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A desqualificação das histórias (in)familiares: análise discursiva na suspensão e destituição do poder familiar

The disqualification of (unfamilar)family histories: discursive analysis in the suspension and destitution of family power

La descalificación de los relatos (intra)familiares: análisis discursivo en la suspensión y remoción del poder familiar

La disqualification des histoires (non)familières: analyse discursive dans la suspension et la suppression du pouvoir familial

Resumo

Este estudo analisou o percurso de quatro famílias, destituídas do poder familiar, pelo Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. A análise do discurso de orientação psicanalítica foi empregada no corpus de informações de cada caso, compreendido por documentos relativos ao acompanhamento dos casos e entrevistas, realizadas com familiares e agentes institucionais. Os resultados apontam para formações discursivas que naturalizam ações judiciais punitivas de suspensão ou destituição do poder familiar, aplicadas hegemonicamente às famílias pobres, nas quais as mulheres são as principais culpabilizadas pelas falhas na gestão de cuidados. Verifica-se, também, a descontinuidade do acompanhamento, retomado quando há repetição da aplicação dessas medidas protetivas, assumindo a característica sintomática de falha. A escuta dos atores desses processos surge como uma estratégia de retificação subjetiva, ultrapassando práticas prescritivas e normativas, ratificadoras da exclusão e de criminalização da pobreza, particularmente das famílias negras.

Palavras-chave:
acolhimento institucional; destituição do poder familiar; proteção social especializada

Abstract

This study analyzes the journey of four families, deprived of family power, by the Child and Adolescent Rights Guarantee System in Brazil. The psychoanalytically discourse analysis was used in the corpus of information of each case, comprised of documents relating to the accompaniment of the cases and interviews, carried out with family members and institutional agents. The results point to discursive formations that naturalizes punitive judicial actions of suspension or destitution of family power, hegemonically applied to poor families, in which women are considered as the main culprits for failures in care management. There is also discontinuity in follow-ups, resumed when the application of these protective measures is repeated, assuming the symptomatic characteristic of failure. Listening to the actors in these processes emerges as a subjective rectification strategy, going beyond prescriptive and normative practices, which ratify exclusion and the criminalization of poverty, particularly of black families.

Keywords:
institutional care; destitution of family power; specialized social protection

Resumen

Este estudio analizó la historia de cuatro familias, privadas de poder familiar por el Sistema de Garantía de los Derechos del Niño y del Adolescente de Brasil. El análisis del discurso de orientación psicoanalítica se utilizó en el corpus de datos de cada caso, compuesto por documentos relativos al seguimiento de los casos, y entrevistas, realizadas con familiares y agentes institucionales. Los resultados apuntan a formaciones discursivas que naturalizan acciones judiciales punitivas de suspensión o remoción del poder familiar, aplicadas hegemónicamente a familias pobres, en las que las mujeres son las principales culpabilizadas de los fallos en la gestión del cuidado. También existe discontinuidad en el seguimiento, que se reanuda cuando se repite la aplicación de estas medidas protectoras, asumiendo la característica sintomática de fallo. La escucha de los actores de estos procesos es una estrategia de rectificación subjetiva, superando las prácticas prescriptivas y normativas que ratifican la exclusión y criminalizan la pobreza, en especial de las familias negras.

Palabras clave:
acogida institucional; destitución del poder familiar; protección social especializada

Résumé

Cette étude a analysé le parcours de quatre familles, privées de pouvoir familial, par le Système de Garantie des Droits de l’Enfant et de l’Adolescent au Brésil. L’analyse du discours d’orientation psychanalytique a été utilisée dans le corpus d’informations de chaque cas, composé de documents relatifs au suivi des cas et d’entretiens, réalisés avec des membres de la famille et des agents institutionnels. Les résultats indiquent des formations discursives qui naturalisent les actions judiciaires punitives de suspension ou de suppression du pouvoir familial, appliquées de manière hégémonique aux familles pauvres, dans lesquelles les femmes sont considérées les principales responsables des échecs de la gestion des soins. Il existe également une discontinuité dans le suivi, repris lors de la répétition de l’application de ces mesures de protection, assumant le caractère symptomatique de l’échec. L’écoute des acteurs de ces processus apparaît comme une stratégie de rectification subjective, dépassant les pratiques prescriptives et normatives, qui entérinent l’exclusion et la criminalisation de la pauvreté, notamment des familles noires.

Mots-clé:
hébergement institutionnel; destitution du pouvoir familial; protection sociale spécialisée

Introdução

A destituição do poder familiar é uma medida judicial extrema de proteção social, pois rompe os vínculos jurídicos entre pais, mães e filhos e é aplicada quando esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança e adolescente em sua família. A abertura desse processo é realizada quando são atestados potenciais riscos à integridade física e psicológica de crianças e adolescentes, sendo ações das equipes multiprofissionais que compõem o Sistema de Garantia de Direitos insuficientes para reverter o quadro de desproteções presentes no contexto familiar (Pantuffi, 2018Pantuffi, L. A. (2018). Destituição do poder familiar: saber e poder nas “engrenagens” da medida de (des)proteção (Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo). doi: https://doi.org/10.11606/D.47.2019.tde-20122018-103818
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). Destaca-se que, quando identificadas situações de abandono, violências, negligência, entre outras violações, é cabível, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n. 8.069, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (1990, 16 de julho). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, seção 1.) em seu artigo 101, a aplicação de medidas protetivas pela autoridade judiciária, na qual a destituição familiar antecede a última e mais complexa medida, que é de colocação em família substituta (adoção).

Com a promulgação do ECA, houve uma mudança paradigmática no âmbito da proteção social. As crianças e adolescentes passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento e o serviço de acolhimento torna-se uma medida protetiva excepcional e provisória, ainda que a história da institucionalização desse público, no Brasil, seja marcada por práticas discriminatórias e que criminalizam a pobreza, a exemplo do Decreto n. 17.943-A (1927Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. (1927). Consolida as leis de assistência e protecção a menores. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm
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), do Código de Menores (Marcilio, 2008Marcilio, M. L. (2008). História social da criança abandonada (2a ed). São Paulo, SP: Hucitec.; Rizzini, 2000Rizzini, I. (2000). A criança e a Lei no Brasil:revisitando a história (1822-2000). Brasília, DF: Unicef., 2007Rizzini, I. (2007). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.; Rizzini & Pilotti, 2017Rizzini, I., & Pilotti, F. (Orgs.). (2017). A arte de governar crianças. A história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (3a ed). Rio de Janeiro, RJ: Cortez.). Essas marcas ainda são presentes nos últimos levantamentos do perfil de crianças e adolescentes acolhidos no Brasil que, em sua maioria, são provenientes de famílias pobres, mantidas apenas por mulheres, com demandas de saúde mental, apresentam comprometimentos pelo uso de substâncias psicoativas e álcool, em desemprego ou inserção precarizada no contexto de trabalho, com frágeis redes de apoio familiar e comunitária, além de acesso limitado ou precarizados às políticas sociais (Assis & Farias, 2013Assis, S. G., & Farias, L. O. P. (Orgs.). (2013). Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo, SP: Hucitec.).

Entre os principais motivos para o acolhimento, de acordo com o Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, destacam-se: pobreza das famílias (24,2%), abandono (18,9%), violência doméstica (11,7%), dependência química e de álcool (11,4%), vivência de rua (7,0%) e orfandade (5,2%) (Assis & Farias, 2013Assis, S. G., & Farias, L. O. P. (Orgs.). (2013). Levantamento nacional das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento. São Paulo, SP: Hucitec.). A carência de recursos materiais, entretanto, não deveria constituir motivo para perda ou suspensão do poder familiar de acordo com o artigo 23 do ECA. Caberia ao Estado implementar ações que objetivassem a superação da condição da miséria e pobreza dessas famílias (Yazbek, 2012Yazbek, M. C. (2012). Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, (110), 288-322. doi: 10.1590/S0101-66282012000200005
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). Essas características compõem um enquadre denominado de vulnerabilidade social, cuja conceituação é controversa entre pesquisadores da área por representar um discurso técnico que (re)incrementa discursos de culpabilização das pessoas pelo seu suposto fracasso em atender aos cuidados familiares (Benelli, 2016Benelli, S. J. (2016). Risco e vulnerabilidade como analisadores nas políticas públicas sociais: uma análise crítica. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(4), 735-745. doi: 10.1590/1982-02752016000400016
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; Janczura, 2012Janczura, R. (2012). Risco ou vulnerabilidade social? Textos & Contextos (Porto Alegre), 11(2), 301-308. Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/12173
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; Scott, Prola, Siqueira & Pereira 2016Scott, J. B., Prola, C. A., Siqueira, A. C., & Pereira, C. R. R. (2018). O conceito de vulnerabilidade social no âmbito da psicologia no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Psicologia em Revista, 24(2), 600-615. doi: 10.5752/P.1678-9563.2018v24n2p600-615
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). Nascimento (2012Nascimento, M. L. (2012). Abrigo, pobreza e negligência: percursos de judicialização. Psicologia & Sociedade, 24(spe), 39-44. doi: 10.1590/S0102-71822012000400007
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) destaca ainda que mesmo com a construção de políticas específicas para essas situações, as intervenções de caráter jurídico e social continuam a punir as mães e pais considerados negligentes e pobres por meio da destituição do poder familiar e acolhimento indevido, impondo normas de conduta moralizantes e desprovidas de sustentação técnica.

A precarização dos serviços socioassistenciais, acompanhada pela ausência ou insuficiente formação dos profissionais para atender situações sociais complexas a partir de perspectivas interseccionais, que envolvam uma análise crítica das desigualdades entre as classes sociais, de gênero e questões étnico-raciais (Costa & Cunha, 2020Costa, V. C. A., & Cunha, E. S. M. (2020). A família na proteção social especial (creas/suas) e as questões de gênero, diversidade sexual e classe: Uma revisão narrativa. Estudos de Psicologia, 24(4), 382-392. doi: 10.22491/1678-4669.20190038
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), também contribui para a naturalização da destituição do poder familiar como a melhor alternativa (Souza, Brito, & Monteiro, 2021Souza, M. L. N., Brito, L. M. T., & Monteiro, C. A. S. (2021). Adoção como solução: O cenário atual no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 41(spe 3), e190115. doi: 10.1590/1982-3703003190115
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).

Ao considerar que a população mais vulnerabilizada no contexto brasileiro é negra, jovem, pobre e com baixa escolarização, essas dimensões também se apresentam nos processos de adoção. Dados do Conselho Nacional de Justiça (2024Conselho Nacional de Justiça. (2024). Crianças disponíveis para adoção. Recuperado de https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-f74b5b5b31a2&sheet=68b8631d-d2f5-4ea1-b05a-b0256c5fb581⟨=pt-BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearal
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) com relação às crianças disponíveis para adoção destacam um total de 1.335 crianças/adolescentes de etnia branca, 740 de etnia negra, 24 de etnia amarela, 2.362 de raça parda e 30 de etnia indígena. Há mais crianças não brancas ainda disponíveis para adoção, o que corrobora a literatura que afirma que crianças não brancas são preteridas para adoção no Brasil (Saraiva 2020Saraiva, V. C. S. (2020). Repensando a circulação e a adoção de crianças negras na família brasileira. Revista em Pauta, 18(45), 84-99. doi: 10.12957/rep.2020.47216
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; Weber, 2003Weber, L. N. D. (2003). Aspectos psicológicos da adoção (2a ed.). Curitiba, PR: Juruá.).

A escassa literatura nacional e internacional sobre as implicações das rupturas de vínculos decorrentes da destituição do poder familiar, principalmente para pais e mães, indica uma tendência à invisibilidade e naturalização da perda da guarda dos filhos das famílias pobres. Considerando esse cenário, marcado por materialidades contextuais, psicossociais e linguísticas, em que os variados discursos (psicológicos, médicos, jurídicos) permeiam práticas interventivas junto às famílias vulnerabilizadas, este estudo propôs analisar casos de destituição do poder familiar conclusos no município de Porto Velho a partir de uma perspectiva psicanalítica de análise discursiva, cujos recortes interpretativos apresentam possibilidades de (re)leituras sobre os sujeitos, interpelados pelas tramas da ideologia e do inconsciente. A aproximação psicanalítica neste trabalho, portanto, apresenta uma perspectiva teórica e não clínica, em que a interpretação do corpus constituído foi realizada por meio de recortes dos arquivos jurídico-assistenciais consultados e de entrevistas realizadas com pessoas implicadas em quatro casos de destituição do poder familiar acompanhados pela rede de atendimento.

Método

Como campo metodológico da pesquisa foi utilizado o estudo de casos múltiplos. Yin (2005Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos (3a ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.) destaca que o estudo de caso se refere ao estudo de eventos dentro de seus contextos na vida real, que se baseiam em variadas fontes de evidências, como documentação, registros em arquivos, entrevistas, observação direta, entre outros recursos.

O processo de construção do estudo de casos múltiplos seguiu as orientações propostas por Gray (2012Gray, D. E. (2012) Pesquisa no mundo real (2a ed). Porto Alegre, RS: Penso.): (1) reunir dados brutos sobre os casos; (2) construir registro dos casos (que consiste na organização, classificação e edição dos dados brutos para sintetizá-los); e (3) elaborar narrativa do estudo dos casos múltiplos.

Para construção de informações na pesquisa foram utilizadas duas técnicas de construção de dados: análise documental e entrevista narrativa. Os casos foram selecionados em duas etapas a partir da pesquisa documental, que consistiu no levantamento de prontuários no Centro de Referência de Assistência Social (Creas). A primeira teve como principal critério de amostragem a reincidência do acolhimento institucional e da destituição do poder familiar para o mesmo grupo familiar. Ao realizar a busca nos registros documentais foram identificados 10 casos, dos quais foi possível localizar familiares de quatro casos.

A segunda etapa se consistiu no contato com pais e mães das crianças e adolescentes identificados nos prontuários, com o objetivo de convidá-los a participar da pesquisa por meio da concessão de entrevistas. Dos quatro casos, foi possível entrevistar um grupo familiar e uma mãe que estava privada de liberdade em uma unidade prisional feminina. As entrevistas foram realizadas no contexto domiciliar e no carcerário nos meses de novembro a dezembro de 2019. Foram, ainda, realizadas entrevistas com três profissionais que acompanharam os casos, duas psicólogas que atuavam no Creas e uma assistente social que atendia no sistema prisional feminino. Todas as entrevistas foram transcritas e incorporadas ao corpus de análise.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CAAE 82316418.4.0000.5336). Para garantir o sigilo e o anonimato dos envolvidos no estudo, as entrevistadas foram identificadas de acordo com a numeração dos casos e, ainda, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O corpus deste trabalho constitui-se, portanto, da pesquisa documental (corpus de arquivo) e das entrevistas com familiares envolvidos em processos de destituição familiar e com profissionais que atenderam esses casos (corpus empírico). Para melhor identificar os casos, foi apresentado um breve resumo de cada um. Os blocos discursivos construídos por meio dos recortes da superfície linguística do corpus se constituíram como produtos interpretativos.

Descrição dos casos

Caso 1

Mulher, negra, 38 anos, não alfabetizada e de acordo com os registros documentais teve nove filhos, dos quais sete foram destituídos do poder familiar nos anos de 2014 e 2015. Exercia atividades laborais informais como diarista. Teve seu acompanhamento iniciado nos serviços socioassistenciais em 2005 por meio do acolhimento institucional de três filhos sob o motivo de negligência dos genitores, passando a fazer usos do programa de transferência de renda. Não tinha qualificação profissional. No período de constituição do corpus da pesquisa, seu acompanhamento estava aberto, porém sem ações de atendimento há mais de um ano. No início do seu atendimento pela equipe do Creas, tanto ela quanto os filhos não dispunham de certidão de nascimento. Não fez o pré-natal de nenhum dos filhos. Outros motivos que mais se destacaram nos acolhimentos subsequentes, aproximadamente seis, foram violência doméstica e sexual infligidas por seus cônjuges. Desde os primeiros atendimentos na rede de proteção, foi indicado pelas equipes do Poder Executivo e Judiciário a realização de laqueadura, mas não foi efetivada. Todos os sete filhos que passaram pelo acolhimento institucional foram destituídos, quatro foram adotados. Os filhos que não foram adotados não apresentavam um “perfil” favorável. Eram adolescentes e demonstravam possíveis comprometimentos cognitivos e neurológicos. Todos saíram das unidades de acolhimento sem autorização judicial, passando a conviver sob os cuidados da tia materna e da própria mãe, que gerou mais duas outras filhas. Sua filha adolescente, que teve um filho durante o período de acolhimento, resultante da violência sexual sofrida pelo cônjuge de sua mãe, que também foi destituído do poder familiar, constituiu sua própria família. Em todos os relatórios técnicos foi destacada a afetividade da mãe para com os filhos, bem como suas dificuldades cognitivas de compreender as situações vulneráveis em que estava. No percurso dos atendimentos contraiu tuberculose, sífilis e HIV.

Caso 2

Mulher, negra, 37 anos, não concluiu o ensino fundamental, sem vínculo empregatício, formação ou qualificação profissional. Gerou aproximadamente dez filhos e filhas, dois vieram à óbito, uma na unidade de acolhimento por causa mortis desconhecida. Não realizou pré-natal de nenhum dos filhos. Seu acompanhamento pela rede socioassistencial foi iniciado em 2010 por meio do acolhimento de três dos seus filhos, sob o motivo de negligência e tentativa de adoção ilegal por um casal. Nesse período estava privada de liberdade. Foi destituída do poder familiar de quatro filhos, os demais ficaram sob os cuidados da família paterna. Em todas as gestações esteve privada de liberdade, e a maioria dos crimes cometidos estava relacionado ao uso de substâncias psicoativas. Tinha uma ampla família extensiva, mas, devido a conflitos, não dispunha dela como suporte para o exercício da maternidade. Suas parcerias amorosas não foram presentes no cuidado dos filhos e filhas. No período de constituição do corpus desta pesquisa, estava privada de liberdade e seu último filho acolhido institucionalmente com perspectiva de ser destituído do poder familiar. Seu caso também foi marcado por múltiplas tentativas dos profissionais em efetivar sua laqueadura tubária.

Caso 3

Mulher, negra, 40 anos, não concluiu o ensino fundamental, gerou oito filhos, dos quais um faleceu ainda recém-nascido, um apresentava demandas de saúde mental não diagnosticada, dois foram destituídos do poder familiar e os demais estavam sob os cuidados de sua mãe e irmãs. Sua renda era proveniente do auxílio reclusão de seu cônjuge. Não tinha formação e qualificação profissional, não exercia atividade laboral, nos relatórios técnicos foi destacado que se prostituía. Quanto ao período de acompanhamento pelo Creas, o primeiro acolhimento de dois dos seus filhos ocorreu em 2009, sendo acompanhada até a última destituição de sua filha em 2016. Destaca-se que o seu contexto familiar e família extensiva ainda apresentavam quadros de vulnerabilidade e riscos sociais, mas com a conclusão do processo de destituição as ações foram descontinuadas. Fazia uso de substâncias psicoativas. Além disso, sua mãe fazia uso de álcool diariamente. Havia registros de conflitos com as equipes do Creas, que repercutiram na suspensão de visitas aos filhos quando acolhidos. Suas passagens pela maternidade também foram marcadas por esses conflitos, desencadeados principalmente quando sinalizados o acolhimento institucional de seus bebês.

Caso 4

Mulher, negra, 49 anos, não concluiu o ensino fundamental, sem formação e qualificação profissional, não exercia atividade laboral, usuária juntamente com seu companheiro de álcool e de substâncias psicoativas. Teve seis filhos, um veio a óbito e três foram destituídos do poder familiar enquanto ela estava privada de liberdade. Quanto aos demais filhos, ficaram sob responsabilidade da família extensiva. Houve a tentativa de adoção irregular de um deles e os outros dois ingressaram na unidade de acolhimento por busca e apreensão. O início dos atendimentos ocorreu em 2015 pela rede socioassistencial, mas foram descontinuados após a conclusão da destituição do poder familiar e adoção dos seus filhos. Não tinha suporte familiar para assumir a responsabilidade dos filhos enquanto cumpria sua pena. O pai dos filhos não compareceu aos atendimentos no decurso do acolhimento e foi destituído do poder familiar dos filhos.

Resultados e discussão

Os resultados são discutidos considerando o panorama teórico metodológico apresentado e organizados de forma articulada em três eixos que perpassam todo o corpus de análise dos casos: a) a desqualificação das histórias (in)familiares na suspensão e destituição do poder familiar; b) mal-estar na maternidade de mulheres destituídas do poder familiar; e c) estratégias interventivas utilizadas nos casos de destituição do poder familiar.

Eixo A: A desqualificação das histórias (in)familiares na suspensão e destituição do poder familiar

O “histórico” das famílias foi utilizado como principal fonte das tomadas de decisões, principalmente técnico-interventivas e judiciais nos casos de destituição do poder familiar que foram analisados. A mãe entrevistada no caso 2 reiterou em diversos momentos em sua narrativa que não pôde ficar com seus filhos devido a um “histórico”, à interpretação de um passado que não a permitia provar sua capacidade protetiva.

Em todos os casos, o estudo diagnóstico, instrumento avaliativo da equipe do serviço de acolhimento para crianças e adolescentes (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2009Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2009). Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2a ed.). Brasília, DF: MDS.), apresentava um resgate histórico dos grupos familiares, destacando principalmente suas desqualificações quanto à possibilidade das práticas de cuidado, que foram particularizadas, não necessariamente referenciadas aos contextos de desigualdades sociais. A história familiar estava comprometida por uma desorganização mais interna do que dialetizável com a exterioridade dos arranjos sociais excludentes.

No caso 1, que foi acompanhado por mais de uma década pelo serviço de acolhimento para crianças e adolescentes, observou-se nos estudos diagnósticos uma repetição ou ampliação dos quadros considerados de risco ou vulnerabilidade, remetendo a família ao fracasso de uma possível evolução. Na entrevista com a psicóloga de referência do caso, porém, foram destacadas as dificuldades de atendimento devido às falhas na articulação dos serviços e a tendência do poder judiciário em emitir decisões a partir da contestação do histórico familiar marcado por múltiplas vulnerabilidades, atribuídas à família como falha sistêmica. As profissionais entrevistadas dos demais casos também apresentaram outros desafios para a atuação na rede de atendimento.

Eu vejo assim, se a justiça não encontra uma família perfeita, já tem que ir logo para a adoção, pronto, acabou. (Psicóloga - caso 1).

Na verdade, ela precisava sair daqui e ir direto pra uma clínica. Eu acho que o poder público podia ver uma possibilidade de isso acontecer. . . . Mas, se você não tiver ninguém pra ir atrás pra mexer, pra procurar… não tem. (Assistente social - caso 2)

O conselho tutelar não teve continuidade. Só jogou o problema e foi-se embora. Não quis participar. Acho que, também, a gente não teve forças para envolvê-los. (Psicóloga - Caso 4)

O primeiro excerto da fala da profissional de psicologia foi proferido na entrevista em tom de denúncia acerca do funcionamento do Sistema de Justiça que, no decorrer de seu acompanhamento às famílias, apontava como soluções rápidas o afastamento do convívio familiar ou a própria abertura do processo de destituição do poder familiar, principalmente nos casos em que havia envolvimento com o consumo de drogas. Esse dado é discutido na pesquisa de Menandro, Garcia e Uliana (2021Menandro, L. M. T., Garcia, M. L. T., & Uliana, R. S. S. (2019). A perda da guarda de filhos: a voz das mulheres, mães e usuárias de drogas. Psicologia & Sociedade, 31, e210798. doi: 10.1590/1807-0310/2019v31210798
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), os quais indicam, por meio de estudo com três mulheres atendidas em um um Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (Caps AD), que por não corresponderem ao padrão idealizado de mulher e mãe elas estavam mais suscetíveis à suspensão ou destituição do poder familiar. O tratamento também era utilizado como condicionante para reaver a guarda dos filhos.

As demais falas das profissionais sinalizam as falhas na atuação conjunta na rede de atendimento e a ausência de serviços ou a precarização do funcionamento daqueles já existentes, principalmente relacionados a saúde mental. Embora exista no município um Caps AD desde 2010, este oferece apenas atendimento ambulatorial. Além disso, no caso 2, como se tratava de uma mulher privada de liberdade, seu acesso à saúde era condicionado à logística do presídio, o qual também funcionava com número reduzido de profissionais para realização desses procedimentos. As ações profissionais estavam mais pautadas pela rede de relações pessoais das profissionais do que pela compreensão dos papéis de cada serviço no atendimento a crianças e adolescentes.

As falas dessas profissionais denunciam e apresentam uma formação discursiva e ideológica que permeia o discurso jurídico sobre as famílias. Há indicação de uma relação nexo-causal de pobreza e desproteção que permeia os serviços destinados à infância e adolescência no Brasil, cuja principal resposta antes da promulgação do ECA era de afastamento da comunidade (Crestani & Rocha, 2018Crestani, V., & Rocha, K. B. (2018). Risco, vulnerabilidade e o confinamento da infância pobre. Psicologia & Sociedade, 30, e177502. doi: 10.1590/1807-0310/2018v30177502
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; Paiva, Moreira & Lima, 2019Paiva, I. L., Moreira, T. A. S., & Lima, A. M. (2019). Acolhimento Institucional: famílias de origem e a reinstitucionalização. Revista Direito e Práxis, 10(2), 1405-1429. doi: 10.1590/2179-8966/2019/40414
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; Rizzini, 2007Rizzini, I. (2007). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.; Rizzini & Pilotti, 2017Rizzini, I., & Pilotti, F. (Orgs.). (2017). A arte de governar crianças. A história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (3a ed). Rio de Janeiro, RJ: Cortez.). A pobreza ainda constitui motivo para o afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar, mas agora como um dos sentidos possíveis do significante “negligência” que perpassa os discursos técnicos e foi incorporado ao termo de acolhimento institucional utilizado pelos Conselhos Tutelares. Em todos os termos dos casos, havia apenas a indicação do motivo “negligência”, sem nenhuma especificação das condições que potencialmente o produziram. É importante destacar que o Conselho Tutelar no município de Porto Velho é ainda o principal agente da rede de atendimento que aplica a medida protetiva de acolhimento institucional, reavaliada posteriormente pela Vara de Proteção à Infância e Juventude, a qual pode manter ou não a aplicação da medida.

Somando-se às dificuldades de atuação em rede, ocasionadas por problemas de estruturação dos serviços e de compreensão do atendimento de forma intersetorial, interinstitucional e interdisciplinar, identificam-se discursos desclassificatórios sobre as famílias atendidas por políticas públicas, as quais, não raramente, são enquadradas como negligentes. Todos os processos de destituição estudados nesta pesquisa indicaram a negligência como um dos potenciais motivos para essa tomada de decisão judicial. O que consta nos autos dos processos, então, retrataria a verdade dessas famílias?

Ao analisar os prontuários, surgem muitas histórias: das desigualdades sociais e seus processos de exclusão; a familiar; e a construída pelo próprio sujeito a partir de uma trama do discurso. A articulação entre materialidade linguística e histórica produz o discurso que sobrepuja, interpela e assujeita ideologicamente o sujeito, como se observa na trama das histórias de vida das mulheres que compõem os casos. Contudo, a escrita dos casos no corpus documental é tomada de um modo factual, em que a linguagem é apresentada em sua suposta transparência e não em sua opacidade e equivocidade, como é característico de um processo jurídico: só existe o que consta nos autos.

No corpus documental, há apontamentos das histórias de vida dessas mulheres que descrevem violências, abandonos, processos de exclusão. Destaca-se que as quatro mulheres envolvidas na pesquisa são pobres, negras, com ensino fundamental incompleto, mantiveram parcerias amorosas violentas, eram usuárias dos serviços socioassistenciais e beneficiárias de programa de transferência de renda, mantinham atividades de trabalho informais, sem garantia de direitos trabalhistas, e não dispunham de uma rede de apoio familiar e comunitária com a qual pudessem dividir a responsabilidade dos cuidados dos filhos. Um dos recortes das entrevistas sinaliza algumas dessas características.

Porque não tem como uma mãe ficar com uma criança, envolvida com droga. Pra caso eu deixar, abandonar meu filho, de novo, igual eu fazia lá fora. Deixava jogado. Porque se quando tiraram meu filho de mim, não falaram pra mim antes que eu ia ficar sem o meu filho. Dava de ajudar, e eu ficava com ele. Eu tentei ficar, mas não ficava, porque falavam que a culpa era minha, que estava acontecendo aquilo.

Porque eu não tive nenhum tipo de contato com meu filho. Ele mal nasceu, já tiraram de mim. [choro] Nem cheguei a ver meu filho direito. Só foi ele nascer, e já pegaram meu filho de mim. [choro] Depois a psicóloga veio aqui, falar comigo, me elogiar, porque eu dei meu filho. Mas não é assim, porque a gente, a gente deu assim não. É porque a gente é obrigada… Eu não podia fazer nada. (Entrevistada 2 - caso 2).

Na leitura psicanalítica de Lemos (2015Lemos, S. C. A. (2015). A família e a destituição do poder familiar - Um estudo psicanalítico. (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia). Recuperado de https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/17254
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) a partir um de caso clínico sobre a destituição do poder familiar, evidencia-se a necessidade de promover a escuta singular das famílias em situação de vulnerabilização, com a perspectiva de desaliená-las do aprisionamento do luto e das repetições da perda de seus filhos e filhas. Ainda, ressalta-se que pouco se sabe sobre essas famílias, pois o que é destacado são suas vulnerabilidades e não suas trajetórias de vida e potencialidades. Outro ponto sinalizado refere-se à importância da família para constituição psíquica do sujeito inconsciente, que é sujeito do grupo e sujeito do vínculo. O filho representa para cada um dos pais o que é, o que foi, o que queria ser e a pessoa que foi uma parte de si mesma. O bebê fantasmático, imaginário e narcísico são representações que se misturam e que se alternam nas trocas com o bebê real. Quando há essa ruptura da transmissão estruturante, intergeracional, por meio da lei, como se daria essa constituição psíquica? Tanto pais e mães quanto filhos e filhas podem ficar presos em lutos não ressignificados, como aponta Motta (2008) ao descrever que as mulheres que não vivenciam o luto pela perda dos filhos podem ver-se motivadas inconscientemente, em alguns casos, na produção de outros filhos como substitutos dos que foram subtraídos.

Essa é uma repetição que também atravessa a história das mulheres deste estudo. No caso 1 houve a destituição de sete filhos, no caso 2 de quatro filhos, no caso 3 de três filhos, no caso 4 de seis filhos. Livramento, Brasil, Charpinel e Rosa (2012Livramento, A. M., Brasil, J. A., Charpinel, C. P., & Rosa, E. M. (2012). A produção de famílias negligentes: analisando processos de destituição do poder familiar. Argumentum, 4(1), 173-186. doi: 10.18315/argumentum.v4i1.2938
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), ao analisarem processos de destituição do poder familiar, identificaram a predominância de uma visão individualizante em detrimento de uma análise social das dinâmicas familiares consideradas negligentes, o que culmina em um processo de culpabilização da família. Embora o juiz de direito desse o veredito final para o processo, os pareceres de outros profissionais, incluindo o de psicologia, corroboravam um discurso socialmente compartilhado sobre práticas de cuidado, os quais estavam distantes das realidades das famílias, tal como é operado nos casos aqui analisados. A desqualificação de outras formas de existência recai principalmente sobre as famílias pobres e negras, consideradas vulneráveis, criminalizadas pelos excedentes da miséria.

Rosa (2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica. São Paulo, SP: Escuta.) descreve que o “ . . . enredamento do sujeito na maquinaria do poder processa-se ao provocar um equívoco em que o discurso social é oferecido como se fosse o discurso do Outro, como se fosse a dimensão simbólica que referencia a pertença do sujeito” (p. 29). O desamparo discursivo não recobre o sujeito da linguagem, mas obtura-o, desqualifica-o, invalida sua subjetividade.

Em contexto similar, Broide e Broide (2016Broide, J; & Broide, E. E. (2016). A psicanálise em situações sociais críticas: metodologia clínica e intervenções (2a ed.) São Paulo, SP: Escuta.) mencionam que a retirada do Estado da vida das periferias no processo de neoliberalismo teve consequências. A ausência de trabalho formal, o uso e tráfico de drogas e outras atividades ilícitas no território faz com que se constitua uma porosidade entre o mundo formal e informal, entre o lícito e o ilícito. Os autores ainda destacam que “. . . nos territórios da exclusão, as relações pautadas pelo medo e pelo desamparo conduzirão os vínculos familiares” (Broide & Broide, 2016Broide, J; & Broide, E. E. (2016). A psicanálise em situações sociais críticas: metodologia clínica e intervenções (2a ed.) São Paulo, SP: Escuta., p. 71-72).

As histórias das mulheres deste estudo apresentam marcas de violência e criminalidade. A entrevistada 1 é referida nos registros documentais como “vítima passiva de sua própria história”. A segunda entrevistada não pôde permanecer com seus filhos devido ao seu “histórico”, que inclui passagens pelo sistema prisional em todas suas gestações. Quanto às mulheres dos demais casos, são descritas como personagens beligerantes e que mantinham práticas violentas e criminosas.

Os registros documentais consultados apresentaram, de forma fragmentada e inconsistente, como os profissionais transmitiram as histórias das famílias, dessas mulheres, aos filhos e filhas que foram adotados e aos pretendentes à adoção. Nas entrevistas, evidenciou-se que, após a conclusão da destituição do poder familiar, houve ruptura total com os filhos e filhas. As equipes técnicas do Creas e da Vara da Infância e Juventude mantinham como prática de trabalho a realização de encontros com os pretensos adotantes para comunicar a história de vida dos adotados. Essas atividades são mencionadas nos registros documentais, mas não explicitam a metodologia empregada ou que conteúdos foram transmitidos. Contar aos pretensos adotantes sobre a história das crianças e adolescentes é uma etapa imprescindível para o estabelecimento de vínculo, mas não há garantias de como será comunicada ou se essa história será transmitida. Se a linguagem apresenta fissuras, conteúdos ideológicos e inconscientes dos adotantes podem ser acrescentados nessa transmissão, possibilitando a travessia fantasmática ou potencializando um quadro angustiante de ausência de nomeação de uma filiação anterior, que fale sobre a história parental e a possível localização dos adotados no desejo dos seus primeiros cuidadores.

O dito e o não dito sobre as famílias consideradas negligentes ou incapazes de exercer proteção e cuidado podem causar a articulação do sintoma da criança aos discursos dos pais e das mães. O não dito articula-se com o silêncio, alienação, ideologia, história. Nesse sentido, o que é transmitido sobre os pais e mães destituídos do poder familiar? A busca no a posteriori das origens por parte das crianças pode lançá-las no aprisionamento imaginário de pais e mães que não foram suficientes, “. . . assim o não dito dos pais retorna nas fantasias repetidas e/ou nos atos das crianças” (Rosa, 2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica. São Paulo, SP: Escuta., p. 38). Rosa (2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica. São Paulo, SP: Escuta.) ainda pontua que a escuta pode ser comprometida pela suposta pregnância imaginária que essas famílias, em virtude do excesso da falta, não poderiam constituir demanda e se reposicionar perante o desejo.

Nesse eixo de análise, as formações discursivas constituídas sobre as histórias das famílias ainda apontam para outra dimensão quase invisível: a das crianças e adolescentes. Os discursos referidos nos registros documentais e nas entrevistas os localizam ou associam à figura do “menor”. Há sempre um Outro que fala por eles, sobre eles e para eles a partir das ideias psicológicas desenvolvimentistas e concepções jurídicas moralizantes. Quando as falas das crianças são retratadas nos documentos, a principal finalidade é de corroborar os cenários de violência ou a incapacidade protetiva de suas famílias.

Eixo B: Mal-estar na maternidade de mulheres destituídas do poder familiar

A Política Nacional de Assistência Social (Resolução n. 145, 2004Resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004 (2004, 26 de outubro). Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Brasília, DF: Diário Oficial da União.) orienta suas ações para a família, sendo crianças, adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros grupos considerados prioritários no atendimento dos serviços socioassistenciais público-alvo das estratégias de promoção social e intervenções em situações de violações de direitos. A figura das mulheres na assistência social, porém, tem se destacado mais como “gestoras” do que como cuidadoras centrais das famílias, o que também implica em sua hiper-responsabilização pelos quadros de vulnerabilidades e riscos sociais que vivenciam. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2018Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2018). Retrato das desigualdades de gênero e raça (1995-2015). Brasília, DF: Ipea. Recuperado de https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html
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), houve crescimento exponencial de domicílios brasileiros chefiados por mulheres, de 25%, em 1995, para 45%, em 2018. Esse crescimento foi atribuído à maior inserção da mulher no mercado de trabalho desde a década de 1960 no Brasil, por meio de movimentos sociais - principalmente feministas -, os quais têm contestado o lugar naturalizado de sua subordinação à figura masculina. As famílias monoparentais femininas são cada vez mais evidenciadas nas políticas sociais, porém também estão expostas a diversos fatores que podem diminuir suas capacidades protetivas, como dupla jornada e precarização das condições de trabalho, ausência de suporte familiar e comunitário (Pinto et al., 2011Pinto, R. M. F., Micheletti, F. A. B. O., Bernardes, L. M., Fernandes, J. M. P. A., Monteiro, G. V., Silva, M. L., ... Cohn, A. (2011). Condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social. Serviço Social & Sociedade, (105), 167-179. doi: 10.1590/S0101-66282011000100010
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).

Nos casos que compuseram este estudo, a figura feminina foi o principal membro familiar convocado a dar esclarecimentos e a responder às denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes. Nos documentos técnicos avaliativos como estudo diagnóstico, relatórios informativos das equipes do Creas e do Vara da Infância e da Juventude, há maior destaque das mulheres nos grupos familiares, associadas às práticas de cuidado e à maternidade, como se observa nos recortes das entrevistas das técnicas que atenderam os casos:

Vale informar que é sua característica a troca frequente dos companheiros afetivos, as constantes mudanças de endereço, a passividade diante da situação dos seus filhos maiores e a incongruência de suas falas e ações . . . também ficou evidente que não tinha condições de realizar ações básicas e essenciais de maternagem, favorecendo aos seus filhos cuidados inadequados. (Informativo técnico Creas/Assistente social - caso 1)

Não se confirma esse movimento, de fato, se era só uma fala para parecer uma mãe protetora ou uma mãe que está querendo ser mãe. A genitora não sabe ser mãe. Ela é simplesmente um útero. Essa é a minha leitura, o meu diagnóstico. Como ela não foi filha… a história dela de filha também é muito conturbada. (Entrevista com a psicóloga de referência - caso 2)

Ela conseguiu, é… aceitar e validar, que por amor aos filhos, já que ela sentia a força desse amor, ela tinha, que realmente, abençoar a ida deles. Ela já tinha internalizado, esse filho não vão deixar comigo, por tudo que eu já fiz de ruim comigo e com eles (Entrevista com a psicóloga de referência - caso 4)

Nos recortes apresentados do corpus de arquivo e das entrevistas, é possível depreender formações sobre a idealização da maternidade que remetem a uma leitura marianista de mulher, abnegada e disposta a todos os sacrifícios pelo bem dos filhos, mesmo que isso represente a “entrega” deles aos dispositivos de atendimento à infância e adolescência do Estado (Barcinski, Capra-Ramos; Weber & Dartora, 2013Barcinski, M., Capra-Ramos, C., Weber, J. L. A., & Dartora, T. (2013). O Marianismo e a vitimização de mulheres encarceradas: formas alternativas de exercício do poder feminino. Ex aequo, (28), 87-100. Recuperado de http://www.scielo.pt/pdf/aeq/n28/n28a08.pdf
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). As expressões “mãe desnaturada”, “negligente” e uma mulher que é um “útero” ou “não sabe ser mãe” são atribuídas a essas mulheres a partir de contextos discursivos marcados por ideias psicológicas e normalização jurídica dos comportamentos. Essas referências de maternidade empregadas de modo normativo ressoam com a história da mulher na cultura ocidental, alocada no espaço privado e responsabilizada pelo desenvolvimento físico e moral de sua “prole”. Esse termo empregado no informativo técnico ainda faz referência a uma concepção da mulher enquanto corpo reprodutivo, que deve ser regulado, controlado e interditado caso não produza “bons produtos” ou não assuma a responsabilidade por seus cuidados.

A intervenção no corpo feminino com relação ao seu potencial reprodutivo também se coloca como uma questão sobre o poder do Estado na regulação desse corpo e no seu direito de reproduzir. O “direito” de reprodução está consolidado, naturalizado culturalmente e ideologicamente, diferente do direito de não reproduzir. No entanto, em que momento a “prevenção de nascimento” se torna uma violação de direito de liberdade sobre o corpo feminino? Qual é o protagonismo ou o nível de autonomia dessas mulheres para pensarmos em uma escolha? Nos casos analisados, observaram-se discursos e práticas que propunham prevenção de novas gravidezes, mas em circunstâncias de extrema fragilização, como encarceramento, suspensão e destituição do poder familiar, condições que reduzem exponencialmente a capacidade de protagonismo e autonomia dessas mulheres.

As orientações e intervenções dos profissionais com relação às mulheres/mães convergiram para a indicação da laqueadura; o histórico de desproteções justificaria o uso desse procedimento como uma das melhores opções. Embora nenhuma das mulheres tenha realizado o procedimento, por motivos de dificuldade de acesso aos serviços de saúde ou por “resistências” pessoais, observou-se, após as destituições, um espaçamento ou a suspensão do acompanhamento delas. Há um esquecimento das mulheres até que elas ingressem novamente no sistema de garantia de direitos com outros filhos, cujas intervenções repetidamente se direcionam a processos de destituição do poder familiar, tendo em vista que as condições precárias de vida não são modificadas. A média de tempo do acompanhamento dessas mulheres foi de oito anos pelos diversos serviços, demonstrando descontinuidades das ações, desarticulação da rede de atendimento e ausência de serviços que atendam as particularidades dos casos.

Nos casos 1 e 2, as mulheres destituídas do poder familiar narram a experiência da maternidade como uma possibilidade de reconstruírem suas vidas. No primeiro, a entrevistada teve nove filhos; no segundo caso, dez filhos. Ao perderem uma criança devido ao aborto ou à destituição do poder familiar, outra ocupava esse lugar, como enunciado na fala da entrevistada do caso 1: “vou continuar tendo filhos até que uma fique comigo”.

A entrevistada 2 relatou que entregava seus filhos para a mãe cuidar, mas com o seu falecimento essa “entrega” passou a ser efetivada às unidades de acolhimento institucional. De acordo com os registros do seu atendimento, da entrevista realizada com as profissionais que acompanharam o caso (psicóloga e assistente social) e pela narrativa da entrevistada, ela tinha uma rede familiar ampla, mas que não lhe ofereceu suporte para o exercício da maternidade.

Iaconelli (2015Iaconelli, V. (2015). Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna. São Paulo, SP: Annablume.) descreve que há condições de construção do lugar de mãe para um bebê em sua estreita ligação com o laço social. A função da parentalidade de uma mulher não surge com a gestação, mas constitui-se na relação entre sujeito desejante e o discurso social. A gestação, porém, não se configura como desejo de ter um filho; pode encerrar-se no próprio gestar um bebê, considerando que o objeto eleito é contingencial. Uma mulher pode exercer ou não a função materna para um bebê, transformando um organismo em um corpo erógeno. Ao utilizar o conceito de corpo imaginado de Aulagnier (1964Aulagnier, P. (1964). Observações sobre a estrutura psicótica. In S. C. Katz (Org.), Psicose: Uma leitura psicanalítica (pp. 13-31). Belo Horizonte, MG: Andrade.), destaca-se que as mães carregam em si uma imagem de criança.

A gestação do último filho da entrevistada 2 foi diferente. A gravidez a separou do uso das drogas, que a destituía de um “querer saber sobre os filhos”, seus produtos aparentemente rejeitados por ela e seus familiares, com exceção de sua mãe, que, enquanto era viva, cuidava dos seus filhos-netos. Era um útero que dava filhos para sua mãe? Iaconelli (2015Iaconelli, V. (2015). Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna. São Paulo, SP: Annablume.) cita que “o desejo por um filho decorreria de uma promessa de reparação da impossível realização do desejo de ser objeto do desejo da mãe, o falo que comutaria a falta materna da qual derivam os verbos ser/ter/dar” (p. 134).

As gestações da entrevistada 2 sugerem que carregava filhos em seu útero não os tomando como seus, mas que com o último teria sido diferente: “Ele nasceu gordão, quatro quilos e pouco, bastante cabelo. Meu filho nasceu muito lindo.”. Embora os bebês descritos, segundo Iaconelli (2015Iaconelli, V. (2015). Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna. São Paulo, SP: Annablume.), como narcísico, edípico e imaginado façam parte da subjetividade de qualquer que tenha passado pelo Édipo, “uma mulher poderá eleger um bebê, não qualquer bebê, como depositário de seu investimento libidinal tornando-se mãe para esse filho” (p. 136). “Eu tentei ficar, mas não ficava, porque falavam que a culpa era minha, que estava acontecendo aquilo… na gravidez dele, eu estava cuidando de mim, estava distante das drogas.”. Nesse excerto de sua narrativa, há indicação de um deslizamento simbólico, um bebê que foi tomado como seu, que fez com que se ocupasse dos entre corpos, o seu e o do bebê. Contudo, os discursos de culpabilização e o uso de sua história como forma de desqualificação não sustentaram um questionamento sobre o seu desejo, que se dirigia a ter um filho, tomado como um corpo erogeneizado, investido libidinalmente por ela - “Meu filho nasceu lindo.”. A sucessão de acontecimentos com a retirada desse filho, por sua vez, apresenta uma “confusão” discursiva. A assistente social relata:

Eu a chamei e conversei com ela: Disse que, devido a sua impossibilidade de continuar com a criança, de criar laços, a gente já vai tirar do hospital para o lar do bebê”. Ela concordou. Ela concordou já de pronta, assim. E quando ela chegou aqui, ela ainda chorou algumas vezes. As meninas do berçário contaram pra gente. E ela até ficou sentida. Mas depois ela ficou mais tranquila. E ela acha, também, que esse bebê está melhor no lar do bebê. (Assistente social - caso 2)

A mulher-mãe, porém, expôs elementos de contradição nessa narrativa ao relatar que foi levada a entregar o filho. Essa confusão é ratificada pela psicóloga do Creas ao destacar que não havia acontecido uma entrega protegida:

O que eu diagnostiquei que esse trabalho entrega protegida não foi feito, não. É uma coisa muito nebulosa. Acho que foi muito mais, ela foi muito mais induzida, em algum momento, a dizer, ora no presídio, ora na maternidade que ela estava entregando o filho para adoção. Porque ela só não pediu, assim: “não tome meu filho”, porque eu consegui fazer ela entender que não foi eu ou a assistente social que tomamos o filho dela. Mas estava muito confuso os conteúdos de entrega protegida. Tanto que a gente ficou num dilema: como vamos escrever isso em um relatório, para não parecer um ataque, um confronto com as equipes? Porque mexe com duas instituições, uma estadual e uma municipal; uma da saúde e uma do sistema de justiça; que a assistente social da SEJUS e a equipe da maternidade. A fonte da entrega protegida, vieram delas (Entrevista com a psicóloga - caso 2).

A mesma profissional de psicologia que faz referência à mulher como um “útero” que não sabia ser mãe questionou o processo de entrega protegida. Na entrevista, fez uma observação considerando o histórico de gravidezes da entrevistada 2, a qual, segundo a psicóloga, não se implicava como mãe. Não se desconsidera essa possibilidade de interpretação crítica da profissional, mas a releitura que é feita neste trabalho propõe como contraponto uma escuta ética da mesma mulher sobre cada gestação, sobre seu atual momento de vida, e não apenas como um sujeito passivo diante de sua própria história ou ciclo de repetições. Como apontado, por meio de uma leitura psicanalítica, a mulher pode gestar muitos filhos e isso não implica ser mãe de todos eles. Sua história de vida, repetições, mesmo que apontem para supostas entregas dos filhos, não deveria de per si justificar a subtração de um novo filho. Havia indicativos de uma implicação com seu último filho, mas não houve uma escuta singularizada dessa nova relação, recaindo sobre ela a culpabilização e punição pelo histórico de não ter sido uma “boa mãe”.

As mulheres dos casos 1 e 4 também vivenciaram contextos similares em relação às tentativas de controle dos corpos femininos e de subtração dos filhos após o nascimento. No primeiro, observam-se tentativas sucessivas de realização da laqueadura tubária e no quarto caso é mencionada, nos prontuários a ação, a destituição do poder familiar de três filhos durante o encarceramento da mãe. Não havia nos registros documentais descrição dos motivos de abertura dessas ações, o que remete a intervenções historicamente situadas no Brasil desde o período colonial de afastamento de mães e filhos, com destaque para mulheres que vivem em contextos de vulnerabilização (Carajá, 2019Carajá, A. F. (2019). Diário Cartográfico das mães que perdem seus filhos e filhas pelas mães do Estado: paisagens que se repetem (Dissertação de mestrado, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais). Recuperado de https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/34694
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; Pontes, Braga & Jorge, 2022Pontes, M. G., Braga, L. S., & Jorge, A. O. (2022). A dinâmica das violências na separação compulsória de mães e filhos em situação de vulnerabilidade. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, 26, e210511. doi: 10.1590/interface.210511
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). Assim, esses modos de vida, marcados pelos signos da pobreza e desigualdades sociais, devem ser combatidos, tendo como principal saída rápida a transferência de crianças de famílias pobres para famílias de classe média alta, em ambientes onde o ideal de maternidade poderia ser realizado (Fonseca, 2019Fonseca, C. (2019). (Re)descobrindo a adoção no Brasil trinta anos depois do Estatuto da Criança e do Adolescente. RUNA, 40(2), 17-38. doi: 10.34096/runa.v40i2.7110
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).

Essas ações violentas contra as mulheres são relidas por pesquisadores como “sequestro de filhos” (Almeida & Barros, 2017Almeida, D. T., & Barros, V. A. (2017). O caso do sequestro do bebê: a violência do estado e as possibilidades de resistir. Cadernos Brasileiros e Saúde Mental, 9(24), 148-176. doi: 10.5007/cbsm.v9i24.69627
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) ou como ações deliberadas e produtoras do estado de “mães órfãs” (Souza, Pontes, Jorge, Moebus & Almeida, 2018Souza, C. M. B., Pontes, M. G., Jorge, A. O, Moebus, R. N., & Almeida, D. E. (2018). Mães Órfãs: o direito à maternidade e a judicialização das vidas em situação de vulnerabilidade. Revista Saúde em Rede, 4(1 suplem), 27-36. doi: 10.18310/2446-4813.2018v4n1suplemp27-36
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), que perdem seus filhos de forma compulsória devido às suas trajetórias de vida “infames”. Empresta-se esse termo do relato de Foucault (2003Foucault, M. (2003). A vida dos homens infames. In M. Foucault, Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV (pp. 203-222). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.) em “A vida dos homens infames”, no qual o autor, ao realizar uma pesquisa documental das cartas dirigidas ao rei em que constavam pedidos de prisão de soldados, desertores, monges, mulheres e outros, nos séculos XVII e XVIII, destaca que esses sujeitos foram silenciados pelo poder e apenas visibilizados pelas denúncias e pedidos de prisões. A notoriedade dos pais e mães que são suspensos e/ou destituídos do poder familiar, nesse sentido, é reescrita pelos discursos da ausência ou precariedade das práticas de cuidado e negligência. Sustenta-se no imaginário que a vida das crianças dessas mulheres vale mais do que a vida das próprias mães, as quais, ao invés de serem amparadas por políticas que possam lhes oferecer condições para construírem relações mais dignas consigo e com os filhos, tornam-se alvo de políticas higienistas e de extermínio.

Butler (2015Butler, J. (2015). Quadro de guerra: quando a vida é passível de luto? (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.), ao analisar os cenários de guerra, discute que para justificar a morte de seres humanos em campo de batalha há uma legitimação por meio das redes sociais e discursos políticos de certos modos de vida que valem mais do que outros: “ . . . quando uma população parece constituir uma ameaça direta à minha vida, seus integrantes não aparecem como “vidas”, mas como uma ameaça a vida (uma representação viva que representa ameaça de vida)” (p. 67).

A precarização dos modos de vida de parte da população configura no imaginário social a degradação da condição humana, a qual deve ser combatida, eliminada do campo escópico das classes que ficam horrorizadas com a possibilidade de intrusão desses contextos que ameaçam seus modos de vida. Os ideais higienistas orientados pela padronização dos corpos e formas de relacionamento estão presentes nos discursos dos especialistas que buscam limpar as cidades dos males sociais, os quais questionam e denunciam os ideais civilizatórios.

Rena, Romagnoli e Lima (2014Rena, A. C. C. B., Romagnoli, R. C., & Lima, N. L. (2014). Maternidade e feminilidade: um estudo da subjetividade de mães negligentes na Assistência Social. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 17(4), 845-857. doi: 10.1590/1415-4714.2014v17n4p845.3
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) indicam a importância da diferenciação da mulher e da maternidade nos contextos de atendimento que envolva negligência às crianças e adolescentes. A aposta na retificação subjetiva da mulher torna-se para as autoras uma proposta interventiva. O sujeito enredado a uma rede de atendimento das políticas públicas sociais, que mantém contato interinstitucional com o campo jurídico, nessa perspectiva, depara-se com a Lei simbólica, fundante e estruturante do sujeito, com ‘L’ maiúsculo, e as leis escritas, que demonstram a complexidade das normativas do modo de vida.

O poder familiar é compreendido como um estatuto jurídico que estabelece a relação entre paternidade, maternidade e filiação. Ser destituído do poder familiar não implicaria, porém, na desapropriação e rompimento radicais dos laços e vínculos filiais. Lemos, Neves e Paravidini (2016Lemos, S. C. A, Neves, A. S., & Paravidini, J. L. L. (2016). O sujeito e as leis na destituição do poder familiar. Revista Subjetividades, 15(2), 234-244 doi: 10.5020/23590777.15.2.234-244
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) sugerem que “ . . . há uma relação intrínseca entre Lei e leis, no sentido de que o relacionamento do sujeito com as leis é mediado por sua inscrição na Lei simbólica, havendo, portanto, uma primazia da Lei sobre as leis” (p. 236). Essa primazia invoca outra questão: a presença, na Lei, daquilo que uma sociedade considera humano e não humano, o que pode ou não corresponder ao que ela considera legal e ilegal.

As leis e políticas aplicadas no atendimento das mulheres descritas nos casos não solucionaram ou proporcionaram alternativas às questões sociais e psíquicas que marcaram suas trajetórias de vida. Ao contrário, foram agenciadas em desfavor dos seus direitos, promovendo a ruptura de vínculos afetivos e jurídicos.

Eixo C: Estratégias interventivas utilizadas nos casos de destituição do poder familiar

No percurso dos casos que contribuíram para este estudo, identificou-se uma ampla articulação de diversas instituições públicas, que envolvia desde a ação do Conselho Tutelar no acolhimento das crianças aos diversos encaminhamentos efetivados, principalmente à rede de saúde. Verifica-se uma concentração dos atendimentos nos serviços socioassistenciais da Proteção Social Básica e Especial, respectivamente compostos pelos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Creas. O planejamento e execução dos planos de atendimento construídos para as famílias, que tinha como base o estudo diagnóstico realizado pelo serviço de acolhimento do Creas, traçou objetivos e metas que foram empregados na tentativa de atender as demandas levantadas de proteção imediata dos indivíduos e famílias, com vistas à superação das condições que minimizavam suas capacidades protetivas. No levantamento documental, no entanto, não foi verificada a inclusão dessas pessoas na construção dos planos, como indicam as orientações técnicas para o serviço de acolhimento institucional de crianças e adolescentes. As ações são descritas como complementares ao estudo diagnóstico, assumindo uma natureza avaliativa das habilidades parentais, cujos novos relatórios confirmavam ou descredibilizavam a possibilidade de retorno dos filhos e filhas ao convívio familiar.

Uma das marcas da articulação da rede para o atendimento das famílias que tiveram a abertura do processo de destituição do poder familiar é a descontinuidade das ações, que ainda são atravessadas por práticas prescritivas e normativas, impondo ideais inatingíveis ao desconsiderar seus modos de vida e os lugares que lhes são atribuídos discursivamente. Quanto aos encaminhamentos que poderiam lhes possibilitar mudanças nos contextos precários em que viviam e de atendimento especializados às violências sofridas, são reduzidos ou não conseguem atender as particularidades dos casos. Quando os familiares não compareciam aos atendimentos, surgiam formações discursivas que os responsabilizavam pela não adesão.

Como indicado no eixo anterior, uma das principais intervenções se referia à capacidade reprodutiva das mulheres, destacada nas falas das profissionais como uma das principais ações para o rompimento do ciclo de perdas dos filhos. Soma-se ao imperativo dessa intervenção o discurso de responsabilização dessas mulheres pelo insucesso na gestão dos cuidados dos filhos e filhas.

Costa e Cunha (2020Costa, V. C. A., & Cunha, E. S. M. (2020). A família na proteção social especial (creas/suas) e as questões de gênero, diversidade sexual e classe: Uma revisão narrativa. Estudos de Psicologia, 24(4), 382-392. doi: 10.22491/1678-4669.20190038
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), ao problematizarem a conceituação de família nos documentos oficiais da Política de Assistência Social - cujo recorte analítico foi a Proteção Social Especial -, apontam que as questões de gênero e a diversidade sexual são temas negligenciados. O conceito abrangente de matricialidade sociofamiliar não proporciona considerar criticamente os recortes interseccionais de classe, raça e gênero, o que implica na ausência de um trabalho qualificado e sistematizado, apresentando um caráter processual e operacional no atendimento especializado às famílias e pessoas que sofreram violação de direitos. Ao consultar os prontuários, não se identificaram ações ou procedimentos interventivos específicos no atendimento das famílias que tiveram a abertura de um processo de destituição do poder familiar. O protocolo de atendimento seguia genericamente as diretrizes para o serviço de acolhimento de crianças e adolescentes. Não foram identificadas atividades sistematizadas com objetivo de atender as demandas identificadas nos estudos diagnósticos. Os Planos de Atendimento Individual e Familiar dos casos descreveram ações e encaminhamentos das equipes técnicas de referência, supostamente articuladas à rede de atendimento, mas sem a indicação de que as famílias participaram ativamente desse processo.

O planejamento de atendimento dos casos estava centrado nas mães e filhos/filhas. Os diversos encaminhamentos das mulheres para os demais serviços não se demonstraram exequíveis, pois todas viviam em condições de pobreza, apresentavam comprometimentos com uso de substâncias psicoativas e rede de apoio familiar e comunitária frágeis e reduzidas que dificultavam o acesso delas ao acompanhamento especializado na rede de saúde mental e atendimentos psicoterápicos em clínicas-escola, entre outros.

Os meninos não recebiam visitas, de ninguém. A gente que conseguiu forçar, para as visitas das crianças serem efetivadas, para que a mãe pudesse ver as crianças. Eu lembro que nas primeiras, nos primeiros encontros, insistiam que ela tinha que ir pro abrigo. Só que vinha escolta armada, botava a mulher de algema, era uma coisa muito constrangedora. E aí, a gente conseguiu reverter. (Psicóloga - caso 4).

Admito que o nosso serviço é ineficaz de fazer um acompanhamento após reintegração, até porque a gente não tem serviço, nem pernas para isso. Eu admito que, por exemplo, mal consigo acompanhar os casos que eu estou, e dos meninos que estão em situação de acolhimento. Eu luto para cumprir os prazos do meu. Às vezes eu acho que eu até poderia fazer melhor, mas não posso porque tem um prazo, e prefeitura, e tribunal de justiça trabalha com quantidade e não qualidade. (Psicóloga - caso 1).

Se você não tem uma família perfeitinha, você não investe. E aí, assim, nunca vi acompanhamento por parte de justiça, entendeu? Já nasceu, vai logo pra adoção. Pronto, tem que ir logo para a adoção. Assim como eu acho que se ela tiver outro filho, hoje, provavelmente vai pra maternidade, e de lá mesmo, pela justiça, já vai pra ser adotado. (Psicóloga - caso 1).

A legitimação da destituição do poder familiar escamoteia as relações assimétricas entre pessoas e instituições, atravessadas por múltiplos discursos. A precariedade das condições de trabalho dos profissionais da rede de proteção, a ausência de formação continuada e as relações de poder entre as instituições públicas não são fatores considerados nos processos de acompanhamento e intervenção junto às famílias que vivem em condições sociais críticas.

As profissionais entrevistadas se inscrevem de diversos modos nas formações discursivas, pois ocupam diferentes posições: como profissionais de instituições públicas que executam seus serviços, como trabalhadoras de distintas classes profissionais (psicologia e serviço social) e também como mulheres/mães. No processo da análise, encontram-se contradições discursivas provenientes das distintas posições que ocupam. Há uma condição de assujeitamento às “determinações judiciais”, que as interpelam e determinam que produzam relatórios, os quais, conforme a formação discursiva da psicóloga 2, não são contestados quando há indicativos de destituição do poder familiar. Embora haja elementos críticos no discurso das profissionais que contraponham o desassistimento das famílias pelas políticas públicas e pelo Sistema de Justiça, os enunciados das entrevistas mantiveram uma filiação às formações discursivas e ideológicas que localizam, no acolhimento institucional, na destituição do poder familiar e na interrupção reprodutiva, estratégias que suspendem os ciclos de pobreza e violações de direitos.

A intervenção judicial e a judicialização das questões familiares impactam sobremaneira os sujeitos, podendo possibilitar a reconstrução dos projetos de vida ou ampliar os quadros críticos em que estão. Observa-se uma tendência de ampliação da judicialização dos direitos socioassistenciais à saúde e à educação. As requisições dos serviços vinculados ao Poder Executivo pelo Poder Judiciário, por sua vez, não raramente extrapolam as prerrogativas e diretrizes das políticas públicas. A assimetria das interlocuções entre seus serviços implica no aumento de custos ao Estado, devido ao precário e ineficaz fluxo de trabalho, além de reduzir expressamente a qualidade, singularização, do atendimento ao sujeito-cidadão que passa a ser alvo de controle dos dispositivos estatais.

A personificação das ações dos profissionais surge nas formações discursivas como outro elemento que fragiliza a definição das estratégias de trabalho e a construção dos fluxos de atendimento. A complementaridade e interdisciplinaridade entre os serviços que compõem o Sistema de Garantia de Direitos demonstra-se frágil, conforme a análise do corpus. A oferta de serviços e os encaminhamentos realizados nos casos analisados são intermediados principalmente pela rede de contato pessoal dos agentes institucionais. Além disso, os encaminhamentos apresentam um lapso temporal do referenciamento das famílias aos variados serviços da rede ao atendimento. As ações de monitoramento dos encaminhamentos são quase inexistentes e, quando ocorrem, são intermediadas por meio de contatos pessoais. O fluxo de referência e contrarreferência entre os serviços foi descrito de forma inconsistente. As determinações judiciais são respondidas, mesmo com solicitações de dilações de prazo, porém, as demais interlocuções intersetoriais e interinstitucionais foram acionadas principalmente quando houve novas denúncias de violações de direitos que envolviam o grupo familiar atendido.

No corpus de arquivo, identificou-se ainda sugestões de destituição do poder familiar dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas) ao responderem solicitações judiciais. Os relatórios apresentam caráter investigativo e fiscalizador, excedendo, portanto, as atribuições dos instrumentos e procedimentos estabelecidos pela política de assistência social, como destacado na nota técnica nº 02/2016/SNAS/MDS. Nas entrevistas com as profissionais, houve culpabilização das famílias em relação às ações de destituição do poder familiar. Essa fragilização e/ou rompimento de vínculos entre usuários e profissionais pode também se referir ao uso da relação de confiança para produção de provas juntamente ao Poder Judiciário, desconfigurando o caráter protetivo inerente ao Suas. A tentativa de responder prioritariamente à “quantidade” das diversas solicitações judiciais e extrajudiciais, como destacado na formação discursiva da psicóloga 1, implica na redução do investimento das funções de proteção social às pessoas e suas famílias. Infere-se que a urgência processual não corresponde ao tempo do planejamento e execução de ações que possam produzir efeitos significativos juntamente às famílias.

Considerações finais

A destituição do poder familiar rompe o vínculo jurídico estabelecido entre pais, mães e filhos, o qual, mesmo sendo contestado, incide sobre a vida dessas pessoas, reforçando no imaginário social a figura desqualificada desses familiares que “não deram conta” dos cuidados necessários para o desenvolvimento prescrito como saudável das crianças e adolescentes. Essa expressão, presente nas falas dos profissionais que atuam na rede de atendimento à infância e à adolescência, sinaliza os ideais de cuidado que pressupõem uma igualdade entre os cidadãos. Aqueles não iguais, que não atendem à formatação de uma família saudável e estruturada, passam a ser pedagogizados em suas atribuições parentais. Caso não demonstrem provas materiais e subjetivas dessas mudanças, são penalizados por meio do afastamento temporário ou definitivo de seus filhos e filhas. Não foi pretensão deste trabalho descredibilizar a atuação dos profissionais que atuam na referida rede, mas sim de problematizar os discursos sobre as famílias provenientes das camadas que mais sofrem com as desigualdades sociais.

A escuta do sujeito-cidadão e do sujeito-inconsciente demonstra-se, neste estudo, como estratégia que não exclui ou sobrepõe essas posições, mas que possibilita compreender os efeitos discursivos na produção de alienação ideológica ou que deixam escapar os produtos inconscientes, os quais podem lançar o sujeito na repetição que destitui sua subjetividade. A psicanálise escuta a mulher, no um a um, para além de uma máquina produtora de filhos, inscritos em desejo anônimo. A escuta e as intervenções não devem se restringir, portanto, às questões transgeracionais, da herança familiar, na qual comumente se destacam os segredos velados e a relação conflitante entre mãe e filha, mas incluir criticamente os efeitos das formações discursivas e ideológicas que marcam profunda e estruturalmente essas questões.

A experiência da psicanálise pode contribuir para sustentação de uma ética na escuta dos sujeitos em situações sociais críticas (Broide & Broide, 2016Broide, J; & Broide, E. E. (2016). A psicanálise em situações sociais críticas: metodologia clínica e intervenções (2a ed.) São Paulo, SP: Escuta.), à revelia dos discursos alienantes que criam obstáculos para construção da travessia de tornar-se sujeito desejante (Rosa, 2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica. São Paulo, SP: Escuta.). Analisar as trajetórias e narrativas de familiares que “reincidiram” no acolhimento institucional e na destituição do poder familiar de seus filhos e filhas, por meio de uma leitura psicanalítica, situa-se em um campo para além do consultório, no qual há fenômenos que se inscrevem nos âmbitos cultural e social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2023
  • Aceito
    12 Set 2023
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