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Fotofísica de carotenóides e o papel antioxidante de b-caroteno

Photophysics of carotenoids and the antioxidant role of b-carotene

Resumo

Carotenoid polyenes play a wide role in nature and their photophysical properties make of these pigments a focus of research in photochemistry, photobiology and photomedicine. Some aspects of the singlet and triplet states and, their interaction with molecular and singlet oxygen and free radicals are briefly reviewed in this article.

carotenoids; b-carotene; singlet oxygen


carotenoids; b-carotene; singlet oxygen

Fotofísica de carotenóides e o papel antioxidante de b-caroteno

Sergio Luis Cardoso

Instituto de Química - Universidade Federal do Rio de Janeiro - CT - Bloco A - 21949-900 - Rio de Janeiro - RJ

E-Mail: cardoso@iq.ufrj.br

Recebido em 18/4/96; aceito em 16/12/96

Photophysics of carotenoids and the antioxidant role of b-carotene. Carotenoid polyenes play a wide role in nature and their photophysical properties make of these pigments a focus of research in photochemistry, photobiology and photomedicine. Some aspects of the singlet and triplet states and, their interaction with molecular and singlet oxygen and free radicals are briefly reviewed in this article.

Keywords: carotenoids; b-carotene; singlet oxygen.

INTRODUÇÃO

De todos os pigmentos naturais, os carotenóides são provavelmente os de maior ocorrência, podendo ser encontrados em animais, plantas e microorganismos. São pigmentos altamente coloridos, insaturados e lipofílicos, apresentando uma variedade de cores desde o amarelo até o vermelho. Os carotenóides são responsáveis pela coloração apresentada por muitos insetos, pássaros, peixes e crustáceos. Por exemplo, são responsáveis pelas cores do salmão, da truta e do peixe dourado, pela plumagem rosa dos flamingos e, pela mudança de cor da lagosta, quando submetida ao aquecimento, em função da liberação de um carotenóide,astaxantina (I), que está inicialmente associado à uma proteína.

Quase todos os carotenóides são derivados de tetraterpenos (C40) com o esqueleto hidrocarbônico consistindo em oito unidades isoprenóides. Na natureza, os carotenóides surgem a partir da reação de acoplamento "cauda-cauda" do análogo C20 do pirofosfato de farnesila, levando inicialmente à formação do fitoeno (Figura 1); este por sua vez, através de reações de desidrogenação, ciclização e oxidação, dará origem a uma variedade de pigmentos C40, como por exemplo, os abundantes b-caroteno (II) e licopeno (III). Esta classe de pigmentos também inclui certos compostos formados pelo rearranjo deste esqueleto, ou pela remoção formal de parte desta estrutura. Carotenóides formados somente por átomos de carbono e hidrogênio são chamados de carotenos, enquanto os derivados contendo um heteroátomo, como por exemplo oxigênio, são chamados de xantofilas1.


O carotenóide mais conhecido é o b-caroteno, pigmento responsável pela cor característica da cenoura que corresponde à pró-vitamina A mais abundante e de maior atividade, sendo convertido em vitamina A1 pela quebra oxidativa da dupla ligação central e posterior redução bioquímica do aldeído (Figura 2).


Os carotenóides destacam-se em outras áreas da medicina além da nutricional, sendo utilizados no tratamento de certas doenças de pele, como por exemplo na fotoporfíria eritropoiética. Estudos recentes indicam uma possível atividade anti-cancerígena como também a provável participação como moduladores das respostas imunológicas2,3. Na área comercial os carotenóides já há alguns anos vêm sendo utilizados como colorantes e antioxidantes, principalmente em alimentos pois, além de altamente coloridos, são de ocorrência natural e não tóxicos. Além disso, os carotenóides não são particularmente caros, bastando por exemplo, 3-5 g de b-caroteno para conferir a uma tonelada de margarina a sua cor amarela característica4. As propriedades antioxidantes dos carotenóides e a análise dos produtos de autooxidação de b-caroteno foram recentemente revistas por Krinsky et al5,6. O mecanismo exato de ação dos carotenóides como antioxidantes in vivo ainda não está determinado, porém acredita-se que esteja relacionado a sua capacidade de interagir eficientemente com íons radicais e com espécies reativas do oxigênio6-9.

A presença abundante de carotenóides em membranas fotossintéticas há muito sugeriu o desempenho de algum papel nas reações e/ou estabilização destes sistemas. Atualmente está bem estabelecido que os carotenóides desempenham duas importantes funções em fotossíntese. Primeiramente, eles atuam como antenas auxiliares, absorvendo luz em regiões do espectro visível onde a clorofila não absorve eficientemente. Os carotenóides transferem com eficiência a energia absorvida para outros pigmentos que então a direcionam ao centro de reação. O mecanismo deste processo envolve a transferência de energia singlete-singlete do carotenóide para a clorofila ou bacterioclorofila. Além de funcionarem como antenas, os carotenóides também atuam como fotoprotetores do sistema fotossintético. O mecanismo de fotoproteção envolve a supressão dos estados triplete da clorofila, evitando a formação de oxigênio singlete (1O2) via sensibilização, ou seja, transferência de energia triplete da clorofila para o carotenóide; se houver formação de oxigênio singlete por outros processos, o mesmo pode ser diretamente suprimido pelo carotenóide10-13. Alguns trabalhos sugerem também a participação de carotenóides na regulagem do fotossistema II, envolvendo a conversão de violaxantina em zeaxantina (Figura 3) como um dos fatores responsáveis pela dissipação do excesso de energia de excitação através de processos não radiativos; esta conversão poderia não só ter uma função estrutural como também envolver a supressão direta do estado excitado singlete da clorofila pela zeaxantina14-18.


Nos processos primários da visão, encontramos outra importante função dos carotenóides na natureza. Nos pigmentos visuais, como a rodopsina, o retinal encontra-se na forma isomérica 11-cis, 12-s-trans e está ligado a uma proteína, a opsina. O início dos estágios primários dos procesos visuais é atribuído a uma mudança conformacional causada na proteína pela fotoisomerização do retinal (Figura 4)19.


O ESTADO SINGLETE DE CAROTENÓIDES

Os carotenóides simétricos pertencem ao grupo pontual C2h e a descrição completa dos estados eletrônicos de um carotenóide é dada por: S0(11Ag- ), S1(21Ag- ) e S2(11Bu+ ), onde o superíndice 1 refere-se ao estado singlete.

O espectro do estado fundamental dos carotenóides é caracterizado por forte absorção na região do visível, » 400-500 nm, devido à transição dipolo permitida S2(11Bu)¬S 0(11Ag-), apresentando coeficientes de absorção molar da ordem de 1,5 x 105 dm3 mol-1 cm-1 como por exemplo, para b-caroteno em 460 nm em benzeno. O cromóforo responsável por esta absorção é a cadeia carbônica de ligações duplas conjugadas. O espectro de absorção apresenta tipicamente estrutura fina vibracional devido às transições (0-0), (1-0), e (2-0). Com o aumento do número de ligações duplas conjugadas do carotenóide (n), observa-se aumento dos valores do coeficiente de absorção molar e deslocamento batocrômico do lmax. No caso dos isômeros cis, observa-se valores menores dos coeficientes de absorção molar e uma banda extra na região do UV conhecida como banda "cis".

Estudos teóricos e experimentais com polienos simples e com alguns carotenóides levaram a um melhor entendimento do comportamento eletrônico desta classe de pigmentos. Estudos de espectroscopia eletrônica destas moléculas estabeleceram a existência de um estado excitado S1(21Ag- ) entre o estado eletrônico fundamental S0(11Ag- ) e o estado excitado permitido S2(11Bu+ ) para polienos possuindo de quatro a oito ligações duplas conjugadas (a transição S1(21Ag-)¬ S0(11Ag- ) é duplamente proibida por paridade e simetria). A localização e caracterização do estado S1(21Ag- ) por meios espectroscópicos convencionais torna-se mais difícil com o aumento do comprimento da cadeia conjugada.

Os carotenóides são fracamente fluorescentes com rendimentos quânticos por volta de 10-4-10-5. Normalmente, carotenóides com menos de sete ligações duplas conjugadas emitem do estado S1(21Ag- ), populado a partir do relaxamento não radiativo do estado S2(11Bu). No caso de carotenóides com 7 ou 8 ligações duplas conjugadas ocorre a inversão da emissão (S1S0) com deslocamento de Stokes, característica de pequenos polienos, passando a apresentar comportamento "anti-Kasha", com emissão (S2®S0)20,21 . Esta inversão é atribuída ao aumento da diferença de energia entre os estados S2-S1 com o aumento da cadeia conjugada, diminuíndo a taxa do processo de conversão interna da transição S1(21Ag)¬S 2(11Bu+) conforme previsto pela lei da diferença de energia22-24. Desta forma, carotenóides com mais de sete ligações duplas conjugadas passam a apresentar emissão do estado S2(11Bu)25-32 . No caso particular de retinal e seus derivados carbonilados, além da transição permitida para o estado p,p* S2(11Bu+ ) existem duas transições proibidas, uma para o estado p,p* S1(21Ag) e outra para o estado n,p*. A posição relativa destes três níveis de energia é fundamental na definição dos processos de fluorescência, isomerização e cruzamento intersistemas destes compostos. No caso das moléculas com cadeia conjugada curta (n = 2-4), não é observada fluorescência em função do estado np* ser o de menor energia; para os derivados intermediários (n = 5,6) a ordem dos estados excitados e, consequentemente a fluorescência, é dependente de fatores externos como solvente e temperatura; os derivados de cadeia conjugada longa (n = 7,8) apresentam emissão independente do solvente e temperatura, pois o estado p,p* S1(21Ag) passa a ser o de menor energia.33

Devido à rápida velocidade de desativação do estado S2 (na faixa de femtossegundos), existe somente um pequeno número de medidas resolvidas no tempo onde foi determinado diretamente o tempo de vida deste estado. Através de experimentos de absorção de transientes o tempo de vida do estado S2 para b-caroteno em etanol e CS2 foi estabelecido em 200 e 250 fs, respectivamente29. Com experimentos utilizando a técnica de fluorescência de alta-conversão este tempo de vida foi estimado em 195 ± 10 femtossegundos32. O tempo de vida do estado S1 para o b-caroteno foi estimado em aproximadamente 8 ps34.

O ESTADO TRIPLETE DE CAROTENÓIDES

Uma das principais dificuldades para o estudo e caracterização do estado triplete de carotenóides encontra-se no fato de que este estado não pode ser populado diretamente, isto é, o rendimento quântico de cruzamento intersistemas neste tipo de molécula é praticamente nulo, sendo estimado em aproximadamente 0,00135. Uma exceção a esta regra geral é feita no caso particular de alguns carotenóides de pequena cadeia conjugada como b-ionona, retinal e b-apo-14'-carotenal, onde a formação do estado triplete por excitação direta pode ser observada, sendo tal fato atribuído a existência de um estado 3pp próximo ou abaixo do estado singlete de mais baixa energia 1np para b-ionona e retinal e, a um estado 3np abaixo do estado singlete de natureza 1pp no caso de b-apo-14'-carotenal36. Tipicamente o estado triplete de um carotenóide pode ser populado via processos de transferência de energia utilizando-se um sensibilizador apropriado. Este transiente pode ser observado através de técnicas como fotólise de pulso e radiólise de pulso, apresentando esta última a vantagem de poder ser usada para excitar diretamente o estado triplete através de um mecanismo de recombinação de íons e , portanto não envolvento o processo de cruzamento intersistemas37. Em geral, as mesmas tendências observadas acima para os espectros de absorção do estado fundamental podem ser extendidas para os espectros de absorção do estado triplete, isto é, aumento do coeficiente de absorção molar e deslocamento para o vermelho do lmax em função do aumento do número de ligações duplas conjugadas do carotenóide17,36.

Devido ao fato de carotenóides serem não fosforescentes, os métodos mais empregados para a determinação da energia deste estado têm sido: transferência de energia36-43, acoplamento spin-órbita44 e, recentemente espectroscopia de fotoacústica pulsada, utilizando também sensibilizadores para gerar o estado triplete dos carotenóides45. A determinação da energia do estado triplete de carotenóides continua sendo o alvo de muitos trabalhos, gerando também muitas controvérsias em relação aos valores encontrados. Como exemplo, existem diferentes estimativas para o valor da energia do estado triplete do b-caroteno, os valores relatados são: entre 1,24 e 0,97 eV estimado através de radiólise de pulso e supressão por oxigênio molecular37; entre 1,08 e 0,90 eV utilizando-se sensibilizadores de diversas energias de triplete39.; e 0,64 ± 0,04 eV através de calorimetria fotoacústica resolvida no tempo46. Gorman et al47, utilizando dados termodinâmicos obtidos através de experimentos com variação de temperatura, obtiveram o valor de 1,0 eV para a energia espectroscópica (ou vertical) do estado triplete de b-caroteno, enquanto Redmond e Lambert, utilizando calorimetria de fotoacústica pulsada e C60 e C70 como sensibilizadores obtiveram o valor de 0,84 ± 0,04 eV para a energia do estado triplete relaxado45. Para b-ionona foi demonstrado que o estado triplete espectroscópico (ou vertical) sofre relaxamento extremamente rápido para um estado triplete torcido onde acredita-se que a dupla ligação central esteja a 900 em relação a sua configuração inicial, neste caso a energia do estado triplete relaxado encontra-se 0,67 eV abaixo da energia do estado triplete vertical inicialmente formado19,48.

O estado triplete de mais baixa energia dos carotenóides apresenta tipicamente tempos de vida na faixa de 10 ± 5 ms33,36. Para carotenóides de 7 a 11 ligações duplas conjugadas foram observados tempos de vida do estado triplete na faixa de 3 a 11 ms em tolueno, com a diminuição do tempo de vida em função do número de ligações duplas da cadeia conjugada do carotenóide. Este fato é atribuído à diminuição da energia do estado triplete em função do aumento da cadeia conjugada e consequente aumento da eficiência dos processos de decaimento não radiativos para a desativação do estado triplete17. Interessantemente, os carotenóides de cadeia conjugada curta (n<4) apresentam tempos de vida do triplete relaxado na faixa de 150 ns, bem abaixo dos valores observados para os outros carotenóides. Becker et al36 atribuíram esta diferença a um possível estado triplete de carater misto 3np*-3pp* para carotenóides com n<4 enquanto que para os polienos de cadeia mais longa o estado triplete seria de carater puramente 3pp*.

SENSIBILIZAÇÃO E SUPRESSÃO DE OXIGÊNIO SINGLETE POR CAROTENÓIDES

Normalmente os carotenóides são conhecidos por sua capacidade de supressão de espécies reativas de oxigênio e de radicais livres mas, também são capazes de gerar espécies reativas, como por exemplo, oxigênio singlete. A capacidade de sensibilização de oxigênio singlete esta diretamente relacionada a dois fatores principais, primeiro é necessário que haja a formação do estado triplete do carotenóide e, segundo que o processo de transferência de energia do estado triplete do carotenóide para o oxigênio molecular seja termodinamicamente permitido, isto é, a energia do estado triplete do carotenóide deverá ser igual ou superior à energia do oxigênio singlete (0,98 eV); estes dois fatores, por sua vez, estão relacionados ao comprimento da cadeia conjugada do carotenóide49. No caso de retinal e b-apo-14'-carotenal, observa-se a sensibilização de oxigênio singlete pela excitação direta destes pigmentos, isto é, o estado triplete é formado e o processo de transferência de energia é termodinamicamente permitido. Recentemente, o estudo de uma série de carotenóides covalentemente ligados a um sensibilizador demonstrou que carotenóides possuindo até oito ligações duplas conjugadas sensibilizam a formação de oxigênio singlete e que a partir de nove ligações duplas conjugadas o processo não ocorre. Para o caso específico do carotenóide com oito ligações duplas conjugadas observou-se que o mesmo é capaz de sensibilizar e também suprimir oxigênio singlete, indicando que o estado triplete deste carotenóide deve ser isoenergético ao oxigênio singlete17.

A capacidade de supressão de oxigênio singlete pelos carotenóides ocorre via um mecanismo de transferência de energia envolvendo a excitação do carotenóide ao estado triplete de mais baixa energia (1), sendo este, por sua vez, desativado pelo eficiente decaimento não radiativo para o estado fundamental (2)37,50-53.

O2 (1Dg) + Car ® O2 (3S-g) + 3Car* (1) 3Car*® Car + calor (2)

Para b-caroteno, este processo de transferência de energia é bastante eficiente, apresentando uma constante de supressão (ks) de segunda ordem de aproximadamente 1,4 x 1010 M-1 s-1 em diversos solventes44,53. A tabela 1 apresenta valores de ks para alguns carotenóides. A capacidade de supressão de oxigênio singlete por vários carotenóides pode ser comparada através dos valores de suas constantes de supressão e, como pode ser observado na tabela 1, dentre os carotenóides com 11 ligações duplas conjugadas, o licopeno é o que apresenta maior capacidade de supressão. Os carotenóides com cadeia conjugada mais longa, como decapreno-b-caroteno e dodecapreno-b-caroteno são os mais eficientes na desativação de O2(1Dg), com valores das constantes de supressão aproximando-se do limite para os processos controlados por difusão de 3 x 1010 M-1s-1 em benzeno54.

SUPRESSÃO DE RADICAIS LIVRES POR CAROTENÓIDES

Além da supressão de oxigênio singlete, os carotenóides possuem a capacidade de reagir com radicais livres, principalmente com oxi-radicais como, o superóxido (O2·-), o radical hidroperoxila (HO2·) e o radical hidroxila (HO·). Deve-se ressaltar que o superóxido não é muito reativo quando comparado com, por exemplo, o radical hidroxila. In vivo estes radicais podem ser formados tanto em decorrência de processos naturais, como por exemplo O2·- produzido através de fagocitose, ou em decorrência de influências externas, como por exemplo radiação UV. A dismutação do superóxido leva a formação de peróxido de hidrogênio (3) que, em presença de metais de transição, leva a formação do radical hidroxila (4), uma espécie altamente oxidante, capaz de reagir com quase todas as moléculas dos organismos, com constantes de velocidade da ordem de 109-1010 M-1s-1 :

O2·- + O2·- + 2H+® H2O2 + O2 (3) H2O2 + Fe2+® Fe3+ + HO- + HO· (4)

In vivo, muitas das reações radicalares potencialmente prejudiciais são evitadas ou modificadas pela ação de agentes inibidores ou antioxidantes. Por exemplo, no caso do O2·-, a superóxido dismutase (SOD) age como agente de defesa contra esta espécie ou seus efeitos, enquanto as enzimas catalase e peroxidase atuam sobre H2O2. A capacidade de proteção dos carotenóides é atribuída à habilidade destes pigmentos de agirem como antioxidantes55. Os agentes antioxidantes atuam na prevenção da peroxidação lipídica e são classificados em duas categorias: antioxidantes de quebra de cadeia, que interferem na etapa de propagação radicalar (como fenóis e aminas aromáticas) e, os antioxidantes preventivos, que interferem na etapa de iniciação do processo radicalar (como algumas enzimas inclusive a peroxidade e a catalase). Os experimentos in vitro de Burton e Ingold55 mostraram que o b-caroteno pertence a uma classe de antioxidantes biológicos cujo mecanismo de ação difere das classes de antioxidantes convencionais acima citadas uma vez que este pigmento não é um antioxidante preventivo da decomposição de peróxidos nem um antioxidante convencional de quebra de cadeia apesar de reagir rapidamente com radicais Cl3COO· 8. Especificamente, o b-caroteno exibe uma boa capacidade de captura de radicais somente a pressões parciais de oxigênio significantemente abaixo de 150 torr, ou seja, a pressão normal de oxigênio no ar, comumente encontrada na maior parte dos tecidos sob condições fisiológicas. Em altas pressões de oxigênio, o b-caroteno perde sua atividade antioxidante e apresenta um efeito pró-oxidante autocatalítico. Estas observações levaram a proposta de um mecanismo de ação antioxidante de b-caroteno similar ao proposto para o trifenilmetano. A adição de um radical ROO·.(e, possivelmente também de um radical R·) ao sistema conjugado de b-caroteno leva a formação de um radical inibidor, carbono-centrado e estabilizado por ressonância (5), que reage rapidamente com oxigênio, produzindo um radical peroxila carreador de cadeia (6). Desta forma, a habilidade de b-caroteno atuar como antioxidante reside na etapa reversível (reação 6). A altas pressões de oxigênio o equilíbrio está deslocado para a direita mas, a pressões parciais suficientemente baixas (< 150 torr), o equilíbrio desloca-se para a esquerda, abaixando efetivamente a concentração de radicais peroxila, reduzindo assim a quantidade de auto-oxidação no sistema. São os efeitos combinados da reatividade de b-caroteno com radicais peroxila e, a estabilidade do radical carbono-centrado bCar· que conferem ao b-caroteno sua capacidade antioxidante. A estabilidade dos radicais bCar· é tal que, a baixas pressões parciais de oxigênio ele predomina sobre os radicais bCar-OO·, e é removido pela reação com um radical peroxila (7). Esta última etapa é mais rápida que a reação de auto-terminação peroxila-peroxila. As observações acima podem ser extendidas para outros carotenóides, e também retinóides, uma vez que nestes casos a atividade antioxidante depende principalmente da formação de um radical carbono-centrado estabilizado por ressonância Deve-se ressaltar contudo que até o momento, os radicais bCar-OO· e bCar· não foram observados diretamente, sendo sua existência proposta para explicar os resultados experimentais encontrados44,55.

RO2·- + bCar ® bCar· + ROOH (5)

(6)

bCar· + RO2·-® Produtos (7)

Recentemente, a reação entre o óxido nítrico e b-caroteno foi estudada por EPR e espectroscopia ótica, observando-se a formação de um série de radicais nitroxila e a perda de conjugação na molécula de b-caroteno56. Cada molécula de b-caroteno pode reagir com um certo número de moléculas de NO (provavelmente acima de sete), levando à formação de produtos estáveis por um período relativamente longo de tempo (> 1 h) e também após exposição ao ar. Esta reação pode ser de relevância fisiológica pois existe grande chance dela ocorrer in vivo pois, b-caroteno é um constituinte da LDL (lipoproteína de baixa densidade), que é a responsável pelo transporte de colesterol in vivo e, o ânion peroxinitrito, um poderoso oxidante e agente de nitração, formado pela reação entre o NO e o superóxido, está relacionado ao processo de oxidação da LDL que leva à formação de placas aterogênicas56.

As reações dos radicais NO2·, RS· e RSO2· com b-caroteno foram estudadas utilizando-se a técnica de radiólise de pulso combinada à deteção ótica e condutimétrica33,57,58. Sabe-se que a fumaça de cigarro contém óxidos de nitrogênio em abundância, incluindo o radical NO2· que interage com os antioxidantes da fase lipídica, particularmente com b-caroteno. Neste caso, foi demonstrado que o radical NO2· reage com b-caroteno exclusivamente via transferência de elétron para gerar o cátion radical [b-caroteno]·+ (lmax = 910 nm). Apesar do radical RS· ser um oxidante mais forte que o radical NO2·, este não reage com b-caroteno via abstração de elétron e sim via um processo em duas etapas, sendo a primeira etapa rápida, via adição radicalar formando o aduto-radical [RS... b-caroteno]· que por sua vez decai lentamente formando produtos com cinética de segunda ordem. No caso do radical RSO2·, um bom oxidante e um potencial iniciador do processo de peroxidação lipídica, foi demontrado que o mesmo reage com b-caroteno tanto via abstração de elétron como via adição radicalar58.

CONCLUSÕES

Apesar da existência de muitos trabalhos envolvendo o estudo de carotenóides nas mais diversas áreas de interesse científico, estes pigmentos continuam atraindo a atenção de muitos pesquisadores em todo o mundo. A possível atuação de carotenóides no tratamento quimiopreventivo do câncer assim como, seus papéis já estabelecidos na medicina, fotossíntese e visão, justificam o interesse pelos processos fotofísicos e fotoquímicos desta classe de pigmentos. A elucidação completa do mecanismo de ação dos carotenóides como antioxidantes ainda é um desafio a ser vencido. A determinação exata da energia do estado triplete bem como da localização dos estados singlete destes pigmentos são de grande importância no que diz respeito a participação destes pigmentos nos processos fotossintéticos naturais e para o futuro desenvolvimento de processos artificiais utilizando estes pigmentos.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro através da concessão de bolsas de Doutorado Sanduíche na Arizona State University e de Pesquisador Visitante no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, respectivamente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Out 1997

Histórico

  • Aceito
    16 Dez 1996
  • Recebido
    18 Abr 1996
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