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Por uma teoria integradora para a compreensão da realidade

For an integrative theory for understanding the reality

Por una teoría integradora para la comprensión de la realidad

Resumos

O presente artigo visa suscitar uma reflexão crítica sobre a utilização do paradigma cartesiano nas ciências denominadas humanas e questiona a utilização dos modelos epistemológicos de causa e efeito nesta área. Contempla um estudo sobre o enfoque sistêmico, indicando que este não surgiu do vazio, mas na evolução da própria ciência na tentativa de explicação dos fenômenos complexos. Para uma melhor compreensão do tema, destacam-se os conceitos principais deste novo paradigma e se propõe um detalhamento do paradigma da complexidade como uma das expressões mais relevantes e atuais do enfoque sistêmico. Conclui-se levantando algumas críticas que têm surgido ao modelo.

Modelo cartesiano; teoria dos sistemas; paradigma da complexidade


The present article intends to provide a critical reflection on the use of the Cartesian paradigm in the human sciences. It questions the use of the epistemological models of cause and effect, based on a study on the systemic focus which has not appeared in an emptiness, but rather in the evolution of science itself, in an attempt to explain the complex phenomena. For a better understanding of the theme, some main concepts of this new paradigm are brought to light. Moreover, this study brings forward details of the paradigm of complexity as one of the most relevant and current expressions of the systemic focus. Conclusions show some critical aspects that seem to be evident to the model.

Cartesian model; theory of systems; complexity paradigm


El artículo presente busca proporcionar una reflexión crítica sobre el uso del paradigma Cartesiano en las ciencias humanas y cuestiona el uso del modelo epistemológico de causa y efecto en esta área. Contempla un estudio en el enfoque sistémico, mientras indicando que lo mismo no surge en el vacío, pero en la evolución de la propia ciencia en el esfuerzo de explicación de los fenómenos complejos. Para una mejor comprensión del tema, son destacados los conceptos principales de este nuevo paradigma, y se propone una especificación del paradigma de la complejidad como una de las expresiones más pertinentes y actuales del enfoque sistémico. Se concluye con el levantamiento de algunas críticas que se hacen al modelo.

Modelo cartesiano; teoría de los sistemas; paradigma de la complejidad


ARTIGOS

Por uma teoria integradora para a compreensão da realidade

For an integrative theory for understanding the reality

Por una teoría integradora para la comprensión de la realidad

Carlos Tadeu Grzybowski

Psicólogo, Doutor em Lingüística Aplicada, Professor titd Pós-Graduação da Faculdade Luterana de Teologia, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Tadeu Grzybowski Rua Paula Gomes, 850 CEP 80510-070, Curitiba-PR, Brasil E-mail: catito@eirene.com.br

RESUMO

O presente artigo visa suscitar uma reflexão crítica sobre a utilização do paradigma cartesiano nas ciências denominadas humanas e questiona a utilização dos modelos epistemológicos de causa e efeito nesta área. Contempla um estudo sobre o enfoque sistêmico, indicando que este não surgiu do vazio, mas na evolução da própria ciência na tentativa de explicação dos fenômenos complexos. Para uma melhor compreensão do tema, destacam-se os conceitos principais deste novo paradigma e se propõe um detalhamento do paradigma da complexidade como uma das expressões mais relevantes e atuais do enfoque sistêmico. Conclui-se levantando algumas críticas que têm surgido ao modelo.

Palavras-chave: Modelo cartesiano; teoria dos sistemas; paradigma da complexidade.

ABSTRACT

The present article intends to provide a critical reflection on the use of the Cartesian paradigm in the human sciences. It questions the use of the epistemological models of cause and effect, based on a study on the systemic focus which has not appeared in an emptiness, but rather in the evolution of science itself, in an attempt to explain the complex phenomena. For a better understanding of the theme, some main concepts of this new paradigm are brought to light. Moreover, this study brings forward details of the paradigm of complexity as one of the most relevant and current expressions of the systemic focus. Conclusions show some critical aspects that seem to be evident to the model.

Key words: Cartesian model; theory of systems; complexity paradigm.

RESUMEN

El artículo presente busca proporcionar una reflexión crítica sobre el uso del paradigma Cartesiano en las ciencias humanas y cuestiona el uso del modelo epistemológico de causa y efecto en esta área. Contempla un estudio en el enfoque sistémico, mientras indicando que lo mismo no surge en el vacío, pero en la evolución de la propia ciencia en el esfuerzo de explicación de los fenómenos complejos. Para una mejor comprensión del tema, son destacados los conceptos principales de este nuevo paradigma, y se propone una especificación del paradigma de la complejidad como una de las expresiones más pertinentes y actuales del enfoque sistémico. Se concluye con el levantamiento de algunas críticas que se hacen al modelo.

Palabras-clave: Modelo cartesiano; teoría de los sistemas; paradigma de la complejidad.

Desde a Antiguidade o pensamento científico foi muito influenciado por uma visão linear de causa-efeito. Embora tenha passado por distintos paradigmas ao longo da história, a explicação da realidade geralmente aconteceu em termos de regras e leis. Os filósofos gregos procuravam explicar a realidade e os fenômenos da natureza a partir de um método dedutivo que partia do universal para se chegar ao particular e no qual o efeito estava sempre contido na causa. Desenvolveu-se assim a chamada Lógica Aristotélica. Esta lógica serviu de base para toda a construção da ciência ocidental por séculos, mas este modelo de abordagem científica é limitado em vários aspectos. Para pensadores como Bateson (1987), "a lógica é um modelo medíocre de causa e efeito" (p.66). Grzybowski (2006) argumenta que, embora o pensamento científico tenha mudado a partir de Galileu, partindo do particular para o universal, continua utilizando a relação de causa-efeito.

O Positivismo e o Iluminismo vieram reforçar esta posição, reafirmando as Ciências Naturais e considerando como 'científicos' somente os fatos que eram comprováveis em nível laboratorial, de modo que os efeitos pudessem ser mensuráveis a partir de suas causas.

A ciência moderna percebia o homem e seu mundo ou ecossistema de uma forma mecânica e utilizava a metáfora do relógio para a descrição deste mundo (Capra, 1982). Segundo Price (1976), toda a ciência construída após Descartes acreditava em um mundo cujos fenômenos eram de ordem absolutamente mecânica e de relações mecânicas entre a o ser humano e a natureza que o cerca, sendo que tais relações podem ser totalmente explicadas a partir da física mecânica proposta do Newton. Não obstante, o próprio desenvolvimento da física levou a ciência a impasses da impossibilidade de explicar a realidade a partir do paradigma mecanicista, em especial com o surgimento da física quântica e os postulados acerca do caos e da desordem (Prigogine, 1996).

Nas ciências clássicas os acontecimentos são explicados pela utilização de 'verdades' como forças, energias e causas, criando-se leis para definir os fenômenos. Os elementos que não se encaixam nos modelos do racionalismo científico são considerados não científicos, e aí se incluem todo o campo das chamadas "humanidades" e o "senso comum". Desta forma a ciência clássica nega a complexidade humana e favorece a racionalidade instrumental, afirmando a legitimidade desta última e impondo dogmaticamente uma única forma de chegar-se ao conhecimento do que é verdadeiro (Paul, 2005);

Segundo Santos (1995), o racionalismo moderno funda-se no cartesianismo, que postula a existência de somente duas maneiras de conhecimento: as disciplinas formais da lógica e da matemática e o modelo mecanicista das ciências naturais.

O "mundo cartesiano" é concebido sempre como algo eterno e bem-ordenado regido por leis simples e imutáveis, o que leva o pesquisador a considerá-lo cognoscível, desde que abordado de forma racional. Assim, a eleição das situações estáveis tem sido o caminho do desenvolvimento e do "progresso" científico, sempre com o objetivo de encontrar um princípio explicativo decodificador da realidade. Estas situações estáveis seriam então fragmentadas em múltiplas partes para serem objeto de análise – termo utilizado por Descartes (1979) como oposição à síntese. Para Almeida Filho (2005), "o marco epistemológico do reducionismo cartesiano constrói e trata, muito bem, dos objetos simples" (p.33), mas não sabe manejar elementos complexos.

Assim este mundo passa a ser "dominado" e descrito por um observador que é externo a ele, que não lhe pertence nem nele está inserido, o qual tem uma visão abrangente e capaz de discernir – a partir de sua objetividade – o que é real e o que é ilusório, ou seja, o que faz parte da realidade objetiva externa e o que faz parte da realidade subjetiva interna. Desta forma o caráter de "cientificidade" é diretamente proporcional à eliminação do observador. Não obstante, o modelo ideal que uma ciência "objetiva" comporta é aquele no qual só se podem avaliar os fatores um de cada vez, ou seja, os sistemas intrinsecamente simples, evitando os sistemas complexos. A objetividade, de acordo com Morin (1987b), possui um elemento intrínseco de subjetividade e, de forma distinta do pensar cartesiano, consiste de elementos constituintes da realidade, pois uma parte sem a outra descaracterizaria a identidade complexa do sistema.

Para descrever o paradigma cartesiano Morin (2006a) utiliza o termo "simplificador". A simplicidade põe ordem no universo, expulsa dele a desordem e a ordem se reduz a uma lei, a um princípio. Segundo Morin (2006a), este paradigma simplificador "vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. Ou o princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção), ou unifica o que é diverso (redução)". (p. 59)

O conhecimento que se obtém ao se analisar um sistema complexo a partir de um modelo simplificador é somente aprender a manipular, operacionalizar ou reduzir a simplificações, admitindo-se que certas "forças" estão agindo em pares. Exatamente pela dificuldade de se trabalhar com sistemas complexos, a ciência cartesiana e positivista acaba trabalhando apenas frações do sistema e, como consequência natural, chegando a conclusões e princípios parciais. Isso não impede de trabalhar com tal conhecimento, porém o resultado da fragmentação e simplificação é a superespecialização e o não diálogo entre os distintos campos da ciência, criando, inclusive, linguagens muito específicas para descrever as realidades parciais.

O ponto de convergência dos elementos especializados, inclusive das disputas pelas interpretações mais verdadeiras da realidade, pode ser contemplado por meio da visão sistêmica e do paradigma da complexidade organizada, os quais abandonam a ideia de que a realidade pode ser reduzida a leis universais e incluíram como obrigatórios outros pontos de vista, como o das artes, da filosofia e das ciências humanas. Compreende que os limites da objetividade científica são as "leis" e os "princípios explanatórios" que encerram a continuidade da pesquisa sobre qualquer assunto. Nas palavras de Bateson (1996), "Uma hipótese tenta explicar alguma coisa em particular, mas um princípio explanatório – como 'gravidade' ou 'instinto' - de fato, não explica nada. É uma espécie de consenso convencional entre os cientistas para em certo ponto pararem de explicar coisas" (p.67).

ASPECTOS PRINCIPAIS DA TEORIA DOS SISTEMAS

O modelo sistêmico representa uma nova forma do pensar científico, uma nova maneira de perceber o mundo e suas relações; um paradigma que significa uma ruptura com as formas anteriores de fazer ciência. Engloba o que Kuhn (1975) descreveu como uma "revolução científica". Segundo Kuhn, quando os esquemas conhecidos já não são suficientes para explicar a complexidade do mundo e suas relações, surge a necessidade de novos paradigmas. "Por paradigmas entendemos uma matriz disciplinar compreendendo o conjunto de elementos práticos (quem investiga o que?), ideológicos (por quê?) metodológicos e epistemológicos (como?) que estruturam e legitimam em certo momento um campo científico" (Pineau, 2005, p.107). Assim o paradigma sistêmico emerge no campo das ciências para tentar responder às necessidades de compreensão dos elementos complexos vindos à tona a partir das novas descobertas em várias disciplinas.

Encontramos vestígios do pensamento sistêmico na história da filosofia, da religião, da psicologia e das ciências em geral. Todavia os aspectos específicos e os elementos concretos do pensamento sistêmico resultaram de investigações realizadas a partir de meados do século XX e de postulados expressos nas últimas décadas. Afirma-se que precisamente Ludwig von Bertalanffy (1973), biólogo vienense, utilizou pela primeira vez, ao final da década de trinta, o termo "Teoria Geral dos Sistemas".

O enfoque sistêmico passou então a afetar toda a produção científica, ocupando o lugar das teorias baseadas na termodinâmica no campo da física e o lugar das teorias mecanicistas no campo da psicologia. "O enfoque sistêmico implementou a necessidade da exploração científica de totalidades, de organização, de relações e das dimensões holísticas do mundo" (Grzybowski, 2005, p. 89-90).

A partir do conceito de Bertalanffy surgiram outros estudos além do entendimento do conceito de sistemas complexo, como, por exemplo, o estudo da Cibernética - termo utilizado por Norbert Wiener em 1948 - que é a área da ciência que estuda os processos de controle e transmissão de informação nos seres vivos e nas máquinas. A cibernética trouxe para a ciência os conceitos de "retroalimentação" (feedback) e "autorregulação". Estes conceitos asseguram que os sinais de saída de um sistema voltam a entrar no sistema modificando substancialmente os resultados. Questionou-se assim a convicção já arraigada das explicações da conduta humana em termos de causa-efeito ou estímulo-resposta.

Outro trabalho essencial para o desenvolvimento do paradigma sistêmico foram os estudos sobre a Comunicação Humana. Na relação dos seres vivos não se transmite simplesmente energia, como postula o paradigma cartesiano, que fundamentava distintas concepções da pessoa humana – como, por exemplo, a psicanálise e o conceito de libido – mas se transmite essencialmente informação.

Da mesma forma, a Filosofia Existencial tem trazido uma mudança paradigmática na compreensão das relações humanas em sua insistência de que o ser humano é um ser-em-relação e que o "EU" se define sempre diante de um "TU" significativo (Buber, 1977).

Luhmann (1987) afirma que o desenvolvimento do pensamento sistêmico passou por três fases históricas distintas. Na primeira fase os sistemas eram concebidos como totalidades fechadas; na segunda houve uma mudança radical em relação à primeira fase, e os pensadores sistêmicos passaram a conceber os sistemas como abertos, ou seja, como sistemas que realizam trocas com o seu meio; e terceira fase, conhecida como a fase dos sistemas autorreferenciados ou autopoiéticos, é defendida especialmente por Maturana e Varella (1995).

Sistemas autopoiéticos podem ser definidos como configurações vivas que se constituem e mantêm a si mesmas. Seus componentes interagem num processo circular, produzindo mais componentes necessários para a autopreservação e constituindo-se em uma unidade delimitada que necessariamente é um ser vivo. Sistemas autopoiéticos não conhecem input nem output, como se supunha na primeira e na segunda fase do desenvolvimento do pensamento sistêmico, mas produzem por si mesmos o que necessitam para a sua organização. No modelo autopoiético, o fechamento e/ou a abertura de um sistema não acontecem por acaso nem são dependentes do entorno. O sistema acolhe somente aquilo que é necessário para sua subsistência e autorreprodução. Todo elemento "recebido" a partir do entorno é imediatamente transformado segundo os princípios autopoiéticos do próprio sistema, de tal forma que após esta transformação dificilmente será reconhecido a partir de sua origem.

Já é possível delimitar na atualidade uma quarta fase, que se apresenta como teoria da complexidade, a qual será examinada em detalhes abaixo.

O enfoque sistêmico tem seu corpo de conceitos que o identifica e explica. Uma breve descrição dos termos de maior relevância para o estudo do modelo sistêmico, baseada em Friesen e Grzybowski, (2006), inclui termos como sistemas e subsitemas, sistemas abertos, conceito de totalidade,retroalimentação (ou feedback), homeostase, equifinalidade, calibração, sistemas interacionais estáveis e ruptura do sistema estável.

Um sistema é uma entidade com componentes que covariam de maneira interdependente dentro de limites (semipermeáveis ou permeáveis) e buscam manter o equilíbrio. Como os sistemas possuem uma hierarquia entre si, um subsistema é um sistema menor, que está contido em um sistema hierarquicamente superior, mas por sua vez também contém em si sistemas menores ou hierarquicamente inferiores.

Um sistema aberto caracteriza-se pela permeabilidade de seus limites, que além de semipermeáveis, são também seletivos. Por estes limites o sistema importa ou recebe entradas, denominadas de "inputs", em forma de energia, matéria e informação, e exporta ou emite "outputs", também em forma de matéria, energia e informação. Os sistemas abertos estão em constante interação com outros sistemas em seu ambiente e buscam permanentemente um equilíbrio com o meio mediante a promoção de mudanças nesse mesmo meio.

O Conceito de totalidade significa que toda e qualquer parte de um sistema está relacionada com as demais partes, de tal forma que uma mudança em uma pequena parte provocará a mudança no sistema em todas as demais partes e no sistema como um todo, pois um sistema é um todo inseparável.

A retroalimentação (ou feedback) é entendida como uma cadeia de eventos nos quais o último elemento conduz de volta ao primeiro e torna a cadeia de eventos circular, e não mais linear. A retroalimentação pode ser positiva ou negativa. Ela é positiva quando conduz a mudanças, à perda de estabilidade, e negativa quando produz o efeito exatamente de manutenção do sistema.

Homeostase é um termo que tem dois significados:

a) manter o "status quo", ou seja, uma constância diante da mudança, caso em que a homeostase é um fim;

b) exercer retroalimentação negativa para manter o "status quo", caso em que a homeostase se converte em um meio.

Equifinalidade significa que as mudanças ou alterações do sistema não estão determinadas por suas condições iniciais, mas sim, pela natureza do processo circular e automodificador do sistema.

O termo Calibração é utilizado para explicar o equilíbrio que alcança um sistema humano diante de retroalimentações positivas, negativas e outros mecanismos. É uma faixa de variação na qual um sistema pode suportar as mudanças sem se desintegrar.

Sistemas interacionais estáveis são sistemas cujas variáveis componentes tendem a permanecer em limites definidos. Pelo contrário, se as variáveis mais representativas tendem a sair dos limites, qualifica-se o sistema como não estável. A repetição de sequências somente é possível ser percebida em um sistema estável, o que indica as necessárias consequências em longo prazo. O critério de sistema estável leva a uma consequência lógica: a relação estável. Esta relação estável, duradoura, poderá ser sã ou enferma, o que dará relevância para a Psicologia e a Psiquiatria.

É possível acontecer a ruptura do sistema estável. As principais formas de ruptura do sistema familiar são três: a) coalizão, que significa a confrontação de um subsistema contra outro subsiste­ma ou o sistema total; b) coalescência, que indica que um grupo, diante de um problema comum, atua em coalizão; c) coagulação significa que um subsistema se paralisa em relação ao sistema total, diante de uma ameaça. Aparentemente ocorre uma integração, mas efetivamente o que acontece é uma postergação da ruptura ou conflito até que passe a emergência.

PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

A partir da reflexão sobre a Teoria dos Sistemas, o sociólogo francês Edgar Morin postula que a chave de toda a compreensão do enfoque sistêmico está no conceito de complexidade e propõe uma compreensão da realidade fundada no entendimento das relações dinâmicas entre as partes que compõem esta realidade e a totalidade resultante da interação das partes. Para Almeida (2006a), a vida cotidiana é impregnada de complexidade, "portanto, a complexidade, antes de ser uma teoria, um paradigma, um modelo para pensar a matéria, a vida e o homem, é mais propriamente um atributo de toda a matéria". (p.27).

Segundo Bohm (1980), o grande equívoco da ciência, aquele de onde advém a maior parte das dificuldades que os cientistas encontram, é a tendência de fragmentar o mundo e ignorar a interconexão entre todas as coisas. Em oposição à ideia da simplificação e fragmentação dos objetos para posterior análise, como propõe o modelo cartesiano, o paradigma da complexidade apresenta a exploração de objetos complexos em sua totalidade e em sua relação com outros objetos, os processos enquanto síntese de determinantes múltiplos.

Embora parta das ideias da Teoria dos Sistemas e inclua entre seus princípios para a compreensão da complexidade elementos retirados da referida teoria, tais como o Princípio Sistêmico-Organizacional e o Princípio Retroativo, Morin (1999), dentro de seus princípios-guia para um pensar complexo, propõe alguns conceitos que ampliam o paradigma da Teoria dos Sistemas, os quais o autor irá denominar de "Operadores da Complexidade" (Carvalho e Aspis, 2006).

Um primeiro elemento diferencial do Paradigma da Complexidade é seu postulado de que na relação entre a parte e o todo não é apenas a parte que está no todo, mas o todo que está igualmente na parte (Morin, 2006b), como no holograma, em que o menor ponto de cada imagem contém a totalidade, ou quase totalidade da informação do objeto que representa. A este princípio o autor denomina de "Princípio Hologramático", que segundo ele, está presente tanto no mundo biológico quanto no mundo sociológico. Assim o conhecimento adquirido no conhecimento das partes volta-se sobre o todo e o que se aprende sobre as qualidades emergentes do todo se volta sobre as partes. "Esta ideia aparentemente paradoxal imobiliza o espírito linear" (Morin, 2006a, p.75). Tal ideia parece difícil de ser integrada em um pensamento cartesiano ou simplificador, "pois parece não haver uma lógica para estas relações aparentemente sistêmicas, é o que Morin denomina a 'ordem dentro da desordem' ou a 'certeza da incerteza', e é justamente por este motivo que se chama complexidade". (Francelin, 2003, p. 64).

Outro princípio que Morin (2006a) aponta como chave para a compreensão do paradigma da Complexidade é o "Princípio Dialógico". Segundo o autor, na construção da realidade estão presentes duas lógicas: uma geradora de continuidade e uma geradora de descontinuidade; ou, em outros termos, uma promotora de estabilidade e uma promotora de instabilidade. Estas duas lógicas não são simplesmente justapostas, mas necessárias uma à outra. "O princípio dialógico nos permite manter a dualidade no seio da unidade. Ele associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos" (Morin, 2006a, p.74). O Princípio Dialógico não coloca em oposição fenômenos como ordem e desordem ou natureza e cultura, mas os entende como simultaneamente concorrentes, antagônicos e complementares.

Um terceiro conceito ou princípio-chave do paradigma da complexidade é o da recursividade organizacional ou "Princípio Recursivo", que pode ser compreendido como "um processo onde os produtos e os efeitos são simultaneamente causas e produtores do que os produz" (Morin, 2006a, p. 74), negando a cadeia linear de causa-efeito.

Outro princípio importante para a compreensão do pensamento complexo é o "Princípio da autoeco-organização". Este princípio está ligado à relação autonomia/dependência, na qual toda autonomia é inseparável de sua dependência, indicando a inexistência de uma realidade absolutamente objetiva. Desta forma, ao descrever uma realidade, o observador interage com ela, modificando-a e sendo modificado por ela.

Finalmente, um último princípio importante do pensamento complexo é o da "Reintrodução do Sujeito Cognoscente". Neste princípio o sujeito é resgatado no processo de conhecimento como autor de sua história e, por conseguinte, coautor de construções coletivas. O sujeito e o meio onde ele está inserido tornam-se codependentes, sendo este meio entendido não como algo predeterminado, mas como uma construção em interação com o sujeito. O caminhar, por exemplo, só acontece quando existe a interação entre o solo e o sujeito caminhante. A ausência de um destes elementos desconfigura o processo.

Para Morin (1996), o pensamento complexo é um pensamento que busca ao mesmo tempo distinguir - mas sem separar - e unir. O modelo dialético, nas concepções da física e da biologia, procura separar o pensamento da substância, as qualidades das propriedades e outros conceitos em termos de polos, enquanto o enfoque sistêmico reunifica estes conceitos. Quanto mais complexo for um sistema, mais imprevisível ele se torna e de igual forma torna impossível a precisão da trajetória e a determinação das condições iniciais destes sistemas. Existe, assim, uma interdependência entre ordem e organização, mas estas instâncias não podem ser compreendidas sem a consideração do elemento desordem. Isso nos leva ao pensamento-chave de que os elementos que são antagônicos, como ordem e desordem, são simultaneamente complementares e geram uma interação denominada de multidimensional.

Algumas críticas que o enfoque sistêmico tem sofrido

Segundo Esteves de Vasconcelos (1995), há ainda um grande problema de imprecisão conceptual no enfoque sistêmico, o que prejudica em muito a sua compreensão. Termos como simetria e complementaridade, estrutura e organização, circularidade, homeostase e equilíbrio, entre outros, são usados por pensadores sistêmicos com distintas conotações e significados.

Outra crítica foi feita por Wittgenstein (1951), que afirma que só poderíamos saber algo a respeito da totalidade do mundo se pudéssemos ir a um lugar fora do mundo e o observarmos dali; porém se houvesse este lugar fora do mundo, o mundo já não seria o todo a ser conhecido, de forma que os limites do conhecimento são os limites do mundo.

CONCLUSÃO

A Teoria Sistêmica hoje não se restringe ao campo das ciências humanas, mas tem pensadores nos campos das ciências exatas, das ciências biológicas e em todos os outros campos do saber humano, incluindo as artes e a filosofia. Esta incursão do pensar sistêmico nos diversos campos da ciência tem recebido o nome de "paradigmas", mas em sua essência vislumbram uma concepção única, ou seja, a complexidade dos sistemas vivos e a necessidade da análise de suas totalidades e dos padrões que unificam esta totalidade. Para Esteves de Vasconcelos (1995),

Se quiséssemos apontar a disjunção, falaríamos de diversos "paradigmas": diríamos que Morin, por exemplo, tem pensado o "paradigma da complexidade"; que Prigogine e seus colaboradores têm pensado o "paradigma da instabilidade" ou "paradigma da ordem a partir da flutuação"; que Von Glasersfeld e Pearce, entre outros, têm questionado a objetividade e pensado o "paradigma do construtivismo", de uma realidade construída. E Poderíamos também nos referir aos demais teóricos e especialistas contemporâneos, posicionando-os mais ou menos claramente em relação a estes "três paradigmas". (p.116-117)

Pode-se afirmar que o conceito central que abarca os distintos "paradigmas" é a ideia de circularidade, que rompe com o conceito linear e afirma a impossibilidade de, no caso dos sistemas viventes, determinar a uma parte uma influência causal sobre outra. Bateson (1978) afirma que um cérebro não pensa, o que pensa é um cérebro dentro de uma pessoa, e que ele é parte de sistemas gerais que habitam, em equilíbrio, dentro de seu meio. Destarte não podemos traçar uma linha divisória que indique que uma parte pensa e outra aproveita o pensamento, antes "o que pensa é um circuito total" (p.53). O impacto desta nova forma de perceber o mundo e os elementos nele contidos, numa perspectiva de contínua inter-relação, modifica radicalmente nossa análise dos fenômenos que observamos.

Uma consequência direta desta forma de pensamento é o questionamento da possibilidade de haver um conhecimento objetivo, embora grande parte da pesquisa científica, acreditando ter um acesso privilegiado à realidade objetiva, atua acreditando que a dificuldade em se ser eficiente decorre da dificuldade de encontrar uma representação mais verdadeira dessa realidade objetiva e independente. O modelo circular de pensamento leva à compreensão de que um objeto a ser pesquisado só tem sua existência concretizada quando em relação ao pesquisador. Esta ideia não nega que haja uma realidade numa existência independente do investigador científico, mas, antes, afirma que os objetos da pesquisa científica são conhecidos por meio do olhar do investigador e mantêm com este uma relação íntima e circular de influência recíproca, o que, por sua vez, torna o campo da pesquisa científica altamente complexo.

O pensamento sistêmico complexo não se propõe a ser uma teoria que responda a todas as inquietudes da ciência pós-moderna, pois na essência do próprio paradigma está inclusa, obrigatoriamente, a ideia de que todo saber é sempre inacabado e incompleto, portanto não poderia haver um paradigma que abarcasse a completude dos saberes. "O pensamento complexo também é animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não compartimentado, não redutor, e o reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento" (Morin, 2006a, p.7).

Concluindo, podemos afirmar que a realidade transcende a relações causais reduzidas a formulas matemáticas e que a universalização de princípios dentro do campo das ciências humanas deve ser feita com muito cuidado. Pode-se também afirmar que é possível fazer formulações absolutamente científicas a partir de elementos singulares; ou, nas palavras de Paul (2005) "outro olhar parece possível, que aceitaria o caminho singular de cada pessoa, de seus diversos meios ambientes, de suas incertezas, com suas possibilidades sociais e terapêuticas de relação" (p. 73).

Recebido em 09/02/2009

Aceito em 16/12/2009

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  • Endereço para correspondência:

    Carlos Tadeu Grzybowski
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    CEP 80510-070, Curitiba-PR, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      16 Dez 2009
    • Recebido
      09 Fev 2009
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