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Sexualidade e Questões de Gênero na Adolescência: Contribuições Psicanalítica* * * Apoio: CNPq; FAPERJ

Abstract

The institutional clinical practice with adolescents in a university hospital in the present times raises questions about both gender and sexuation. Such questions are not exclusively at the level of practice, but also of theory, requiring it's refinement. We introduce it in the context of psychoanalysis. Methodologically, we left the clinic to question the theory, allowing it to be enriched, as Freud wanted, from the beginning, when he observed that in psychoanalysis there is no theory without clinic. Although we are based on psychoanalytic authors, we do not fail to imply references in authors of the connection fields of psychoanalysis, which often bring fundamental elements to the intended refinement. We conclude by presenting a case to exemplify the questions that led us to the research.

Keywords:
psychoanalysis; adolescence; gender; sexuation; clinical cases

RESUMO

A prática clínica institucional com adolescentes em um hospital universitário atualmente levanta questões tanto sobre gênero quanto sobre sexuação. Tais questões não se colocam exclusivamente a nível da prática, mas também da teoria, exigindo um afinamento desta. Introduzimo-lo no contexto da psicanálise. Metodologicamente, partimos da clínica para questionar a teoria, permitindo enriquecê-la, como queria Freud desde o início, quando observava que, em psicanálise, não há teoria sem clínica. Apesar de nos basearmos em autores psicanalistas, não deixamos de implicar referências em autores dos campos da conexão da psicanálise, que muitas vezes trazem elementos fundamentais para o afinamento pretendido. Terminamos com a apresentação de um caso para exemplificar as questões que nos levaram à pesquisa.

Palavras-chave:
psicanálise; adolescência; gênero; sexuação; caso clínico

Na atualidade, a proliferação de sexualidades é acompanhada de perto pela propagação de nomeações ou seria, na medida em que se nomeiam as sexualidades que os sujeitos se identificam? Nos prolegômenos do assunto, cabe uma primeira e importante ressalva: o conceito de identidade de gênero se difere do de orientação sexual. Assim, na sigla LGBTTQI as três primeiras letras referem-se à orientação sexual do sujeito (lésbicas, gays e bissexuais), enquanto as quatro últimas - sendo o intersexo um caso particular - referem-se à identidade de gênero (transexuais, travestis, queers e intersexuais). Considera-se que a orientação sexual se refere à atração física, romântica e/ou emocional duradoura de um indivíduo por outra pessoa, enquanto a identidade de gênero se refere ao sentimento interno de ser masculino, feminino ou qualquer outra denominação. Pessoas transexuais podem ser heterossexuais, lésbicas, gays, bissexuais ou assexuais, do mesmo modo que as pessoas cis. A comunidade LGBTTQI, denomina de cisgênero - o prefixo cis vem do latim e significa “deste lado” - as pessoas cuja identidade corresponde ao gênero designado em seu nascimento, enquanto pessoas cuja identidade de gênero e/ou expressão de gênero não corresponde às normas sociais e expectativas tradicionalmente associadas ao sexo atribuído na nascença são denominadas trans (cf. Normas de Atenção à Saúde de Pessoas Trans e com Variabilidade de Gênero, 2012World Professional Association of Transgender Health. (2012). Standards of care for gender identity disorders (7ª ed.). East Dundee: WPATH.).

A atual clínica com adolescentes impõe ao psicanalista um aprofundamento nas questões de gênero, questiona preconceitos que ainda existem aqui e acolá, às vezes dentro da própria psicanálise, e introduz contribuições de enorme valia para avançarmos com a teoria psicanalítica. Na realidade, é possível dizer que a própria psicanálise nasceu numa época em que alguns clínicos e intelectuais começaram a questionar a, até então tida como necessária, orientação cisgênero, que considerava desviantes ou mesmo perversos todos aqueles que a ela não se adequavam. No entanto, foram sobretudo os movimentos sociais do início do século XX que, definitivamente, abalaram as certezas anteriores. Senão, vejamos:

Ao termo de sua imensa análise do Pequeno Hans, Lacan (1956-1957/1995)Lacan, J. (1995). O Seminário, livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1956-57) se coloca a questão da opção pela masculinidade a partir do pós-escrito de Freud (1922/2015) Freud, S. (2015). Pós-escrito à análise do pequeno Hans. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 8, pp. 256-273). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Original publicado em 1922)quando o agora jovem Hans vem visitá-lo com a observação de não se lembrar, em absoluto, de todo tratamento que fizera quando pequeno. Lacan o associa a um certo tipo de jovens que não são filhos de uma, mas de duas mães, ali onde falta o pai. Isso faz Lacan articulá-lo, de um lado, a Leonardo da Vinci, analisado por Freud (1910/2013)Freud, S. (2013). Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 9, p. 113-219). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1910), e, de outro, a um certo tipo de jovens da geração de 1945 que esperavam que as ações viessem do outro lado, o das mulheres, jovens que esperavam que fossem elas a lhes tirarem as calças (Lacan, 1956-1957/1995Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) ). Do menino que brincava de esconde-esconde com as meninas, já não sobrou nada daquilo que ele queria mostrar a elas, a não ser a si mesmo enquanto “alguma coisa como um objeto fetiche, no qual o pequeno Hans se situa numa certa posição apassivada” (Lacan, 1956-1957/1995, p. 342Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) ). Daí que, “qualquer que seja a legalidade heterossexual de seu objeto, não podemos considerar que dê conta totalmente da legitimidade de sua posição” (Lacan, 1956-1957/1995, p. 342Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) ). Por mais heterossexuais que esses jovens pareçam ser, a masculinidade ficou comprometida pela referência ao que Lacan identifica com um phallus dentatus, o materno, à espreita de qualquer possível movimento que implique uma agressividade em relação ao objeto, por ser ele mesmo “essa espécie de objeto fixado [...], imaginário” (Lacan, 1956-1957/1995, p. 342Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) ) que sempre vitimará e machucará, “qualquer assalto masculino” (Lacan, 1956-1957/1995, p. 342Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) ). Esse também é, como conclui Lacan, o futuro desse charmante pequeno Hans, o de um cavalheiro, por mais heterossexual que pareça.

A data não é anódina: em 1945, quantos jovens, na Europa, não se viram justamente desprovidos da presença de seus pais, tombados nos campos de batalha, jamais retornados à casa ou, quando muito, eles próprios tão machucados por tudo o que neles passaram, sem saber de que modo assumir diante de seus filhos - às vezes deixados por anos, justamente no momento do crescimento em que mais precisariam deles -, a função de pai real, aquele que castra?

Porém, Lacan não se atém a essa data e indica outras leituras sobre o tema. A questão é complexa e, na realidade, sustenta a virulência dos ritos iniciáticos tantas vezes analisados em outros campos, que demonstram que ela tampouco é uma questão datada, pois, se esses ritos fazem função de afiado gume a orientar a puberdade para a masculinidade, muitas vezes é apenas para garanti-la como máxima. Eis o que observam os autores citados a esse respeito por Lattanzio (2011 Lattanzio, F. (2011). O lugar do gênero na psicanálise. Da metapsicologia às novas formas de subjetivação. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. Recuperado de http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/VCSA-8J9G7E/disserta__o_felippe_lattanzio_vers_o_definitiva___o_lugar_do_g_nero_na__psican_lise.pdf?sequence=1
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), quando ele analisa a função dos ritos iniciáticos na adolescência como forma de os meninos se livrarem da feminilidade que os contagiou desde o momento em que passaram um tempo no útero materno. Referimo-nos, em particular, às interessantes contribuições de Tubert (1999Tubert, S. (1999). A morte e o imaginário na adolescência. Rio de Janeiro, RJ: Cia das Letras.) sobre os ritos no Vale do Asaro, em Papua - Nova Guiné: os meninos moram com as mães com pouco contato com os pais. Chegado o momento da puberdade, enquanto os meninos são isolados de suas mães, purificados de suas feminilidades previamente incorporadas, através de diferentes sangrias, as mães entram literalmente numa fase de luto, “como reconhecimento da separação de seus filhos, que passam formalmente para a parte masculina da sociedade” (Tubert, 1999, p. 66Tubert, S. (1999). A morte e o imaginário na adolescência. Rio de Janeiro, RJ: Cia das Letras.). As sangrias e vômitos sofridos pelos jovens, a partir de manipulações de seus corpos por parte dos homens adultos, “liberam o menino do sangue do ventre materno, que ele engoliu quando estava dentro do útero, e do perigoso sangue menstrual que pode ter ingerido, sem perceber, com a comida que sua mãe lhe preparava” (Tubert, 1999, p. 67Tubert, S. (1999). A morte e o imaginário na adolescência. Rio de Janeiro, RJ: Cia das Letras.). Alguns anos vivendo separados, em “cabanas dos homens”, os jovens se tornam adultos e casam. A separação da mãe foi definitiva e como sintoma encontramos aquilo a que Freud não dedicou poucas observações (1908; 1913; 1917), o horror ao sangue menstrual. E então, “os meninos tornados homens [heterossexuais e casados] passam a ter uma relação de horror ao sangue menstrual de uma mulher, que pode mesmo matar um homem e representa a constante ameaça de feminização” (Lattanzio, 2011, p. 140 Lattanzio, F. (2011). O lugar do gênero na psicanálise. Da metapsicologia às novas formas de subjetivação. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. Recuperado de http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/VCSA-8J9G7E/disserta__o_felippe_lattanzio_vers_o_definitiva___o_lugar_do_g_nero_na__psican_lise.pdf?sequence=1
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). Um adolescente em atendimento pode nos dizer certa feita: “Sou muito extrovertido, mas quando fico perto de uma mulher me atrapalho todo. As mulheres são minha criptonita”.

O texto que segue provém de uma pesquisa realizada no Hospital Universitário, nos últimos 3 anos, junto à clínica com adolescentes atendidos em ambulatório de psicanálise e saúde mental, semanalmente, a partir dos quais se colocou a seguinte questão: que especificidades as sexuações hodiernas apresentam na adolescência e como essa clínica afeta a teoria psicanalítica? Donde a metodologia utilizada parte da clínica que questiona a teoria permitindo enriquecê-la, quando nos colocamos o trabalho por uma elaboração teórica que objetiva a pesquisa em psicanálise. Fiamo-nos na assertiva de Jacques Lacan, segundo a qual “a configuração subjetiva tem, pela ligação significante, uma objetividade perfeitamente localizável, que funda a própria possibilidade da ajuda que trazemos sob a forma da interpretação” (Lacan, 1969-70/1992, p. 82Lacan, J. (1992). O Seminário, livro 17: O avesso. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Seminário proferido em 1969-70) ). Para tal enriquecimento, partimos de uma revisão bibliográfica, cotejamos o produto de tal revisão com a clínica e levantamos, então, hipóteses para possíveis avanços teóricos.

Os Afetos de uma Juventude

Tendo ultrapassado um pouco a confusão entre sexualidade e ato sexual, que levava as pesquisas à temática da AIDS entre a população mais jovem e à da gravidez na adolescência, as pesquisas atuais sobre a adolescência privilegiam a temática sobre identidade de gênero e orientação sexual.

A questão da identidade sexual do sujeito é algo sempre elaborado a partir do Outro - vide os ritos iniciáticos. Nos dias atuais, é inegável o papel da internet na busca de respostas que os adolescentes podem obter no mundo digital, como na pergunta de uma adolescente: “por que a gente escolhe gostar de quem não gosta da gente?… Taí uma pergunta que Papai Google não responde. Porque se o dicionário era o Pai dos burros da sua geração, o Google é o Pai dos desesperados da minha”, ela conclui, no momento em que fala com a analista. O analista é também produto de seu tempo e não pode ignorar os avanços de sua época. No caso, as redes sociais ditam ao sujeito o que deve fazer e sua identidade, sendo necessário salientar que em nada se relacionam com a moral sexual civilizada de outrora, que instalava a norma do que se deve fazer como homem e como mulher. O que afeta a juventude no momento é a diversidade. Gallano já apontava, em 2006Gallano, C. (2006). O que dizem gays e lésbicas? In As realidades sexuais e o inconsciente (pp. 316-325). Salvador, BA: Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano no , que “os sujeitos não encontram hoje esse Outro que normatize a diferença dos sexos” (Gallano, 2006, p. 317Gallano, C. (2006). O que dizem gays e lésbicas? In As realidades sexuais e o inconsciente (pp. 316-325). Salvador, BA: Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano no ).

Sem dúvida, o modo como tal diferenciação era outrora transmitido fundamentava-se numa identificação clara da função paterna com o pai da realidade, coisa que hoje já não se observa mais, necessariamente. A própria psicanálise surgiu no momento em que se começou a perceber a vacilação dessa identificação. O pai já não era suficiente nos tempos de Freud, por exemplo. Um contemporâneo dele, Wedekind, escreveu a peça O Despertar da Primavera (Wedekind, 1891/2008Wedekind, F. (2008). O despertar da primavera (3ª ed., M. A. S. Melo, Trad.) Lisboa: Editora Estampa. (Originalmente publicado em 1891) ), em que o Homem Mascarado tem a função de substituir o pai para calçá-lo simbolicamente., a de sustentar o sujeito enquanto desejante. A personagem Melchior, diante da qual aparece esse Homem, chega a se perguntar se ele é seu pai. Atualmente, quando “o sujeito quer o apoio do pai para sustentar seus passos, para enfrentar as vicissitudes do desejo do Outro, não encontra mais o pai que por ele vela” (Quinet, 2002Quinet, A. (2002). Um olhar a mais. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar ., p. 119).

Nesta segunda década do novo milênio, vemos o corpo teen cair em mergulho livre no enigma da relação sexual. Não podemos negar os impactos políticos, sociais e estéticos das novas tecnologias da comunicação e informação nas encenações de destinos que não correspondem ao anatômico, semblantes que a época inscreve no corpo. Se considerarmos a seguinte advertência lacaniana: “que antes renuncie a isso [à psicanálise...] quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. [...] Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua da Babel” (Lacan, 1953/1998a, p. 322Lacan, J. (1998a). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Originalmente publicado em 1953)), podemos afirmar que na atualidade não cabe à psicanálise simplesmente descartar as questões de gênero, nem as posições feministas e os estudos da teoria queer, que propõem a desmontagem de todo tipo de identidade de gênero que não seriam adequadas ou corretas no cenário da bipolaridade. Quando Lacan, em 1970, faz a observação de que é “incorporada que a estrutura [da linguagem] faz o afeto” (1970/2003, p. 406Lacan, J. (2003b). Radiofonia. In Outros escritos (pp. .403-447). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .), pode-se falar em “afetos de uma época, e mesmo de uma juventude” (Pollo, 2003Pollo, V. (2003). Mulheres histéricas. Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa Livraria., p. 69) a marcarem o próprio corpo do sujeito.

Embora gênero não seja um conceito da psicanálise, não há como negar os efeitos discursivos produzidos ao colocá-lo em questão. Como observou Ceccarelli (2010Ceccarelli, P. (2010). Psicanálise, sexo e gênero: Algumas reflexões. Recuperado de http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=1483
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), há duas perspectivas em psicanálise, que muitas vezes conflituam quando autores abordam a questão do gênero: “a interseção do individual - da constituição do Eu, ou do sujeito - e as construções sociais como tributárias de processos históricos”. Fora da psicanálise, mas nela sustentada a partir da fala do sujeito, a questão de gênero é tratada fundamentalmente como política, como se lê em Leila Dumaresq (2014Dumaresq, L. (2014). Ensaio de epistemologia transgênera. Transliteração. Recuperado de http://transliteracao.com.br/leiladumaresq/2014/11/ensaio-de-epistemologia-transgenera/
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), bacharel em Filosofia, mulher transgênera e ativista que propõe uma “política sexual transgênera”. Sua parrésia: “meu lugar de fala é o da vivência e do convívio crítico da minha condição. […] Testemunhar quem somos com nossas palavras é um ato fundamental de resistência. E poucas palavras não servirão para tantas formas verdadeiras de ser” (Dumaresq, 2014Dumaresq, L. (2014). Ensaio de epistemologia transgênera. Transliteração. Recuperado de http://transliteracao.com.br/leiladumaresq/2014/11/ensaio-de-epistemologia-transgenera/
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). Sua política propõe o respeito das diferenças que marcam pessoas, indivíduos e subjetividades, na contramão da desumanização, marginalização e exclusão. Essa temática também questiona a nós analistas: o que intentamos dizer quando afirmamos que há diferença sexual?

A clínica psicanalítica com sujeitos adolescentes ilustra os impasses do sujeito na confrontação com a impossibilidade de uma relação de completude entre os sexos, proporcionando a ocasião de abordar uma questão pouco debatida e nada simples, que nos parece particularmente esclarecedora na problemática da escolha de posição sexuada no momento da adolescência - no qual, sabidamente, ocorrem as vacilações identificatórias herdadas da infância (Alberti, 2004Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.). A abordagem psicanalítica, centrada na clínica do caso, tem chances de se fazer ouvir nesse imbróglio já facilmente observável por pais e especialistas, de que os adolescentes estão “experimentando” novas identidades e não têm certeza se são homens ou mulheres.

A Adolescência e as Escolhas

Em 2004, Alberti retoma o tema da adolescência e, desta vez, a enfatiza como momento de escolhas. Observa também que “não há escolha que prescinda de indicativos, direções, determinantes que lhe são anteriores” (Alberti, 2004, p. 10Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.). Tais direções advém não apenas dos pais e educadores, mas também dos “colegas, meios de comunicação, o mundo enfim a sua volta, através do que lhe é transmitido pela linguagem, falada, escrita, visual, comunicativa ou ainda pelo silêncio, que não deixa de ser uma forma de linguagem” (Alberti, 2004, p. 10Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.). Aliás, é anterior à adolescência também a constituição da sexualidade, que, para Freud (1905/1996a)Freud, S. (1996a) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 117-231). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicado em 1905), é categoricamente infantil.

Freud observaria que a vida sexual possui um caráter bifásico, entrecortada pela latência: de um lado, a infância; de outro, o adolescente, sendo que na puberdade ocorreria a constituição definitiva da vida sexual (Freud, 1905/1996a, p. 189). Há de fato, uma escolha definitiva do sexo na adolescência? Essa seria uma afirmação datada de Freud? Estaria ela apoiada na ideia segundo a qual a diferença sexual poderia ser situada entre a premissa fálica da sexualidade infantil e o encontro com o Outro sexo na adolescência? (cf. Alberti, 2004Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.).

Anne Fausto-Sterling (1993Fausto-Sterling, A. (1993) Os cinco sexos: Porque macho e fêmea não são o bastante. Recuperado de http://docslide.com.br/documents/anne-fausto-sterling-os-cinco-sexos.html
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) afirmava: “biologicamente falando, existem muitos graus entre fêmea e macho; [...] poderíamos argumentar que nesse espectro existem ao menos cinco sexos. E talvez até mais [pois] o sexo é um continuum vasto e infinitamente maleável que desafia as limitações” (p. 2). Anos depois, ela acrescenta que é a complexidade do sexo de um corpo que impede “o isso ou aquilo” (Fausto-Sterling, 2001-02/2000, p. 15Fausto-Sterling, A. (2001-02). Dualismos em duelo. Cadernos Pagu, 17-18, 9-79. http://www.scielo.br/pdf/cpa/n17-18/n17a02. (Originalmente publicado em 2000)
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) e que rotular alguém como homem ou mulher é pura decisão social que não advém do conhecimento científico, e sim de “nossas crenças sobre o gênero [que afetam] o tipo de conhecimento que os cientistas produzem sobre o sexo” (Fausto-Sterling, 2001-02/2000, p. 15Fausto-Sterling, A. (2001-02). Dualismos em duelo. Cadernos Pagu, 17-18, 9-79. http://www.scielo.br/pdf/cpa/n17-18/n17a02. (Originalmente publicado em 2000)
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).

Em uma nota de pé de página acrescentada em 1915 aos “Três ensaios sobre a sexualidade”, Freud (1905/1996a)Freud, S. (1996a) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 117-231). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicado em 1905) deixou claro que os conceitos de “masculino” e “feminino” figuram entre os mais confusos da ciência por acabarem decompostos em, pelo menos, três sentidos distintos: ora se emprega o sentido “atividade” e “passividade”, ora o sentido biológico (espermatozoide ou óvulos); além disso, há o sentido sociológico (homens e mulheres na realidade). Segundo ele, o primeiro desses três sentidos é o essencial para a psicanálise, e isso se deve ao fato de que a libido é masculina, pois a pulsão é sempre ativa, mesmo quando estabelece para si um alvo passivo.

Como se sabe, Freud identificava o masculino com a atividade e o feminino com a passividade. Contudo, isso não significa identificar os homens como ativos e as mulheres como passivas. Ao contrário: foi dele a frase segundo a qual para se ser passivo é preciso muita atividade (Freud, 1931/2010aFreud, S. (2010a). Sobre a sexualidade feminina. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 371-398). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1931) ), além de ser dele também toda a teoria sobre a bissexualidade como fator decisivo: “Em todos nós, a vida inteira, a libido normalmente oscila entre o objeto masculino e feminino” (Freud, 1920/2011d, p. 130). Masculino e feminino, para Freud, não são somente uma referência para o desenvolvimento do menino e da menina, pois se referem ao modo como cada sujeito lida com o reconhecimento da diferença. A anatomia é dada, mas não o modo como cada sujeito sua anatomia. A visão entrará em jogo na diferenciação dos sexos.

Freud (1933/2010b)Freud, S. (2010b). Novas conferências introdutórias à psicanálise: A Feminilidade. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 263-293). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1933) afirma que a força motriz da vida sexual é a libido: “A vida sexual é dominada pela polaridade masculino-feminino; cabe então examinar a relação da libido com essa polaridade” (p. 288), já que “há apenas uma libido que é posta a serviço tanto da função sexual masculina como da feminina”. Logo no começo de “A feminilidade” (Freud, 1933/2010bFreud, S. (2010b). Novas conferências introdutórias à psicanálise: A Feminilidade. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 263-293). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1933) ), retomando a distinção entre “macho e fêmea”, afirma: “o que constitui a masculinidade ou feminilidade é uma característica desconhecida, que a anatomia não pode apreender” (p. 266).

Na realidade, na medida em que o discurso é incapaz de corrigir e dar conta, da “desnaturação” sexual do sujeito (cf. Lesko, 1996Lesko, N. (1996). Denaturalizing adolescence: The politics of contemporary representations. Youth and Society, 28(2), 138-161).), o que temos é apenas a referência ao significante fálico a produzir consequências, sempre insuficientes, para cada sujeito se posicionar na partilha dos sexos. É a partir dessa referência que o sujeito empreende uma dupla escolha: a escolha da posição sexuada - em que assume a responsabilidade “por seu gozo” (Quinet, 2013Quinet, A. (2013). A escolha do sexo com Freud e Lacan. In A. Quinet , M. A. C. Jorge (Orgs.), As homossexualidades na Psicanálise: Na história de sua despatologização (pp. 131-140). São Paulo, SP: Segmento Forma. , p. 131) - e a escolha do seu objeto sexual.

É claro que isso deixa de fora tudo o que não se refere ao falo, razão de a escolha do sexo ser também “a escolha do não-todo [...] que deixa seu lugar ao Outro do sexo” (Strauss, 2015Strauss, M. (2015). A escolha do sexo: O que dizem disso? Stylus: Revista de Psicanálise, 30, 69-78. , p. 76). O não-todo é o buraco do sexo da mulher, “que remete o sujeito a seus próprios impossíveis, ao que ele não entende, ao que percebe, mas não consegue significar” (Alberti, 2004Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor., p. 31). Impossível de simbolizar, esse “buraco reenvia todo adolescente, independentemente de sua cultura, a um ponto de irrepresentável, ao real em jogo no encontro com o sexo” (Alberti, 2004, p. 31Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.).

Eis como Lacan subverte definitivamente para a psicanálise toda e qualquer interpretação da sexualidade: ela não segue uma bipolaridade porque afirma a existência pela via do simbólico na referência ao significante fálico, existência de qualquer sujeito, identifique-se ele do modo que desejar, independentemente de qualquer referência biológica, e do outro lado, a inexistência, o que o leva a conceituar, logicamente, que a “Mulher não existe” (Lacan, 1971/2009, p. 69Lacan, J. (2009). O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971)).

A Lógica da Sexuação

Lesko (1996Lesko, N. (1996). Denaturalizing adolescence: The politics of contemporary representations. Youth and Society, 28(2), 138-161).) critica as posições pré-concebidas sobre adolescentes a partir de uma leitura arqueológica (no sentido foucaultiano do termo) da questão da feminilidade, que resiste a se inscrever sob a forma de um saber, o que nos leva a perguntar com Prates (2001Prates, A. (2001). Feminilidade e experiência psicanalítica. São Paulo, SP: Editora Hacker.) “como se deve entender, num outro plano que não o das estruturas clínicas, a ‘tomada de decisão’ em relação ao sexo”? (Prates, 2001, p. 95Prates, A. (2001). Feminilidade e experiência psicanalítica. São Paulo, SP: Editora Hacker.). Para responder tal pergunta, a autora retoma a questão do uso por Lacan da lógica formal em seu ensino e o considera de importância inestimável, “no sentido de contextualizar a discussão num plano que não seja fenomenológico, ou da ordem da linguagem natural” (Prates, 2001, p. 95Prates, A. (2001). Feminilidade e experiência psicanalítica. São Paulo, SP: Editora Hacker.). Além disso, aponta que “homem” e “mulher” são palavras largamente utilizadas e impregnadas de significações culturais, o que torna ainda mais importante atentar para o tratamento teórico oferecido por Lacan a esses termos, de modo a elevá-los ao estatuto de conceitos psicanalíticos. Segundo Prates, a retomada feita por Lacan desses termos não é casual, pois “eles apontam uma coragem em não se furtar a uma problemática clínica, que acompanha a história da psicanálise, qual seja, como o psicanalista pode saber, afinal, quando está diante de um homem ou uma mulher?” (Prates, 2001, p. 96Prates, A. (2001). Feminilidade e experiência psicanalítica. São Paulo, SP: Editora Hacker.).

No ano de 1973, Lacan escreveu pela primeira vez as fórmulas da sexuação, formalizando logicamente seus dois andares. Na parte de cima, com suas quatro fórmulas proposicionais - que não retomaremos aqui -, postula “as únicas definições possíveis da parte dita homem ou bem mulher para o que quer que se encontre na posição de habitar a linguagem” (Lacan, 1972-73/2008, p. 107). Já a parte de baixo, no que chama “impropriamente a humanidade”, reparte-a em “identificações sexuais”. Lacan (1972-73/2008) é explícito quanto a dizer que o sentido sexual “indica a direção na qual ele fracassa” (p. 106): não se pode dizê-lo. Sobre sua fórmula, Lacan afirma: “ela não me parece exemplar senão, como de hábito, para produzir mal-entendido” (p. 106). Lacan (1971-72/2012) Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72)já havia sublinhado que o ponto essencial, o ponto de emergência do ser falante é essa relação perturbada com o próprio corpo que se chama gozo. Este, enquanto efeito de linguagem, sofre o golpe de uma castração.

Ao estabelecer a diferença entre homem e mulher como questão lógica, não há nenhuma brecha para a biologia. O termo sexuação, proposto por Lacan (1972-73/2008)Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72), identifica, em última análise, o homem e a mulher por seu modo de gozo e pode-se dizer que se trata de uma formalização do impossível, implicando o real (Miranda & Alberti, 2012Miranda, E., & Alberti, S. (2012). A função do feminino para a noção de estrutura em psicanálise. Tempo Psicanalitico, 44(2), 371-387.). Lacan propõe um discurso que partiria do real, através da lógica, visando a uma necessidade de discurso (1971-72/2012). O que faz com que alguém esteja de um ou outro lado na partilha dos sexos?

Quinet (2013Quinet, A. (2013). A escolha do sexo com Freud e Lacan. In A. Quinet , M. A. C. Jorge (Orgs.), As homossexualidades na Psicanálise: Na história de sua despatologização (pp. 131-140). São Paulo, SP: Segmento Forma. ) faz uma leitura das fórmulas da sexuação, em que retoma as duas lógicas distintas: a Lógica fálica do Um, que constitui um universo a partir da exceção, formando um conjunto fechado que articula o Um com o todo do batalhão fálico dos homens, e a Lógica da Heteridade, do Outro sexo, do não todo do lado feminino, Outro, porque heterogêneo em relação ao Um, donde Heteros.

Lacan dizia em 1972 que desde o nascimento há uma diferença inata e natural que

corresponde ao que há de real no fato de que, na espécie que se autodenomina Homo sapiens, os sexos parecem dividir-se em dois números mais ou menos iguais de indivíduos [...] bem mais cedo do que se espera. No entanto é preciso reconhecer que somos nós que os distinguimos, não são eles que se distinguem. (Lacan, 1971-72/2012, pp. 15-16Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72))

Ao enfatizar o caráter binário do sexo como uma necessidade totalmente lógica, Soler (2013Soler, C. (2013). A maldição sobre o sexo. In A. Quinet, M. A. C. Jorge (Orgs.), As homossexualidades na Psicanálise: Na história de sua despatologização (pp. 119-130). São Paulo, SP: Segmento Forma . , p. 121) propõe duas alternativas heterogêneas e todas as duas podem ser ditas reais: entre macho e fêmea, no ser vivo e sexuado; entre homem e mulher, no falasser, procedente das determinações lógicas da linguagem.

A sexualidade do sujeito se inscreve, desde sempre, no Édipo - duplo, positivo e negativo (Freud, 1923/2011aFreud, S. (2011a). O Eu e o Id. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 16, pp. 13-74). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1923) ) -, porque este tem relação com o desejo, “fenômeno central do período sexual da primeira infância” (Freud, 1924/2011b, p. 204Freud, S. (2011b). A Dissolução do Complexo de Édipo. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 16, pp. 203-213). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1924)), dependente da bissexualidade da criança. Lembremo-nos que já na carta dirigida por Freud a Fliess em 1899 é possível ler: “Bissexualidade! [...] Estou me acostumando a encarar todo ato sexual como um acontecimento entre quatro pessoas” (p. 46). Em 1905, Freud já sabia que na natureza não se encontra a segregação masculino-feminino, a qual, no entanto, a moral civilizada da época queria afirmar com tanta veemência.

Quando Lacan (1971-72/2012)Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72) leva a desnaturalização do sexo às últimas consequências, identifica na função e campo da fala e da linguagem uma tendência, ainda, à obnubilação do real da castração. A linguagem, do modo como é tratada na articulação com o ser, tem uma função anedótica que faz suplência ao gozo sexual, não sem sustentar-se na função fálica, que, justamente, protesta a castração - como, aliás, Freud (1937/1996b, p. 287)Freud, S. (1996b) Análise terminável e interminável. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1937) já elaborara com sua ideia de “rejeição da feminilidade”, que substitui a de “protesto masculino”, proposta por Adler (cf. Rocha, 2002Rocha, Z. (2002). Feminilidade e castração: Seus impasses no discurso freudiano sobre a sexualidade feminina. Revista Lationamericana de Psicopatologia Fundamental, 5(1), 128-151., p. 143). Com efeito, se “o complexo de castração sempre age no sentido de seu conteúdo, inibindo e limitando a masculinidade e promovendo a feminilidade” (Freud, 1925/2011c, p. 296Freud, S. (2011c). A organização genital infantil, um acréscimo à teoria da sexualidade. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 16, pp. 283-299). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1925)), o complexo de castração, que implica a rejeição da feminilidade, é uma forma de tentar dela escapar, em contrabando. A linguagem sempre funcionou, naquilo que tange à sexualidade, construindo mitos a darem conta do que é impossível dizer e, desse modo, se associaram o registro científico “e a linguagem simbólica do mito e das lendas” (Rocha, 2002, p. 131Rocha, Z. (2002). Feminilidade e castração: Seus impasses no discurso freudiano sobre a sexualidade feminina. Revista Lationamericana de Psicopatologia Fundamental, 5(1), 128-151.). Mas mitos e lendas se sustentam também no imaginário e daí no próprio pênis como consistência que chegou algumas vezes a enganar o próprio Freud, em particular no início da psicanálise, quando identificava nele a referência masculina. Eis o que Lacan denota como anedotas em seu Seminário ... ou pior (1971-72/2012) e eis o que busca derrubar, em definitivo, quando, como observa Miller (2012Miller, J. (2012). Apresentação. In J. Lacan, O Seminário, livro 19: … ou pior (4a. Capa). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.), se utiliza do Um enquanto real a rejeitar o dois da articulação significante. Esse Um é um novo modo de articular a castração, real puro, a promover um novo vetor: o que vai do real ao simbólico, vetor não anedótico, justamente. Daí, nesse momento, a função proposicional de Frege ser de tanta valia para Lacan: ela expressa as formas lógicas num simbolismo desprovido de qualquer ambiguidade. Se a função fálica está dentro da linguagem, a castração a ex-siste. E isso não é sem relação com o conteúdo do inconsciente, pois é justamente o uso da lógica que pode prescindir do princípio da contradição, que desde Freud não se encontra no inconsciente. A castração, hiância irredutível, só pode ser abordada a partir da lógica, já que o objeto da lógica se impõe por uma necessidade de discurso (Lacan, 1971-72/2012Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72)). Tal necessidade, por fim, rejeita o Outro enquanto eixo da dialética do sujeito e o remete à ficção, desvaloriza o desejo, promete o gozo, rejeita o ser que não passa de semblante e, em consequência derradeira, a henologia - teoria do Um - supera a ontologia - teoria do ser (Miller, 2012Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72)).

É a lógica da sexuação derrubando, em definitivo, toda e qualquer referência natural, no que tange à sexuação do ser falante.

Gêneros

Ao final de Problemas de gênero, Butler (2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. (Originalmente publicado em 1990) ) tangencia a ideia de que o corpo não é um “ser”, no sentido de ter algo a expressar. Na verdade, é “uma fronteira variável, uma superfície cuja permeabilidade é politicamente regulada, uma prática significante dentro de um campo cultural de hierarquia do gênero e heterossexualidade compulsória” (Butler, 2003, p. 198)Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. (Originalmente publicado em 1990) . É com isso que o adolescente precisa se haver: o gênero está na superfície, pode-se dizer que se trata de um “corpogênero” (Knudsen, ‎2013Knudsen, P. P. P. S. (2013). Psicanálise, gênero e singularidade. Revista Faac, 2, 195-202, Recuperado de http://hdl.handle.net/11449/125085.
http://hdl.handle.net/11449/125085...
). Que o corpo seja uma superfície, já se lê claramente também em Freud (1923/2011aFreud, S. (2011a). O Eu e o Id. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 16, pp. 13-74). São Paulo, SP: Companhia das Letras . (Originalmente publicado em 1923) ). Porém, que essa superfície faça dele o Outro do gozo, é algo ainda a se explorar. Levantamos a hipótese de que, desde os primórdios da cultura, a adolescência é o palco em que isso se apresenta de forma mais pregnante.

Nossas pesquisas inicialmente tratavam de aprofundar a temática do despertar da sexualidade na adolescência. Muitos adolescentes por nós atendidos no Hospital Universitário.... diziam estar “experimentando” e não ter certeza se eram homens ou mulheres. Esses adolescentes poderiam apressadamente receber o diagnóstico médico de “disforia de gênero” (cf. DSM V, 2014), tão em voga nos últimos tempos, conotando o que, no campo social, é conhecido como novas identidades de gênero. Para a psicanálise, no entanto, tal “disforia”, diz respeito ao núcleo de toda neurose: que posição tomar na escolha forçada da sexuação? Já que não é a anatomia que identifica os sujeitos como homem ou mulher, a inquietação quanto ao próprio sexo é a regra para todos. Eis o ponto em que a psicanálise traz um aporte relativamente original, por considerar que “não há identidade sexual; a sexualidade é a própria coisa que perturbará toda a identidade” (Zupančič, 2016Zupančič, A. (2016). Sexo, ontologia e subjetividade. Lavra Palavra. Recuperada de Entrevista a Randall Terada publicada no site: https://lavrapalavra.com/2016/03/01/sexo-ontologia-e-subjetividade/
https://lavrapalavra.com/2016/03/01/sexo...
).

Segundo Lacan (1971-72/2012, p. 33)Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72), “a sexualidade está, sem nenhuma dúvida, no centro de tudo que se passa no inconsciente. Mas está no centro por ser uma falta”. E é com essa falta que o adolescente se vê obrigado a lidar, do jeito que puder, como o demonstram as situações clínicas abaixo, extraídas da fala de três adolescentes atendidos no ambulatório:

“Sou um homem num corpo de uma mulher, mas um homem que gosta de homem, um homem gay”, disse uma adolescente, explicando claramente a diferença entre sua identidade de gênero, ou posição sexuada - sou um homem -, e sua orientação sexual, ou escolha de objeto - um homem que gosta de homem. Na sequência dos atendimentos, essa mesma adolescente afirma: “Sou uma mulher que é o macho alfa da casa”, identificando seu papel de gênero numa forma masculina, respondendo ao lugar em que se vê colocada pelos familiares, ou seja, respondendo a uma demanda do Outro.

“Nós mulheres nos pegamos. Toda mulher é bi. Homem com homem é uma coisa nojenta, mas a gente não... Mulher anda de mãos dadas, troca de roupa junto, toma banho... aí a gente se pega, se toca, se experimenta. Você já experimentou uma? Se você nunca experimentou é porque ainda não apareceu a mulher certa para você”, disse uma adolescente explicando sua sexualidade feminina, concordando com Freud (1931/2010a)Freud, S. (2010a). Sobre a sexualidade feminina. In Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 371-398). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1931) , quando ele destaca que, na vida sexual das mulheres, a bissexualidade vem para o primeiro plano.

“Minha mãe acha que eu vou virar uma bicha se colocar um alargador na orelha, mas a única coisa que eu posso virar é um homemsexual”, disse um adolescente ao apresentar o “alargador” como algo que poderia minimamente separá-lo dos ditos da mãe. Nesse caso, é interessante observar a equivocidade da língua, ou o equívoco de lalangue que leva esse jovem a escutar o significante homossexual como homemsexual (cf. Alberti, 2017Alberti, S. (2017). Dois. In M. Daquino (Org.), A diferença sexual: Gênero e psicanálise (pp. São Paulo: Agente Publicações., pp. 83ss). Tal equivocidade é o que lhe dá condições para a separação.

Presentificação do ser-para-o-sexo, subversão freudiana da filosofia, a adolescência é um tempo lógico de trabalho, impulsionado pelo real do encontro com o Outro sexo, acometido pelo Despertar da primavera (Wedekind, 1891/2008Wedekind, F. (2008). O despertar da primavera (3ª ed., M. A. S. Melo, Trad.) Lisboa: Editora Estampa. (Originalmente publicado em 1891) ), que interrompe “o sono de um Édipo adormecido” (Alberti, 2009Alberti, S. (2009). Esse sujeito adolescente (3a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Rios Ambiciosos., p. 20), quando a sexualidade se mostra como um desencontro, marcando que não há relação sexual.

Para Judith Butler (2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. (Originalmente publicado em 1990) ), o gênero seria somente um papel que se aprende de tanto repetí-lo, e o corpo materializaria o que da sexualidade é irrepresentável no gênero, mas se resignificaria na performance. Por sua vez, Lacan se questiona: “onde é que isso habita, o gozo? Do que ele precisa? De um corpo. Para gozar, é preciso um corpo” (Lacan, 1971-72/2012, p. 28Lacan, J. (2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Seminário proferido em 1971-72)). Poderíamos afirmar que é na adolescência o momento em que fica mais evidente o fato de que o sujeito não apenas tem um corpo, mas que ele é um corpo e que de sua relação enquanto sujeito, com esse corpo, surge o semblante. Seria este equivalente à noção de performance de Butler? Sem sair de seu âmbito próprio - a clínica de cada sujeito -, a psicanálise não pode deixar de dar sua contribuição a uma discussão que coloca em seu centro a questão da sexualidade, alçada por Freud, desde a fundação da psicanálise, à posição de causa e fundamento de toda atividade humana.

Diante do discurso médico, indagamos se a questão das “novas identidades de gênero” não está relacionada à conceituação da identificação no discurso psicanalítico, enquanto a questão sexo - no discurso médico sempre entendido a partir do biológico - na teoria psicanalítica já não tem mais nada de biológico.

Em psicanálise, a identificação é referida ao conceito de Eu, privilegiadamente uma instância identificatória, e poderia tamponar a emergência do sujeito que, segundo a teoria psicanalítica, só emerge enquanto tal lá onde fura as identificações. A sexualidade, por sua vez, aproxima o sujeito do campo pulsional, sempre parcial. “É nisso que está a carência essencial, a saber, aquela do que poderia representar no sujeito o modo, em seu ser, do que nele é macho ou fêmea” (Lacan, 1960/1998b, p. 863Lacan, J. (1998b). Posição do inconsciente. In Escritos (pp. 843-864). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Originalmente publicado em 1960) ). Não há acesso ao Outro do sexo oposto senão através das pulsões parciais, “onde o sujeito busca um objeto que lhe reponha a perda de vida que lhe é própria, por ele ser sexuado” (Lacan, 1960/1998b, p. 863Lacan, J. (1998b). Posição do inconsciente. In Escritos (pp. 843-864). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar . (Originalmente publicado em 1960) ), produzindo a assimetria fundamental na relação entre o homem e a mulher.

A experiência analítica demonstra que as questões de gênero e identificação não equacionam o impasse diante do sexo e da sexualidade. O que dizer e o que escutar na clínica com adolescentes hoje? Sigamos não procurando sentido, validando os furos. Os adolescentes continuam nos ensinando.

“Você só pode ser Hétero ou Homo se Experimentar as Duas Coisas” (Mila)

Para exemplificar de algum modo as questões clínicas que nos levaram à pesquisa cujo resultado é também esse texto, apresentaremos, em seguida, o que é possível dizer, até o momento, sobre o caso da adolescente que chamamos de Mila. Na medida em que, conforme as bases da teoria psicanalítica, a sexualidade do sujeito se inscreve desde sempre no Édipo, porque tem relação com o desejo, e que tem, segundo Freud, uma “segunda eflorescência” após o período de latência, com a chegada da puberdade, sexo, gênero, identificação e sexuação são conceitos que a clínica com adolescentes nos permite observar no momento mesmo em que são questionados, numa “travessia das aparências” (Alberti, 2009Alberti, S. (2009). Esse sujeito adolescente (3a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Rios Ambiciosos.). Com a queda das identificações, o sujeito se confronta com os impasses da impossibilidade de uma relação de completude entre os sexos, com suas anedotas a que tem acesso por ser de linguagem.

A primeira pessoa a trazer Mila (nome fictício) para atendimento foi a avó materna, que pedia ajuda para sua neta, que há meses não conseguia sair de casa, pois, quando saía, tinha “crises de pânico”. Além disso, não ia à escola, dizia querer ficar sozinha com a mãe e que desejava morrer. Apesar disso, descreve a neta como uma menina que sempre foi muito inteligente, que se destaca em classe e em concursos escolares. Foi apenas na segunda entrevista que a mãe de Mila acompanhou sua filha. Descreveu sua filha como “uma mãezona”, sempre disposta a ajudar e a ouvir a todos, mas que esquece de si mesma. Excelente aluna, nunca foi uma adolescente rebelde. Única filha do casal que a gerou, quando nasceu a mãe já tinha três filhos homens e o pai já tinha um casal de filhos. “Fui mãe velha”, ela diz. Nunca quisera ter uma filha por considerar que “mulheres sempre sofrem muito”, principalmente “por homens”, mas, paradoxalmente, achava que o problema da filha é “falta de homem” e que a filha ficaria melhor no caso de arrumar um namorado. Acrescenta ainda sobre o jeito da filha: “desde pequena ela parece um menino” (sic).

Mila, tentando descrever o que ela chama de “crises de pânico”, diz que, quando sai na rua, de repente todas as pessoas parecem “mascarados”, tudo fica “enevoado” - o que ela associaria com o medo que tinha, quando criança, durante o Carnaval, por causa das máscaras que as pessoas usavam. Seu coração dispara, as pernas tremem e ela sente que irá morrer. Conta que já pensou em se matar várias vezes: “só não me matei ainda por covardia mesmo. Pensei: ‘ah não... morrer deve doer muito’, aí eu desisti”. Tentando localizar o início de seus sintomas, conta que fez seu ensino fundamental todo numa mesma escola, onde era amada pelos professores por ser “a mais inteligente”, porém era conhecida pelos amigos como a “Mila fragilzinha”, “tímida”, e tinha apenas dois amigos. Foi a única que passou para cursar o ensino médio numa escola modelo, a qual tinha uma particularidade: à medida que os nomes dos aprovados eram divulgados, a diretora adicionava-os a uma página, criando uma turma no Facebook. Desta maneira, antes do encontro físico, todos os alunos já se conheciam virtualmente. Foi assim que Mila, utilizando-se da proteção do computador, viu a “oportunidade perfeita para ser outra pessoa” (sic). Mostrava, em sua linha do tempo (fotos, histórias e experiências que contam a vida do sujeito no Facebook), ser uma menina extrovertida, cheia de amigos, simpática... Com isso, conseguia muitas “curtidas”. Quando realmente chegou à escola, sustentou aquela situação por algum tempo e vivia cercada de amigos, mas passou a se sentir só: “e aí a máscara caiu... Me vi sozinha e infeliz e voltei a ser eu mesma”.

Depois da primeira entrevista, Mila não retornou por duas semanas. Quando regressou, disse que teve “crises de pânico” ainda mais sérias, “crises horríveis”. Nesses momentos, precisava de um “rosto familiar”, que tinha que ser o da mãe. “Sempre foi assim: quando fico doente é dela que eu preciso. Preciso ver o rosto dela. Se começo a melhorar, ela vem com as patadas dela”. O conflito entre mãe e filha, no entanto, foi bem evidente desde o início. Sua mãe a apelidou de “Mila, coração de gelo”, justamente porque ela olhava para a mãe e dizia: “eu não gosto de você”. Quando Mila aborda o assunto em entrevista sozinha, diz não gostar da mãe por não confiar nela e por não a ter como uma amiga: “ela é só uma companhia, sempre gostei mais do meu pai”. Seria o troco da filha para a afirmação da mãe que diz com todas as letras que não a quis?

O pai vivia separado da mãe e acabou falecendo há três anos por problemas cardíacos pelos quais fora hospitalizado. A filha não quis ir ao hospital, nem ao enterro. Nas palavras da mãe: “Mila não derramou nem uma lágrima”. Se o pai sofria do coração, a filha tinha “um coração de gelo”.

Quando vivo, segundo Mila, a mãe sempre atrapalhou tudo e não gostava do fato de Mila gostar do pai. Havia uma cena que sempre se repetia quando era criança: o pai ligava avisando que ia buscá-la e ela dizia querer ir com o pai, mas, quando o pai aparecia na porta de casa, ela já não sabia mais se queria ir, também não sabia se queria ficar... Saía correndo e se trancava no quarto. O pai voltava para casa sem ela. Com o tempo, passou a ir para a casa do pai quase todo final de semana, mas a mãe sempre ligava para perguntar: “ele está passando a mão em você?”. Ela conta que isso era muito aterrorizante: “como minha própria mãe podia me fazer imaginar isso do meu pai?’.

Os atendimentos a Mila não eram contínuos, pois ela desaparecia. Depois de quase um mês sem atendê-la, apenas trocando mensagens por celular, Mila aparece como um menino. Cortou o cabelo e está com roupas de menino. Ela diz: “cortei Joãozinho. Estava de saco cheio daquele cabelão”. Conta que resolveu “experimentar uma menina”: “lembra que eu te falei que você só pode ser hétero ou homo se experimentar as duas coisas?”. Ela também fala sobre Ana, sua namorada: é uma menina “muito sofrida”. A mãe de Ana, quando descobriu que a filha era lésbica, colocou-a para fora de casa. Quando pequena, morou com o pai e uma madrasta, que apagava seus cigarros no corpo da enteada: “ela é muito traumatizada”. “Que escolha!”, observa a analista. Ela, dando-se conta, afirma: “é... Deve ser porque somos muito parecidas. Me apaixonei por ela por causa dos textos que ela me manda. Eu adoro escrever para as pessoas, mas ninguém nunca me escreveu nada. Minha mãe nunca me deixou um bilhetinho de amor. A Ana me envia textos lindos, você tinha que ler... Me sinto amada pelo que ela escreve”.

Depois de um tempo sem aparecer novamente, envia uma mensagem num domingo de madrugada pedindo para ser atendida urgentemente. Conta que tentou se matar por não aguentar mais o “desprezo” da mãe: “eu queria fazer falta. Já que nunca fiz... Penso nisso desde que soube que ela queria me abortar porque eu era menina. Ela nunca quis ter uma filha mulher”. Na mesma sessão, conta ter decidido mudar de escola. A diretora, contrária a essa decisão, já dissera à Mila que fora dessa escola-modelo, ela sofreria muito preconceito por ser do jeito que é, pois, nessa escola, oitenta por cento dos alunos são gays, lésbicas ou bissexuais e todos se aceitam.

Ainda assim, Mila estava irredutível e optou por trocar de escola. Em suas palavras, dizia querer abandonar tudo aquilo que em nada combinava com o que ela sentia agora: “preciso construir minhas respostas”, ela disse antes de voltar a sumir novamente. Quando volta, já está morando com a avó materna. Com o cabelo pintado de loiro, shortinho curto e uma blusa decotada, agora tem um namorado, um menino “frágil”, que faz tudo que ela quer. Mila subjuga o namorado: “ele é meio bobo, meio covarde”. Ele gostaria de estudar artes, mas ela acha que isso não dá futuro e o impede.

Novamente, a menina some por semanas e, quando volta a aparecer, está com o cabelo pintado de azul. Confrontada à pergunta sobre se essa nova forma de se apresentar trazia alguma referência ao filme Azul é a cor mais quente?, ela responde com outra pergunta: “aquele que têm duas lésbicas se pegando? Claro que não! Que nojo!”. Conta que, embora não tenha assistido ao filme, leu algumas reportagens, nas quais as atrizes se diziam violentadas, porque o diretor pediu para que elas gravassem muitas vezes. “Como eu poderia assistir a isso?”, Mila pergunta. Conta que só retornou aos atendimentos por uma questão: continua com o namorado, mas as pessoas acham que ela é lésbica: “por que, mesmo tendo um homem ao meu lado, as pessoas continuam achando que sou lésbica? Eu não gosto de mulher. Eu me assumi, mas já me desassumi!”.

Depois de uma longa ausência, envia uma mensagem por celular: “aqui é sua paciente mais cabuladora de consultas. Escrevo para agradecer e para te falar que passei no Vestibular!”. Segundo Mila, foi a partir das consultas e por tê-la aceitado como ela era que se “inspirou” a querer ir para a universidade. Além disso, afirma que a analista “foi uma peça muito importante em seu quebra-cabeça”, e que, caso não tivesse havido esse encontro, pensa que teria continuado perdida e confusa: “eu continuaria a ser uma menina dependente e sem voz”.

Discussão do Caso

O caso relança as questões trabalhadas no artigo e testemunha sobre: (1) o fato de que não há uma inscrição a priori na sexuação, o sujeito precisa tomar posição; (2) as opções que estão dadas na cultura atual não são sem consequências para a maneira pela qual um sujeito adolescente se questiona hoje; (3) a posição subjetiva na partilha dos sexos não é sem relação com as profundas questões que o sujeito se coloca sobre seu lugar para o Outro; (4) mas há algo que ele precisa escolher na vertente da separação do Outro e que o implica como ser sexuado; e (5) a importância de um encontro com um analista, quando este não se coloca na posição de quem tem um saber, mas, em função de sua função e abstinência, permite que um sujeito construa sua própria resposta, seja ela qual for.

Por que tantos reposicionamentos? Diante da cultura atual, segundo Mila, “Você só pode ser hétero ou homo se experimentar as duas coisas”. Mesmo que não o experimente do modo como Mila o fez, a questão se coloca para cada adolescente de maneira consciente, o que não quer dizer que todos os adolescentes de hoje tenham a liberdade de procurar respondê-la do jeito como fez Mila. Das novelas televisivas às relações com outros adolescentes, o mundo atual já não acoberta relações homossexuais para um adolescente diante dele. Se ainda há os que se escandalizam, e mesmo adultos que vociferam contra cenas em que a homossexualidade é transmitida para a sala de visitas através da televisão e jovens que atacam homossexuais, inclusive fisicamente e, não raro, mortalmente, nas ruas, é preciso dizer que, nem mesmo esses sujeitos têm como escapar à questão.

Veja-se a cena do pai de Ricky Fitts, em American Beauty, de Alan Ball e Sam Mendes, no filme de 1999. O coronel Fitts, aposentado da marinha, atribui ao filho uma homossexualidade que, na realidade, é dele mesmo e com a qual teria que se haver (cf. Alberti, 2004Alberti, S. (2004). O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor.).

Se ainda, normalmente, a anatomia decide o registro civil, ela não comanda o desejo, nem a pulsão. O registro civil é traço unário que marca o sujeito, sim, mas, no momento em que o identificamos com o desejo, no momento em que o escrevemos “S”, Esse [Es, em alemão], Esse barrado [$], esse sujeito é também da pulsão e nela, já dizia Freud, o objeto é o que há de mais variável (Freud, 1915/2006Freud, S. (2006). Os instintos e suas vicissitudes. In J. Strachey (Ed.), Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 14, pp. 117-146). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Originalmente publicado em 1915) ).

É interessante observar que justamente traços unários dessa ordem, insígnias do que estava dado, máscaras que se impunham, era o que tanto perturbava Mila: as máscaras que transformavam os foliões do Carnaval em assassinos, a paradoxal máscara da mãe e a máscara que a mãe imaginava do pai, a própria máscara que assumiu quando Mila se via tímida e sem amigos. Contudo, Mila começou a se dar conta de que eram apenas máscaras, ela também poderia usar máscaras, ser a mais cotada e curtida dentre as colegas da nova escola... é possível brincar com as máscaras... e é possível deixar cair uma máscara.

Quando isso se tornou mais claro para Mila, a partir de sua análise, o trabalho que se impôs para ela dizia respeito a rever sua posição como ser - “já não ser uma menina dependente e sem voz” - diante do que nem sempre é possível dizer. Há algo do ser que escapa ao dizer, ao saber, ao ver e ao audível.

Esse ser, que na peça de Wedekind (1891/2008)Wedekind, F. (2008). O despertar da primavera (3ª ed., M. A. S. Melo, Trad.) Lisboa: Editora Estampa. (Originalmente publicado em 1891) se vê sustentado pela inusitada presença do Homem mascarado, apenas uma máscara que o remete ao que já não é seu pai, e sim ao que há nele próprio a decidir: precisa construir suas próprias respostas que, por implicarem o insabido, provavelmente não serão necessariamente definitivas. Quando a pulsão imprime seu caráter à sexualidade, amor, desejo e gozo são funções que vacilam.

Conclusão

No hospital, podemos observar o tensionamento presente em duas abordagens diferenciadas das questões da sexualidade. Se, de um lado, temos o modelo biomédico, que se caracteriza por uma definição binária e rígida da diferença entre os sexos, classificando as sexualidades que não se enquadram no modelo dicotômico como disforia de gênero; de outro, temos o atravessamento das teorias de gênero. Estas, por terem uma natureza questionadora, proporcionam uma inequívoca complexidade no que seria a bipartição sexual, tornando mais complexas e escorregadias as categorizações e rótulos. Na especificidade do hospital em que trabalhamos, nos é dada a oportunidade de uma dialetização dessa mesma dicotomia, permitindo a entrada do discurso da psicanálise a ressignificar a própria clínica. Ao mesmo tempo, essa oportunidade exige uma releitura da própria psicanálise, o que tentamos introduzir aqui.

O adolescente é o ser-para-o-sexo por excelência, porque, ao contrário do ser-para-a-morte com o qual se ocupa a filosofia (cf. Lacan, 1967/2003Lacan, J. (2003b). Radiofonia. In Outros escritos (pp. .403-447). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar .), o sujeito adolescente em análise vive as escansões tão bem presentificadas pelo caso Mila, em que as idas e vindas são cortes com elaboração não apenas do amor, mas também do desejo e do gozo, na pergunta sobre as formas de exercer sua sexualidade. Amor, no registro do imaginário, desejo, no registro simbólico, e gozo, no registro do real. O momento disruptivo de angústia, apontado pela própria Mila, foi quando sua “máscara caiu”. Mas porque havia a possibilidade de falar disso em análise, inúmeras questões, da mãe que não a quis, ao pai com quem se identificava, puderam aparecer. E na medida em que, a partir do discurso psicanalítico, não há sujeito sem sexo, da mesma forma como não há sujeito sem política em qualquer que seja o discurso, não há por que a psicanálise com adolescentes deixar de se aprofundar nisso.

Talvez acabemos mesmo nos deparando com o fato de uma feminização, como aponta Carneiro Ribeiro (2011Carneiro Ribeiro, M. (2011). Um certo tipo de mulher. Rio de Janeiro, RJ: 7 letras.) quando diz que apostar no discurso analítico, na força da contribuição que ele traz para o novo século, é apostar na posição feminina, no não-todo, na incompletude, no furo do saber.

Separado irremediavelmente do Outro, desamparado, só resta ao sujeito do inconsciente buscar recuperar na fantasia aquele pequeno resto - um olhar cego, uma voz inaudível - que seria o complemento de seu ser. Caso se disponha a pagar o preço de ir ao encontro de sua verdade, poderá, talvez, encontrar um novo saber e um espaço para a criação. Apostar na psicanálise também é apostar na palavra, na escrita, na fala de amor. Sem dúvida, uma aposta feminina. (p. 188)

Em psicanálise, trata-se de passar de uma lógica da identidade a uma lógica da posição de gozo, e isto independe da anatomia, inscreve-se no campo da escolha, logo da responsabilidade. Do que Mila não se furtou.

São casos como o dela e aos quais temos acesso em ambulatórios públicos como o do hospital em que trabalhamos que exigem um afinamento da teoria psicanalítica a que não podemos nos furtar. Mas tal afinamento só ocorre se retomamos os textos que nos orientam, que introduzem os fundamentos da psicanálise conceitualmente e eticamente, para que sempre levemos em conta que a política da própria psicanálise é aquela que aposta na subversão do sujeito. No contexto em que atuamos, é a subversão do sujeito adolescente que nos ensina a avançar na teoria.

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    * Apoio: CNPq; FAPERJ

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2017
  • Revisado
    02 Out 2017
  • Aceito
    09 Out 2017
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