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Entalpia reticular, entalpia de fusão e temperatura de fusão de adutos: algumas correlações empíricas utilizando DSC

Lattice enthalpy, melting enthalpy and melting temperature for adducts: some empirical correlations by using DSC data

Resumo

By using DSC data is shown that there are empirical correlations between lattice enthalpy, melting enthalpy and the temperature of melting for adducts, and that is possible, using only a single DSC curve, estimate the value of DM Hmq.

lattice enthalpy; DSC; adducts


lattice enthalpy; DSC; adducts

ARTIGO

Entalpia reticular, entalpia de fusão e temperatura de fusão de adutos: algumas correlações empíricas utilizando DSC

Robson Fernandes de Farias* * endereço atual: Instituto de Química - Unicamp - CP 6154 - 13083-970 - Campinas - SP. e-mail: rffarias@iqm.unicamp.br

Departamento de Química, Universidade Federal de Roraima - UFRR - 60310-270 - Boa vista - RR

Recebido em 26/2/98; aceito em 6/7/98

Lattice enthalpy, melting enthalpy and melting temperature for adducts: some empirical correlations by using DSC data. By using DSC data is shown that there are empirical correlations between lattice enthalpy, melting enthalpy and the temperature of melting for adducts, and that is possible, using only a single DSC curve, estimate the value of DMHmq.

Keywords: lattice enthalpy; DSC; adducts.

INTRODUÇÃO

O estabelecimento de correlações empíricas entre parâmetros termoquímicos (e.g. entalpia de decomposição; DDHmq) e termogravimetria1-4 e espectroscopia na região do infravermelho5, tem se mostrado um procedimento valioso para o estudo físico-químico de adutos, não apenas por possibitar a obtenção de equações empíricas que permitam estimar os valores dos parâmetros termoquímicos sem recorrer-se ao uso de um calorímetro, o que quase sempre significa economia de tempo e material, mas principalmente por demonstrar a existência de relações entre entalpias de ligação, de decomposição e frequências vibracionais.

Neste tarabalho apresentam-se algumas correlações empíricas entre diferentes grandezas termoquímicas, obtidas por diferentes técnicas: calorimetria em solução e calorimetria exploratória diferencial (DSC).

UM POUCO SOBRE TERMOQUÍMICA DE ADUTOS

No estudo termoquímico de adutos, a chamada entalpia de reação ácido-base em fase condensada, encontra-se associada ao processo:

MXm (s) + nL (s,l) = MXm.nL (s,l); DrHmq(1)

onde MXm é um haleto metálico e L é uma molécula ligante. O valor de DrHmo é determinado por calorimetria de dissolução, utilizando-se ciclos termodinâmicos adequados6,7. À partir do valor experimental de DrHmq, e das entalpias de sublimação do haleto e do ligante, os demais parâmetros temoquímicos (e.g. DMHmq ) podem ser calculados.

A entalpia reticular associa-se ao processo:

MXm.nL (s,l) = MXm (g) + nL (g); DMHmq (2)

O processo acima, pode ser visualisado como ocorrendo em duas etapas: aduto sólido ® aduto líquido; aduto líquido ® haleto gasoso + ligante gasoso. A primeira dessas etapas ocorre quando a energia fornecida ao aduto sob forma de calor é suficiente para possibilitar a superação das forças atrativas intermoleculares que mantêm as moléculas no estado de agregação sólido, ou,em outras palavras, quando é atingida a temperatura de fusão. Assim pode-se supor a existência de algum tipo de correlação entre DMHmq e a temperatura de fusão e/ou entalpia de fusão dos adutos.

Uma vez que, ao aquecer-se o aduto sólido, os produtos obtidos (não importando quantas espécies intermediárias possam haver entre os estados inicial e final) serão o haleto e o ligante no estado gasoso, em princípio bastaria apenas somar-se todos os valores de entalpia ao longo da curva DSC para obter-se o valor de DMHmq.

Óbviamente, a fim de testar-se a validade das idéias propostas, será necessário escolher-se adutos que fundam antes de iniciar-se sua degradação termica. Uma vez que encontram-se na literatura vários trabalhos tratando da termoquímica de adutos envolvendo haletos do grupo do zinco e do arsênio, dados da literatura (DMHmq e temperatura de fusão) serão utilizados. Além disso, efetua-se a síntese e caracterização de cinco adutos já descritos na literatura, a fim de obter-se para estes as curvas DSC necessários para efetuarem-se os cálculos. No caso dos adutos com haletos do grupo do zinco, apenas aqueles com haletos de zinco serão utilizados como objeto de estudo, uma vez que os adutos com haletos de cádmio e mercúrio usualmente degradam-se termicamente antes de iniciar-se sua fusão8.

Os valores de DMHmq e Tfus foram coletados na literatura para os adutos entre haletos de zinco e g-butirolactama (bul)6, e-caprolactama (cl)7, piridina N-óxido (pyo)9, 2,2' -bipiridina N,N'-dióxido (bipyo)9, trifenilfosfina óxido (tppo)10, uréia (u)11, tioacetamida (ta)12, tiobenzamida (tb)12, e dimetilformamida (dmf)13, e para adutos entre haletos do grupo do arsênio e dimetilformamida (dmf)14, dimetilacetamida (dma)14, tetrametiluréia (tmu)14, tiouréia(tu)15, tetrametiltiouréia (tmtu)15,16, dimetiltioacetamida (dmta)17e dimetiltioformamida (dmtf)17.

EXPERIMENTAL

Os adutos ZnX2.2hmpa (X= Br ou I, hmpa= hexametilfosforamida) e ZnX2.2dmeu (X= Cl, Br ou I, dmeu= dimetiletilenouréia) foram sintetisados conforme descrito na literatura18,19. A fim de se confirmar a estabilidade termica dos adutos, além das curvas DSC foram obtidas também curvas termogravimétricas (TG). As curvas TG foram obtidas num TGA-50 da Shimadzu e as curvas DSC num equipamento Du Pont 2000. Todas as curvas foram obtidas em atmosfera de argônio, com taxa de aquecimento de 8,3 x 10-2 Ks-1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

DM Hmq como um somatório na curva DSC

A fim de se testar a validade de se calcular DMHmq, simplesmente somando-se os valores de entalpia obtidos através da curva DSC, apenas o aduto ZnBr2.2dmeu foi utilizado como modelo, pois apenas para este aduto obteve-se uma curva DSC bem definida em toda a sua extensão (Figura 1). Para se efetuar o somatório, as seguintes aproximações foram efetuadas: Cp (aduto)@Cp (haleto) = 6,968 x 10-2 kJ K-1 mol-1 (400 K)20 + 2 Cp (ligante), e Cp (dmeu)@Cp (eu= etilenouréia) = 0,130 kJ K-1 mol-121. Assim, o Cp do aduto ZnBr2.2dmeu é igual a 6,968 x 10-2 kJ K-1 mol-1 + 0,26 kJ K-1 mol-1 = 0,33 kJ K-1 mol-1. O Cp do ligante foi multiplicado por 2, uma vez que existem duas moléculas de dmeu no aduto considerado. Uma vez que à 589 K este aduto já tem perdido seus dois ligantes (mostrado pela curva TG), à partir dessa temperatura, os cálculos de entalpia são efetuados considerando-se apenas a presença do haleto, e não mais do aduto. O somatório inicia-se à 313 e termina à 660 K. Assim:

DM Hmq / kJ mol-1 = (388-313) / K x 0,33 / kJ K-1 mol-1 + 28,1/ kJ mol-1 + (589-400) / K x 0,33 / kJ K-1 mol-1 + (626-589) / K x 6,968 x 10-2 / kJ K-1 mol-1 + 251,8 / kJ mol-1 = 369,6 kJ mol-1.


O valor 28,1 kJ mol-1 corresponde à fusão do aduto e o valor 251,8 kJ mol-1 corresponde aos dois últimos picos da curva DSC, sendo atribuídos à sublimação do haleto. A despeito das aproximações efetuadas, o valor calculado encontra-se em muito boa concordância com o valor obtido por calorimetria de solução (334,8 kJ mol-1)19, demonstrando a validade do procedimento utilizado.

DMHmq a partir de DHfus (Tfus)

Os valores calorimétricos de DMHmq (obtidos da literatura) e da entalpia de fusão na temperatura de fusão DHfus (Tfus) (conforme obtido pelas curvas DSC) bem como as relações entre estes dois parâmetros [DMHmq / DHfus (Tfus)] = g, e a relação g/M, onde M é a massa molar do ligante, são apresentados na Tabela 1. A grandeza g (ainda não definida na literatura), pode ser entendida como uma grandeza associada à entalpia de vaporização do aduto, bem como á entalpia envolvida na ruptura das ligações metal-ligante, uma vez que a diferença observada entre os valores de DMHmq e DHfus (Tfus), deve-se, basicamente, à esses processos. Assim, parece natural que a razão g/M mostre-se praticamente constante mesmo para um dado grupo de adutos envolvendo ligantes diferentes, já que o valor da entalpia de vaporização de um determinado aduto é grandemente influenciada pela entalpia de vaporização dos ligantes (uma vez que, tanto no ligante puro quanto no aduto, o que se tem, basicamente, são interações intermoleculares ligante-ligante), sendo esta por sua vez, quase sempre função se sua massa molar.

Como podemos constatar analisando os dados da Tabela 1, embora os valores de DMHmq, DHfus (Tfus) ou de g possam variar de forma ao menos aparentemente irregular para os adutos estudados, a razão g/M, onde M é a massa molar do ligante, apresenta-se praticamente constante, com um valor médio de 0,11. Assim, à partir dos dados da Tabela 1, encontra-se a seguinte equação empírica:

DM Hmq = 0,11 x M x DHfus (Tfus)

que permitiria estimar com facilidade o valor de DM Hmo à partir de uma única curva DSC. Conforme formulada, a equação implica que, na eventualidade de dois adutos possuirem aproximadamente o mesmo valor para DHfus (Tfus), aquele que possuir o ligante com maior massa molar, terá o maior valor de DM Hmo, o que pode ser entendido como consequência do aumento da entalpia de sublimação do ligante, à medida que sua massa molar aumenta.

DM Hmqe Tfus

Os valores de DM Hmq e Tfus bem como a relação Tfus/ DMHmq = j são apresentados na Tabela 2, para uma série de adutos com haletos de zinco e com haletos do grupo do arsênio.

Analisando-se os dados da Tabela 2, podemos constatar que, embora os valores de DM Hmq ou de Tfus possam variar de forma pelo menos aparentemente irregular para um dado grupo de adutos, os valores de j aumentam de cloreto para iodeto, refletindo o efeito do aumento do raio do ânion. Além disso, para conjuntos de compostos similares, o valor de j diminui com o aumento do número de ligantes, ou com o aumento do tamanho da molécula do ligante, ficando claro que, quanto maior for o volume ocupado pelas moléculas do ligante em torno do íon metálico, menor será o valor de j, como podemos assinalar, comparando os valores de j para adutos com haletos de zinco e dmf (1 e 2 ligantes), adutos com e-caprolactama e g-butirolactama (a caprolactama é mais volumosa), os adutos AsCl3.bmpy e AsCl3.gmpy (menor impedimento estérico com o grupo metil na posição g), e os adutos ZnCl2.2ta e ZnCl2.2tb (a tiobenzamida é mais volumosa). Ao menos como uma primeira estimativa, os valores de DMHmq para adutos ainda não estudados calorimetricamente, poderiam ser estimados à partir apenas da temperatura de fusão, utilizando-se os valores de j apresentados na Tabela 2, tendo-se como critério de escolha as semelhanças de estrutura/massa molar existentes entre aqueles ligantes e as novas moléculas utilizadas.

Podemos perceber que se definíssemos j não como Tfus/ DMHmq (definiu-se j dessa forma para que seus valores sejam sempre próximos da unidade, o que torna mais fácil compará-los) mas como seu inverso, ou seja, DMHmq/ Tfus, teríamos uma expressão similar à regra de Trouton22, que estabelece que a entropia de vaporização (DHvap/ Tb), para uma série de substâncias (excluindo-se os chamados líquidos associados, tais como água e aminas) é aproximadamente igual à 90 J K-1 mol-1. Como o valor de DMHmq encontra-se associado ao processo: MXm.nL (s,l) = MXm (g) + nL (g), que, por sua vez, pode ser visualizado como ocorrendo em duas etapas: MXm.nL (s,l) ®MXm.nL (l,g) ®MXm (g) + nL (g), podemos constatar que o valor da entalpia de fusão (ou de vaporização) do aduto encontra-se incluída no valor de DMHmq, advindo daí a similaridade matemática com a regra de Trouton.

REFERÊNCIAS

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2. Farias, R. F. de, An. Assoc. Bras. Quím. 1997, 46, 172.

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4. Farias, R. F. de, Internacional Conference on Calorimetry and Chemical Thermodynamics, Campinas, SP, Brasil 1998.

5. Farias, R. F. de, Airoldi, C.; Internacional Conference on Calorimetry and Chemical Thermodynamics, Campinas, SP, Brasil 1998.

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7. Silva, Z. R. da; Queiroz, J.C. de; Vieira, E. F. S.; Dias, F. S.; Thermochim. Acta 1996, 285, 289.

8. Airoldi, C.; Chagas, A.P.; Coord. Chem. Rev. 1992, 119, 29.

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15. Santos, L. C. R. dos; Caluête, J. de Q.; Souza, A .G. de, Thermochim. Acta 1997, 292, 71.

16. Santos, L. C. R. dos; Oliveira, S. F. de; Espínola, J. G. P.; Airoldi, C.; Thermochim. Acta 1992, 206, 13.

17. Santos, L. C. R. dos; Oliveira, S. F. de; Espínola, J. G. P.; Airoldi, C.; J. Chem. Thermodynamics 1993, 25, 1319.

18. Queiroz, J. C. de; Airoldi, C.; Chagas, A. P.; J. Chem. Soc. Dalton Trans. 1985, 1103.

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21. Farias, R. F. de; Oliveira, O. A. de; Medeiros, J. V. de; Airoldi, C.; Thermochim. Acta, no prelo.

22. Castellan, G. W.; Fisicoquimica, Addison-Wesley Iberoamericana, Wilmington 1987.

  • *
    endereço atual: Instituto de Química - Unicamp - CP 6154 - 13083-970 - Campinas - SP. e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Abr 1999

    Histórico

    • Aceito
      06 Jul 1998
    • Recebido
      26 Fev 1998
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