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Intervenção Clínica no Sofrimento Depressivo: Método ADI/TIP, Psicologia e Fenomenologia dos Afetos

Resumo

A depressão compõe, no Ocidente, um fenômeno epidemiológico, constituída por fatores neuroquímicos, contudo, demarcando um sofrimento eminentemente psíquico que indica a importância da psicoterapia. Todavia, evidencia-se a escassez de pesquisas propositivas no âmbito da clínica fenomenológica. Este estudo, utilizando-se do método de pesquisa bibliográfica, objetiva apresentar o processo terapêutico do Método ADI/TIP, fundamentado teoricamente nas análises fenomenológicas dos afetos como possibilidade de intervenção. Verifica-se que o esclarecimento das estruturas das vivências afetivas permite a apreensão das contribuições desse processo de curta duração (10 a 15 sessões), cujos resultados/mudanças satisfatórias demonstram transformações tanto nas configurações de sentidos conformados às vivências afetivo-emocionais primevas quanto nas compreensões subjetiva/intersubjetiva dos sujeitos, reduzindo a sintomatologia depressiva e colaborando na investigação das práticas psicológicas clínicas na atualidade.

Palavras-chave:
Psicoterapia; Depressão; Método ADI/TIP; Psicologia Fenomenológica

Abstract

Depression itself composes, in the West, an epidemiological phenomenon constituted by neurochemical factors highlighting an eminently psychic suffering which indicates the importance of psychotherapy. Nevertheless, it becomes evident the lack of propositive researches within clinical phenomenology. Such theoretical study uses the method of bibliographical research to present the therapeutic process of the ADI / TIP Method theoretically based on the phenomenological analyzes of affections as a possibility of intervention. The enlightenment over the structures from the experiences of affective sphere allows the apprehension of the contributions of this short duration (10-15 sessions) process, whose satisfactory results / changes demonstrate transformations in both the subjective/intersubjective configurations of individuals and the comprehension of singular senses resigned to the prime affective-emotional experiences, reducing the depressive symptomatology and collaborating for the current psychological practice investigation.

Keywords:
Psychotherapy; Depression; ADI/TIP Method; Phenomenological Psychology

Nas décadas recentes, têm emergido novos modos de subjetividade e formas diversas de sofrimentos psíquicos relacionados a ansiedades que se articulam ao próprio modo de viver ditado pelos padrões das sociedades hodiernas, destacando-se, dentre esses, pela sua gravidade e extensão, o sofrimento depressivo. A depressão é uma doença pertencente à categoria dos Transtornos Mentais e Comportamentais (CID-10) - classe dos Transtornos do Humor - atingindo cerca de 350 milhões de pessoas no mundo, estatística agravada nos países subdesenvolvidos (World Health Organization [WHO], 2012Word Health Organization. (2012). Depression. A Global Public Health Concern. Recuperado de http://www.who.int/mental_health/management/depression/who_paper_depression_wfmh_2012.pdf.
http://www.who.int/mental_health/managem...
). É demarcada como um fenômeno humano universal, a despeito das distintas manifestações sintomáticas nas diversas culturas, compondo, no Ocidente, um fato epidemiológico importante, tendendo a crescer ao articular-se, precisamente, a frustração derivada do individualismo ocidental (Baztán, 2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.).

Como decorrência, observa-se o aumento do número de pesquisas acerca dessa temática, principalmente no que se refere à possibilidade de intervenção psicoterapêutica, apontada como fator relevante na remissão ou diminuição dos sintomas e associada ao tratamento farmacológico, considerando os comprometimentos mentais e comportamentais da doença (Motta et al., 2017Motta, C. C. L., & Moré, C. L. O. O., Nunes, C. H. S. S. (2017). O atendimento psicológico ao paciente com diagnóstico de depressão na Atenção Básica.Ciência & Saúde Coletiva,22 (3), 911-920.; Verdoux et al., 2014Verdoux, H., Cortaredona, S., Dumesnil, H., Sebbah, R., & Verger, P. (2014). Psychotherapy for Depression in Primary Care: a Panel Survey of General Practitioners’ Opinion and Prescribing Practice. Social Psychiatry Psychiatric Epidemiology, 49(1), 59-68.). Não obstante, a enfermidade é frequentemente ou subdiagnosticada, ou subtratada, especialmente nas classes desfavorecidas economicamente, situação denunciada como um desafio para a área de Saúde Mental Global (WHO, 2012Word Health Organization. (2012). Depression. A Global Public Health Concern. Recuperado de http://www.who.int/mental_health/management/depression/who_paper_depression_wfmh_2012.pdf.
http://www.who.int/mental_health/managem...
). Demanda que tem provocado mudanças de concepção nos modos de atuação do profissional psicólogo, convocando-o a pensar o sujeito numa perspectiva de “clínica-ampliada”, adaptada às novas exigências de responsabilidade social (Flor & Goto, 2015Flor, T. C., & Goto, T. A. (2015). Atuação do Psicólogo no CRAS: uma Análise Fenomenológico-empírica. Revista da Abordagem Gestáltica, 21 (1), 22-34.; Ribeiro & Goto, 2012Ribeiro, M. E., & Goto, A. T. (2012). Psicologia no Sistema Único de Assistência Social: uma experiência de Clínica Ampliada e Intervenção em Crise. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 5(11),184-194.). Todavia, atenta-se para uma lacuna expressiva concernente a proposições psicoterapêuticas envolvendo resultados, processos, fundamentação antropofilosóficas e impacto no sofrimento depressivo, especialmente no que se refere à clínica psicológica de base fenomenológica. Assim, acaba-se por reforçar a tendência atual a um reducionismo biologista no tratamento depressivo, justificado pela sua ampla sintomatologia e comorbidades médicas, restringindo-se a intervenção clínica, usualmente, ao medicamentoso (Goto, 2008Goto, T. A. (2008). Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. Paulus.; Santiago & Holanda, 2013Santiago, A., & Holanda, A. (2013). Fenomenologia da Depressão: uma análise da produção acadêmica brasileira. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica , 19 (1), 38-50.; Verdoux et al., 2014Verdoux, H., Cortaredona, S., Dumesnil, H., Sebbah, R., & Verger, P. (2014). Psychotherapy for Depression in Primary Care: a Panel Survey of General Practitioners’ Opinion and Prescribing Practice. Social Psychiatry Psychiatric Epidemiology, 49(1), 59-68.).

Questão histórica cuja origem remonta ao incremento do individualismo no Ocidente, quando a noção de clínica (Klinê), herança dos gregos (Gabriel & Goto, 2015Gabriel, L. R., & Goto, T. A. (2015). A constituição histórica da relação terapêutica como uma relação de amizade no pensamento de Pedro Lain Entralgo. Nufen, 7 (2), 25-47.), assim como a de pessoa humana tendeu a ser desconsiderada, ensejando reações antagônicas especialmente na filosofia e psicologia, que denunciavam a situação de injustiça política e social e alertavam sobre os riscos inerentes à hegemonia do positivismo (Husserl, 2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense.). Todo esse movimento repercutiu na Psicologia nascente à época e na discussão a respeito da acepção de clínica vigente, contexto sociocultural que mobilizou Edmund Husserl (1859-1938) a conceber a Fenomenologia como um método necessário para estudar a experiência consciente e para embasar, de modo rigoroso, o estudo da subjetividade (Goto, 2008Goto, T. A. (2008). Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. Paulus.). Configura, assim, uma Psicologia Fenomenológica que deveria ser pura, racional e não experimental, constituindo-se como uma ciência das essências e não dos fatos, voltada ao esclarecimento das estruturas originárias da vida subjetiva psíquica.

Esse pensamento crítico permitiu o surgimento, na psicologia e psicopatologia, das intervenções clínicas de abordagem fenomenológico-existencial, de caráter ou mais humanista, ou mais existencial, dependendo da articulação filosófica que a sustente (Gomes & Castro, 2010Gomes, W.B., & Castro, T.G. (2010). Clinica Fenomenológica: Do Método de Pesquisa para a Prática Psicoterapêutica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, n. especial, 81-93.; Goto et al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ). Todavia, os problemas fundamentais levantados por Husserl no início do século XX ainda persistem contemporaneamente, atrelando o agravamento crescente da doença depressiva aos padrões ditados pela cultura hodierna, como avaliam Batzán (2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.) e Alonso-Fernandez (2009Alonso-Fernandez, F. (2009). Las cuatro dimensiones del enfermo depressivo. Salud Mental, 32, 443-445.).

Nessa esfera, os autores descrevem a enfermidade segundo o método fenomenológico-estrutural, destacando o impacto dos elementos psicossociais nela presentes que caracterizam uma síndrome composta de elementos objetivos e subjetivos, demarcada por uma “quebra biográfica” em que se interrompe o “impulso vital”,4 4 Alonso-Fernandez (2009) e Baztán (2008) descrevem a diminuição do impulso vital com características específicas que implicam no humor depressivo: sentimento de “desapego à vida” e de “esvaziamento do eu”; anergia: lentidão somática e diminuição psíquica da vitalidade; descomunicação interpessoal e espacial; e ritmopatia: desregulação dos ritmos, tanto os circadianos quanto os sazonais, além da percepção alterada do tempo (fixação no passado, afastamento da realidade presente e negação do futuro). sofrimento que se inicia como um transtorno psíquico, entranha a esfera afetiva e aninha-se na dimensão somática, trazendo, como decorrência, uma grande intensidade sintomatológica, abalizando uma enfermidade psicofísica e não meramente um transtorno reativo e exógeno. Por conseguinte, no debate sobre a doença, evidencia-se conjuntamente a temática da afetividade em seu caráter estrutural e antropológico, destacando-se a vivência subjetiva daquele que a experiencia, expressando um “afundamento vital” em que todo o ser sofre e “sofre por viver” (Baztán, 2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.; Alonso-Fernandez, 2009Alonso-Fernandez, F. (2009). Las cuatro dimensiones del enfermo depressivo. Salud Mental, 32, 443-445.). Caráter eminentemente clinico-fenomenológico, que implica em conceber o humano em sua constituição subjetiva e intersubjetiva e em suas relações com sua realidade social e histórica, origem de atitudes fundamentais, inclusive perante sua saúde ou doença (Diaz, 2012Diaz, R. (2012). El ámbito de la afectividad humana en el pensamiento filosófico de Dietrich von Hildebrand. Acta Fenomenológica Latinoamericana, 4, 163-181.; Josgrilberg, 2017bJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.).

Nesse âmbito, e apesar da importância da proposta husserliana para a clínica psicológica, denota-se, concomitantemente, a escassez de pesquisas que contemplem a questão na esfera da psicoterapia, fundamentando-se nas análises fenomenológicas das estruturas constitutivas da pessoa humana em seu caráter eidético-transcendental (Feijoo & Goto, 2016Feijoo, A. M. L., & Goto, T. A. (2016). É possível a Fenomenologia de Husserl como Método de Pesquisa em Psicologia? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32 (4), 1-9.), como é o caso da fenomenologia dos afetos, engendrando uma carência de possibilidades de ajuda, contrastando com os dados alarmantes relacionados à essa síndrome (Santiago & Holanda, 2013Santiago, A., & Holanda, A. (2013). Fenomenologia da Depressão: uma análise da produção acadêmica brasileira. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica , 19 (1), 38-50.).

Guiados por essas preocupações, buscou-se neste trabalho identificar uma intervenção terapêutica que tivesse seus pressupostos alicerçados na Psicologia Fenomenológica sustentada por uma Antropologia Fenomenológica, que se distinguisse pela sua capacidade de provocar mudanças significativas no sofrimento psíquico e existencial dos sujeitos e, no caso desse trabalho, notadamente no sofrimento depressivo. Com esse intuito, distinguiu-se o processo terapêutico proposto pelo Método de Abordagem Direta do Inconsciente (ADI), cuja aplicação clínica psicológica se dá por meio da Terapia de Integração Pessoal (TIP) - Método ADI/TIP - como uma proposta interventiva consistente que tem produzido pesquisas de seus resultados em diversas sintomatologias e respostas positivas em relação ao número de pacientes atendidos (130 mil pacientes atendidos até 2017),5 5 O Método ADI/TIP é praticado por uma equipe de psicólogos e médicos atuantes em clínicas ou núcleos de atendimento presentes em diversos estados do Brasil (Distrito Federal, Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná) e exterior (Alemanha, Áustria, Portugal, Polônia e Itália), vinculados à FUNDASINUM e à TIP-Clínica, clínica-matriz com sede em Belo Horizonte - MG. com grau de satisfação e percepção de melhora na ordem de 80%, números que, isoladamente, despertam o interesse6 6 A FUNDASINUM mantém um departamento de estatística que gera, em regime permanente, dados sobre o volume de pacientes e sobre a percepção do seu grau de satisfação para o enfrentamento das suas dificuldades. Calculam-se aproximadamente 2.300 pacientes/ano, ou 61.400 sessões/ano, no período de 2010 a 2017. Atualmente a formação de psicólogos e médicos nessa abordagem é feita como Curso de Pós-Graduação Lato Sensu ministrado pela FUNDASINUM em convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais -FCMMG - FELUMA. (Jost et al., 2009Jost, M. C., Jost de Moraes, G. R., Veloso, F. G. C., Alves, G. M. M., Tróccoli, B. T. (2009). Influência das percepções maritais/parentais sobre relacionamentos de conjugalidade: Método ADI/TIP. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 647-655. ; Nunes-Silva et al., 2012Nunes-Silva, M., Moreira, L.C., Jost de Moraes, G.R., Rosa, G. T., & Marra, C. A. (2012). A música para indução de relaxamento na terapia de Integração Pessoal pela Abordagem Direta do Inconsciente - ADI/TIP. Contextos Clínicos, 5 (2), 88-99. ; Nunes-Silva et al., 2016Nunes-Silva, M., Moreira, L. C., Rosa, G. T., Marra, C. A., & Valadares, A. C. D. (2016). Avaliação de músicas compostas para indução de relaxamento e de seus efeitos psicológicos. Psicologia: Ciência e Profissão, 36 (3),709-725.).

Agrega-se ainda a esses dados a possibilidade de extensão dessa intervenção a pessoas carentes de recursos, considerando que a fundadora dessa proposta terapêutica, Renate Jost de Moraes (1936-2013), instituiu, em 1986, a Fundação de Saúde Integral Humanística (FUNDASINUM), cuja instituição mantenedora é a TIP-Clínica, proporcionando atendimentos sociais, a realização de pesquisas clínicas e a formação de profissionais psicólogos e médicos especializados nessa abordagem. Essas pesquisas, por sua vez, têm o intuito de promover uma reflexão crítica constante da própria metodologia e divulgar seus resultados para a comunidade científica e para a população em geral.

O presente estudo objetiva apresentar o processo terapêutico do Método ADI/TIP, que se insere no âmbito da clínica fenomenológica como possibilidade prática/teórica de intervenção no sofrimento depressivo, explicitando-se a consistência interna de seus construtos teóricos assim como sua validade externa, tendo como base teórica as análises fenomenológicas de E. Husserl e E. Stein, que podem embasar os processos da práxis e atuação do psicólogo clínico ao possibilitar um estudo rigoroso dos principais conceitos utilizados na psicologia, destacando-se, no caso deste trabalho, a esfera da afetividade (Goto, 2008Goto, T. A. (2008). Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. Paulus.; Goto et al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ). Busca-se propor avanços teóricos ao expor uma teoria assentada na prática clínica, demonstrando os benefícios que se abrem a partir dessa fundamentação e evidenciando-se a necessidade de se avaliar intervenções psicoterapêuticas cientificamente fundamentadas e capacitadas a responder às questões advindas da prática clínica, particularmente, nesse assunto, no que se refere à problemática da doença depressiva.

Método

Para cumprir este objetivo, optou-se por um estudo de investigação teórica, distinguido como uma pesquisa bibliográfica (Lima & Mioto, 2007Lima, T. C., & Mioto, R. C. (2007). Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Kàtal, 10, n. especial,37-45.), definido como um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, segundo o objeto de estudo e a contextualização da investigação e da análise empregada, visando a conceber uma síntese analítica e a propor soluções considerando a impossibilidade de encerramento definitivo do assunto estudado (Goto et al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ). Definiram-se, como parâmetro linguístico, os idiomas do português, espanhol e inglês, organizando o percurso metodológico em dois momentos: o primeiro, que visa a apresentar a proposta de intervenção terapêutica inaugurada por Renate Jost de Moraes, fundamentada nos resultados dos estudos da fenomenologia dos afetos de E. Husserl (1859-1938), nomeadamente nas suas “Investigações Lógicas e Ideias para uma Fenomenologia Pura”, assim como nas obras de E. Stein (1891-1942), particularmente em “Contribuições à Fundamentação Filosófica da Psicologia e das Ciências do Espírito”, juntamente com seus comentadores e intérpretes; e o segundo, que pretende refletir acerca das contribuições do Método ADI/TIP para a intervenção no sofrimento depressivo.

O Método ADI/TIP: descrição e fundamentação antropológico-fenomenológica

O processo terapêutico do Método ADI/TIP foi elaborado e estruturado pela psicóloga Renate Jost de Moraes (1936-2013) com o objetivo, desde os seus primórdios, de atender a pessoa do paciente de forma integral, ou seja, em seu sofrimento “psiconoossomático” (Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.), propendendo ampará-lo no enfrentamento de suas dificuldades, contemplando diversas demandas terapêuticas. Esse termo, cunhado pela autora, posiciona o “noos” no cerne da palavra, visando a destacar a centralidade da “dimensão noológica” seguindo a terminologia frankliana, propendendo a designar a esfera espiritual, como será a seguir explicitado. A autora desenvolveu e organizou essa metodologia a partir dos dados que foram emergindo de sua experiência clínica e, nesse sentido, todas as possibilidades ofertadas no processo terapêutico, assim como seus resultados, são frutos da pesquisa empírica experiencial construída a partir dessa prática. Destarte, as formulações teóricas vieram posteriormente em diálogo com outros autores, especialmente Viktor Frankl, Carl G. Jung, Henri Bergson e Edmund Husserl, citando alguns, na reflexão e busca de compreensão do fenômeno já então evidenciado.

Jost de Moraes iniciou seus estudos e sua experiência clínica a partir de 1975 e, em suas obras principais7 7 As chaves do inconsciente (1985/2016), atualmente na 31ª ed. na língua portuguesa e 1ª ed. na língua italiana, e O inconsciente sem fronteiras (1995/ 2008), atualmente na 11ª ed. , propõe uma terapêutica com diretrizes definidas, um método, destarte, o que permite que emerjam vários momentos significativos ao longo do processo, de maneira sistemática, contudo, flexíveis a cada paciente e a cada etapa de seu crescimento pessoal.

Nos primórdios de sua prática clínica, Jost de Moraes (2016Jost, M. C. (2016). Contribuições de Edith Stein para a compreensão da experiência de redirecionamento do sentido existencial de jovens autores de ato infracional. Revista Nufen, 8 (2), 35-50.) utilizava-se de algumas técnicas da hipnose clássica; contudo, por entender que esses recursos se reduziam a agir somente na esfera psíquica, concluiu que não colaboravam na compreensão, elaboração e transformação da experiência sofrida no âmbito do sentido configurado ao vivido, que se aloca no âmbito da vontade e liberdade, denominado por Stein (2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ) de “esfera espiritual”. Com esse propósito, desenvolveu uma metodologia terapêutica com procedimentos metodológicos específicos: “o questionamento terapêutico” e a “inversão direcional”, desvendando possibilidades de acesso a elementos importantes de caráter afetivo-emocional constitutivos da interioridade humana.

Inicialmente, destaca-se o “questionamento terapêutico”, que aparece, nesse contexto, seguindo a proposta milenar da “maiêutica” socrática (470-399 a. C.), porém com características próprias. Nessa conjuntura, tem o objetivo de operacionalizar e potencializar as possibilidades intuitivas da pessoa do paciente, autorizando, precisamente, apreensões de acontecimentos que se acoplam a conteúdos psíquicos e sentidos que, apesar de pré-reflexivos, podem ser percebidos, compreendidos e “decodificados” considerando sempre a estrutura tripartida (corpo, psique e espírito) da Pessoa Humana (Stein, 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ).

A proposição metodológica da “inversão direcional”, por sua vez, refere-se à inversão da ordem de abordagem aos conteúdos psíquicos inconscientes; isto é, indica a autora, em vez de se aflorar à consciência conteúdos “esquecidos” (inconscientes) ao consciente - procedimento que levaria à “racionalização”, tal como descrita por Freud -, sugere-se que se capacite a pessoa do paciente a perceber, à luz da consciência reflexiva, conteúdos psíquicos e existenciais registrados, de maneira intuitiva e direta em seu psiquismo, dispensando o uso da hipnose ou de outros recursos de obliteração da consciência, assim como outros expedientes de “abordagem indireta” de conteúdos inconscientes referendados a indicadores externos ao sujeito (Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.). A articulação desses dois procedimentos fundamentais - a “inversão direcional” e o “questionamento terapêutico” -, utilizados de forma sistematizada, potencializa as possibilidades de apreensão intuitiva da pessoa, permitindo que esta “volte seu olhar” para aquele vivido, igualmente intuitivamente captado, visando à restruturação psíquica e existencial do paciente. Tais recursos metodológicos, empregados na prática clínica, permitem a visualização e percepção da vivência mesma, permitindo a descrição, em riqueza de detalhes, de situações e acontecimentos vividos emocionalmente valorosos, os quais emergem como “cenas” ou como um “filme interior” no espaço terapêutico.

Dessa maneira, desvelam-se vivências que se conectam a impressões e registros vinculados a sentidos subjetivos conformados em relação ao si mesmo, aos outros subjetivamente importantes e ao entorno circundante. Estes emergem, nesse contexto, de forma imediata e não reflexiva, revelando-se como “códigos existenciais” primordiais, denominados pela autora de Frases-registro (FR), insurgindo tal como foram registrados e significados por aquele que os vivenciou. Essa estruturação básica, por seu turno, consente o trabalho diagnóstico-terapêutico com conflitos intrapsíquicos, interpessoais e existenciais referentes a registros primários e conjuntamente autoriza a organização de uma intervenção terapêutica de curta duração (10 a 15 sessões), a terapia propriamente dita que é antecedida por uma etapa preparatória, demarcando-se duas etapas subsequentes no processo terapêutico do Método ADI/TIP.

A etapa preparatória do processo inclui uma consulta médica, tal como nos casos depressivos, visando a examinar e acompanhar o paciente em relação a problemas orgânicos e distúrbios psicopatológicos, momento seguido pelos Exercícios Preparatórios para a Terapia (EPTs - 13 sessões). Os EPTs consistem na audição de gravações de exercícios de relaxamento acompanhados de músicas relaxantes com o intuito de facilitar a realização dos exercícios propostos; segue-se a realização de exercícios de visualização, que têm os objetivos de aliviar as tensões, capacitar o paciente a visualizar e descrever imagens percebidas internamente, vinculadas a vivências percebidas como afetivamente importantes, habilitar o sujeito ao “distanciamento” do sintoma, a realizar a “inversão intrapsíquica” - ajudando-o a se perceber como “senhor de si mesmo” e não submetido a seus impulsos psíquicos - e motivá-lo para a realização do processo terapêutico (Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.; Jost et al., 2009Jost, M. C., Jost de Moraes, G. R., Veloso, F. G. C., Alves, G. M. M., Tróccoli, B. T. (2009). Influência das percepções maritais/parentais sobre relacionamentos de conjugalidade: Método ADI/TIP. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 647-655. ; Nunes-Silva et al., 2012Nunes-Silva, M., Moreira, L.C., Jost de Moraes, G.R., Rosa, G. T., & Marra, C. A. (2012). A música para indução de relaxamento na terapia de Integração Pessoal pela Abordagem Direta do Inconsciente - ADI/TIP. Contextos Clínicos, 5 (2), 88-99. ; Nunes-Silva et al., 2016Nunes-Silva, M., Moreira, L. C., Rosa, G. T., Marra, C. A., & Valadares, A. C. D. (2016). Avaliação de músicas compostas para indução de relaxamento e de seus efeitos psicológicos. Psicologia: Ciência e Profissão, 36 (3),709-725.).

A segunda etapa refere-se à Terapia de Integração Pessoal (TIP) propriamente dita, momento em que, segundo Jost de Moraes (2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário.), a metodologia de abordagem direta do inconsciente é utilizada com o objetivo diagnóstico-terapêutico, visando intervir no estado “psiconoossomático” de sofrimento do paciente. Demarca-se, nesse percurso, um “processo circular” para cada núcleo de sofrimento abordado, composto de “fase diagnóstica”, “fase terapêutica”, “positivação”, “fechamento” e “testagem”. Todo o questionamento terapêutico, tanto na fase diagnóstica quanto na terapêutica, inicia-se com a “objetivação”, que utiliza recursos de questionamento focalizadores e especificadores com a finalidade de evitar tanto as interpretações e racionalizações quanto o resgate de lembranças da memória consciente, ou ainda o desvio para o emprego da fantasia ou da criação imaginativa por parte do paciente. Um dos recursos da “objetivação” refere-se, por exemplo, ao pedido, por parte do terapeuta, da identificação de um “número”, procedimento que, além de contornar a racionalização, ajuda a focalizar o momento da vida do paciente indicativo do contexto do acontecimento que deve ser intuitivamente percebido, propendendo, segundo cada caso, ou a uma “positivação”, ou ao diagnóstico da situação-problema, ou ainda à compreensão e à terapêutica de determinado sofrimento vivido.

A “fase diagnóstica” tem o intuito de ajudar o paciente a identificar as raízes do seu sofrimento psíquico, principiando com a visualização e descrição do que ele percebe internamente, expresso como uma “cena” vivida, porém ainda com conteúdos esparsos ou amplos. Segue-se, a partir desse dado revelado, uma investigação diagnóstica guiada pelo terapeuta, que se utiliza da “objetivação” e do “questionamento diagnóstico” com o propósito de especificar os “detalhes” do percebido, “afunilar” e aprofundar a apreensão do vivido, com o intuito de compreender o “vértice” da questão em foco, referente à síntese do significado pessoal configurado àquele vivido particular. Como sinalizado, contudo, agora ampliando a compreensão, essas “impressões” subjetivas evidenciam-se como núcleos de sentido particulares que se articulam a julgamentos do sujeito sobre si mesmo (autoconceitos), que se expressam em Frases-Registro (FR), que podem ser estruturadores (positivos) ou desestruturadores da personalidade; Frases-Conclusivas (FC), elaboradas sobre os outros e sobre a situação vivida; e Frases-Decisivas (FD), referindo-se a posicionamentos assumidos, ainda que em âmbito pré-reflexivo. Essas configurações de sentido, por sua vez, vinculam-se a modalidades de autoconfiguração que tendem a se generalizar para situações da vida semelhantes.

A “fase terapêutica” - igualmente utilizando-se dos recursos de “objetivação”, da “inversão direcional” e do “questionamento”, agora visando à terapêutica - parte desse material psíquico encontrado, relacionado a acontecimentos de caráter intersubjetivo, para descobrir, conjuntamente ao paciente, possibilidades de compreensão das circunstâncias afetivo-emocionais basilares geradoras daquele sofrimento. Essa dinâmica, que possibilita “uma interiorização” gradativamente mais profunda, autoriza a “decodificação” dos registros negativos configurados, ao possibilitar a alteração do movimento interno do sujeito de uma dinâmica centrípeta ou autocentrada para uma dinâmica centrífuga ou autotranscendente, seguindo a terminologia steiniana (Stein, 2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.).

Desse modo, o resultado amplia a noção de ressignificação do vivido, considerando que permite uma transformação no modo de perceber, sentir, pensar, apreender e se posicionar do sujeito diante do vivido, além de possibilitar o emergir de conteúdos experienciados como positivos, fase da “positivação” que permite o emergir de conteúdos vinculados a vivências percebidas como saudáveis e reconfiguradoras da “pessoalidade”. Por fim, “fecha-se” a situação-problema focalizada, verificando-se ou “testando” se as mudanças, descritas e percebidas também intuitivamente, foram realizadas no nível do ser pessoal. Potencializa-se, assim, ao paciente o enfrentamento de suas dificuldades, possibilitando-lhe descobrir outros referenciais para julgar a si mesmo, o outro e o mundo (Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.).

Esclarece-se, nessa esfera, que o objetivo não é nem a regressão à idade do momento traumático, nem a revivência catártica do sofrimento vivido, nem mesmo o entendimento no nível explicativo-causal dos motivos e consequências de determinado acontecimento. De fato, busca-se, nessa conjuntura, estabelecer uma dinâmica processualmente progressiva, partindo da identificação diagnóstica das raízes do sofrimento psíquico e a terapêutica dos núcleos fundantes do sofrimento, para somente a partir daí irem se refazendo os momentos que se assentaram sobre essa base emocional negativa. A possibilidade descrita, qual seja a de apreensão intuitiva do vivido e de seu sentido singular de maneira direta, assim como a permissão para a “decodificação” das impressões e sentidos subjetivos negativamente configurados, segundo Jost de Moraes (2016Jost, M. C. (2016). Contribuições de Edith Stein para a compreensão da experiência de redirecionamento do sentido existencial de jovens autores de ato infracional. Revista Nufen, 8 (2), 35-50.), encontra respaldo nas considerações sobre as características da intuição humana, realizadas pelo filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) e definidas como uma capacidade de conhecimento imediato e direto dos fatos e acontecimentos que atinge a interioridade das coisas, permitindo uma visão simples e global, sem necessidade da mediação do discurso (Bergson, 1944Bergson, H. (1944). Ensayo sobre los datos inmediatos de la consciencia. Montevideo: Claudio Garcia e Cia.).

É importante pontuar que, segundo Tourinho (2016Tourinho, C. D. (2016). Sobre a relação entre o espiritualismo de Bergson e a fenomenologia de Husserl nas origens da filosofia contemporânea. Dissertatio, 4, 156-171.), citando Júlio Fragata (1920-1985), a aproximação entre Husserl e Bergson é patente, não somente em relação ao caráter intuitivo da apreensão da consciência, mas também no que diz respeito à concepção temporal da mesma, ilustrando essa afirmação mencionando o comentário de Husserl referindo-se à obra do filósofo francês, quando teria exclamado: “Os bergsonianos, consistentemente, somos nós” (Tourinho, 2016Tourinho, C. D. (2016). Sobre a relação entre o espiritualismo de Bergson e a fenomenologia de Husserl nas origens da filosofia contemporânea. Dissertatio, 4, 156-171., p.157). De maneira semelhante, entende-se que as experiências descritas pelos pacientes no contexto da Terapia de Integração Pessoal - Método ADI/TIP - emergem como “acontecimentos” que, seguindo a descrição fenomenológica de Romano (2009Romano, C. (2009). Event and World. Fordham University Press. ), são eventos que, pela radicalidade de seu sentido, irrompem como uma ruptura na existência da pessoa, excedendo o fato ao alterar a compreensão do si mesmo e do mundo circundante e exigir sua implicação pessoal naquilo que lhe sobrevém (Almeida, 2016Almeida, E. (2016). O processo de identificação e repetição com os modelos intrafamiliares e socioculturais e o ato criativo na perspectiva de Edith Stein. Revista Nufen, 8(1), 91-109. ; Jost, 2014Jost, M. C. (2014). Do sentido para a morte para o sentido da vida: possibilidades de reconfiguração do sentido existencial de adolescentes/jovens autores de ato infracional (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, B. Horizonte, MG.; Romano, 2009Romano, C. (2009). Event and World. Fordham University Press. ). Igualmente, encontram sustentação nas considerações fenomenológicas, apreciando a dinâmica dos afetos que remete à totalidade da vida, tendo sua origem e renovação nas vivências concretas do ser humano que, ressoando na interioridade, provocam sentimentos constituintes da vida afetiva, balizando-a como uma experiência de sentido (Quepons, 2016bQuepons, R. I. (2016a). Horizonte y temple de ánimo en la fenomenología de Edmund Husserl. Dianóia, 86 (76), 83-112.).

Husserl (2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense.) destacou que um dos traços mais específicos da vida psíquica é, precisamente, sua articulação dinâmica e unitária, movimento estrutural-intencional que ocorre por meio de vínculos não passíveis de serem explicados meramente pela causalidade psíquica ou pela sucessão temporal, considerando que são da ordem do teleológico e do significativo. Nessa trajetória, distingue os “atos de sentimento” dos “sentimentos sensíveis”, de forma que os primeiros, enquanto atos, portam uma referência intencional e, os segundos, como as sensações, oferecem o suporte necessário à constituição desses atos. Desse modo, “o acontecimento feliz, como propriedade objetiva, aparece como que aureolado por uma tonalidade cor-de-rosa” não se referindo somente ao teor e ao contexto de um acontecimento, enquanto acontecimento, mas ele seria todo revestido com as cores da alegria ou da tristeza. Já as sensações de prazer ou desprazer são, “na apreensão sentimentalmente determinada do acontecimento, referidas ao próprio acontecimento” (Husserl, 2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense., p. 339).

Ponto significativo para a presente discussão, considerando que Husserl (2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense.) demarca a possibilidade dos “sentimentos sensíveis” perdurarem após os objetos intencionais que os despertaram terem deixado de aparecer em um primeiro plano, mantendo sua duração como sentimento sensível após o objeto intencional não estar mais presente, caracterizando “um modo de intenção completamente novo” (Husserl, 2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense., p. 339) e fazendo com que o sentimento de prazer ou dor possa ser sentido referido simplesmente ao sujeito que sente, ou tornar-se ele próprio um objeto representado agradável ou desagradável (Goto et al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ).

Observa-se que Husserl nos “Manuscritos M” dos anos 1900-1914 - pertencentes ao projeto “Estudos sobre a estrutura da consciência” (Studien zur Struktur des Bewusstseins) -, opera uma transição de uma Fenomenologia dos sentimentos (Gefühle) para uma dos estados de ânimo (Stimmungen) (Goto et al, 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ), apresentando os últimos, inicialmente, como uma unidade de sentimentos fundidos entre si, que formam um horizonte passível de determinação do caráter dos sentimentos individuais que se mostram no fluxo da consciência. Por essa visada, os estados de ânimo - a despeito de não possuírem uma relação intencional explícita com algo objetivo, diferenciando-se dos sentimentos que possuem tal relação - possuem uma intencionalidade, enquanto um “pano de fundo” difuso (unclear background) que demarca uma relação intencional de tipo horizontal indireta - “implícita”, “obscura” ou “difusa” - que se faz com um horizonte de objetos, distinguindo-se, portanto, de uma relação intencional no sentido vertical, como é o caso dos sentimentos.

Os estados de ânimo caracterizam-se, assim, como um sentimento duradouro e dominante, constituindo certa forma de consciência emotiva de fundo que se mantém como um afeto que “não nos abandona”, apesar de não se poder localizar nem sua referência, nem sua origem. Todavia e de qualquer modo, correspondem a uma nova relação no que diz respeito à fundamentação das vivências, engendrando uma síntese de unidade afetiva que pode ser compreendida em termos de nexos de efetuação e sínteses de associação. De tal modo, os “sentimentos sensíveis”, a partir da intencionalidade dos estados de ânimo e dos atos de sentimento, ganham uma intencionalidade própria, ainda que difusa, servindo como “ingredientes” da manifestação dos estados de ânimo (Quepons, 2016bQuepons, R. I. (2016b). Motivación afectiva y nexo vital: reflexiones en torno al sentido del temple de ánimo em Husserl y Dilthey. Nufen, 8 (2),4-23.).

Nesse âmbito, compreende-se também que os estados de ânimo, como é o caso do humor depressivo, por exemplo, não podem ser tomados como meros estados psíquicos do sujeito, desconectado da constituição do mundo e dos objetos nele presentes. Ao contrário, esses desempenham uma função primordial na constituição transcendental do mundo e ainda, por sua capacidade “irradiativa” de fornecer determinadas tonalidades aos objetos intencionais individuais, não operam somente sobre um acontecimento específico intencionalmente ligado ao sentimento, mas banham com aquele determinado “colorido afetivo” os variados sentimentos presentes no fluxo da consciência (Goto el al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ).

Stein (2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos., 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ), por seu turno, analisando fenomenologicamente a estrutura constitutiva do ser humano, distingue, inicialmente, o corpo vivo como o nível da percepção de si mais imediata (corpo sentinte) e logo descreve a dimensão psíquica como o nível da ressonância e reação ao que se recebe pela via sensível, vida interior, contudo, que se diferencia da consciência. Esta, que se refere ao aspecto que se dá conta da vivência (seu aspecto que é cônscio), condição de possibilidade do manifestar da psique e do vivenciar humano (Jost, 2016Jost, M. C. (2016). Contribuições de Edith Stein para a compreensão da experiência de redirecionamento do sentido existencial de jovens autores de ato infracional. Revista Nufen, 8 (2), 35-50.; Stein, 2005a; 2007), demarcador que permite a compreensão tanto da possibilidade de se apreender os atos psíquicos quanto de se ter acesso a registros afetivo-emocionais fundantes, por meio da consciência intencional, o que autoriza a compreensão de motivos e motivações nucleadoras de sofrimentos psíquicos.

Como corolário, aprecia-se que, se o valor se articula diretamente às vivências afetivas e ao sentido a elas atribuído (Stein, 2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.), e lembrando que o que é oferecido à sensibilidade é elemento importante na formação do caráter, as situações afetivas vividas no contexto familiar, núcleo fundante da vida afetiva, podem servir como locus de formações de sentidos, sobre si mesmo, o outro e o mundo, positivos e negativos. Estes, por sua vez, tornando-se convicções pessoais, entranham a interioridade, penetram na esfera psíquica e passam a agir na própria existência do sujeito que os configurou. Logo, se entende que essas convicções pessoais, se negativas, podem deformar e desestruturar o próprio existir, considerando que, por sua constituição intencional, o sujeito humano se configura no mundo, mundo que é seu horizonte de sentidos (Josgrilberg, 2017bJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.).

Nesse campo, Husserl (2006Husserl, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Ideias e Letras., p.188) assenta que “a expressão ‘horizonte de vividos’ [...] não significa aqui apenas o horizonte da temporalidade fenomenológica em suas três dimensões descritas, mas diferenças entre novas espécies de modos de doação”. E continua expondo que um vivido: “[...] que se tornou objeto de um olhar do eu, que tem, portanto, o modo do ‘notado’, possui o seu horizonte de vividos não notados; [...] um horizonte com um fundo de inatenção, com relativas diferenças de clareza e obscuridade, assim como de realce” (p.188). Radicam aqui, afirma o autor, possibilidades analíticas de “trazer o não notado ao olhar puro, fazer do observado de passagem um observado primário [...] Na progressão contínua de apreensão em apreensão, apreendemos [...] também o fluxo de vividos como unidade” (p.188). Sendo assim, o conceito de “intencionalidade de horizonte” husserliano permite descrever como a manifestação de um objeto da experiência se revela através de uma série de aparições coerentes, conectadas entre si graças a retenções e antecipações de seu sentido global. Permite igualmente compreender que, à experiência, corresponda um processo de transferência de sentido a outros objetos ou experiências de diferentes índoles, engendrando associações que enlaçam as diversas vivências, forjando uma cadeia de significações de compreensões cada vez mais complexas (Quepons, 2016aQuepons, R. I. (2016a). Horizonte y temple de ánimo en la fenomenología de Edmund Husserl. Dianóia, 86 (76), 83-112., p.87), o que abrange, pode-se concluir, o horizonte de notados e não notados.

Já no que se refere às diversas vivências - compostas por um conteúdo, que é recebido na consciência, pela vivência desse conteúdo e a consciência dessa vivência, pela qual a vivência mesma é designada também de consciência -, distingue Stein (2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ) aquelas que, numa trajetória singular, referem-se a um primeiro começo e aquelas que emergem motivadas por essas vivências primevas, seguindo a dinâmica da motivação que trata de procedência, isto é, uma vivência ser complementada por motivo da outra (Almeida, 2016Almeida, E. (2016). O processo de identificação e repetição com os modelos intrafamiliares e socioculturais e o ato criativo na perspectiva de Edith Stein. Revista Nufen, 8(1), 91-109. ; Jost, 2014Jost, M. C. (2014). Do sentido para a morte para o sentido da vida: possibilidades de reconfiguração do sentido existencial de adolescentes/jovens autores de ato infracional (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, B. Horizonte, MG.; Stein, 2005a, 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.). Essas vivências originárias se referem ao primeiro olhar do sujeito para aquilo que a ele se apresenta e que, caracterizando-se como um acontecimento, é por ele apropriado e, assim, passa a existir em sua vida interior, conjuntamente aos sentimentos e ao valor a ele acoplados. Considerando que toda vivência da consciência é registrada no fluxo da consciência, entende-se como esse vivido primeiro, pela dinâmica motivacional, enlaça-se a outros vividos, engendrando uma rede de conexões de sentidos que demarca qualidades psíquicas referentes às circunstâncias concretas do mundo circundante (Stein, 2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos., 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ).

Desse modo, uma vivência que foi “perdida da memória” pode apresentar-se de novo à intuição, considerando que a “retenção” permanece, o que permite ou a vivência de uma “nova percepção” do vivido ou uma renovação da vivência anterior, caso a “retenção” fracasse (Stein, 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos., p. 782). Todo agora do vivido, afirma Husserl (2006Husserl, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Ideias e Letras.), mesmo o da fase inicial de um vivido que acaba de surgir, tem seu horizonte do antes, que não é um antes vazio, porém tem necessariamente a significação de um agora passado, assim como todo agora do vivido tem seu horizonte do depois. Sendo assim, o transcurso da vida e dos sucessivos acontecimentos da trama das vivências intencionais configuram certo estilo habitual que atravessa tanto a esfera dóxica (percepção, juízo, representação) como as esferas axiológica e prática, configurando horizontes internos e externos que contêm uma série de antecipações de sentido baseada em um acervo de pressuposições, a partir das quais se explicita o núcleo dado da experiência (Quepons, 2016aQuepons, R. I. (2016a). Horizonte y temple de ánimo en la fenomenología de Edmund Husserl. Dianóia, 86 (76), 83-112., p. 89).

Como decorrência, tem-se que os estados psíquicos são estados vivenciados e sentidos não somente pelo corpo, mas são sentimentos vitais vividos pelo próprio eu; sentimentos que não são localizados em algum ponto específico, como no caso dos sentimentos corpóreos, mas que se difundem por todo o ser, mostrando seus efeitos não apenas nas atividades corpóreas, mas também nas espirituais. É nesse conjunto que Stein (2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos., 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ) define a dimensão espiritual constitutiva da pessoa humana, esfera da vontade, do querer e da liberdade, possuidora de leis próprias e não reduzível à dimensão psicofísica. Com efeito, nos “sentimentos espirituais”, estão implicados: os atos em que os valores ou objetos se apresentam como portadores de valor, ou como “bens”; e as atitudes que esses valores desencadeiam no sujeito, abrindo-o para a contemplação de um novo mundo de objetos. Nesse domínio, a esfera do ânimo refere-se às atitudes adotadas pelo sujeito diante de um material objetivo previamente dado - pessoas, qualidades e formas de conduta pessoais ou valores específicos da esfera pessoal -, “reações” perante a aquisição de conhecimentos de alguma índole. Todavia, nesse caso, a sensibilidade desempenha um papel totalmente distinto.

Nessa esfera, demarcam-se conteúdos “referidos ao eu” e que emergem no eu de maneira total, preenchendo-o de certa “tonalidade” afetiva, como a ansiedade, o temor, a exaltação, a esperança, cujo correlativo não é um valor absoluto, mas algo significativo para o sujeito que o vivencia. Nesse aspecto, compreende-se como a diminuição do impulso vital, no caso do transtorno depressivo, a despeito do evidente elemento somático, motiva sofrimentos múltiplos que não podem ser avaliados numa perspectiva somente biológica ou mesmo psicofísica, avaliando que todo o mundo da pessoa é tonalizado com a cor da tristeza (Baztán, 2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.; Alonso-Fernandez 2009Alonso-Fernandez, F. (2009). Las cuatro dimensiones del enfermo depressivo. Salud Mental, 32, 443-445.). No mesmo argumento, entende-se igualmente que a abordagem terapêutica desse sofrimento deve ser multifacetada contemplando tanto o tratamento medicamentoso, considerando se tratar de uma doença psiquiátrica, quanto o psicoterapêutico, visando a potencializar os ganhos para o sujeito sofrente. Por outro lado, do ponto de vista da psicoterapia, é necessário ponderar que, se a possibilidade de acesso a essas vivências e registros primeiros for levantada, alguma alteração nesse “modo de ser” duradouro poderia ser alcançada, considerando que os estados vitais e os sentimentos vitais constituem a dimensão psíquica (Almeida, 2016Almeida, E. (2016). O processo de identificação e repetição com os modelos intrafamiliares e socioculturais e o ato criativo na perspectiva de Edith Stein. Revista Nufen, 8(1), 91-109. ; Stein, 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.).

Precisamente visando a promover essa abertura para a apreensão dos sentidos configurados aos acontecimentos vividos que Jost de Moraes (2016Jost, M. C. (2016). Contribuições de Edith Stein para a compreensão da experiência de redirecionamento do sentido existencial de jovens autores de ato infracional. Revista Nufen, 8 (2), 35-50.) propôs a inversão no caminho de acesso a esses conteúdos significativos, utilizando-se da capacidade humana de conhecer por meio da intuição (Bergson, 1944Bergson, H. (1944). Ensayo sobre los datos inmediatos de la consciencia. Montevideo: Claudio Garcia e Cia.). Configura-se, nessa conjuntura, uma experiência clínica particular que revela igualmente que esses registros inconscientes são passíveis de “impressão” desde a fase da gestação, demarcando apreensões singulares, frequentemente vinculadas a experiências de amor - aceitação, acolhimento, confiança - ou desamor - rejeição, exclusão, abandono. Ainda, se enfatiza que essas vivências basilares são experienciadas pela criança a partir da percepção subjetiva dos modelos de relacionamento dos seus primeiros referenciais afetivos, isto é, as figuras parentais, tanto no que se refere à qualidade da relação de conjugalidade quanto na apreensão das características das relações de parentalidade.

Essas configurações subjetivas, por sua vez, tendem a repercutir nas relações intra e interfamiliares, caracterizando modos de relacionamento intersubjetivos que podem demarcar cadeias de sentido não construtivas de caráter transgeracional, corroborando estudos basilares na Psicologia Clínica (Bowlby, 1990Bowlby, J. (1990). Apego e perda. Martins Fontes. ; Erikson, 1976Erikson, E. (1976). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar.; Jung, 1996Jung, C. (1996). Fundamentos da Psicologia Analítica. Vozes.; Winnicott, 1990Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Imago.) e legitimando os resultados de pesquisas recentes que enfatizam a intensa interação mãe-bebê existente desde a fase gestacional (Almeida, 2016Almeida, E. (2016). O processo de identificação e repetição com os modelos intrafamiliares e socioculturais e o ato criativo na perspectiva de Edith Stein. Revista Nufen, 8(1), 91-109. ; Jost et al., 2009Jost, M. C., Jost de Moraes, G. R., Veloso, F. G. C., Alves, G. M. M., Tróccoli, B. T. (2009). Influência das percepções maritais/parentais sobre relacionamentos de conjugalidade: Método ADI/TIP. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 647-655. ; Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.; Roncallo et al., 2015Roncallo, C. P., Miguel, M. S., Freijo, E. A. (2015). Vínculo materno-fetal: implicaciones en el desarrollo psicológico y propuesta de intervención en atención temprana. Escritos de Psicología, 8(2), 14-23.; Silva, 2016Silva, S. G. (2016). Do feto ao bebê: Winnicott e as primeiras relações materno-infantis. Psicologia Clínica, 28(2), 29-54.). Alerta, porém, Jost de Moraes (2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.), corroborando as afirmações husserlianas, que o que importa não é o “fato em si”, mas o significado apreendido que é configurado sempre pela própria pesso, em uma tomada de posição, ainda que em nível pré-consciente, e que, ensejando certo sentimento, é “impresso” na interioridade, entremeando-se a outros sentidos subjetivos e objetivos semelhantes, articulando-se a acontecimentos anteriores e posteriores, presentificando-se, por meio de um processo de “irradiação” (Quepons, 2016bQuepons, R. I. (2016b). Motivación afectiva y nexo vital: reflexiones en torno al sentido del temple de ánimo em Husserl y Dilthey. Nufen, 8 (2),4-23.), ao estabelecer atrelamentos de sentidos.

Na análise fenomenológica - apesar de ser a fenomenologia da vida da criança e principalmente da vida pré-natal uma temática pouco abordada -, estudos recentes têm se dedicado a compreender essa fase da vida baseados nas considerações husserlianas, especialmente da fenomenologia generativa. Husserl (2017Husserl, E. (2017). A criança. A primeira empatia. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 375-377., p.375), nessa esfera, coloca que: “[...] o horizonte originário começa onde o horizonte humano nasce implicitamente, do mesmo modo em que no começo originário da temporalização o horizonte da temporalização já está implicado como temporalização [...]”. Na sequência, completa: “[...] a primeira hyle, aquilo que afeta primeiramente [primeira afecção] torna-se aquilo que é apreendido [conhecido] primeiramente; essa é, em uma primeira virada, o tema primeiro enquanto o primeiramente preenchido [conhecido]”.

Nesse sentido, o eu já tem o “horizonte de mundo”. Já possui, a seu modo, um mundo prévio, um mundo extemporâneo, que permite que seja - esse “pré-eu” - afetado, formando um primeiro vínculo nascente com os pais que também estão dentro de uma comunidade total de “eus” viventes imersos na temporalidade histórica à qual pertencem. Desse modo, a criança infans, enquanto pré-falante, o que inclui a vida intrauterina do feto e do bebê no primeiro ano de vida (Josgrilberg, 2017aJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.), ou seja, a criança ainda “dentro da carne materna” (Husserl, 2017Husserl, E. (2017). A criança. A primeira empatia. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 375-377., p.375), já possui uma primordialidade se formando em estado originário, espaço vital intrauterino, onde as primeiras predisposições existenciais são formadas (Josgrilberg, 2017aJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.), demarcando elos geracionais e transgeracionais de caráter primordial. Nota-se, portanto, que as características que se revelam do “inconsciente”, quando diretamente abordado, não correspondem ao conceito clássico freudiano dessa esfera psíquica. Diferentemente, a descrição de inconsciente, tal como apresentada por Jost de Moraes (2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., 2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES.) a partir da prática clínica experiencial, pode aproximar-se tematicamente das análises fenomenológicas dos últimos estudos de Husserl a respeito da dimensão inconsciente, ao enunciar alguns aspectos do fluxo da vida da consciência e levantar a possibilidade de determinados aspectos ocorrerem de modo não consciente.

Refere-se a um ‘horizonte’ total de modos de aparecer e sínteses de validade não atuais, porém que atuam conjuntamente em uma continuidade de “retenções” e “protensões”, que sintetizam no presente, em um dinamismo essencialmente originário, a vivência passada e futura, conectando historicamente as gerações (Goto, 2008Goto, T. A. (2008). Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. Paulus.; Husserl, 2017Husserl, E. (2017). A criança. A primeira empatia. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 375-377.; Josgrilberg, 2017aJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.) e vinculando a questão dos afetos fundados na experiência vivida ao horizonte do tempo (Quepons, 2016aQuepons, R. I. (2016a). Horizonte y temple de ánimo en la fenomenología de Edmund Husserl. Dianóia, 86 (76), 83-112.). De fato, o inconsciente, tal como descrito pela autora, abrange a dimensão psíquica, porém não se restringe à ela, evidenciando um “inconsciente noológico” referente à dimensão espiritual, esfera de abertura à existência - por se vincular à vida interior (Stein, 2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos., 2005bStein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos., 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. ) - em direção ao si mesmo, ao outro, ao mundo e à transcendência, abarcando o horizonte de vividos, tanto aqueles notados quanto os não notados (Husserl, 2006Husserl, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Ideias e Letras.), tal como procedem as análises fenomenológicas.

Em síntese, em Husserl e Stein, diferenciam-se os “sentimentos psíquicos”, tal como os estados de ânimo, dos “sentimentos espirituais”, como a alegria e a tristeza, vivências essas que implicam em uma tomada de consciência e um ato de compreensão de sentido (Stein, 2005aStein, E. (2005a). Contribuiciones a la fundamentación filosófica de la psicología y las ciencias del espíritu. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 207-520). Burgos.); atos que emergem de um Eu-pessoal, “[...] livre e espiritual [...] que não se desenvolve, mas unicamente se ‘desdobra’ no curso do desenvolvimento” (Stein, 2007Stein, E. (2007). La estructura de la persona humana. Biblioteca de Autores Cristianos. , p. 100-103), demarcado como possuidor do poder de “condicionar” e transformar os estados psíquicos adoecedores do ser (Jost, 2016Jost, M. C. (2016). Contribuições de Edith Stein para a compreensão da experiência de redirecionamento do sentido existencial de jovens autores de ato infracional. Revista Nufen, 8 (2), 35-50.). Na mesma direção, Jost de Moraes (2016Jost de Moraes, R. (2016). As Chaves do Inconsciente. SPES., p. 82), a partir de sua experiência clínica, descreve e distingue um “Eu-Pessoal”, em sua origem e potencialidade, completo, livre, irrepetível e responsável pela autoconfiguração, logo, capacitado a decidir “pelo bom uso de sua liberdade (Jost de Moraes, 2008Jost de Moraes, R. (2008). O Inconsciente sem Fronteiras. Editora Santuário., p. 60).

Observa-se que as análises fenomenológicas voltadas às vivências da esfera afetiva podem suportar a compreensão da prática clínica que ocorre na concretude do mundo-da-vida da pessoa de “carne e osso” e colaborar na elucidação dos processos psicológicos básicos (Goto et al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ) envolvidos no sofrimento depressivo, tendo como fundamento eidético as vivências em seu caráter estrutural; objetivo que, entende-se, deveria ser primordial em uma intervenção terapêutica. Acompanhe-se, assim, no próximo tópico, como a prática clínica-fenomenológica do Método ADI/TIP busca compreender e intervir no sofrimento depressivo.

O Método ADI/TIP como possibilidade de intervenção no sofrimento depressivo

Diante do exposto, observa-se que essa proposta terapêutica aparece como uma intervenção importante na demanda de atendimento a diferentes sofrimentos psíquicos e existenciais que surgem na clínica fenomenológica, não se tratando, portanto, de um recurso terapêutico exclusivo para a sintomatologia depressiva. Não obstante, ao possibilitar mudanças importantes na percepção do si mesmo e nas relações intersubjetivas primárias e secundárias, aponta igualmente melhorias na sintomatologia depressiva (Lopes et al., 2016Lopes, D. T., Jost, M. C., & Rosa, G. T. (2016). Reconfigurando sentidos no enfrentamento da doença depressiva: o processo terapêutico do Método ADI/TIP como nova possibilidade de cuidado na clínica fenomenológica. In: Intencionalidade e Cuidado. Herança e repercussão da fenomenologia. V Congresso Luso-Brasileiro de Fenomenologia - III Jornadas Ibéricas de Fenomenologia. Universidade do Minho. ) 8 8 Dados estatísticos demonstram que a sintomatologia depressiva avaliada por meio da aplicação do BDI depois dessa intervenção terapêutica é significativamente menor em relação à sintomatologia depressiva no início do mesmo, t (11) = 7.17, p <001. Atenta-se que todos os participantes da pesquisa apresentaram redução dos scores e os que se encontravam no nível grave e moderado alcançaram o nível mínimo (0 a 11) (Lopes et al., 2016). . A depressão, como sinalizado, apresenta uma sintomatologia múltipla, carregando elementos “objetivos”, como a lentidão do metabolismo físico e mental associada à anedonia, dificuldade de concentração, problemas de sono e diminuição do apetite, e vivências “subjetivas”, como a diminuição da autoestima e autoconfiança, ideias de culpabilidade e/ou indignidade, tristeza, inibição, falta de interesse na comunicação interpessoal, dentre outros. (Baztán, 2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.). Corroborando essas assertivas, na compreensão da experiência clínica do Método ADI/TIP, o sofrimento depressivo é descrito pelos pacientes (Lopes et al., 2016Lopes, D. T., Jost, M. C., & Rosa, G. T. (2016). Reconfigurando sentidos no enfrentamento da doença depressiva: o processo terapêutico do Método ADI/TIP como nova possibilidade de cuidado na clínica fenomenológica. In: Intencionalidade e Cuidado. Herança e repercussão da fenomenologia. V Congresso Luso-Brasileiro de Fenomenologia - III Jornadas Ibéricas de Fenomenologia. Universidade do Minho. ) como um sentimento crônico de “ser diferente” dos demais, juntamente com a sensação de estar “para dentro de si mesmo”, sem conseguir se comunicar. Por vezes, os pacientes descrevem-se como “uma peça defeituosa” no mundo, ou: “como se andasse em uma estrada sem fim e embaçada por uma neblina grossa e cinza que impossibilita a visão, sem vontade nenhuma de continuar vivendo”, relatando, portanto, um tipo de vivenciar que “obscurece”, “distorce” e “ofusca” a percepção dos eventos ocorridos no mundo (Diaz, 2012Diaz, R. (2012). El ámbito de la afectividad humana en el pensamiento filosófico de Dietrich von Hildebrand. Acta Fenomenológica Latinoamericana, 4, 163-181., p. 180).

Nesse sentido e retomando Husserl (2012Husserl, E. (2012). Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Forense.), pode-se entender que, se a sensação e o sentimento despertados no acontecimento primordial tendem a tingir com as mesmas cores os acontecimentos posteriores, caracterizando um sentimento que perdura e “não nos abandona”, esse modo depressivo de vivenciar os acontecimentos circundantes, de fato e mais uma vez, não poderia ser aferido somente devido a causas psicofísicas, ainda que se considere certos estados anímicos como o embotamento, a melancolia e a irritabilidade, quando não é possível apreender suas motivações. Avaliação corroborada no caminhar terapêutico, quando o paciente depressivo revela dinâmicas objetivo-subjetivas, ligadas a condicionamentos múltiplos oferecidos à sensibilidade engendrando esquemas cognitivos e comportamentais, os quais se ramificam e estendem-se para outras situações de mal-estar psicossocial e existencial ao longo da vida (Krause et al., 2007Krause -et al. (2007). The Evolution of Therapeutic Change Studied through Generic Change Indicators.Psychotherapy Research,17(6), 673-689.; Honda & Yoshida, 2013Honda, G. D., & Yoshida, E. M. P. (2013). Mudança em psicoterapia: indicadores genéricos e eficácia adaptativa. Estudos de Psicologia, 18 (4), 589-597.; Jost et al., 2009Jost, M. C., Jost de Moraes, G. R., Veloso, F. G. C., Alves, G. M. M., Tróccoli, B. T. (2009). Influência das percepções maritais/parentais sobre relacionamentos de conjugalidade: Método ADI/TIP. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 647-655. ).

Desse modo, alcança-se que o foco, em uma intervenção terapêutica no sofrimento depressivo, antes mesmo da mudança de comportamento ou diminuição da sintomatologia, deve ser o eu em seu movimento peculiar de “obscurecimento” ou de transformação de si, caso contrário, pouco se poderá intervir no sofrimento da perda da energia e da razão de viver. Consideram-se, nessa assertiva, pelo menos três fatores fundamentais: primeiro, avalia-se que uma mudança terapêutica implica necessariamente na transformação da teoria subjetiva (Krause et al., 2007Krause -et al. (2007). The Evolution of Therapeutic Change Studied through Generic Change Indicators.Psychotherapy Research,17(6), 673-689.; Honda & Yoshida, 2013Honda, G. D., & Yoshida, E. M. P. (2013). Mudança em psicoterapia: indicadores genéricos e eficácia adaptativa. Estudos de Psicologia, 18 (4), 589-597.) ou na reconfiguração dos sentidos conformados objetiva e subjetivamente (Jost, 2014Jost, M. C. (2014). Do sentido para a morte para o sentido da vida: possibilidades de reconfiguração do sentido existencial de adolescentes/jovens autores de ato infracional (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, B. Horizonte, MG.); segundo, como já sublinhado, aprecia-se que os estados de ânimo não podem ser reduzidos aos estados psíquicos, considerando que a apreensão do seu sentido somente revela-se na correlação estabelecida entre o sujeito e seu mundo vivido, na concretude da vivência mesma, considerando, inclusive, sua capacidade de tonalizar os diversos sentimentos presentes no fluxo da consciência (Goto el al., 2016Goto, T. A., Telles, T. C. B., Paula, Y. A. (2016). A questão dos afetos na fenomenologia de Edmund Husserl: um estudo preliminar. Revista Pesquisa Qualitativa, 4 (4), 30-50. ); e terceiro, pondera-se que todo ato de valoração provoca uma alteração nos sentimentos e nos estados internos vitais que podem ser positivos ou negativos, proceder tanto do exterior quanto do interior e advirem espontaneamente ou através de eventos que provoquem uma ruptura na trama das vivências intencionais, modificando a compreensão do si mesmo e do mundo, como pode ocorrer por meio de uma intervenção terapêutica.

De fato e seguindo Stein (2005Stein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.b, 2007), a motivação do eu para a mudança de certos estados de sentimentos somente pode suceder mediante a irrupção de um “novo nível de profundidade” que se sobressaia ao anterior, possibilidade que se abre quando o eu é tocado por um determinado objeto com conteúdo de sentido capaz de provocar um sentimento de alegria ou dor, que indica o reconhecimento de um valor e de uma exigência para uma tomada de decisão e mobilização de uma ação apropriada à realização do si mesmo (Jost, 2014Jost, M. C. (2014). Do sentido para a morte para o sentido da vida: possibilidades de reconfiguração do sentido existencial de adolescentes/jovens autores de ato infracional (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, B. Horizonte, MG.). Todavia, pergunta-se: como intervir em sentimentos e em configurações de sentidos permitindo mudanças na estrutura subjetiva e intersubjetiva, de modo que o eu encontre referências mais correspondentes ao seu si mesmo, o que, em última análise, poderia possibilitar a redução de sua sintomatologia depressiva?

Nesse aspecto, o Método ADI/TIP aparece como uma possibilidade, como evidenciado, ao permitir precisamente a apreensão e compreensão dos vividos fundantes dos “primeiros antes”, que podem se dar em estágios prévios da intersubjetividade nas primeiras relações estabelecidas com o mundo cultural e emocional, que possibilitarão a formação temporal subjetiva de um si próprio, caminhando ao encontro das colocações de Josgrilberg (2017bJosgrilberg, R. (2017a). Anotações para uma fenomenologia do Infans na fase fetal. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 295-297.). Tome-se, como exemplo, situações que ocorrem usualmente na prática clínica desse processo, quando o paciente com diagnóstico depressivo, na “fase diagnóstica” do “processo circular”, identifica e descreve, pela apreensão intuitiva, a percepção de si mesmo, como se “encolhesse” seu ser no espaço intrauterino com a intenção de “sumir”, ao visualizar sua mãe grávida, “andando de um lado para o outro”, nervosa, “por estar grávida mais uma vez ”, pensando que “esse filho veio na hora errada”.

Nessas circunstâncias, o paciente pode significar-se como alguém que “está sobrando”, entendendo que não existe um lugar (no mundo) para si; pode compreender-se como sendo “culpado” do sofrimento da mãe, descrevendo-se como um “erro” ou “um peso a mais”, concluindo que sua vida “não tem valor”. Algumas vezes, descreve perceber uma “fraqueza” no corpo todo, sentindo o espaço que o cerca “sem cor”, outras vezes “sem ar”, relatando conjuntamente uma “vontade de não ‘sentir’ mais nada”, anestesiando-se e embotando sua vitalidade, ao concluir que a sua “vida não vale a pena ser vivida”; sentimentos de “menos valia”, desconfiança e desamparo que provocam um enclausuramento em si e um fechamento para o mundo exterior, tonalidade afetiva escurecida que se “irradia” para todo o ser. Essa dinâmica interior insurge, no contexto terapêutico da Terapia de Integração Pessoal, atuando tal qual uma “ordem existencial”, que se concretiza no corpo e no psiquismo, estendendo-se para outras esferas da vida, configurando um “modo de ser” adoecido que caracteriza o “humor depressivo”, confirmando as descrições de Baztán (2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.).

Com efeito, esse autor descreve o “humor depressivo” como um “esvaziamento do eu” que se revela sem percepção de futuro, alimentado por ideias de um mundo interior arruinado e, sobretudo, um eu esmagado por um sentimento de culpa inexplicável, que pode levá-lo ao suicídio, como única solução possível para livrá-lo do “peso” de viver. Agrega-se a essas ponderações o que se observa pela experiência clínica do Método ADI/TIP que avalia que, a despeito desse “esvaziamento”, este é um eu que ainda não perdeu totalmente a esperança de encontrar um lugar no mundo, ainda que este seja demarcado pelo “sofrimento de viver”; espaço existencial daquele que se culpa e se pune num posicionamento vitimista que dura toda uma vida, contudo, que aparece no conjunto terapêutico desse processo com a dupla função de cobrar uma “dívida” de amor e culpabilizar, com seu sofrimento, àqueles que julga responsáveis por sua dor.

Não obstante, por meio da mesma dinâmica de “questionamento”, seguindo o “processo circular”, torna-se possível, como acertado, o caminho da terapêutica ou da “decodificação” desses registros psíquicos e existenciais condicionados. Procedimento que permite múltiplas direções e que dependerá das apreensões do paciente em relação ao que intuitivamente compreende, porém, no caso do sofrimento depressivo, torna-se fundamental a inversão existencial do sentido conferido à própria doença que tem como intento, em última instância, o si mesmo autorreferenciado. Continuando a reflexão precedente, pode o paciente descobrir, por exemplo, que sua mãe havia discutido antes com seu pai e que, nesse conflito, ela compreendeu-se como alguém sem valor para seu companheiro, sentindo-se abandonada e inútil como pessoa. Pode ainda abranger que as ideias de desamor e insignificância que sua mãe vivencia já são resultado de vivências anteriores, de caráter, muitas vezes, transgeracional. Nessa trajetória o paciente, no momento mesmo do processo terapêutico, vai identificando os fatores motivacionais atrelados aos posicionamentos de outros integrantes do acontecimento desencadeador e enraizador de seu sofrimento, abrindo-se a possibilidade de intervenção na “tonalidade afetiva” duradoura (Quepons, 2016bQuepons, R. I. (2016b). Motivación afectiva y nexo vital: reflexiones en torno al sentido del temple de ánimo em Husserl y Dilthey. Nufen, 8 (2),4-23., p. 8), nesse caso, da tristeza, permitindo-se a compreensão do que é mais autêntico em termos afetivo-emocionais, tanto em relação a si quanto em relação àqueles culpabilizados pelo sofrimento vivido.

No caso ilustrado, essa conjuntura pode autorizar ao sujeito a compreensão de que seus sofrimentos não aludem a uma rejeição a si e, igualmente, não remetem ao seu pai ou à situação-problema; do mesmo modo e no mesmo movimento, pode ele descobrir sua capacidade de descentrar-se de si mesmo, movendo-se da percepção subjetiva de um sofrimento vivido para a apreensão autotranscendente da possibilidade de transformação a partir do seu Eu-pessoal, do sofrimento intersubjetivo compartilhado. Possibilita-se, desse modo, a percepção, por exemplo, de pais que se abraçam, sonhando com a criança que virá, assim como a visualização de si mesmo pulando de alegria no espaço intrauterino.

Nesse proceder metodológico-terapêutico, portanto, possibilita-se a emergência de novos conteúdos de sentido, permitindo o insurgir de um “novo nível de profundidade” (Stein, 2005Stein, E. (2005b). Introdución a la filosofía. In: E. Stein. Obras completas: escritos filosóficos. (pp. 655-913). Burgos.b), desvelando apreensões diversas e mais construtivas conjugadas a valores que permitem à pessoa em sofrimento a configuração de um modo habitual de ser mais realizador da própria existência. Parecer confirmado em pesquisas anteriores, em descrições perpetradas após a realização da Terapia de Integração Pessoal, como, por exemplo: “Hoje me sinto como uma pessoa capaz de amar e ser amada (...) antes me via como uma massa disforme. Agora sinto que essa massa está sendo preparada para ser aquilo que veio ser” (Lopes et al., 2016Lopes, D. T., Jost, M. C., & Rosa, G. T. (2016). Reconfigurando sentidos no enfrentamento da doença depressiva: o processo terapêutico do Método ADI/TIP como nova possibilidade de cuidado na clínica fenomenológica. In: Intencionalidade e Cuidado. Herança e repercussão da fenomenologia. V Congresso Luso-Brasileiro de Fenomenologia - III Jornadas Ibéricas de Fenomenologia. Universidade do Minho. ).

Considerações finais

Ao se tomar a proposta radical da Psicologia Fenomenológica em sua ênfase no movimento de doação de sentido à experiência vivida, amplia-se o debate referente à questão do estado de ânimo depressivo, que estava reduzida a seus aspectos biológicos e reativos, incluindo e destacando a esfera do sentimento, cujos efeitos se estendem para além do motivo objetivamente percebido ao contemplar o ser em sua integralidade. Considerações que podem ajudar tanto a embasar a compreensão fenomenológica de certo modo de viver depressivo quanto possibilitar a intervenção psicoterapêutica nesse sofrimento que tem suas raízes e ramificações fundadas na configuração de sentidos vividos por um eu. Eu do infans intrauterino, do bebê, da criança, do adolescente e do adulto. Eu de uma intencionalidade pré-consciente e constitutiva em termos de corporeidade e pré-constitutiva em termos de consciência, que se desdobra em constituição de sentidos cada vez mais complexos. Eu que funda o percurso do sentido em termos de antes e depois, sustentando sua dimensão compreensiva, como sublinha Josgrilberg (2017bJosgrilberg, R. (2017b). Para uma fenomenologia das idades da vida. Phenomenological Studies. Revista da Abordagem Gestáltica, 23 (3), 299-307.).

Assim, articulando o esclarecimento proporcionado sobre as vivências da esfera afetiva ao compreendido sobre os fundamentos da possibilidade humana de “voltar o olhar” ao contexto gerador dos sentidos “entristecedores” do ser, assim como daqueles “alegradores do ser”, contribuição do Método ADI/TIP, permite-se uma compreensão alargada de dinâmicas subjetivas e objetivas conformadas, autorizando mudanças na teoria subjetiva, no modo de sentir o outro e o mundo circundante, provocando a consequente melhoria nos relacionamentos interpessoais e a abertura para um reposicionamento existencial. Por decorrência e considerando o “aninhamento” da subjetividade na dimensão somática (Baztán, 2008Baztán, A. A. (2008). Antropología de la depressión. Mal-estar e Subjetividade, 8(3), 563-601.), possibilita-se uma redução significativa da sintomatologia depressiva, como os resultados desse processo terapêutico vêm seguidamente evidenciando.

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  • 4
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  • 5
    O Método ADI/TIP é praticado por uma equipe de psicólogos e médicos atuantes em clínicas ou núcleos de atendimento presentes em diversos estados do Brasil (Distrito Federal, Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná) e exterior (Alemanha, Áustria, Portugal, Polônia e Itália), vinculados à FUNDASINUM e à TIP-Clínica, clínica-matriz com sede em Belo Horizonte - MG.
  • 6
    A FUNDASINUM mantém um departamento de estatística que gera, em regime permanente, dados sobre o volume de pacientes e sobre a percepção do seu grau de satisfação para o enfrentamento das suas dificuldades. Calculam-se aproximadamente 2.300 pacientes/ano, ou 61.400 sessões/ano, no período de 2010 a 2017. Atualmente a formação de psicólogos e médicos nessa abordagem é feita como Curso de Pós-Graduação Lato Sensu ministrado pela FUNDASINUM em convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais -FCMMG - FELUMA.
  • 7
    As chaves do inconsciente (1985/2016), atualmente na 31ª ed. na língua portuguesa e 1ª ed. na língua italiana, e O inconsciente sem fronteiras (1995/ 2008), atualmente na 11ª ed.
  • 8
    Dados estatísticos demonstram que a sintomatologia depressiva avaliada por meio da aplicação do BDI depois dessa intervenção terapêutica é significativamente menor em relação à sintomatologia depressiva no início do mesmo, t (11) = 7.17, p <001. Atenta-se que todos os participantes da pesquisa apresentaram redução dos scores e os que se encontravam no nível grave e moderado alcançaram o nível mínimo (0 a 11) (Lopes et al., 2016Lopes, D. T., Jost, M. C., & Rosa, G. T. (2016). Reconfigurando sentidos no enfrentamento da doença depressiva: o processo terapêutico do Método ADI/TIP como nova possibilidade de cuidado na clínica fenomenológica. In: Intencionalidade e Cuidado. Herança e repercussão da fenomenologia. V Congresso Luso-Brasileiro de Fenomenologia - III Jornadas Ibéricas de Fenomenologia. Universidade do Minho. ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2018
  • Aceito
    21 Nov 2019
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