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A Participação de Crianças entre os Três e os Cinco Anos em Casa e na Comunidade

Resumo

O presente estudo tem como objetivo descrever a participação de crianças entre os três e cinco anos de idade em casa e na comunidade, comparando crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do Sistema Nacional de Intervenção Precoce para a Infância com crianças não elegíveis e sem apoio, em três dimensões: funcionalidade da criança, participação da criança e perceção de barreiras ambientais em ambos os contextos. Os dados acerca da funcionalidade da criança foram recolhidos com recurso às educadoras de infância e da participação e barreiras ambientes com recurso aos pais. Informações sociodemográficas também foram recolhidas. Neste estudo, participaram 40 educadoras de infância e 116 crianças (e os seus pais), das quais 42 eram elegíveis e tinham apoio da Educação Especial e/ou do Sistema Nacional de Intervenção Precoce para a Infância. Os resultados indicaram que as crianças elegíveis e com apoio apresentam níveis mais baixos de funcionalidade, participam menos frequentemente e estão menos envolvidas nas atividades de casa e da comunidade e que os seus pais percebem mais barreiras ambientais nos contextos. Os resultados foram analisados e discutidos à luz do Modelo Biopsicossocial.

Palavras-chave:
barreiras ambientais; inclusão social; participação

Abstract

The main goal of the present study was to document the participation of preschool children at home and in the community setting, describing the differences between eligible children with support of Special Education Service and/or of the Early Intervention System and noneligible children, in three main dimensions: child functioning, child participation and perceived environmental barriers. Data about child functioning was collected through preschool teachers and about participation and barriers through parents. Sociodemographic data was also collected. Forty preschool teachers and 116 children (and their parents) participated in this study. Forty-two children were eligible and had support from Special Education Service and/or of the Early Intervention System. The results showed that eligible children have lower levels of functionality, participate less frequently and are less involved in the activities at home and in the community setting and that their parents perceive more environmental barriers in both settings. The results were analysed considering the Biopsychosocial Model.

Keywords:
environmental barriers; social inclusion; participation

A participação é um conceito multidimensional (Almqvist et al., 2007Almqvist, L., Uys, C. J. E., & Sandberg, A. (2007) Patterns of engagement of children with and without developmental delay. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, 3(1), 65-75. doi:10.1111/j.1741-1130.2006.00054.x
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), definido pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.) como “o envolvimento numa situação de vida real” (p. 10). O conceito de participação encontra-se relacionado com o envolvimento em atividades de vida diária, jogo e socialização com os pares, permitindo à criança o desempenho de diferentes papéis (Almqvist et al., 2007Almqvist, L., Uys, C. J. E., & Sandberg, A. (2007) Patterns of engagement of children with and without developmental delay. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, 3(1), 65-75. doi:10.1111/j.1741-1130.2006.00054.x
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). Desta forma, requer que a criança tenha um leque diversificado de experiências em múltiplas situações e interaja com diferentes pessoas. Assim, para as crianças experienciarem níveis elevados de participação, é necessário que estejam incluídas em diferentes contextos físicos e sociais e participem em atividades diversificadas (Eriksson et al., 2007Eriksson, L., Welander, J., & Granlund, M. (2007) Participation in everyday school activities for children with and without disabilities. Journal of Developmental and Physical Disabilities, 19(5), 485-502. doi:10.1007/s10882-007-9065-5
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). O presente estudo pretende documentar a participação de crianças dos três aos cinco anos em atividades nos contextos de casa e da comunidade e as barreiras que encontram nos contextos, comparando crianças com e sem incapacidade.

Segundo Almqvist e colaboradores (2007Almqvist, L., Uys, C. J. E., & Sandberg, A. (2007) Patterns of engagement of children with and without developmental delay. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, 3(1), 65-75. doi:10.1111/j.1741-1130.2006.00054.x
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), a promoção da funcionalidade positiva, aprendizagem e mestria ocorre por meio de um processo de envolvimento, participação e experiências de fluxo, relacionadas com a motivação e a satisfação da criança, em interação com o ambiente. Nesse sentido, o conceito de participação tem sido estudado na literatura científica por ser considerado um fator promotor do desenvolvimento, com influência na aprendizagem. Para além disso, a participação tem revelado um impacto positivo na saúde e no bem-estar (Law, 2002Law, M. (2002). Participation in the occupations of everyday life. American journal of Occupational Therapy, 56, 640-9. doi:10.5014/ajot.56.6.640 ·
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), na independência, no desempenho escolar e na inclusão social de crianças e jovens com incapacidade (Simeonsson et al., 2001Simeonsson, R.J., Carlson, D., Huntington, G., McMillen, J., & Brent, J. (2001) Students with disabilities: A national survey of participation in school activities. Disability and Rehabilitation, 23(2), 49-63. doi:10.1080/096382801750058134
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). De fato, a participação tem sido considerada uma operacionalização das transações entre a pessoa e o ambiente, com resultados positivos na saúde e bem-estar, no desenvolvimento e na aprendizagem (Imms & Granlund, 2014Imms, C., & Granlund, M. (2014). Participation: Are we there yet…. Australian occupational therapy journal,61(5), 291-292. doi:10.1111/1440-1630.12166
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; Imms et al., 2017Imms, C., Granlund, M., Wilson, P. H., Steenbergen, B., Rosenbaum, P. L., & Gordon, A. M. (2017). Participation, both a means and an end: a conceptual analysis of processes and outcomes in childhood disability. Developmental Medicine & Child Neurology, 59(1), 16-25. doi:10.1111/dmcn.13237
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).

O conceito de participação e sua definição tem sido alvo de debate na literatura científica (Coster & Khetani, 2008Coster, W., & Khetani, M. A. (2008). Measuring participation of children with disabilities: issues and challenges. Disability and rehabilitation, 30(8), 639-648. doi:10.1080/09638280701400375
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; Granlund, 2013Granlund, M. (2013). Participation-challenges in conceptualization, measurement and intervention. Child: care, health and development, 39(4), 470-473. doi:10.1111/cch.12080
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). Contudo, existe algum consenso na sua operacionalização em duas dimensões: a frequência de participação nas atividades em contextos naturais e o nível de envolvimento da criança nessas atividades (Granlund, 2013Granlund, M. (2013). Participation-challenges in conceptualization, measurement and intervention. Child: care, health and development, 39(4), 470-473. doi:10.1111/cch.12080
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; Imms & Granlund, 2014Imms, C., & Granlund, M. (2014). Participation: Are we there yet…. Australian occupational therapy journal,61(5), 291-292. doi:10.1111/1440-1630.12166
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; Imms et al., 2017Imms, C., Granlund, M., Wilson, P. H., Steenbergen, B., Rosenbaum, P. L., & Gordon, A. M. (2017). Participation, both a means and an end: a conceptual analysis of processes and outcomes in childhood disability. Developmental Medicine & Child Neurology, 59(1), 16-25. doi:10.1111/dmcn.13237
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). Ambas dimensões têm sido retratadas como fundamentais no desenvolvimento das crianças, especialmente em idades precoces (Aydoğan et al., 2015Aydoğan, C., Farran, D. C., & Sağsöz, G. (2015). The relationship between kindergarten classroom environment and children's engagement. European Early Childhood Education Research Journal, 23(5), 604-618. doi:10.1080/1350293X.2015.1104036
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).

As visões acerca do desenvolvimento humano evoluíram de unidirecionais e lineares, advogando a influência única da natureza ou do meio, para perspectivas multidirecionais, transacionais e dinâmicas, que consideram o indivíduo enquanto agente e resultado de influências mútuas de fatores biológicos e sociais, ao longo do tempo (Sameroff, 2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture.Child development,81(1), 6-22. doi:10.1111/j.1467-8624.2009
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). Sameroff (2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture.Child development,81(1), 6-22. doi:10.1111/j.1467-8624.2009
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) realça que, para estudar as trajetórias desenvolvimentais do ser humano de forma integrada e compreensiva, devem ser considerados quatro modelos. Em primeiro lugar, o autor refere o modelo de mudança pessoal, necessário para a compreensão da aquisição de competências progressivamente mais complexas, desde a infância até a idade adulta. Em segundo lugar, o modelo contextual pretende explicar o impacto direto ou indireto das experiências da pessoa em desenvolvimento, inserida em múltiplos contextos sociais, tal como Bronfenbrenner (1979Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development: Experiments by natural and design. Cambridge: Harvard University Press.) preconiza na sua teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano. Em terceiro lugar, Sameroff (2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture.Child development,81(1), 6-22. doi:10.1111/j.1467-8624.2009
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) aponta o modelo de regulação (biológica, psicológica e social), que acrescenta a perspectiva dos sistemas dinâmicos na conceitualização da relação entre o indivíduo e o meio. Por último, o modelo representacional é responsável pela codificação e interpretação das experiências do aqui e agora em estruturas cognitivas, com níveis superiores de abstração.

Nesse sentido, Sameroff (2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture.Child development,81(1), 6-22. doi:10.1111/j.1467-8624.2009
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) desenvolveu a Teoria da Unificação do Desenvolvimento Biopsicossocial. Esta perspectiva propõe uma relação interativa entre os processos psicológicos e biológicos, que em conjunto formam, de um modo integrado, o sistema biopsicológico do indivíduo. O domínio da autorregulação, por sua vez, interage com os diferentes contextos ecológicos e sociais envolventes, tais como a família, a escola, a comunidade e as influências políticas, econômicas e culturais. Importa ainda mencionar que o domínio das representações está presente em todos os aspetos interativos do modelo, tais como as crenças, as atitudes e as atribuições da criança, da família e dos contextos socioculturais. Esta perspectiva de análise, ao compreender aspetos inerentes ao indivíduo, ao meio e a relação entre estes, concebe, assim, o ser humano como um todo, uma entidade biopsicossocial em desenvolvimento. Finalmente, o autor acrescenta à teoria a dimensão tempo, de forma a considerar os processos de crescimento, as mudanças quantitativas e qualitativas, e as transições que ocorrem ao longo das trajetórias desenvolvimentais (Sameroff, 2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture.Child development,81(1), 6-22. doi:10.1111/j.1467-8624.2009
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).

A perspectiva da funcionalidade do Modelo Biopsicossocial, operacionalizada pela Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ; WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.), assume uma visão integradora, contextualizada e sistêmica das diferentes perspectivas de saúde (biológica, psicológica e social), enfatizando a relação dinâmica entre a criança e o meio (Almqvist et al., 2007Almqvist, L., Uys, C. J. E., & Sandberg, A. (2007) Patterns of engagement of children with and without developmental delay. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, 3(1), 65-75. doi:10.1111/j.1741-1130.2006.00054.x
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; Peterson et al., 2010Peterson, D., Mpofu, E., & Oakland, T. (2010). Concepts and Models in Disability, Functioning, and Health. In Mpofu, E and Oakland, T (Eds.), Rehabilitation and Health Assessment: Applying ICF Guidelines, (pp. 3-26). United States: Springer Publishing Company. ). Pressupõe-se que as variáveis da criança e as do meio físico e social podem constituir facilitadores ambientais (fatores que facilitam a participação nos contextos) ou barreiras ambientais (fatores que a dificultam) (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.).

Segundo o Paradigma Biopsicossocial, no processo de avaliação-intervenção, deve-se ter em consideração: (a) a pessoa e sua saúde (funções e estruturas físicas/mentais); (b) o ambiente, ou seja, os elementos físicos, psicológicos e sociais que, revelando-se adequados, constituem um facilitador ou, pelo contrário, se forem inadequados, representam uma barreira; e (c) a interação recíproca entre esses elementos, da qual resultam os conceitos de participação (que varia de completa a restrita) e o de realização de atividades (que varia de completa a limitada) (Felgueiras, 2009Felgueiras, I. (2009). The international classification of functionality, disability and health (ICF) and its contributions to the reconcetualization of disability and disability. In G. Portugal (Org.), Ideas, projects and innovation in the world of childhood: the path and presence of Joaquim Bairrão (pp. 47-62) [A classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) e seus contributos para a reconcetualização da deficiência e da incapacidade. In G. Portugal (Org.), Ideias, projectos e inovação no mundo das infâncias: o percurso e a presença de Joaquim Bairrão (pp. 47-62)]. Aveiro: Theoria Poiesis Praxis, Universidade de Aveiro.).

A Organização Mundial da Saúde define, no âmbito da CIF-CJ, a funcionalidade enquanto um constructo guarda-chuva, isto é, um constructo que engloba: (1) as funções e estruturas do corpo (as alterações dos sistemas fisiológicos ou das estruturas anatômicas); (2) as atividades e a participação (a execução de tarefas num contexto natural - noção de desempenho - ou padronizado - noção de capacidade). Segundo a mesma metáfora, a incapacidade é conceitualizada enquanto um termo chapéu, que alberga: (1) as deficiências (desvios, perdas ou problemas de funcionamento nas funções e nas estruturas do corpo); (2) as limitações da atividade e as restrições na participação (dificuldades ou problemas na concretização do pretendido) (WHO, 2007). Nesse sentido, o conceito de incapacidade integra, de uma forma contextualizada e sistêmica, aspetos biológicos, psicológicos e sociais, enfatizando a relação dinâmica entre o indivíduo e o meio (Almqvist et al., 2007Almqvist, L., Uys, C. J. E., & Sandberg, A. (2007) Patterns of engagement of children with and without developmental delay. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, 3(1), 65-75. doi:10.1111/j.1741-1130.2006.00054.x
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).

A inclusão de crianças e de jovens com incapacidade nos seus contextos de vida diária é assumida pelas diretrizes internacionais como um direito humano fundamental (Graham, 2014Graham, N. (2014). Children With Disabilities. Paper commissioned for Fixing the Broken Promise of Education for All: Findings from the Global Initiative on Out-of-School Children. Montreal: UNESCO Institute for Statistics (UIS).). As práticas recomendadas para a Intervenção Precoce pela Division for Early Childhood (2014Division for Early Childhood. (2014). DEC recommended practices in early intervention/early childhood special education. Retrieved from http://www.dec-sped.org/recommendedpractices.
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) dão relevância à promoção da participação da criança, por meio de uma intervenção centrada na família em ambientes naturais e inclusivos, focada na realização de adaptações e/ou de modificações nos ambientes físicos e sociais (Division for Early Childhood, 2014Division for Early Childhood. (2014). DEC recommended practices in early intervention/early childhood special education. Retrieved from http://www.dec-sped.org/recommendedpractices.
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). Mais ainda, as práticas recomendadas pela Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva (2014European Agency for Special Needs and Inclusive Education (2014). Five key messages for inclusive education. Putting theory into Pratice. Denmark: European Agency for Special Needs and Inclusive Education.) consideram como prioridades a eliminação de barreiras e a prestação de serviços e de apoios para potenciar “o envolvimento contínuo dos alunos e das suas famílias em experiências educativas” (p. 31).

De 2008 a 2018, a legislação portuguesa relativa à inclusão de crianças e de jovens com incapacidade contemplava um enfoque no seu direito à participação. O Decreto-Lei nº3/2008Decree-law nº3/2008. Defines the specialised support for preschool, primary and secondary education in the public, private and cooperative sectors, aiming at creating conditions for adequate education processes of students with significative limitations in activity and participation in one or several domains of school life [“Define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, privado e cooperativo visando a criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou em vários domínios da vida escolar”]. Diário da República, I Série, N. º 4, de 7 de Janeiro de 2008, pp. 154-164. (alterado em 2018) destinava-se a crianças e jovens entre 3 e 18 anos de idade com “limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente” (p. 155). Esse documento contemplava medidas de apoio específico no sistema educativo que visam “assegurar a sua maior participação nas atividades de cada grupo ou turma e da comunidade escolar em geral” (p. 155). No âmbito do Plano Educativo Individual (PEI) de cada aluno, era utilizado o referencial da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.) para elaborar um perfil de funcionalidade, que integrava não só os indicadores de funcionalidade, como também “os fatores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à atividade e participação do aluno na vida escolar” (p. 157).

O Decreto-Lei nº 281/2009Decree-law 281/2009. Creation of a National System for Early Childhood Intervention [“Criação de um Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI)”]. Diário da República, I Série, N. º 193, de 6 de Outubro de 2009, pp. 7298-7301., elaborado no âmbito da criação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI) e ainda em vigor, afirmou-se como “um instrumento político de maior alcance na concretização do direito à participação social” e considera como prioridade política “assegurar a todos o direito à participação e à inclusão social” (p. 7298). Essa legislação prevê a prestação de serviços de apoio integrado de Intervenção Precoce (IP), de natureza preventiva e reabilitativa, para crianças elegíveis dos 0 a 6 anos, e tem como objetivo principal “garantir condições de desenvolvimento das crianças com funções ou estruturas do corpo que limitam o crescimento pessoal, social e a sua participação nas atividades típicas para a idade, bem como das crianças com risco grave de atraso no desenvolvimento” (p. 7298). Deste modo, prevê a elaboração de um Plano Individual de Intervenção Precoce (PIIP), um documento orientador criado com e para a família, que deve ter em consideração “o potencial de desenvolvimento da criança, a par das alterações a introduzir no meio ambiente para que tal potencial se possa afirmar” (p. 7298).

No entanto, a literatura atual documenta que as crianças com incapacidade participam com menos frequência e com níveis menores de envolvimento nas atividades de casa e da comunidade do que as crianças sem incapacidade e que os seus pais identificam mais barreiras e menos suportes ambientais em ambos os contextos do que os pais de crianças com desenvolvimento típico (Anaby et al., 2014Anaby, D., Law, M., Coster, W., Bedell, G., Khetani, M., Avery, L., & Teplicky, R. (2014). The mediating role of the environment in explaining participation of children and youth with or without disabilities across home, school and community. Archives of Physical Medicine and Reabilitation, 95, 908-917. doi:10.1016/j.apmr.2014.01.005
https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.01.0...
; Bedell et al., 2013Bedell, G., Coster, W., Law, M., Liljenquist, K., Kao, Y.C., Teplicky, R., Anaby, D., & Khetani, M. (2013). Community Participation, Support and Barriers of School-Age Children With and Without Disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 94, 315-323. doi:10.1016/j.apmr.2012.09.024
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; Law et al., 2013Law, M., Anaby, D., Teplicky, R., Khetani, M. A., Coster, W., & Bedell, G. (2013). Participation in the home environment among children and youth with and without disabilities. The British Journal of Occupational Therapy, 76(2), 58-66. doi:10.4276/030802213X13603244419112
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; Lim et al., 2016Lim, C. Y., Law, M., Khetani, M., Pollock, N., & Rosenbaum, P. (2016). Participation in out-of-home environments for young children with and without developmental disabilities.OTJR: occupation, participation and health,36(3), 112-125. doi:10.1177/1539449216659859
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; Kang et al., 2017Kang, L. J., Hsieh, M. C., Liao, H. F., & Hwang, A. W. (2017). Environmental barriers to participation of preschool children with and without physical disabilities.International journal of environmental research and public health,14(5), 518. doi:10.3390/ijerph14050518
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). De fato, a presença de uma incapacidade constitui um fator que influencia negativamente a participação, nomeadamente ao nível da independência, do prazer da criança e da satisfação dos pais (Rosenberg et al., 2013Rosenberg, L., Bart, O., Ratzon, N.Z., & Jarus, T. (2013) Personal and Environmental Factors Predict Participation of Children With and Without Mild Developmental Disabilities. Journal of Child and Family Studies, 22, 658-671. doi:10.1007/s10826-012-9619-8
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).

Nesse sentido, tornou-se pertinente realizar um estudo de carácter exploratório acerca dos padrões de participação de crianças dos três aos cinco anos nos contextos de casa e da comunidade, comparando crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial, pelo Decreto-Lei nº 3/2008, e/ou do Sistema Nacional de Intervenção Precoce para a Infância (SNIPI), pelo Decreto-Lei nº281/2009, e crianças não elegíveis e sem apoio. O presente estudo pretendeu, então, descrever e documentar as diferenças entre os dois grupos de crianças, relativamente (1) aos seus níveis de funcionalidade, (2) aos seus níveis de participação (em termos de frequência de participação e de envolvimento) nas rotinas e nas atividades dos contextos de casa e da comunidade e (3) às barreiras ambientais percebidas pelos pais das crianças em ambos os contextos.

Método

Participantes

Participaram neste estudo 116 crianças da Grande Área Metropolitana do Porto, das quais 42 eram elegíveis e tinham apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI. Das 116 crianças da amostra, 83 pertenciam ao sexo masculino. As crianças tinham no mínimo 36 meses (3 anos) e no máximo 65 meses (5 anos e 5 meses) (M = 52.64; DP = 6.38). Das 42 crianças elegíveis, 34 eram do sexo masculino. Os diagnósticos das crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI eram diversificados e incluíam atraso global do desenvolvimento, perturbações do espetro do autismo, paralisia cerebral, síndrome de Down, atrasos da linguagem, hiperatividade, deficit auditivo e síndromes raras, como a síndrome de Kabuki, de Costello e de Cri-du-chat. A maior prevalência de elementos do sexo masculino no grupo de crianças com incapacidade é similar a estudos prévios (Lai et al., 2012; Grande, 2013Grande, C. (2013). Study of the impact of teacher-child interactions on the engagement of children with special educational needs in the context of daycare and kindergarten. [Estudo do impacto das interacções educadora-criança no envolvimento das crianças com necessidades educativas especiais em contexto de creche e de jardim-de-infância]. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.), que reportam um número maior de rapazes com incapacidade nas suas amostras.

As crianças, as famílias e as educadoras de infância foram recrutadas no âmbito de um projeto mais alargado acerca do envolvimento de crianças em contextos de educação de infância inclusivos. Para esse projeto, foram contactadas 524 crianças de 42 salas de educação de infância e 365 crianças foram autorizadas a participar pelos seus pais ou representantes legais. Em cada uma das salas de educação de infância, foram selecionadas para este estudo, por conveniência, 1 ou 2 crianças com incapacidade e 2 crianças sem incapacidade. Aceitaram participar neste estudo 116 crianças.

A informação foi recolhida recorrendo à mãe como informante-chave em 94 famílias, ao pai em 10 famílias, a ambos (pai e mãe) em 11 famílias e a outro elemento significativo para a criança em apenas uma família da amostra (a avó).

As mães tinham idades compreendidas entre 23 e 47 anos (M = 35.59; DP = 5.359) e os pais tinham idades compreendidas entre 25 e 64 anos (M = 38.02; DP = 6.584). Em média, os pais completaram 10 anos de escolaridade (M = 9.60; DP = 3.44) e as mães completaram 11 anos de escolaridade (M = 10.60; DP = 3.30). Os rendimentos mensais das famílias variaram entre valores inferiores a 500 € e valores superiores a 2.500 €, sendo que 62.9% das famílias tinham rendimentos mensais inferiores ou iguais a 1.250 €.

As educadoras de infância eram todas do sexo feminino e tinham, em média, 50 anos de idade (M = 49.79; DP = 6.70), 16 anos de escolaridade (M = 16.10; DP = 0.45) e 25 anos de experiência profissional em contextos de educação infantil (M = 25.46; DP = 7.24).

Instrumentos

Instrumento de avaliação da funcionalidade da criança. Com o intuito de documentar a funcionalidade das crianças, foram selecionados 6 itens da Matriz de Avaliação das Atividades e Participação (MAAP; Castro et al., 2013Castro, S., Pinto, A. I., & Figueiredo, A. (2013). Matrix of Activities and Participation Evaluation. Unpublished instrument. [Matriz de Avaliação das Atividades e Participação. Instrumento não publicado]. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.), relativos a 6 dos Code Sets das faixas etárias dos 0 aos 3 anos e dos 3 aos 5 anos do instrumento WHO ICF-CY Developmental Code Sets (Ellingsen & Simeonsson, 2011Ellingsen, K. M & Simeonsson, R. J. (2011). WHO ICF-CY Developmental Code Sets. Retrieved from http://www.icfcydevelopmentalcodesets.com/
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), que foram completados pelas educadoras de infância para cada uma das crianças participantes.

A MAAP (Castro et al., 2013Castro, S., Pinto, A. I., & Figueiredo, A. (2013). Matrix of Activities and Participation Evaluation. Unpublished instrument. [Matriz de Avaliação das Atividades e Participação. Instrumento não publicado]. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.) foi desenvolvida com referência à taxonomia da CIF-CJ (2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.) e permite a elaboração de um perfil de funcionalidade da criança em dimensões específicas do domínio Atividades e Participação e do componente Fatores Ambientais (Castro & Pinto, 2015Castro, S., & Pinto, A. I. (2015). Matrix for assessment of activities and participation: Measuring functioning beyond diagnosis in young children with disabilities. Developmental neurorehabilitation, 18(3), 177-189. doi:10.3109/17518423.2013.806963
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; WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.). Trata-se de uma medida de observação e avaliação do funcionamento da criança entre 2 e 6 anos e dos fatores ambientais circundantes nos contextos naturais (Castro & Pinto, 2015Castro, S., & Pinto, A. I. (2015). Matrix for assessment of activities and participation: Measuring functioning beyond diagnosis in young children with disabilities. Developmental neurorehabilitation, 18(3), 177-189. doi:10.3109/17518423.2013.806963
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).

O WHO ICF-CY Developmental Code Sets (Ellingsen & Simeonsson, 2011Ellingsen, K. M & Simeonsson, R. J. (2011). WHO ICF-CY Developmental Code Sets. Retrieved from http://www.icfcydevelopmentalcodesets.com/
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) foi construído com base nos domínios Funções do Corpo, Atividades e Participação e Fatores Ambientais da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.), com o intuito de facilitar a documentação da funcionalidade da criança com referência ao modelo ecológico, numa ótica multidimensional e multidisciplinar. A versão final consiste num número reduzido de códigos para cada domínio da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.), considerados essenciais para cada período desenvolvimental (Ellingsen, 2011Ellingsen, K. M. (2011). Deriving developmental code sets from the international classification of functioning, disability and health, for children and youth (ICF-CY). University of North Carolina at Chapel Hill. Unpublished PhD dissertation. ).

Na versão final do instrumento utilizado neste estudo, o educador assinalava, numa escala de 1 a 5, o desempenho da criança para cada item, sendo que o 1 correspondia a “não é capaz” e o 5 a “sem qualquer dificuldade” para cada dimensão da funcionalidade.

Instrumento de documentação da participação da criança e das barreiras ambientais. No sentido de proceder à documentação da participação da criança e da percepção de barreiras ambientais nos contextos de casa e comunidade, foi utilizada uma versão adaptada do instrumento Young Children's Participation and Environment Measure (YC-PEM; Khetani et al., 2013Khetani, M.A., Coster, W., Law, M. & Bedell, G.M. (2013) Young Children’s Participation and Environment Measure (YC-PEM). Fort Collins (CO): Colorado State University. ).

Na versão adaptada realizada no âmbito deste estudo, em cada tipo de atividade dos contextos de casa e da comunidade são fornecidos exemplos aos cuidadores e são avaliadas duas dimensões da participação da criança: (1) a frequência de participação (escala de 0 a 7 pontos, em que 0 significa Nunca e 7, Uma ou mais vezes por dia); e (2) o nível de envolvimento (escala de 5 pontos, em que 0 significa Não participa, 1 significa Não muito envolvido e 5, Muito envolvido).

No final das questões acerca da participação em cada contexto, os cuidadores avaliam o impacte de diferentes fatores ambientais (por exemplo, disposição física do contexto, exigências das atividades, legislação e políticas) e de recursos (transportes, informação, tempo, rendimentos, entre outros). O impacto dos fatores ambientais na participação é avaliado numa escala de 3 pontos, na qual 1 significa Ausência de barreiras/Habitualmente ajuda e 3, Habitualmente dificulta. Por sua vez, o impacto dos recursos ambientais na participação é avaliado numa escala de 3 pontos, em que 1 significa Não é necessário/Habitualmente sim e 3, Habitualmente não.

A versão final adaptada do instrumento foi preenchida em conjunto com o pai e/ou a mãe para cada uma das crianças.

Questionário sociodemográfico. A informação sociodemográfica sobre as crianças e as famílias foi recolhida através de um breve questionário preenchido em conjunto com o pai e/ou com a mãe da criança. O questionário incluía questões acerca da criança (idade, sexo) e dos pais (idade dos pais, ocupação, escolaridade e rendimentos mensais do agregado familiar).

Procedimento

Recolha de dados. A Direção Geral de Educação (nº 0535000001) e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (nº 16785/2015) autorizaram o presente estudo. Como tal, não foi necessária uma aprovação ética adicional pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Foram contactados e convidados a participar neste estudo 80 agrupamentos de escolas da Grande Área Metropolitana do Porto, com salas de educação infantil inclusivas, ou seja, que incluam nas suas salas uma ou mais crianças identificadas pelo Decreto-Lei nº 3/2008Decree-law nº3/2008. Defines the specialised support for preschool, primary and secondary education in the public, private and cooperative sectors, aiming at creating conditions for adequate education processes of students with significative limitations in activity and participation in one or several domains of school life [“Define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, privado e cooperativo visando a criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou em vários domínios da vida escolar”]. Diário da República, I Série, N. º 4, de 7 de Janeiro de 2008, pp. 154-164. (Educação Especial) e/ou pelo Decreto-Lei nº 281-2009Decree-law 281/2009. Creation of a National System for Early Childhood Intervention [“Criação de um Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI)”]. Diário da República, I Série, N. º 193, de 6 de Outubro de 2009, pp. 7298-7301. (SNIPI).

Depois de obtida a autorização das instituições, foi enviado para as famílias, por intermédio da educadora da sala, um consentimento informado de participação da criança no projeto de investigação, no qual eram expostos os principais objetivos do estudo e procedimentos éticos. A participação das educadoras, das famílias e das crianças no estudo tinha caráter voluntário e informado e os participantes tiveram direito ao esclarecimento pós-investigação, quando solicitado. A confidencialidade e o anonimato da informação fornecida pelas famílias e pelas educadoras de infância, bem como dos dados recolhidos, foram também assegurados.

O processo de recolha de dados decorreu entre fevereiro e junho de 2016. Numa primeira fase, foi realizado o preenchimento da medida de documentação da funcionalidade da criança, em conjunto com as educadoras do ensino regular. Em seguida, foram contactados os pais (ou cuidadores principais) das crianças no sentido de agendar uma reunião em contexto de escola ou domiciliário, consoante à disponibilidade da família e do contexto. Na reunião, o questionário sociodemográfico e a versão portuguesa adaptada do YC-PEM (Khetani et al., 2013Khetani, M.A., Coster, W., Law, M. & Bedell, G.M. (2013) Young Children’s Participation and Environment Measure (YC-PEM). Fort Collins (CO): Colorado State University. ) foram preenchidos em conjunto com as famílias.

Análise de dados. Para proceder ao tratamento estatístico da informação, foi utilizado o programa IBM SPSS Statistics para Windows, versão 22.

Numa primeira fase, procedeu-se às análises descritivas (frequências, médias e desvios-padrão) das variáveis da criança (sexo, idade, incapacidade) e dos pais (idade, escolaridade e rendimentos mensais), recolhidas com base no questionário sociodemográfico. Foram também realizadas análises descritivas (frequência, médias e desvios-padrão) da frequência de participação das crianças nas atividades em casa e na comunidade, assim como da frequência de identificação de barreiras ambientais pelos pais.

Para proceder à análise dos dados obtidos pela versão adaptada do instrumento YC-PEM (Khetani et al., 2013Khetani, M.A., Coster, W., Law, M. & Bedell, G.M. (2013) Young Children’s Participation and Environment Measure (YC-PEM). Fort Collins (CO): Colorado State University. ), criaram-se variáveis compósitas, tal como sugerido em Bedell e colegas (2013Bedell, G., Coster, W., Law, M., Liljenquist, K., Kao, Y.C., Teplicky, R., Anaby, D., & Khetani, M. (2013). Community Participation, Support and Barriers of School-Age Children With and Without Disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 94, 315-323. doi:10.1016/j.apmr.2012.09.024
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). Deste modo, foi necessário realizar um teste à consistência dos itens que constituiriam cada variável. Utilizou-se, então, o coeficiente alfa de Cronbach, a estratégia mais frequentemente utilizada para aferir a consistência de uma medida (Field, 2015Field, A. (2015). Discovering statistics using IBM SPSS statistics (4th Edition). London: Sage.).

Numa primeira instância, torna-se relevante explicar que não foram considerados, para o cálculo do coeficiente alfa de Cronbach da frequência de participação em casa, os itens relativos às rotinas de cuidados básicos do contexto de casa, uma vez que a sua variabilidade era nula, exceto na rotina lavar-se. Deste modo, os pais indicaram que todas as crianças participavam nessas rotinas, todos os dias. Porém, o envolvimento nestas rotinas diárias foi contemplado na variável compósita do envolvimento no contexto de casa.

Após a realização de uma análise descritiva preliminar das frequências de cada um dos itens, foi possível concluir que mais de 65% das crianças nunca tinham participado nas seguintes atividades da comunidade: (1) atividades organizadas (que incluíam, por exemplo, aulas de grupo de arte e música, grupos para aprendizagem sobre a natureza, escuteiros); (2) atividades físicas organizadas (que incluíam, por exemplo, aulas de dança, natação, futebol, equitação); e (3) atividades ou encontros religiosos (que incluíam, por exemplo, ir à igreja ou outro lugar de culto). Portanto, optou-se por desde logo não considerar esses indicadores para a avaliação da consistência interna das escalas de frequência de participação e de envolvimento nas atividades da comunidade.

Na Tabela 1 e 2, são apresentadas as descrições das variáveis compósitas, os respetivos coeficientes alfas de Cronbach que variaram entre α = 0,58 e α = 0,75. Nas tabelas, são ainda apresentados os resultados descritivos (média, desvio-padrão e amplitude) da frequência de participação, envolvimento e barreiras ambientais em casa (Tabela 1) e na comunidade (Tabela 2). As atividades englobadas na medida de participação e as barreiras ambientais específicas são apresentadas na Tabela 1 (casa) e na Tabela 2 (comunidade).

Tabela 1
Descrição das variáveis compósitas para a participação e barreiras ambientais em casa

Tabela 2
Descrição das variáveis compósitas para a participação e barreiras ambientais na comunidade

Posteriormente, procedeu-se à comparação dos dois grupos de crianças (C1 - crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - e C2 - crianças não elegíveis e sem apoio) ao nível da funcionalidade (relativamente ao escore global e aos seis Developmental Code Sets), da participação nos contextos de casa e da comunidade e da percepção de barreiras ambientais pelos pais. Dada a dimensão dos grupos e a diferença de tamanho entre os dois grupos de crianças, recorreu-se ao teste não paramétrico de Mann-Whitney, correspondente ao teste t para amostras independentes.

Os resultados foram interpretados com base na magnitude de diferenças entre grupos, calculada mediante a conversão dos valores Z em valores r por meio da fórmula sugerida por Rosenthal (1991Rosenthal, R. (1991). Meta-analytic procedures for social research (revised edition). Newbury Park, CA: Sage. doi:10.4135/9781412984997
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) e recomendada por Field (2015Field, A. (2015). Discovering statistics using IBM SPSS statistics (4th Edition). London: Sage.).

Resultados

Perfil de funcionalidade

De acordo com a avaliação das educadoras de infância, as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - têm níveis mais baixos de funcionalidade (Mdn = 16,00) do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 23,00) (U= 2.679,00; z = 6,37; p <0,001; r = 0,59). Desta forma, é possível verificar um tamanho do efeito grande, uma vez que r > 0,50 (Field, 2015Field, A. (2015). Discovering statistics using IBM SPSS statistics (4th Edition). London: Sage.).

Na Figura 1, observam-se as diferenças entre os dois grupos, para cada um dos seis Developmental Code Sets. Como é possível verificar, encontram-se diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos de crianças nos seis Developmental Code Sets, com efeitos de pequenos a moderados. De acordo com as educadoras de infância, registam-se as maiores diferenças entre as crianças elegíveis e não elegíveis nos Developmental Code Sets relativos à concentração da atenção [b140] e educação infantil [d815], e as menores diferenças nos Developmental Code Sets relativos à aquisição de conceitos [d137] e realização de uma única tarefa [d210].

Figura 1.
Diferenças entre as crianças (C1 e C2) ao nível do perfil de funcionalidade

Participação e envolvimento em casa e na comunidade

De acordo com os pais, as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - participam menos frequentemente nas rotinas e nas atividades do contexto de casa (Mdn = 5,44) do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 6,10) (U = 2.134,50; z = 3,39; p <0,001; r = 0,32; tamanho do efeito moderado).

De acordo com os pais, as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - participam menos frequentemente nas atividades da comunidade (Mdn = 3,19) do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 3,63) (U = 1.826,50; z = 1,99, p = 0,046, r = 0,19; tamanho do efeito pequeno).

Ao nível de envolvimento nas rotinas e atividades no contexto de casa, as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - têm níveis de envolvimento menores (Mdn = 3,54) do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 4,00) (U = 2.180,50; z = 3,50; p <0,001, r = 0,32; tamanho do efeito moderado).

Para além disso, na perspectiva dos pais, as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - têm níveis de envolvimento menores nas rotinas e nas atividades do contexto da comunidade (Mdn = 2,63) do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 3,63) (U = 2.131,00; z = 3,21; p =0,001; r = 0,30; tamanho do efeito moderado).

Percepção de barreiras ambientais pelos pais

Os pais das crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - percebem mais barreiras ambientais no contexto de casa (Mdn = 1,29) do que os pais das crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 1,08) (U = 747.000; z = -4,81; p< 0,001; r = -0,45; tamanho do efeito grande).

Os pais das crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI - C1 - percebem mais barreiras ambientais na comunidade (Mdn = 1,45) do que os pais das crianças não elegíveis e sem apoio adicional - C2 - (Mdn = 1,12) (U = 572.500; z = -5,48, p< 0,001; r = -0,51; tamanho do efeito grande).

Discussão

Os resultados obtidos neste estudo contribuem para a documentação dos níveis de funcionalidade, de participação de crianças entre os três e cinco anos de idade em casa e na comunidade e das barreiras ambientais percebidas pelos seus pais. Neste estudo, procuramos descrever e documentar as diferenças entre as crianças entre 3 e 5 anos elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI e as crianças não elegíveis e sem apoio adicional, ao nível de: (1) funcionalidade - Estatuto de Saúde e de Desenvolvimento da Criança; (2) frequência de participação e do envolvimento nas rotinas e nas atividades - Participação em casa e na comunidade; e (3) percepção de barreiras ambientais pelos pais - Ambiente em casa e na comunidade. Nesse sentido, optamos por organizar a discussão dos resultados de acordo com o Modelo Biopsicossocial da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.), uma vez que considera: (a) a criança e a sua saúde - Condição de saúde e Funções e Estruturas do Corpo; (b) o meio ambiente - Fatores Ambientais e Fatores Pessoais; e (c) a interação recíproca entre estes elementos, da qual resultam as atividades e a participação da criança nos contextos do cotidiano (Felgueiras, 2009Felgueiras, I. (2009). The international classification of functionality, disability and health (ICF) and its contributions to the reconcetualization of disability and disability. In G. Portugal (Org.), Ideas, projects and innovation in the world of childhood: the path and presence of Joaquim Bairrão (pp. 47-62) [A classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) e seus contributos para a reconcetualização da deficiência e da incapacidade. In G. Portugal (Org.), Ideias, projectos e inovação no mundo das infâncias: o percurso e a presença de Joaquim Bairrão (pp. 47-62)]. Aveiro: Theoria Poiesis Praxis, Universidade de Aveiro.).

Estatuto de Saúde e de Desenvolvimento da Criança

Em primeiro lugar, os resultados indicaram que as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI apresentam níveis mais baixos de funcionalidade nos seis Developmental Code Sets quando comparadas com as crianças não elegíveis e sem apoio adicional, de acordo com as educadoras de infância.

As maiores diferenças entre as crianças elegíveis e não elegíveis registaram-se nos Developmental Code Sets relativos à concentração da atenção [b140 - a criança concentra-se por períodos de tempo adequados à sua faixa etária] e à educação de infância [d815 - a criança é capaz de se envolver nas rotinas diárias do jardim de infância de maneira adequada]. Por outro lado, as menores diferenças entre os dois grupos de crianças observam-se nos Developmental Code Sets relativos à aquisição de conceitos [d137 - a criança tem competências para compreender e utilizar conceitos básicos, como por exemplo em cima, em baixo, ao lado, depressa, devagar] e à realização de uma única tarefa [d210 - a criança consegue realizar uma única tarefa ou responder a uma única comunicação]. O perfil elaborado contemplava também as competências para brincar e jogar [d880] e a capacidade de participação em conversas, com um discurso adequado à faixa etária [d330].

Desta forma, em vez de categorizar as crianças com base na sua etiologia, traçamos um perfil holístico do seu funcionamento desenvolvimental, enfatizando as diferenças no seu desempenho em diferentes áreas. Foi possível realçar tanto as suas maiores limitações e dificuldades como as suas potencialidades e forças. Assim, a abordagem do referencial da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.) põe em causa o modelo médico, centrado em aspectos do biossistema da criança. Como refere Felgueiras (2009Felgueiras, I. (2009). The international classification of functionality, disability and health (ICF) and its contributions to the reconcetualization of disability and disability. In G. Portugal (Org.), Ideas, projects and innovation in the world of childhood: the path and presence of Joaquim Bairrão (pp. 47-62) [A classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) e seus contributos para a reconcetualização da deficiência e da incapacidade. In G. Portugal (Org.), Ideias, projectos e inovação no mundo das infâncias: o percurso e a presença de Joaquim Bairrão (pp. 47-62)]. Aveiro: Theoria Poiesis Praxis, Universidade de Aveiro.), torna-se premente que os processos de avaliação e intervenção considerem tanto a natureza e a severidade das limitações funcionais da criança como a sua participação nos contextos de vida diária e os fatores contextuais, proximais e distais, através da identificação de barreiras e de facilitadores. Mais do que valorizar o diagnóstico das crianças, aspetos de natureza nosológica da perspectiva biomédica, o estudo salienta a avaliação funcional das atividades e da participação. Esses resultados contribuem para a afirmação da perspectiva biopsicossocial, na medida em que sugerem que o diagnóstico ou a categorização das crianças por etiologia não fornece informação relevante sobre a funcionalidade - a interação entre a criança (com um estatuto de saúde e desenvolvimento) e os fatores contextuais (ambientais e pessoais) (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.).

Em estudos futuros, recomenda-se a realização de um perfil de funcionalidade mais completo, com um número mais alargado de domínios, que complemente as visões das educadoras de infância com a dos pais e com a observação da criança no contexto. Mais ainda, a literatura tem realçado que crianças com a mesma designação categorial ou diagnóstico apresentam perfis distintos e diferentes graus de incapacidade, em diferentes níveis (Grande, 2013Grande, C. (2013). Study of the impact of teacher-child interactions on the engagement of children with special educational needs in the context of daycare and kindergarten. [Estudo do impacto das interacções educadora-criança no envolvimento das crianças com necessidades educativas especiais em contexto de creche e de jardim-de-infância]. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.). Portanto, seria importante, em investigações futuras, analisar em que medida as crianças poderiam ser agrupadas em subgrupos, com base nos seus níveis de funcionalidade. Deste modo, seria possível apurar se existem crianças que, embora não estejam identificadas pelos serviços de Educação Especial e/ou de Intervenção Precoce, apresentem limitações na realização de atividades ou restrições na sua participação e que beneficiariam de intervenção.

Participação

Após a comparação das crianças com base no seu perfil de funcionalidade em seis Developmental Code Sets, procurou compreender-se em que medida a sua participação (em termos de frequência de participação e de envolvimento) em casa e na comunidade diferia, de acordo com os pais. Segundo o relato dos pais, foi possível constatar que as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI participam menos frequentemente e estão menos envolvidas nas rotinas e nas atividades do contexto de casa e da comunidade do que as crianças não elegíveis e sem apoio adicional. Torna-se importante recordar que as atividades em casa englobavam brincadeiras e jogos, colaboração nas tarefas domésticas e comemorações ou recepção de convidados. Já as atividades na comunidade incluíam compras e recados, idas ao restaurante ou café, atividades na natureza e culturais, consultas, encontros sociais, eventos, atividades físicas não estruturadas e viagens. Tais resultados são consistentes com os estudos realizados com famílias com crianças e jovens em idade escolar, que revelaram que as crianças com incapacidade têm níveis mais baixos de frequência de participação e de envolvimento em casa e na comunidade (Anaby et al., 2014Anaby, D., Law, M., Coster, W., Bedell, G., Khetani, M., Avery, L., & Teplicky, R. (2014). The mediating role of the environment in explaining participation of children and youth with or without disabilities across home, school and community. Archives of Physical Medicine and Reabilitation, 95, 908-917. doi:10.1016/j.apmr.2014.01.005
https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.01.0...
; Bedell et al., 2013Bedell, G., Coster, W., Law, M., Liljenquist, K., Kao, Y.C., Teplicky, R., Anaby, D., & Khetani, M. (2013). Community Participation, Support and Barriers of School-Age Children With and Without Disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 94, 315-323. doi:10.1016/j.apmr.2012.09.024
https://doi.org/10.1016/j.apmr.2012.09.0...
; Law et al., 2013Law, M., Anaby, D., Teplicky, R., Khetani, M. A., Coster, W., & Bedell, G. (2013). Participation in the home environment among children and youth with and without disabilities. The British Journal of Occupational Therapy, 76(2), 58-66. doi:10.4276/030802213X13603244419112
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). As crianças com incapacidade não têm acesso às mesmas atividades e experiências de participação do que os seus pares sem incapacidade e, quando têm acesso, têm níveis de envolvimento inferiores.

Não obstante, será pertinente realizar estudos exploratórios adicionais acerca da participação nos contextos de casa e da comunidade utilizando a versão portuguesa do YC-PEM (Khetani et al., 2013Khetani, M.A., Coster, W., Law, M. & Bedell, G.M. (2013) Young Children’s Participation and Environment Measure (YC-PEM). Fort Collins (CO): Colorado State University. ), no sentido de aferir a validade cultural e ecológica do instrumento utilizado. Sugere-se ainda que, por meio de uma metodologia qualitativa, se recolham informações acerca das experiências de participação das famílias portuguesas nos seus contextos de vida, com crianças com e sem incapacidade.

Adicionalmente, será fundamental realizar estudos de comparação entre países, uma vez que já existe literatura que atribui relevância ao país de residência na explicação dos níveis de participação de crianças com incapacidade (Fauconnier et al., 2009Fauconnier, J., Dickinson, H. O., Beckung, E., Marcelli, M., McManus, V., Michelsen, S. I., Parkes, J., Parkinson, K.N., Thyen, U., Arnaud, C., & Colver, A. (2009). Participation in life situations of 8-12 year old children with cerebral palsy: cross sectional European study. The BMJ, 338, 1-12. doi:10.1136/bmj.b1458
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; Ullenhag et al., 2012Ullenhag, A., Bult, M. K., Nyquist, A., Ketelaar, M., Jahnsen, R., Krumlinde-Sundholm, L., Almqvist, L., & Granlund, M. (2012). An international comparison of patterns of participation in leisure activities for children with and without disabilities in Sweden, Norway and the Netherlands. Developmental neurorehabilitation, 15(5), 369-385. doi:10.3109/17518423.2012.694915
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). Dessa forma, torna-se importante compreender como se situam os níveis de participação das crianças portuguesas no panorama europeu e relacionar os resultados encontrados com as medidas legislativas de cada país.

Ambiente

Por último, estudamos a dimensão do ambiente do Modelo Biopsicossocial da CIF-CJ (WHO, 2007WHO [World Health Organization] (2007). International Classification of Functioning, Disability and Health, Children & Youth Version: ICF-CY. Geneva, Switzerland: World Health Organization.) - o conjunto de elementos físicos, sociais e psicológicos que, revelando-se adequados, constituem um facilitador ou, se forem inadequados, representam uma barreira. Foi possível verificar que os pais de crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI percebem mais barreiras ambientais em ambos os contextos estudados (casa e comunidade). A evidência é consistente com os estudos realizados por Bedell et al. (2013Bedell, G., Coster, W., Law, M., Liljenquist, K., Kao, Y.C., Teplicky, R., Anaby, D., & Khetani, M. (2013). Community Participation, Support and Barriers of School-Age Children With and Without Disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 94, 315-323. doi:10.1016/j.apmr.2012.09.024
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) e por Law et al. (2013Law, M., Anaby, D., Teplicky, R., Khetani, M. A., Coster, W., & Bedell, G. (2013). Participation in the home environment among children and youth with and without disabilities. The British Journal of Occupational Therapy, 76(2), 58-66. doi:10.4276/030802213X13603244419112
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) com famílias de crianças e jovens em idade escolar, com e sem incapacidade.

Estes resultados fornecem evidência significativa acerca da importância de modificar fatores ambientais específicos para promover a participação da criança nos contextos do quotidiano. Quando nos referimos à identificação de barreiras nos contextos pela família da criança, tanto nos situamos a um nível mais proximal e microssistêmico, uma vez que o instrumento contempla as caraterísticas físicas e sociais imediatas dos ambientes (a disposição física do contexto, as exigências das atividades realizadas, as relações interpessoais), como a um nível mais distal e macrossistêmico ao incluir variáveis macroeconômicas (informação disponível, legislação e políticas).

Conclusões

O presente estudo revela-nos que as crianças elegíveis e com apoio da Educação Especial e/ou do SNIPI têm menores níveis de funcionalidade, segundo as educadoras de infância, e experienciam restrições na sua participação nos contextos de casa e da comunidade, de acordo com o relato dos pais, quando comparadas com crianças não elegíveis e sem apoio adicional. De fato, os pais de crianças elegíveis e com apoio percebem mais barreiras ambientais nos contextos e as crianças têm menos oportunidades de participação, ou seja, participam com menor frequência nesses contextos. Mais ainda, quando participam, as crianças elegíveis e com apoio estão menos envolvidas nas atividades de casa e da comunidade. Dessa forma, torna-se essencial que as políticas legislativas assegurem o direito universal à participação e à inclusão de todas crianças nos seus contextos naturais, nas atividades nas quais participam os pares da mesma faixa etária, como preconizam as diretrizes internacionais nesse âmbito (Graham, 2014Graham, N. (2014). Children With Disabilities. Paper commissioned for Fixing the Broken Promise of Education for All: Findings from the Global Initiative on Out-of-School Children. Montreal: UNESCO Institute for Statistics (UIS).).

Torna-se premente que os processos de avaliação e intervenção, em colaboração com as famílias, considerem tanto a natureza e a severidade das limitações funcionais da criança como a sua participação nos contextos de vida diária e os fatores contextuais, proximais e distais, através da identificação de barreiras e de facilitadores. Para que todas as crianças cumpram o seu potencial desenvolvimental, pretende-se um aumento da frequência, da variedade e da qualidade das oportunidades de aprendizagem diárias em atividades social e culturalmente significativas para a criança e para a família.

A promoção dos direitos fundamentais das crianças nos primeiros anos de vida, numa sociedade com oportunidades igualitárias, é um investimento fundamental que contribuirá para a saúde e educação da população, para a segurança e o funcionamento harmonioso das comunidades e, em última instância, para a autossustentabilidade e prosperidade dos países (Shonkoff, 2015Shonkoff, J.P. (2015). The neurobiology of childhood development and the foundation of a sustainable society. In P. T. M. Marope and Y. Kaga (Eds.), Investing against Evidence: The Global State of Early Childhood Care and Education (pp. 55-71). Paris, UNESCO Publising.).

Agradecimentos

O presente trabalho de investigação foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/111211/2015). As autoras gostariam de dedicar este trabalho à Professora Ana Isabel Pinto e reconhecer a sua amizade, sabedoria e os seus contributos para a investigação em Intervenção Precoce.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2017
  • Revisado
    21 Jan 2020
  • Aceito
    07 Maio 2020
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