mas da totalidade do ser social” ( Lukács, 2012Lukács, G. (2012). Para uma ontologia do ser social. São Paulo, SP: Boitempo. , p. 308), em que o estudo dessas formas e seus conteúdos não dispensa a influência das próprias ideias de gerações anteriores. É, na verdade, comum e compreensível que os autores

Apoiem-se nos resultados e métodos daqueles pensadores do passado imediato ou remoto que se expressaram na mesma linha de pensamento a que estão voltados e cujas ideias são tidas por eles como essenciais. Tanto mais porque as condições sociais sob as quais surgem a colocação de problemas e os métodos [não apenas] filosóficos, em que pesem as mudanças – não raro qualitativas –, acabam por apresentar certa continuidade, a qual, naturalmente, tem de se refletir no plano ideológico [das formas de consciência]. ( Lukács, 2020Lukács, G. (2020). A destruição da razão. São Paulo, SP: Instituto Lukács. , p. 352)

Tal reconhecimento é incontornável para o exercício investigativo do itinerário epistemológico de Simon em perspectiva histórica.

O exercício particular de história da ciência administrativa passa a ser fundamental se considerarmos que a principal relação entre história da ciência e estudos em administração e organizações mostra-se na maior difusão dos materiais sobre a história do pensamento gerencial, história da gestão e usos da pesquisa histórica em tendência de talhe relativista no conjunto ( Coraiola, Barros, Maclean, & Foster, 2021Coraiola, D. M., Barros, A., Maclean, M., Foster, W. M. (2021). História, memória e passado em estudos organizacionais e de gestão. Revista de Administração de Empresas, 61(1), 1-9. doi:10.1590/s0034-759020210102 ). Diferentemente, a história propriamente do desenvolvimento científico na área, em que é um aspecto decisivo não desviar da objetividade e do realismo históricos, aos quais aderimos nesta pesquisa, não parece ter obtido a mesma audiência, apesar do seu lugar de destaque ao lado, em geral, da sociologia da ciência ( Serva, 2016)Serva, M. (2016). A contribuição do colóquio internacional de epistemologia e sociologia da ciência ao campo da administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 1-11. doi:10.1590/1679-395158437
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. Nesse sentido, passa a ser uma contribuição metodológica relevante estabelecer a análise histórica da ciência administrativa no exemplo de Simon em termos materialistas.

Disso, decorre a importância de estabelecer as categorias de análise nos termos dos fundamentos da análise histórica proposta. Entendemos que, porquanto seja parte da história da ciência administrativa como abordagem geral, o aqui denominado itinerário epistemológico corresponde, como dito na introdução do presente trabalho, ao percurso de um autor (ou autores) que reflete o processo de conhecimento. Esse entendimento é inspirado, a despeito das polêmicas existentes, na tendência presente nos estudos em história da ciência que se interessa na explicitação e explicação do processo efetivo, por meio do qual os cientistas encaminharam suas pesquisas, fizeram certas descobertas, aderiram a determinadas tendências etc. ( Feyerabend, 2007Feyerabend, P. (2007). Contra o método. São Paulo, SP: Unesp. ). Questões semelhantes também podem ser vistas com respeito ao pensamento filosófico e das ciências sociais de um período ( Lukács, 2020Lukács, G. (2020). A destruição da razão. São Paulo, SP: Instituto Lukács. ). Ainda que embrionariamente desenvolvida, temos a presença desse interesse nos estudos sobre gestão e organizações. A investigação a respeito da adesão de Henri Fayol ao método experimental colhido na fisiologia do século XIX é um exemplo dessa orientação ( Paço Cunha, 2021bPaço Cunha, E. (2021b). Henri Fayol e o método experimental de Claude Bernard. Artigo apresentado no VII Colóquio de Epistemologia e Sociologia da Administração. João Pessoa, PB. Accessed from https://bit.ly/3mCmc3U
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).

Não obstante, para estudar tal processo de conhecimento ou itinerário epistemológico de Herbert Simon, propomos lançar mão de duas categorias gerais de análise: (a) a tradição na qual se situou e às heranças que dali recebeu e (b) o procedimento propriamente dito de realização da pesquisa que fundamentou suas proposituras fundamentais. Com tais categorias de análise à disposição, importa especificamente o itinerário epistemológico de Simon sobre os limites da racionalidade enquanto objeto (o quê) herdado, por meio de suas fontes principais e os seus procedimentais investigativos (como inquiriu tal objeto).

Em termos procedimentais, a análise do itinerário epistemológico até os limites da racionalidade considerou o período de formação do jovem Simon, o qual culminou na dissertação e, depois, no livro que lhe proporcionou notoriedade, delimitando informações e materiais publicados que ofereceram evidências importantes. Não obstante, a autobiografia de Simon (1996) serviu também de fonte por conter elementos, em retrospecto, do período de interesse para nossa investigação. Como de praxe, consideramos outras pesquisas já realizadas sobre o autor, as quais tangenciaram a questão sob investigação.

O estudo exigiu um procedimento de delimitação temporal dos materiais envolvidos, objetivando estabelecer maior grau de aproximação do momento em que os limites da racionalidade ganharam seus principais contornos no itinerário de Simon. Isso permitiu considerar aquilo que teria sido acumulado pelo autor até aquele momento, dada a preocupação principal em compreender como os seres humanos fazem escolhas. Exigiu, ainda, o procedimento de aprofundamento sistemático de muitas fontes primárias explícitas e implícitas que animaram a atividade intelectual de Simon, possibilitando não apenas situar Simon em uma tradição teórico-epistemológica particular como também obter elementos que evidenciassem quais procedimentos ele teria levado a cabo para investigar os limites da racionalidade.

Vejamos primeiramente o aspecto da delimitação.

Delimitação dos limites da racionalidade no itinerário epistemológico de H. Simon

A atribuição de “racionalidade limitada” ao livro AB é matéria de discussão. Há algum debate a respeito de ser ou não um verdadeiro anacronismo atribuir ao texto de 1947 por não estar devidamente grafado ( Barros, 2010Barros, G. (2010). Herbert A. Simon and the concept of rationality: boundaries and procedures. Brazilian Journal of Political Economy, 30(3), 455-472. doi:10.1590/S0101-31572010000300006
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; Hortal, 2017Hortal, A. (2017). Empiricism in Herbert Simon: Administrative Behavior within the evolution of the Models of Bounded and Procedural Rationality. Brazilian Journal of Political Economy, 37(4), 719-733. doi:10.1590/0101-31572017v37n04a04
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). Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. argumentou, entretanto, que os elementos centrais já se encontravam naquele material. Uma leitura do seu capítulo V permite observar os “limites da racionalidade” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. ) envolvendo a incompletude de conhecimento, as dificuldades de antecipação dos resultados e de discriminação de todas as alternativas possíveis. Praticamente as mesmas questões são encontradas antes, em sua dissertação ( Simon, 1943aSimon, H. A. (1943a). A theory of administrative decision. Chicago: University of Chicago. ). Assim, podemos assumir com segurança que os elementos fundamentais da “racionalidade limitada” estavam dados in nuce no tratamento dos “limites da racionalidade”. Nosso interesse, entretanto, recai sobre a delimitação do desenvolvimento de tais elementos, pela perspectiva de Simon, antes de 1943.

De maneira mais explícita, Simon (1957aSimon, H. A., Divine, W. R. (1941). Controlling Human Factors in an Administrative Experiment. Public Administration Review, 1(5), 485-492. doi.org/10.2307/972865
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, 1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. The American Economic Review, 69(4), 493-513. Accessed from https://bit.ly/3wqcR50
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, 1989Simon, H. A. (1989). The scientist as problem solver. In D. Klahr, K. Kotovsky, Complex information processing: the impact of Herbert A. Simon (pp. 375-398). New York: Lawrence Erlbaum Associates. , 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. ) atribuiu a ideia sobre os limites da racionalidade presente inicialmente em sua dissertação (Simon, 1943a) ao estudo não publicado intitulado Administration of Public Recreational Facilities in Milwaukee , de 1935 (citado por Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. ). Também sugeriu que a ideia foi reforçada pela investigação a respeito da incidência de taxação na Califórnia ( Simon, 1943bSimon, H. A. (1943b). The incidence of a tax on urban real property. The Quarterly Journal of Economics, 57(3), 398-420. doi:10.2307/1881754
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). Sugeriu ainda que a ideia de racionalidade limitada apareceu silenciosamente em Chester Barnard ( Barnard, 1979/1938Barnard, C. (1979/1938). As funções do Executivo. São Paulo, SP: Atlas. ). Nessa direção, sublinhou que o “paralelo mais próximo é a noção de Barnard de oportunismo e fatores estratégicos, ideias que ele deriva de John R. Commons” ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 87). Simon explicou adicionalmente que como ele mesmo também já havia “lido Commons, seu livro Institutional economics [de 1934] deve ter sido uma fonte comum [com Barnard] para esses vários conceitos de racionalidade que se diferenciam da maximização da utilidade subjetiva esperada dos economistas” (p. 87).

Ao considerar cronologicamente essas fontes indicadas, há a possibilidade de adicionar outras fontes não citadas as quais ajudam a delimitar com maior aproximação.

O artigo de 1935 indicado como origem (citado por Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. ), a respeito da administração dos parques recreacionais em Milwaukee, cria algumas dificuldades, sobretudo, por não ter sido publicado. As passagens mais extensas atribuídas ao texto se encontram no capítulo X de AB , sobre Lealdades e identificação organizacional , e servem de indicação para o caso da relação entre o Departamento de Atividades Extracurriculares e a Divisão de Parques cujo “foco de atenção dos participantes em uma estrutura administrativa é determinada por suas posições na estrutura” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 211).

É interessante notar que as passagens citadas pelo autor, logo em seguida à afirmação anterior, não sugerem diretamente o problema dos limites da racionalidade, mas muito mais representativa é a diferença de propósito imbuído a cada uma das estruturas administrativas mencionadas. Não obstante as diferenças, o próprio autor escreveu que cada “Departamento entende plenamente que ambos os objetivos são desejáveis, e necessários em certa medida, na administração de um programa exitoso” (citado por Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 212). Isso sugere que a questão identificada está mais ligada à estruturação dos departamentos do que ao foco de atenção dado pelas posições na estrutura. Com isso, queremos indicar que é frágil atribuir os limites da racionalidade ao material de 1935, levando em consideração que o acesso a esse material nos é restrito. Aqui, talvez, haja algum anacronismo, como sugeriu Barros (2010)Barros, G. (2010). Herbert A. Simon and the concept of rationality: boundaries and procedures. Brazilian Journal of Political Economy, 30(3), 455-472. doi:10.1590/S0101-31572010000300006
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para o caso de AB .

Simon (1937), em Comparative statistics and the measurement of efficiency , menciona a eficiência sendo afetada por fatores organizacionais (recrutamento, condições de trabalho, remunerações etc.) bem ao sabor do que viria a ser considerado também como influências da organização sobre a racionalidade no processo de tomada de decisão. Entretanto, não surge no texto qualquer pista a respeito dos limites da racionalidade.

Sobre a mensuração das atividades municipais igualmente não há elementos claros para além da afirmação da existência de uma “heterogeneidade de objetivos” ( Ridley & Simon, 1938Ridley, C. E., Simon, H. A. (1938). Measuring Municipal Activities. Chicago: International City Managers' Association. , p. 31) entre departamentos. No entanto, é importante destacar o papel dessa experiência de Simon para a redação de sua dissertação de 1943, base de AB . Por um lado, Clarence Ridley, coautor e uma espécie de instrutor de Simon, havia acumulado experiência e alguma produção que ecoava sobre as preocupações que marcariam a trajetória de Simon. À guisa de exemplo, havia materiais, como Measuring municipal government, de 1927, base do curso que Simon ingressou, em 1936, e The city-manager profession , de 1934. Por outro lado, uma parte considerável dos traços empíricos com vários departamentos municipais serviriam de base para os incontáveis exemplos ilustrativos (de base inferencial, como veremos adiante) aos quais Simon recorreu para apontar os problemas fáticos de administração (bombeiros, recreação, planejamento municipal, administração da saúde etc.).

Assim, por meio do contato com especialistas e visitas aos diferentes departamentos, Simon erigiu observações que serviriam de fundamentação para sua dissertação em 1943 replicada no livro, anos depois. E esse material é que parece ter produzido em nosso autor a percepção de lacunas teóricas a partir das experiências. Ele se viu com questões, decorrentes de capitulação às necessidades práticas da gestão de saber, por exemplo, quem deveria administrar o Departamento de Recreação, de como organizar o planejamento municipal, questões essas para as quais, disse ele, não haver então “teoria capaz de prover respostas” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. xiii). A observação é interessante para sublinhar que a lacuna identificada pela experiência empírica acusa a teoria (administrativa) e não suas bases epistemológicas. Além disso, é dever reconhecer que, em 1938, Simon se encontrava em processo de formação e, portanto, é discutível que já acumulasse todo o aparelhamento teórico disponível para um juízo consistente. Assim, a questão se dá como inquietação, orientada por interesse prático, diante da empiria para a qual a teoria acumulada pelo autor – e não a globalidade dela – parecia-lhe insuficiente.

Por volta de 1940 (com a consideração sobre The Technique of Municipal Administration, trabalho coletivo do The Institute for Training in Municipal Administration, 1947/1940The Institute for Training in Municipal Administration. (1947/1940). The technique of municipal administration. Chicago: The International City Managers’ Association. ), o caminho sobre o comportamento humano lhe surgiu, em parte em razão da abertura da ciência política ao behaviorismo de então. O papel de Charles E. Merriam como um dos protagonistas na escola de Chicago teve importância particular para Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. . Voltaremos mais adiante à figura de Merriam e seu apelo ao empirismo por meio do qual o behaviorismo entrou nos círculos acadêmicos em disputa com a ortodoxia na ciência política, disputa na qual Simon foi bastante ativo, retirando aprendizado para, como afirmou, subverter mais tarde a ortodoxia na economia ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. ).

Nada desimportantes são, ademais, as aquisições da literatura administrativa, em progresso à época, a respeito das questões comportamentais. Ecoando Chester Barnard, Simon e seus colegas escreveram, em Determining work loads for professional staff in a public welfare agency , que “a administração é uma forma de comportamento cooperativo” e que a “execução bem-sucedida do experimento deveu-se em grande parte à assistência inteligente e legal daqueles cujo “comportamento” esteve sob investigação” ( Simon, Divine, Cooper, & Chernin, 1941Simon, H. A., Divine, W. R., Cooper, E. M, & Chernin, M. (1941). Determining work loads for professional staff in a public welfare agency. California: University of California Press. , p. ix).

Os materiais de 1941 já refletem mais aproximadamente os problemas envolvidos nas escolhas dos agentes. Com Simon (1941)Simon, H. A. (1941). The planning approach in public economy: further comment. The Quarterly Journal of Economics, 55(2), 325-330. doi:10.2307/1882067
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, em The planning approach in public economy , é muito audível o problema da racionalidade tipicamente marcada na teoria neoclássica, não obstante a diferença de introduzir mais claramente, já sob notória influência de Commons (1934)Commons, J. R. (1934). Institutional economics. The Macmillan Co. Accessed from https://bit.ly/3zvzkQe
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, os aspectos institucionais como fatores condicionantes. No mesmo ano, entretanto, a questão fica ainda mais explícita em Controlling human factors in an administrative experiment , em que se aproveita dos fatores psicológicos alcançados por E. Mayo. Lá escreveu que quando o trabalhador

tem tempo e informação suficiente para tomar uma decisão cuidadosamente pensada [ a carefully reasoned decision ], a decisão refletirá os valores e objetivos derivados de sua ligação com sua profissão; quando não há tempo ou dado para uma decisão racional, o trabalhador tenderá a reagir em termos de padrões “aceitos” de performance por sua profissão. ( Simon & Divine, 1941Simon, H. A., Divine, W. R. (1941). Controlling Human Factors in an Administrative Experiment. Public Administration Review, 1(5), 485-492. doi.org/10.2307/972865
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, p. 489)

Por essas evidências, o período entre 1940 e 1941 registra com maior segurança o desenvolvimento da problemática ligada aos limites da racionalidade. Entretanto, encontramos dúvidas no mesmo ano da apresentação da dissertação. O texto sobre a incidência de taxas sobre a propriedade ( Simon, 1943bSimon, H. A. (1943b). The incidence of a tax on urban real property. The Quarterly Journal of Economics, 57(3), 398-420. doi:10.2307/1881754
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) que, segundo Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , teria servido para aprofundamento da ideia sobre os limites da racionalidade, não fornece muitos suportes para isso. Sua leitura sugere que aspectos ligados à decisão ou aos limites da racionalidade são excessivamente laterais, para não dizer inexistentes. O quê, durante a pesquisa que levou ao artigo, poderia ter aprofundado a questão dos limites da racionalidade não é evidente. Além disso, a leitura do artigo publicado em 1943 coincide com o ano da apresentação da dissertação que, também segundo o autor – e de fato, um leitor ocasional pode confirmar sem dificuldades –, contém os elementos sobre os limites da racionalidade que seriam desdobrados nos anos seguintes.

Contudo, há materiais para os quais não encontramos acesso direto e isso aparece como fator limitador da pesquisa. A primeira edição The Technique of Municipal Administration, de 1940, por exemplo, mostrou-se inacessível e a terceira edição consultada, de 1947, incorporou já muitas questões presentes na dissertação de 1943 e em AB de 1947. Em prefácio à terceira edição consultada, ficou registrado que vários capítulos foram totalmente reescritos e que essas “revisões foram em larga medida trabalho de Herbert A. Simon” (The Institute for Training in Municipal Administration, 1947, p. viii). Dessa maneira, não pudemos, até agora, precisar o que estaria desenvolvido em 1940 antes, portanto, das revisões realizadas já sob orientação das questões proporcionadas pela dissertação.

Não obstante, há elementos suficientes que reforçam a hipótese aqui estabelecida de que os limites da racionalidade se desenharam mais claramente a partir de 1940, tornando-se textualmente explícitos em 1941. Essa delimitação é importante, pois nos possibilita identificar o que havia sido acumulado por Simon até 1941 e teria iluminado a preocupação cada vez mais fixada em determinar como os agentes de fato tomam suas decisões . Com efeito, as experiências aproximadas da administração pública, sobretudo em 1935 e 1938, parecem colocar em primeiro plano as necessidades fáticas dessa administração, principalmente a de organizar e coordenar as atividades à luz dos objetivos previamente fixados. Teria lugar central nisso as possibilidades de conhecer os processos decisórios para influenciar as consciências dos agentes em direção a condutas desejadas2 2 . Esse ponto conecta Simon ao pensamento socialmente determinado pelas demandas fáticas e historicamente condicionadas em atuar sobre as consciências e em moldar as condutas dos agentes econômicos. Foi aproximadamente retratado por Ramos (1989) , como antecipado na introdução do presente trabalho, dentro do quadro da “política cognitiva”. O aprofundamento do assunto terá que aguardar momento oportuno em outra pesquisa. O leitor interessado, entretanto, pode tirar proveito do capítulo IV de Mannheim (1960/1923) , no qual o autor trata extensamente das formas de controle social, considerando os métodos de influência sobre o comportamento humano, entre os quais se incluem as próprias “organizações racionalizadas”. Destacaríamos nesse passo os detalhes de influência sobre o comportamento por meio da alteração das situações, algo muito marcante na elaboração de AB . Embora Simon (1957a/1947 , pp. 101, 211) tenha citado esse material de Mannheim, não fez declarações sobre ter aproveitado diretamente dessas considerações, talvez devido ao fato de que Mannheim chegou a alinhar o fascismo como essencialmente behaviorista e isto ter soado como intransigência aos propósitos de Simon. Para além do fato de ser um caminho de pesquisa possível, fica também sugerido que as proposituras de Simon estavam conectadas àquela tendência geral da época capturada pela sensibilidade sociológica de Mannheim. Voltaremos a esse ponto ao final do artigo para indicação de continuidade da pesquisa. . Esse ponto é decisivo para sublinhar a exigência de um tipo especial de “realismo” que demarca a matriz epistemológica de Simon no empirismo, como veremos no tópico a seguir.

Itinerário epistemológico de H. Simon: fontes e procedimentos acerca dos limites da racionalidade

Após a delimitação, apresentaremos neste tópico os aspectos fundamentais do itinerário epistemológico de Simon, considerando as categorias de análise antes apresentadas.

Nessa direção, um aspecto incontornável do itinerário epistemológico em questão são as fontes intelectuais em grande medida aglutinadas como fundamento orientado para iluminar as escolhas dos agentes e suas condutas. Aqui, há um conjunto consideravelmente amplo e que termina por confluir na dissertação de 1943 e em AB anos mais tarde: a teoria dos preços fundada na escola neoclássica; o positivismo lógico de R. Carnap; o pragmatismo e empirismo dentro da psicologia de W. James, J. Dewey e E. C. Tolman; o empirismo de tipo clássico de Merriam, o empirismo de Chester Barnard e o positivismo de inclinação racionalista de Knight, além da economia institucional de J.R. Commons, sendo este a peça-chave pelas razões indicadas a seguir.

A análise dessas fontes principais dará os contornos dos canais pelos quais os limites da racionalidade chegaram à H. Simon e fornecerá igualmente os elementos para a identificação do procedimental investigativo do autor. Vejamos, primeiramente, as suas fontes principais.

Fontes primárias dos limites da racionalidade

Os anos de faculdade entre 1933 e 1936 constituíram um conhecimento relativo a respeito da economia neoclássica. Esse treinamento lhe proporcionou as habilidades necessárias para a axiomatização de enunciados. O apreço pela formulação matemática jamais seria perdido, mas foi crescente a percepção a respeito das tendências mais formalistas da economia neoclássica em detrimento do interesse empírico. Esse choque ocorrerá explicitamente anos mais tarde – na oposição amplamente debatida entre o agente maximizador e o “satisficiente” ( Brown, 2004Brown, R. (2004). Consideration of the origin of Herbert Simon’s theory of “satisficing” (1933‐1947). Management Decision, 42(10), 1240-1256. doi:10.1108/00251740410568944 ; Simon, 1955Simon, H. A. (1955). A behavioral model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, 69(1), 99-118. doi:10.2307/1884852
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) –, mas as exigências de “realismo” – de tipo especial3 3 . Não poderíamos deixar de anotar que o “realismo” de Simon (1957a) é superficial. Veremos que o limite científico suportado é a observação pela experiência, quer dizer, o nível diretamente observável da realidade. Isso se soma às definições abstratas e sem especificidades como, por exemplo, de que “organização se refere a um padrão complexo de comunicações e outras relações em um grupo de seres humanos” (p. xvi). Ou como, anos mais tarte, se referirá às organizações por influência do exemplo de Clarence Ridley: “Ao observá-lo, entendi que organizações bem administradas são instrumentos poderosos para alcançar objetivos socialmente importantes, e não um jugo no pescoço de seus membros. Alguns anos depois, em Administrative Behavior , tentei explicar como as organizações podem expandir a racionalidade humana, uma visão bastante oposta ao folclore popular em nossa sociedade, que comumente as vê como burocracias desumanizantes” ( Simon, 1996 , p. 72). Trata-se de um realismo cujo limite é a aparência do empírico observável acessado pela experiência. Para esse realismo não existem contradições. – já estão presentes no prefácio da primeira edição de AB quando reconheceu que poucos estudos “capturaram e estabeleceram em palavras as carnes e os ossos reais de uma organização” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. xlv). De modo mais criticamente considerado, também é possível ler que a então existente “descrição administrativa sofre correntemente de superficialidade, supersimplificação, ausência de realismo” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 38). O mesmo material antecipa esse “realismo” aguçado anos mais tarde. Segundo nosso autor,

uma vez que o ‘princípio da eficiência’ é uma característica de qualquer atividade que procura racionalmente maximizar a realização de certos fins com o uso de meios escassos, essa é uma característica tanto da teoria econômica quanto da teoria administrativa. O “homem administrativo” toma seu lugar ao lado do clássico “homem econômico”. ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 39).

Essa questão é consideravelmente relevante, pois sugere que a diferenciação posta pelos limites da racionalidade na figura do homem administrativo não é uma inflexão “para fora” da economia neoclássica. Vemos, portanto, uma predominante linha de continuidade.

No mesmo período de graduação, nosso autor foi frequentador assíduo das aulas de Rudolf Carnap sobre lógica e filosofia da ciência, sobretudo a respeito da ciência realizada com aplicação matemática ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. ). Carnap era um dos grandes nomes do positivismo lógico, movimento que recebia considerável audiência nos círculos acadêmicos de então. A adesão de Simon ao positivismo lógico aprofunda seus fundamentos em certa tendência do empirismo. Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. relatou que Carnap foi “particularmente importante” (p. 53), pois à época nosso autor alimentava “forte interesse pela lógica das ciências sociais” (p. 53), mirando a aplicação das ideias do positivismo lógico. Antes de caminhar em direção à configuração assumida no ano de 1943 em sua dissertação, Simon planejou investigar a “A Estrutura Lógica de uma Ciência Administrativa” (p. 54). As influências do positivismo lógico são destacáveis principalmente em dois momentos.

Primeiro, ao tempo do plano inicial para a dissertação após a graduação chegou a escrever a Carnap, em 1937, uma carta em que relatou interesse na aplicação das ideias do positivista lógico à administração. Sugeriu que a “distinção entre sentenças analíticas e sintéticas desempenham um papel muito importante” ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 54) no projeto inicial e que estava encorajado pelos resultados da aplicação das definições desenvolvidas por Carnap em The logical syntax of language , “pois seu rigor tornaria possível alcançar conclusões mais definidas do que se um idioma menos formal fosse utilizado” (p. 54). Nesse aspecto, chama a atenção o fato de que as influências parecem repercutir no modo de pensar e de expor de Simon (a partir da figura do “idioma formal”) – e que consagram o lugar central da linguagem no positivismo lógico – mas não sugerem o problema do procedimento investigativo propriamente – que é nosso interesse destacar adiante. Essa repercussão sobre o modo de pensar e de exposição é reforçada quando nosso autor escreveu no prefácio da primeira edição de AB que buscava “adequadas ferramentas linguísticas e conceituais para uma descrição realista e significativa mesmo de uma simples organização administrativa” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. xlv). Novamente, fica sugerido um recurso expositivo e não de investigação propriamente dita (à qual voltaremos).

Segundo, em AB a ascendência ao positivismo lógico aparece declarada para a distinção entre proposições factuais e éticas, sendo que as primeiras são “declarações a respeito do mundo observável e do modo como ele funciona” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 45) e que é uma “premissa fundamental desse estudo que termos éticos não são completamente redutíveis a termos factuais” (p. 46). Estes poderiam ser avaliados cientificamente e aqueles, não. Nessa ascendência, reconheceu em sua dissertação certas dívidas com R. Carnap e A. J. Ayer, além de outros, como Wittgenstein (Simon, 1943, p. 30, nota 1).

Desconsiderando o debate sobre a distinção e suas implicações tanto para a decisão quanto para identificação de um amoralismo em Simon ( Waring, 1991Waring, S. (1991). Taylorism transformed: scientific management theory since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. ), os elementos apresentados ajudam a demarcar nosso autor no positivismo lógico. Simon declarou retrospectivamente, e de modo bastante revelador, que ao tempo de faculdade “abraçou o positivismo lógico” e que “jamais o abandonou”, acrescentando que “agora [em 1996] prefere chamá-lo de empirismo” ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 44). Não é incoerente com a consideração de que o nível “observável” como parâmetro limítrofe de uma cientificidade calcada em realismo superficial, e reforça o traçado do empirismo como fundamento mais inabalável das fontes que caracterizariam o itinerário epistemológico de Simon ( Hortal, 2017Hortal, A. (2017). Empiricism in Herbert Simon: Administrative Behavior within the evolution of the Models of Bounded and Procedural Rationality. Brazilian Journal of Political Economy, 37(4), 719-733. doi:10.1590/0101-31572017v37n04a04
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; Kerr, 2007Kerr, G. (2007). The development history and philosophical sources of Herbert Simon’s. Journal of Management History, 13(3), 255-268. doi.org/10.1108/17511340710754707 ; Waring, 1991Waring, S. (1991). Taylorism transformed: scientific management theory since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. ), sem criar, de modo algum, obstáculos em referência ao declarado positivismo lógico.

O aprofundamento desse terreno nos permitirá identificar mais diretamente as decorrências a respeito dos limites da racionalidade. Nessa direção, passa a ser importante observar a conjunção entre economia institucional, psicologia informada pelo pragmatismo e por inclinações experimentais, além do próprio pensamento administrativo.

Como Simon mesmo declarou, o capítulo de AB, The psychology of administrative decisions , em que surge explicitamente a questão dos limites da racionalidade, deve suas premissas à psicologia comportamental de desenvolvimento anterior. Nosso autor escreveu, em nota, que nenhum outro material contribuiu mais com a “terminologia e ponto de vista” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 80) para o capítulo do que Tolman (1967/1932) e seu Purposive behavior in animals and men . Um dos editores da edição de 1967 desse livro considerou entusiasticamente que Tolman proporcionou “não apenas uma psicologia completa, mas um behaviorismo que não é nem fisiológico nem metafísico. É inteiramente um sistema intracomportamental, dependente exclusivamente das observações experimentais do comportamento animal e humano” ( Elliott, 1967Elliott, R. M. (1967). Editor’s introduction. In E. Tolman, C. Edward, Purposive behavior in animals and men (pp. vii-ix). London: Meredith Publishing Co. Accessed from https://bit.ly/3xzPsib
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, p. viii). As preocupações com a cognição e ação são bastante perceptíveis no material de Tolman (1967/1932)Tolman, E. C. (1967/1932). Purposive behavior in animals and men. London: Meredith Publishing Co. e isso é adquirido claramente por Simon e não apenas em termos declaratórios. Em sua dissertação, nosso autor assumiu, nas trilhas de Tolman, que quando um

ser humano é confrontado com uma escolha, seu comportamento, como aquele do rato branco, é determinado por (1) suas finalidades e (2) suas expectativas e as consequências que virão a partir da escolha de cada alternativa, isto é, o conhecimento da adequabilidade dos meios. Comportamento é chamado “racional” quando é adequado aos fins desejados. ( Simon, 1943aSimon, H. A. (1943a). A theory of administrative decision. Chicago: University of Chicago. , p. 23)

Esse apontamento sugere que os limites da racionalidade devem mais a Tolman e à sua observação experimental do que em geral se reconhece na literatura sobre o assunto. O autor, praticante da psicologia experimental, é frequentemente secundarizado como fonte importante para Simon. Ainda mais decisivo, é reconhecer que Tolman também serviu de canal por meio do qual os limites da racionalidade transitaram até nosso autor.

Para ficar ainda no território geral da psicologia, temos que considerar suas fontes nas figuras de W. James ( The principles of psychology de 1925) e J. Dewey ( Human nature and conduct de 1930), autores, aliás, também citados por Tolman. Simon (1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 80) os considerou importantes para as questões referentes ao hábito e à atenção. Ecoa desses autores pragmáticos e empiristas aspectos atinentes aos limites da racionalidade, bem mais do que Simon deixa efetivamente registrado em AB . A dissertação contém elementos mais desenvolvidos nessa direção, abarcando as consequências não desejadas em decisões práticas ( Simon, 1943aSimon, H. A. (1943a). A theory of administrative decision. Chicago: University of Chicago. , p. 55). Para um exemplo mais direto, nosso autor registrou, a partir dos enunciados de Dewey ( The public and its problems , de 1927), que as instituições “proveem o estímulo geral e orientadores da atenção os quais canalizam os comportamentos dos membros de um grupo e que também proveem tais membros com objetivos intermediários que estimulam a ação” (p. 71). Kerr (2007)Kerr, G. (2007). The development history and philosophical sources of Herbert Simon’s. Journal of Management History, 13(3), 255-268. doi.org/10.1108/17511340710754707 também sugere essa aproximação que anotamos e considerou que a influência de James e Dewey é “quase impossível de se exagerar”, acrescentando que a “similaridade da noção de James de “margem da consciência” [ fringe of consciousness ] com a construção da racionalidade limitada de Simon é visivelmente aparente” (p. 260)4 4 . Cabe acrescentar a respeito das consequências não desejadas, que, embora Simon (1957a , p. xxxi) parcialmente recusasse, há muitos pontos de ligação entre ele, Parsons e o estrutural-funcionalismo marcado na sociologia. Consideremos, por exemplo, a problemática posta antes dos materiais principais de Simon sobre as “consequências não antecipadas” da ação ( Merton, 1936 ) e as ressonâncias que isso mantém com os limites da racionalidade a despeito das declarações de Simon em contrário. .

Ao transitar para as suas fontes na economia, torna-se ainda mais impossível evitar a constatação do escoamento dos limites da racionalidade até Simon. Nesse sentido, é interessante observar a introdução do conceito de “incerteza” e como é factível rastrear aproximações com os limites da racionalidade e outras questões correlatas a Simon. Um exemplo disso é Knight (1921)Knight, F. H. (1921). Risk, uncertainty and profit. Boston: Houghton Mifflin Co. , professor em Chicago, e seu material Risk, uncertainty and profit que fez época. Nesse material, o autor estabeleceu por meio do método lógico (ou um positivismo de inclinações racionalistas) e a partir da própria teoria dos preços da economia neoclássica, aspectos considerados realistas sobre a tomada de decisão dos agentes em condições sempre constantes de conhecimento imperfeito, o que garantiria o permanente grau de incerteza. Chegou a sublinhar que com “a incerteza totalmente ausente, todo indivíduo de posse do perfeito conhecimento da situação, não haveria qualquer condição para nada da natureza de uma administração responsável ou do controle da atividade produtiva” (p. 267). Em outro momento, ao proclamar exigências realistas semelhantes às que Simon viria a fazer, anotou enfaticamente que “seria uma grande violência à realidade a especificação de concorrência perfeita entre organizações. . . Esse pressuposto envolve, em primeiro lugar, conhecimento perfeito” (p. 107), que, no entanto, não existiria em qualquer parte, como sustentou o autor.

Esse material de Knight apareceu como elemento central para Coase (1937)Coase, R. H. (1937). The nature of the firm. Economica, 4(16), 386-405. doi:10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x
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, por exemplo, no desenvolvimento da teoria da firma com ampla repercussão nos estudos administrativos e organizacionais. Este autor escreveu, debatendo longamente com Knight, que a “questão da incerteza é uma das frequentemente consideradas muito relevantes para o estudo do equilíbrio da firma. Parece ser improvável que uma firma emerja sem a existência da incerteza” (p. 392). É notório como essa posição de Coase, sustentada anteriormente à elaboração de Simon, será fundamental para a “assimetria de informações” e como a própria “racionalidade limitada” será integrada anos depois, e sem maiores dificuldades, à teoria dos custos de transação, como demonstrado por Williansom (2004)Williamson, O. E. (2004). Herbert Simon and organization theory: lessons for the theory of the firm. In J. G. Augier, M. March, Models of a man: essays in memory of Herbert A. Simon (pp. 279-303). Cambridge: MIT Press. . Não por acaso, Simon (1943aSimon, H. A. (1943a). A theory of administrative decision. Chicago: University of Chicago. , 1957a/1947)Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. ecoou várias influências de Knight. O problema do conhecimento imperfeito ressoa, assim, muitos elementos caracterizadores dos limites da racionalidade antes, portanto, da elaboração de Simon a respeito.

É também possível ver em Knight (1951/1925)Knight, F. H. (1951/1925). Economic psychology and the value problem. In F. H. Knight, The ethics of competition and other essays (pp. 76-104). Crows Nest: Allen & Unwin. o problema da psicologia na economia em que escreveu que “viver, no plano humano, é fazer escolhas” (p. 88). Vale a observação de que o autor também considerou o problema da distinção entre fato e valor nas ciências sociais (Knight, 1986/1942) um ano antes da dissertação de Simon empregar essa diferenciação sob influência declarada do positivismo lógico, embora o segundo não admitisse, ao contrário do primeiro, que a “ciência da sociologia inevitavelmente envolve pressupostos éticos” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. 251). Não seria exagero supor, entretanto, que elementos importantes possam ter transitado dos textos de Knight a Simon durante os anos em Chicago. E cabe o registro fundamental de que as aquisições realizadas por Knight sobre a incerteza estão inteiramente marcadas no interior mesmo da teoria neoclássica com a aspiração de “colocar os princípios essenciais da doutrina econômica convencional de modo mais acurado” ( Knight, 1921Knight, F. H. (1921). Risk, uncertainty and profit. Boston: Houghton Mifflin Co. , p. vii).

Vimos antes as semelhanças que Simon declarou ter com Chester Barnard a respeito dos limites da racionalidade. Na verdade, a leitura de As funções do executivo sugere que Simon foi decerto influenciado, uma vez que podemos ler que a “capacidade da maioria dos homens para tomar decisões é de todo estreita” ( Barnard, 1979/1938Barnard, C. (1979/1938). As funções do Executivo. São Paulo, SP: Atlas. , p. 191). E nosso autor sugeriu que o território comum entre eles teria sido o institucionalismo de J. Commons (1934)Commons, J. R. (1934). Institutional economics. The Macmillan Co. Accessed from https://bit.ly/3zvzkQe
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. De fato, a análise de Institutional economics sugere que as influências de Commons (já plenamente visíveis em Simon, 1941Simon, H. A. (1941). The planning approach in public economy: further comment. The Quarterly Journal of Economics, 55(2), 325-330. doi:10.2307/1882067
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) foram decisivas por diferentes razões.

Uma delas é conter claramente a reivindicação contrária às tendências consideradas irrealistas a respeito da conduta dos agentes econômicos que se encontravam presentes no marginalismo enquanto fundamento da escola neoclássica. É importante considerar nesse ponto que o marginalismo recebia críticas nos anos que precederam a chegada dos limites da racionalidade a Simon. Como vimos antes, Knight já parece acomodar tais críticas. Não por acaso, Machlup (1967)Machlup, F. (1967). Theories of the Firm: Marginalist, Behavioral, Managerial. The American Economic Review, 57(1), 1-33. Accessed from https://bit.ly/3wyb6l3
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observou que as discordâncias a respeito do comportamento maximizador e da falta de realismo da teoria dos preços já teria animado as discussões entre as escolas clássica e histórica da economia bem antes dos anos de 1930, década em que o institucionalismo também protestou contrariamente à teoria abstrata prevalecente na escola neoclássica, exigindo um modelo mais realista do que a teoria da firma de então. Simon pode ser colocado também nesse quadro geral. A leitura do material de Chester Barnard amplia essa possibilidade, dadas as influências declaradas para a elaboração de Simon, uma vez que podemos identificar expressivas remissões à estreiteza do conceito de homem econômico na teoria de então ( Barnard, 1979/1938Barnard, C. (1979/1938). As funções do Executivo. São Paulo, SP: Atlas. ).

Além disso, há evidências relevantes tanto em Commons quanto em Barnard – com maior extensão neste –, de influências das considerações de Pareto a respeito da conduta não lógica dos seres humanos. Aliás, sob os cuidados de Lawrence Henderson – difusor da sociologia de Pareto nos Estados Unidos –, estabeleceu-se um grupo notabilizado em Harvard nos anos de 1930 e 1940 por procurar desenvolver uma teoria geral das organizações ( Cot, 2011Cot, A. L. (2011). A 1930s North American Creative Community: The Harvard “Pareto Circle.” History of Political Economy, 43(1), 131-159. doi:10.1215/00182702-2010-046
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; Heyl, 1968Heyl, B. (1968). The Harvard “Pareto Circle.” Journal of the History of the Behavioral Sciences, 4(4), 316-334. doi:10.1002/1520-6696(196810)4:4<316::AID-JHBS2300040403>3.0.CO;2-Z
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; Keller, 1984Keller, R. T. (1984). The Harvard “Pareto Circle” and the Historical Development of Organization Theory. Journal of Management, 10(2), 193-204. doi:10.1177/014920638401000204
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). Entre seus membros, podemos citar Parsons, Barnard e Mayo. Não seria inadequado considerar esse quadro como fonte de Simon, pois, além das decorrências de Barnard, nosso autor escreveu, ao citar em nota Mind and Society (tradução de Trattato di sociologia generale , de 1916) de Pareto, que é um equívoco a suposição de que a conduta dos “seres humanos seja sempre ou geralmente racional”. Essa má compreensão presente na teoria política e na teoria econômica clássica, complementou, “foi decisivamente refutada pelos desenvolvimentos modernos da psicologia e da sociologia” ( Simon, 1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , pp. 61-62). Trata-se, ao fim e ao cabo, de notações sugestivas para a identificação dos canais por meio dos quais os limites da racionalidade alcançaram Simon a partir do território em tela.

Retomando a admissão anterior de nosso autor a respeito da centralidade de Commons, podemos ler que dele obteve “muitos insights nos [seus] estudos iniciais sobre tomada de decisão organizacional” ( Simon, 1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. The American Economic Review, 69(4), 493-513. Accessed from https://bit.ly/3wqcR50
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, p. 136). Pela indicação de Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , a leitura desse material ocorreu por volta de 1938 (antes de ter tido acesso ao The functions of executive , de Barnard) e, assim, são grandes de fato as chances de ter transitado por esse canal orientações tanto na direção dos limites da racionalidade inteiramente registrados, em 1941, quanto no sentido do procedimento de pesquisa propriamente dito.

Ainda na primeira questão, são fartas as remissões do próprio Commons a James e Dewey. Em uma delas, ao comentar as diferenças que surgiam entre os pragmatismos dos autores e de Peirce, admitiu que James “construiu o teste da verdade de uma ideia não apenas como se ela levasse a consequências esperadas, mas também se ela levaria a consequências desejáveis , tal como a felicidade individual, ou as consequências socialmente desejáveis de Dewey” ( Commons, 1934Commons, J. R. (1934). Institutional economics. The Macmillan Co. Accessed from https://bit.ly/3zvzkQe
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, p. 150). Isso reforça as marcas da psicologia antes indicadas e é possível especular se Commons não teria sido o médio de influência sobre tais pontos. Há momentos em que essa hipótese recebe reforço pelo fato de enfatizar os processos mentais envolvidos nas escolhas:

. . . a doutrina econômica do arbítrio [ will ] é claramente um arbítrio ambiental ou institucional em que relações em mudança entre fatores limitantes e complementares são diretamente conhecidos ou esperados por meio das lições da experiência. Aqui a psicologia de Dewey corresponde bem ao caso. O arbítrio humano experimenta as relações entre fatores, tanto quanto os fatores em si mesmos, de outro modo não se poderia saber como obter resultados distantes ao controlar fatores estratégicos os quais por sua vez modificam outros fatores; e um resultado bem maior do que o indivíduo poderia alcançar é de fato realizado por máquinas e instituições.

É de fato da relação entre fatores limitantes e complementares que a mente deriva a ideia de causa e efeito. Ao controlar os fatores limitantes no tempo certo, na quantidade certa, no local certo, controla-se os outros fatores e o resultado é uma máquina em funcionamento, um negócio em andamento. ( Commons, 1934Commons, J. R. (1934). Institutional economics. The Macmillan Co. Accessed from https://bit.ly/3zvzkQe
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, p. 647)

São plenamente audíveis o reconhecimento das limitações no processo de escolha, os condicionantes institucionais, a possibilidade de se controlar os fatores limitantes etc., em suma, aspectos amplamente presentes no trato das limitações da racionalidade nos materiais de Simon sob consideração.

Não obstante, as influências de Commons não se limitam a esse enlace entre a doutrina econômica e a psicologia empírica e pragmática de James e Dewey. Há elos tão importantes quanto e que remetem aos problemas epistemológicos postos inicialmente por Hume. Simon não parece ter tratado diretamente desse último autor, mas há outras sugestões sobre a existência de convergências que parecem consistentes ( Nieuwenburg, 2007Nieuwenburg, P. (2007). Practical reasoning and action: Simon’s administrative behavior in context. In G. Morçöl, Handbook of decision making (pp. 81-97). London: Taylor & Francis. ) e, por isso, merecem nossa atenção.

Com efeito, uma leitura eventual do empirismo de Hume permite capturar elementos com poder caracterizador do que viria a ser denominado como limites da racionalidade. Reconhece-se em Hume as influências das experiências passadas, dos costumes e hábitos, da crença e da memória a respeito dos processos da mente (científica ou prática). No quadro geral das problemáticas envolvidas com o conhecimento, não é novidade o reconhecimento dos limites da razão, dos fatores influenciadores (como os dogmas em Bacon). Entretanto, Hume parece ter desenvolvido explicitamente uma posição cética que também fundamenta James, Dewey e, adiante, Simon. Não por acaso, Commons (1934Commons, J. R. (1934). Institutional economics. The Macmillan Co. Accessed from https://bit.ly/3zvzkQe
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, p. 140) ligou, por meio de longas considerações, Hume, Peirce, James e Dewey. Nesse sentido, é uma observação interessante de Hume reconhecer que o

supremo esforço da razão humana é reduzir os princípios causadores dos fenômenos naturais a uma concepção mais simples e reportar os numerosos efeitos particulares a umas poucas causas gerais por meio de raciocínios baseados na analogia, na experiência e na observação. ( Hume, 1971/1748Hume, D. (1971/1748). Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo, SP: Abril. , p. 140)

O autor enfaticamente considerou que a “observação da cegueira e da fraqueza humana é o resultado de toda filosofia e vem ao nosso encontro em todas as esquinas a despeito de nossos esforços para evitá-la e fugir-lhe” (p. 140). E o arremate, pouco adiante: “Não há conclusões mais consentâneas com o ceticismo do que aquelas que contribuem com suas descobertas para demonstrar a fraqueza e os estreitos limites da razão e da capacidade humana” (p. 160). As semelhanças com importantes caracterizadores dos limites da racionalidade saltam das linhas e reforçam conectivos entre Hume, James, Dewey, Commons, Barnard e Simon por meio dos fios tecidos entre o empirismo e o pragmatismo.

A proximidade de Simon com alguma derivação do empirismo ancorado nas ciências da natureza (ênfase declarada à observação como limite da ciência) e, ao mesmo tempo, sua preocupação constante sobre como os seres humanos decidem (uma preocupação marcada também no pragmatismo), sugere a forja dos limites da racionalidade a partir de matéria-prima recolhida nas terras do empirismo. Se considerado o ceticismo de Hume a respeito da razão e da capacidade humana conforme sublinhado, aumenta consideravelmente a força da hipótese de que o itinerário epistemológico de Simon não teve, quanto às suas fontes, qualquer trânsito externo à tradição identificada. Em outras palavras, tratou-se de uma aquisição imanente à complexa ramificação interna ao empirismo, mas não sem as evocadas adições de pragmatismo e de neopositivismo. Fica estabelecido, assim, que os limites da racionalidade tomados por Simon decorrem de desdobramentos anteriores nesse próprio terreno do empirismo e da acomodação da escola neoclássica ao criticismo sobre seu irrealismo.

Procedimental investigativo dos limites da racionalidade

Podemos agora considerar a segunda questão referente ao trânsito quanto ao procedimento propriamente dito de pesquisa e que complementa o itinerário epistemológico sob análise. Se, quanto às fontes, importou inicialmente o escoamento dos limites da racionalidade enquanto objeto, importa agora delimitar como Simon se colocou diante da investigação de tal objeto.

Há, nesse sentido, considerações diretas e decisivas de Simon (1996)Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. sobre suas inspirações no empirismo de ascendência à tradição clássica, marcado pela “observação comum e experimentação” (p. 59), as quais auxiliam na identificação do procedimento de pesquisa. Há claramente uma posição cética quanto aos operatórios investigativos sistematizados e, ao mesmo tempo, a notória admissão de que “muito conhecimento sobre a sociedade humana – mesmo o conhecimento que pode ser denominado “científico” – foi derivado da observação e da experiência” (p. 58). Vale para Simon o exemplo de William James, que “foi esse tipo de naturalista, um observador de si mesmo e dos outros, que não realizou quaisquer experimentos em laboratório” (p. 58). Da mesma forma, a economia também “quase tornou em virtude o evitamento de contato direto, observação sistemática de indivíduos humanos, valorizando o empirismo casual da introspecção de poltrona do economista” (p. 59). Simon reconheceu os limites dessa posição e assumiu validade na crítica de Merriam a respeito das “deficiências metodológicas” dessa abordagem. Também ajuizou que o behaviorismo de verve empirista de seu professor na ciência política em Chicago promoveu a inovação metodológica corretiva das deficiências identificadas – um dos motivos, aliás, do choque com o status quo da ciência política de então. Assim, os materiais importantes de Merriam, argumentou Simon, “pertencem à tradição clássica, porém empírica, de observação, experiência e reflexão” (p. 59). O arremate de Simon é uma identificação e adesão a essa posição. Escreveu estar ciente de que seu “ Administrative Behavior , enquanto quase totalmente empírico em intenção e conteúdo, baseia-se na mesma tradição clássica. Apesar de seu conteúdo comportamental, os “fatos” naquele livro são derivados extensamente da observação e experiência” ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 59).

Isso reforça nossa constatação, registrada no tópico anterior, a respeito da importância das experiências empíricas (em que os supostos fatos foram colhidos), em 1935 e 1938, para a redação da dissertação e de AB . E sobre esse aspecto, o procedimento investigativo que Simon empregou poderia ser discutido com reservas em muitos círculos científicos. Isso porque, sob influência de Barnard (1979/1938)Barnard, C. (1979/1938). As funções do Executivo. São Paulo, SP: Atlas. , nosso autor sugeriu que

um pouco de experiência administrativa ajuda bastante. A vida nas organizações não é muito diferente da vida em qualquer lugar. A maior parte dos escritos sobre administração, incluindo os de Barnard, foram baseados em observação diária, não em experimentos exotéricos ou técnicas observacionais. ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 73)

A leitura do material de Barnard corrobora esse entendimento de Simon, pois há muitas indicações sobre a experiência pessoal e observação empírica direta ( Barnard, 1979/1938Barnard, C. (1979/1938). As funções do Executivo. São Paulo, SP: Atlas. ). Considerando sua ascendência empírica à tradição clássica, Simon encontrou a justificativa para o seu próprio processo investigativo sobre os limites da racionalidade. Em reflexão, considerou que a escassez de suas próprias “experiências com organizações não colocou qualquer limite particular ao desenvolvimento de uma abordagem alternativa à tomada de decisão”. Confessou, então, por sua conta e risco:

Aplicar as ideias de racionalidade limitada às organizações [como fez na dissertação e em AB ] poderia ser facilmente alçada munido apenas de conhecimento livresco sobre organizações. Foi simplesmente necessário questionar quais são as implicações da racionalidade limitada para a divisão do trabalho, para a autoridade, para a identificação organizacional, para a coordenação e assim por diante. Inferência, mais do que observação empírica, poderia e de fato orientou essa análise. ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 87)

Assim, a observação empírica na tradição clássica, ainda que limitada, deu-se em 1935 e 1938, principalmente, além dos episódios experimentais ( Simon & Divine, 1941Simon, H. A., Divine, W. R. (1941). Controlling Human Factors in an Administrative Experiment. Public Administration Review, 1(5), 485-492. doi.org/10.2307/972865
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, Simon, et. al., 1941Simon, H. A., Divine, W. R. (1941). Controlling Human Factors in an Administrative Experiment. Public Administration Review, 1(5), 485-492. doi.org/10.2307/972865
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). Em seguida, a inferência tomou seu lugar para a redação do material mais elaborado que trouxe consigo a caracterização mais desenvolvida dos limites da racionalidade na dissertação de 1943. E todo esse processo fora realizado no próprio território do empirismo de traçado especial. Em outros termos, os limites da racionalidade, como objeto colhido nesse terreno do empirismo, foram investigados de maneira pouco sistemática e parcamente lastreada em dados da realidade, promovendo inferências acerca das implicações lógicas daqueles limites sobre certos aspectos organizacionais. O rigor científico desse aspecto do itinerário epistemológico poderia ser considerado discutível, sobretudo nas próprias tradições empíricas e positivistas dos estudos em gestão e organizações da qual Simon foi participante ativo.

Caracterização sintética do itinerário

Com base nos apontamentos em conjunto é possível caracterizar mais sinteticamente o itinerário epistemológico em tela.

A respeito de suas fontes fundamentais, Simon recebeu, durante os anos de faculdade (1933-1936), treinamento na economia neoclássica e teve acesso ao positivismo lógico – que o ajudou a pensar e redigir o material com a precisão linguística que julgava necessária e que também não foi contradita em qualquer momento de seu processo particular posterior. As experiências de 1935 e 1938 forneceram, por meio de observação restrita a alguns casos e pouco sistemática, material empírico limitado sobre os problemas fáticos de administração, principalmente na administração pública. Capitulado diante de interesses práticos, os limites da racionalidade foram introduzidos gradativamente, manifestando-se explicitamente em texto no ano de 1941 já com as aquisições realizadas a partir de Commons, as quais iluminaram as experiências que nosso autor teve anteriormente. Na linha James, Dewey, Tolman e Commons estão os elementos decisivos, assim como jogou papel central a introdução da “incerteza” na própria teoria neoclássica como vimos no exemplo de Knight com amplas repercussões.

Não ficam de fora os desdobramentos do behaviorismo nas ciências políticas em que Simon esteve imerso após 1937 sob influências de Merriam e de seu empirismo de tradição clássica, nem as aquisições que a teoria da administração fazia acerca da importância dos processos decisórios com o protagonismo de Barnard e sua experiência como gestor de uma grande corporação. Aliás, vimos que as conexões com Barnard parecem ser muito maiores do que Simon teria admitido. E junto a isso caminhou o estabelecimento da inclinação ao empirismo (que também ecoa do último autor), pois advém da linha acima as conexões com o ceticismo de Hume, o pragmatismo e empirismo de Commons, Dewey e James, além da observação experimental de Tolman.

Do lado dos procedimentos investigativos propriamente ditos, as observações empíricas iniciais cederam lugar à inferência para aplicação dos limites da racionalidade – colhida da literatura mobilizada já acomodada ao criticismo à teoria neoclássica – aos problemas de administração. Aqui também não deixa de haver fontes importantes, como os exemplos de James, Knight, Merriam e Barnard, sobretudo os dois últimos. Os procedimentos adotados pagaram alto tributo, assim, àquele empirismo de tendência clássica tomado positivamente por Simon, dando-lhe a segurança de que poucas observações não sistemáticas e inferências lógicas bastariam às exigências científicas a respeito dos limites da racionalidade. No conjunto, um posicionamento no empirismo de ascendência clássica se estabeleceu como base para inferências desse tipo. Tanto que as inclinações mais formalistas de Simon no sentido da “matematização” submeteram-se ao modelo geral de acesso do conhecimento por meio da observação empírica e inferência a partir dos parcos casos, valorizando a realidade dos agentes práticos. Tudo isso, pelo menos, até 1943/47.

Assim, o itinerário epistemológico de Simon sobre os limites da racionalidade no período considerado se deu inteiramente no terreno do empirismo de caracteres especiais. Foi a partir desse terreno que o autor colheu os limites da racionalidade como objeto de observações não sistemáticas e obteve certo respaldo para a aplicação de modo logicamente inferencial aos aspectos organizacionais.

Isso não altera o fato de que a própria teoria neoclássica buscava acomodar o criticismo, anterior à década de 1930 – e, logo, antes da dissertação e de AB –, a respeito do irrealismo quanto à conduta do agente maximizador. A introdução dos limites da racionalidade teve, portanto, a manutenção do mesmo quadro geral em que já se encontrava a escola neoclássica, com a diferença de que o empirismo de Simon, informado por seu realismo (ainda que superficial), contribuiu para alargar aquele criticismo à teoria, ao passo que aplicava de modo inferencial ao comportamento administrativo tais aquisições herdadas da tradição que, como vimos, já alimentava posição cética quanto à razão humana. Tudo sugere preponderar uma linha de continuidade, de aprofundamento, e, não necessariamente, uma inflexão.

Considerações finais

Objetivamos realizar uma análise, fundamentados na história da ciência administrativa, do itinerário epistemológico de Herbert Simon tangente aos limites da racionalidade. Assim, tomamos o processo do conhecimento do autor, considerando as fontes primárias dos limites da racionalidade e os procedimentos investigativos diante desse objeto como categorias de análise.

A análise do itinerário epistemológico permitiu satisfazer a lacuna identificada a respeito do percurso realizado pelo autor para o estabelecimento dos limites da racionalidade. A análise histórica desse itinerário culminou em uma descoberta que nos parece fundamental e contributiva para a história da ciência administrativa. Em geral, a aquisição com respeito aos limites da racionalidade é tida como uma espécie de descoberta original de Simon. O próprio autor deixou isso sugerido no livro que lhe proporcionou notoriedade. Porém, não foi Simon exatamente quem chegou, como processo de descoberta científica, aos assim chamados limites da racionalidade.

Nossas conclusões apontam para o fato de que o itinerário de Simon foi completamente realizado dentro do empirismo que já estimulava, antes da década de 30, inquietações a respeito das possibilidades da razão. Os limites da racionalidade, tal como desenvolvido por Simon entre os anos de 1930 e 1940, são uma problemática extraída dos materiais que constituíram os pilares de AB e não representam necessariamente uma descoberta própria, ainda que tenha marcado época para os estudos das organizações e do comportamento administrativo. Observamos, portanto, a possibilidade de haver uma linha de continuidade do criticismo teórico da escola neoclássica a partir de uma exigência de realismo cujo limite é a empiria. Assim, Simon refletiu, da sua forma, o criticismo já circundante às premissas da corrente neoclássica da qual participou, sem, contudo, abandonar a base epistemológica desta.

Dessa forma, a análise histórica do itinerário epistemológico que realizamos sugere ser mais correto dizer que tais limites da racionalidade alcançaram Simon por sua adesão aos canais de uma espécie de empirismo no interior do qual o autor procedeu fundamentalmente com observações empíricas pouco rigorosas e a partir das quais promoveu inferências registradas, ao final, no livro que lhe proporcionou notoriedade. Cabe, no entanto, sublinhar que esse achado fundamental não diminui o peso do autor para a forja dos estudos em gestão e organizações. Antes, estabelece um espelhamento mais depurado e aproximado do efetivo itinerário, uma vez que o interesse científico está em determinar as coisas como elas são.

De toda forma, poder-se-ia debater, em muitos círculos acadêmicos interessados, as implicações teóricas da propositura dos limites da racionalidade pela pena de Simon, considerando a cientificidade discutível de observações pontuais e inferências lógicas. Como a propositura sobre o tema ajudou a forjar os estudos em gestão e organizações em várias direções, da forma como sugerimos na introdução, fica a questão de ser avaliada as consequências de ter vindo à baila a partir de procedimentos considerados potencialmente frágeis. Disso resulta que o debate a respeito da racionalidade, incluindo aquele entre teorias administrativas e teorias críticas, não deve ignorar o itinerário epistemológico por meio do qual os próprios conceitos foram forjados. E isso tem validade para ambos os lados da contenda.

Essa pesquisa encontrou alguns obstáculos, entretanto. Em termos mais gerais, a história da ciência administrativa encontra-se em estágio pouco desenvolvido, sobretudo no Brasil. Isso gerou a necessidade de propositura do itinerário epistemológico, a partir de inspiração nos estudos sobre a história da ciência para inquirir o processo de conhecimento do autor como uma alternativa investigativa cuja essência poderá ser mais bem desenvolvida. Com este artigo, esperamos contribuir com o avanço dessa linha de estudos e suas decorrências para a pesquisa em história do pensamento administrativo. Em termos específicos, o principal obstáculo dessa pesquisa se deu pela ausência de acesso a certos materiais de Simon que poderiam alterar as conclusões realizadas. Frente a isso, as futuras investidas precisarão sanar essa dificuldade ao obter acesso direto ou indireto a esses materiais.

Cabe finalizar com pelo menos uma indicação de continuidade da presente pesquisa que nos parece promissora, especificamente na localização de Simon entre os difusores de uma tendência geral da época, na qual acentuou-se teoricamente as motivações não lógicas da conduta humana, tendo em vista a necessidade econômica de seu estudo e controle. Uma hipótese a ser desenvolvida é que a crítica ao homem econômico, a qual encontramos em Barnard, Mayo, Simon, por exemplo, e a decorrente acentuação dos aspectos intuitivos da conduta, têm embutida a função de crítica à razão em geral, inclusive à razão científica. Não se trataria mais de determinar cientificamente o espelhamento da realidade objetiva em si, mas de obter resultados práticos em uma capitulação à necessidade econômica de forja das condutas dos agentes organizacionais. A exaltação do caráter não lógico da conduta responderia, assim, à necessidade do seu estabelecimento primariamente como objeto de administração e não para extração de novas conclusões científicas.

Por decorrência, fica implicada aquela análise que fomos obrigados a abstrair neste artigo por questões de escopo e espaço, qual seja, a análise das condições histórico-concretas com capacidade explicativa daquela tendência geral mencionada no parágrafo anterior cuja seta apontou preponderantemente para a missão de obter coesão social no período imediatamente posterior à primeira grande guerra mundial, ao processo revolucionário (de 1917) e à crise econômica (de 1929). Estabelecer como os seres humanos fazem suas escolhas parece uma decorrência necessária dessa missão. O caso de Simon é emblemático nesse sentido. A preocupação com a conduta não lógica dos seres humanos reflete o fato de que certos intelectuais são chamados a dar respostas aos problemas fáticos decorrentes das necessidades econômicas em determinado contexto. Vemos isso no interesse administrativo de conhecer como os homens tomam decisões para, sobre elas, produzir efeitos, modificando as consciências e as condutas dos agentes em direções aderentes às necessidades econômicas postas. Tal edifício intelectual, na qualidade de forma de consciência científica, apresenta-se como resposta aos problemas fáticos de administração dos homens naquele período (e além dele). Nessa direção, teria lugar novamente os fundamentos da abordagem materialista para a qual não existem tendências de pensamento que sejam autônomas, que não deem, de um modo ou de outro, respostas aos problemas postos por suas próprias condições histórico-objetivas de possibilidade.

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Notas

  • 1
    . Administrative Behavior recebeu quatro edições (1947, 1957, 1976 e 1997). As edições foram modificadas de tal modo a gerar alguma confusão na discussão sobre a racionalidade limitada e o agente “satisficiente” (cf. Kerr, 2007Kerr, G. (2007). The development history and philosophical sources of Herbert Simon’s. Journal of Management History, 13(3), 255-268. doi.org/10.1108/17511340710754707 ). A edição que estamos utilizando é a segunda (de 1957) e que contém uma introdução especialmente escrita para ela. Assim, para toda inserção será considerado o ano da segunda edição (1957a), acrescentando a data da primeira edição (1957a/1947) para as passagens que não pertencem exclusivamente à introdução da segunda edição.
  • 2
    . Esse ponto conecta Simon ao pensamento socialmente determinado pelas demandas fáticas e historicamente condicionadas em atuar sobre as consciências e em moldar as condutas dos agentes econômicos. Foi aproximadamente retratado por Ramos (1989)Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações. São Paulo, SP: FGV. , como antecipado na introdução do presente trabalho, dentro do quadro da “política cognitiva”. O aprofundamento do assunto terá que aguardar momento oportuno em outra pesquisa. O leitor interessado, entretanto, pode tirar proveito do capítulo IV de Mannheim (1960/1923)Mannheim, K. (1960/1923). Man and society in an age of reconstruction. London: Routledge & Kegan Paul. , no qual o autor trata extensamente das formas de controle social, considerando os métodos de influência sobre o comportamento humano, entre os quais se incluem as próprias “organizações racionalizadas”. Destacaríamos nesse passo os detalhes de influência sobre o comportamento por meio da alteração das situações, algo muito marcante na elaboração de AB . Embora Simon (1957a/1947Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , pp. 101, 211) tenha citado esse material de Mannheim, não fez declarações sobre ter aproveitado diretamente dessas considerações, talvez devido ao fato de que Mannheim chegou a alinhar o fascismo como essencialmente behaviorista e isto ter soado como intransigência aos propósitos de Simon. Para além do fato de ser um caminho de pesquisa possível, fica também sugerido que as proposituras de Simon estavam conectadas àquela tendência geral da época capturada pela sensibilidade sociológica de Mannheim. Voltaremos a esse ponto ao final do artigo para indicação de continuidade da pesquisa.
  • 3
    . Não poderíamos deixar de anotar que o “realismo” de Simon (1957a)Simon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. é superficial. Veremos que o limite científico suportado é a observação pela experiência, quer dizer, o nível diretamente observável da realidade. Isso se soma às definições abstratas e sem especificidades como, por exemplo, de que “organização se refere a um padrão complexo de comunicações e outras relações em um grupo de seres humanos” (p. xvi). Ou como, anos mais tarte, se referirá às organizações por influência do exemplo de Clarence Ridley: “Ao observá-lo, entendi que organizações bem administradas são instrumentos poderosos para alcançar objetivos socialmente importantes, e não um jugo no pescoço de seus membros. Alguns anos depois, em Administrative Behavior , tentei explicar como as organizações podem expandir a racionalidade humana, uma visão bastante oposta ao folclore popular em nossa sociedade, que comumente as vê como burocracias desumanizantes” ( Simon, 1996Simon, H. A. (1996). Models of my life. Cambridge: MIT Press. , p. 72). Trata-se de um realismo cujo limite é a aparência do empírico observável acessado pela experiência. Para esse realismo não existem contradições.
  • 4
    . Cabe acrescentar a respeito das consequências não desejadas, que, embora Simon (1957aSimon, H. A. (1957a/1947). Administrative behavior. New York: The Free Press. , p. xxxi) parcialmente recusasse, há muitos pontos de ligação entre ele, Parsons e o estrutural-funcionalismo marcado na sociologia. Consideremos, por exemplo, a problemática posta antes dos materiais principais de Simon sobre as “consequências não antecipadas” da ação ( Merton, 1936Merton, R. K. (1936). The unanticipated consequences of purposive social action. American Sociological Review, 1(6), 894-904. doi:10.2307/2084615
    https://doi.org/10.2307/2084615...
    ) e as ressonâncias que isso mantém com os limites da racionalidade a despeito das declarações de Simon em contrário.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: O autor não recebeu apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Josiane Silva de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2021
  • Aceito
    27 Abr 2022
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