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Premissas da preparação de administradores

ARTIGOS

Premissas da preparação de administradores

Francisco Gomes de Mattos

Diretor-Fundador da Escola de Administração Comercial do SENAC e Assessor de Desenvolvimento do Passoal do Banco do Estado da Guanabara S. A

"A preparação de administradores tem, basicamente, um sentido preventivo de controle de atitudes." - NORMAN R. F. MAIER

As responsabilidades da emprêsa ganham dimensões inteiramente novas no mundo atual. Cada dia novas solicitações, modificações, compromissos... novos desafios exigem dos administradores versatilidade e atualização para poderem - sensíveis às influências de uma sociedade em mudança rápida e, muitas vêzes, radical - ajustar a emprêsa aos novos tempos.

Conhecimentos que ontem eram do domínio de poucos hoje são exigidos às chefias mais simples. Do administrador de hoje e do de amanhã exige-se, cada vez mais, visão global da emprêsa e de tôda a conjuntura económico-social do meio em que atua. Não basta ao administrador conhecer o seu negócio: êle precisa ter uma visão integrada de todos os elementos que influam e possam vir a influir, a fim de estar preparado quando surgirem inovações que tornem caducos os seus planos e obsoleta a sua atuação. Planejamento, objetivos bem fixados, informação, previsão, atualização de métodos e processos garantem ao administrador a estabilidade que necessita para a tomada de decisões.

As preocupações de ordem financeira ou de ordem técnica com dinheiro, máquinas, métodos e processos, que caraterizavam as preocupações do dirigente de ontem, não constituem para o dirigente de hoje o centro principal de interêsse. Se a emprêsa cresce, gerando novas responsabilidades, cargos, oportunidades e o compromisso gigantesco de continuar crescendo, que é que vai poder concorrer para esse progresso ou dificultá-lo? Máquinas? Sistemas? Mercados? Muito mais do que isso: os homens! Daí a necessidade de dirigentes capazes, que saibam decidir sôbre máquinas, sistemas, mercados e todo o complexo de situações que o futuro reserva.

Sôbre os administradores modernos pesa o compromisso de se prepararem para assumir as responsabilidades futuras da emprêsa em crescimento. Hoje, que o segrêdo não é mais a "alma do negócio", pois a técnica e a maquinaria estão à disposição de quem possa comprá-las, uma emprêsa se diferencia das demais e obtém sucesso pela qualidade de seus administradores.

Quem faz a emprêsa são os homens; se êstes não se desenvolvem, a emprêsa não pode crescer auténticamente. Dá pulos para o alto sem pontos de sustentação. Portanto, deve a emprêsa não apenas cuidar do desenvolvimento dos atuais dirigentes, mas do preparo daqueles de que venha a necessitar a curto ou a longo prazo. Só assim poderá garantir sua própria sobrevivência.

Temos assistido a várias organizações tradicionais fecharem as portas por não as terem aberto às possibilidades do futuro. Faltaram-lhes administradores, pois os que possuíam estavam irremediàvelmente comprometidos com o "passado de glórias".

PETER DRUCKER lembra que a solução para o problema da obtenção de bons administradores não está na orientação que alguns tomam de procurar "homens de apoio",_ pessoas capazes de tomar o lugar dos executivos de hoje: "É preciso criar administradores capazes de enfrentar as tarefas de amanhã, não as tarefas de ontem".

Mas, como preparar administradores? Qual a perspectiva sôbre a qual deva fundamentar-se um programa de formação integral de homens que saibam decidir?

ADMINISTRADOR - AQUÊLE QUE DECIDE

Para responder a essas questões seguem-se, em geral, como orientação básica, a análise dos dirigentes pela determinação do que êstes fazem na prática, e a análise do cargo mediante definição das suas caraterísticas essenciais e dos requisitos para seu preenchimento, com especial atenção aos fatores de personalidade que devam ser mais acentuados.

• O primeiro critério - a análise dos dirigentes pelo que êstes fazem - tem sido adotado largamente como base de programas de treinamento administrativo. Seu uso puro e simples padece de uma deficiência vital: restringe o "ótimo" ao padrão vigente.

Ora, como vivemos numa civilização em mudança vertiginosa, a todo o momento surgem problemas que fazem gorar planejamentos e desafiam a funcionalidade dos sistemas mais avançados de organização.

Não podemos, pois, treinar dirigentes com base apenas no padrão atual, isto é, baseados somente nas qualidades e qualificações dos dirigentes atuais, em suas rotinas e em seu comportamento. Convém que procuremos enxergai além da fronteira do cotidiano.

Não obstante, a análise dos dirigentes é importante como referência, desde que combinada com a análise do cargo.

• O que marca fundamentalmente o cargo de direção é o compromisso de tomar decisões diante de incertezas, de imprevistos, de fatos e problemas não programados. Ao administrador raramente se apresentam situações permanentemente estáveis, esquemas comuns, problemas para aferição de fórmulas consagradas, programações inflexíveis e decisões tranqüilas. É na resolução de questões imponderáveis que o administrador enfrenta as alternativas de risco, aí capitalizando todo o seu acervo de conhecimentos e experiências. E é ao decidir sobre essas questões que êle se revela um bom ou mau administrador, porquanto de sua ação depende, muitas vêzes, o próprio futuro da emprêsa. De bons executivos esperam-se não apenas boas execuções, mas criatividade, iniciativa, espírito renovador.

Assim, a "orientação prática" pretensamente conferida a alguns cursos de treinamento que procuram ensinar a resolver problemas-padrões incorre, a nosso ver, nos seguintes inconvenientes: (a) parte de uma premissa convencionada, (b) estabelece um estado de coisas que passa a ser tido como o "ótimo" a atingir e (c) padroniza a solução e, dêsse modo, bitola o conhecimento.

A orientação aconselhável, a nosso ver, seria a que se empenhasse em incentivar a procura de soluções, sem apresentar a realidade como se ela fôsse estática, bastando partir o bóio e servir as fatias.

No treinamento administrativo a realidade é considerada, tanto quanto possível, tal como ela é, um desafio que se renova constantemente, exigindo do administrador percepção rápida (para atacar o problema na hora) e ação imediata que abrange: (a) pesquisa de informações (em todas as áreas importantes), (b) análise das informações, (c) levantamento das alternativas, (d) escolha da solução, (e) decisão, (f) ação e (g) coordenação e controle.

Em administração de emprêsas não existe propriamente uma solução para cada problema; existe a solução que o administrador tenha encontrado e pela qual responde. Não se aceita um padrão como verdade cega; é preciso comprová-lo, porque decisão é uma responsabilidade individual.

Para decidir não basta ser um bom especialista e saber liderar a equipe; é preciso possuir visão global, a fim de considerar todos os fatores de influência. É preciso saber raciocinar em função da multiplicidade de fatores que interferem no problema. Freqüentemente, por falta de visão integral "resolvem-se" problemas acessórios criando-se problemas capitais.

CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA

Estudos realizados demonstram que o desenvolvimento de um executivo depende, em sua maior parte, da experiência adquirida no trabalho. O exercício bem orientado das funções é o melhor processo de desenvolvimento funcional de seu exeqüente. As iniciativas de formação devem, assim, estar articuladas com o desenvolvimento da função. Um curso de treinamento sem a consideração do desempenho funcional é falho. Por outro lado, o exercício da direção sem adequado preparo e desenvolvimento é ineficiente.

Um programa de desenvolvimento de administradores deve combinar conhecimentos e experiências. O conhecimento não substitui a experiência, nem esta subsiste sem êle. A solução de problemas em aula é útil, mas não basta: falta-lhe a necessária tensão que a realidade provoca no dirigente diante de problemas a resolver. Combinar o curso com a realidade vivida pelo dirigente, dar-lhe atribuições extras (delegações especiais) ou fazê-lo participar de grupos de decisão (para tratar de problemas que devam ser resolvidos por juntas de dirigentes) são medidas que reforçam o programa de desenvolvimento.

Nenhum curso é capaz de ensinar alguém a ser administrador. Mas, a aplicação dos ensinamentos adquiridos no desempenho do cargo reduz muito o tempo de aprendizagem. Admitido que o exercício bem orientado da função forma o administrador, o treinamento acelera seu desenvolvimento, reduzindo os riscos de uma aprendizagem defeituosa. Assim, a prática do trabalho, mormente o exercício da decisão, determinará o administrador. O que através de ensaio e êrro levaria anos o treinamento pode reduzir a alguns meses.

A aprendizagem no trabalho apresenta as seguintes vantagens: (a) coloca em prática conhecimentos teóricos, (b) faz com que os problemas surjam tais como são, dentro de seu ambiente próprio, em função de pessoas e coisas reais, e (c) permite a influência direta dos chefes na solução dêsses problemas.

Sempre que alguém se defronta com um problema ou se vê na contigência de tomar decisões vive uma situação de autodesenvolvimento. É nessas circunstâncias que o homem assume um compromisso próprio da ação: o risco do êrro.

Errar quando se extrai do êrro experiência que reforce positivamente o certo é, ainda, uma das formas mais eficientes de autodesenvolvimento. Mede-se um administrador por suas decisões, não pelos seus erros. Errar é contingência normal de quem age. "Quem se omite não comete erros", dizem. Todavia, comete o pior dos erros: o de aceitar tôdas as desastrosas conseqüências de sua omissão.

Sob o aspecto pedagógico, o exercício do cargo representa o melhor método de formação de administradores porque faculta o treinamento no que é vital à função: a técnica da resolução de problemas, bem como a habilidade e presteza em tomar decisões certas, oportunas e rápidas. Nenhum outro método de treinamento substitui a realidade do trabalho. Sem orientação e acompanhamento, todavia, a força educativa da vivência profissional é amortecida ou até extinta pelo espírito de rotina e pela incapacidade para estabelecer perspectivas e decidir oportuna e técnicamente.

É necessário, portanto, que cada um sinta o trabalho como um permanente apêlo ao desenvolvimento pessoal e identifique em cada problema não só um desafio à sua capacidade, mas também uma oportunidade de treinamento e formação.

Assim, em grande parte, o desenvolvimento é assunto individual. É preciso que o executivo esteja motivado a aperfeiçoar-se, que seus anseios encontrem repercussão, que sinta as oportunidades, que as frustrações sejam reduzidas ao mínimo.

O desenvolvimento implica numa atitude positiva dos administradores, reconhecida pelos altos escalões através de práticas administrativas que ensejem um clima de aperfeiçoamento onde todo o esforço de treinamento seja valorizado.

O êxito de um programa de autodesenvolvimento depende de um sistema regular de acompanhamento pelos superiores hierárquicos.

Para que se propicie um programa de autodesenvolvimento é preciso executar a prática eficiente da delegação de autoridade, estimulando-se a execução das funções administrativas fundamentais (planejamento, organização, motivação e controle) em todos os escalões da emprêsa.

A centralização administrativa não produz administradores, mas sim especialistas. A descentralização através da prática da delegação constitui, por si só, um dos mais eficientes processos de formação administrativa.

A descentralização administrativa pelo uso da delegação de autoridade estende a presença do administrador. Mediante êsse expediente a autoridade se reflete pelos vários níveis; cada chefe passa a representar a extensão do seu superior e a agir como tal.

No delegar não se exclui a responsabilidade: amplia-se o seu exercício. Assim, para conhecer no trato diário de suas atividades os problemas administrativos em todos os seus aspectos, levantar alternativas de solução e fazer com que suas decisões sejam cumpridas o dirigente depende da cooperação do grupo. Destarte, a posição do dirigente, se de um lado é de independência (pelo seu poder de decisão), torna-se dependente quando se trata de transformar a decisão em ação.

A decisão envolve pessoas que devam ser ouvidas, leis que devam ser cumpridas, circunstâncias que devam ser consideradas e executores que, adequadamente motivados, apresentem condições técnicas e psicológicas que lhes possibilitem transformar em ação as resoluções. Logo, é curial ao administrador considerar que seu desenvolvimento depende, em grande parte, da capacidade de promover o desenvolvimento do seu pessoal. Se o administrador depende de outros para produzir, o desenvolvimento dêstes significa, sob muitos aspectos, o seu próprio desenvolvimento.

A função instrutora do administrador representa uma de suas maiores responsabilidades.

O chefe deve proporcionar oportunidades de desenvolvimento aos seus subordinados cuidando de avaliar se estão bem ajustados às funções, o que mais precisem saber e quais as deficiências que devam ser corrigidas.

Os resultados dessa avaliação poderão aconselhar, por exemplo, uma transferência que melhor ajuste o indivíduo às suas funções ou lhe possibilite novas experiências; um programa formal de treinamento através de cursos, seminários, estudos etc.; a outorga de uma missão especial para resolver problemas relativos a novos processos de trabalho ou a ampliação de políticas etc..

A FORMAÇÃO DO SUBSTITUTO

Finalmente, o administrador deve considerar como sua indeclinável responsabilidade formar seu substituto.

Um dirigente que se considere indispensável está física, técnica e socialmente condenado à morte! Quanto à morte física, que o digam os enfartes e úlceras provenientes das tensões a que se submete um dirigente autocrata, centralizador, "indispensável". A morte técnica é a que ocorre quando o pessoal deixa de constituir um grupo pensante e criativo para transformar-se numa engrenagem de trabalho manobrada à fôrça. E êle morre socialmente quando o seu egocentrismo se reflete - no campo das relações humanas - pelos ciúmes, rivalidades, desavenças... numa palavra: pela decomposição da equipe.

Quase sempre, com a queda da produtividade grupal, a produção decai vertiginosamente ou se mantém em níveis medianos. Pode acontecer, ocasional e paradoxalmente, que a produção se mantenha alta. Às vêzes, as ditaduras conseguem, à base de pressão, resultados materiais compensadores. Mas, basta que o dispositivo de coação se afrouxe para que a produção entre em colapso. O dirigente "insubstituível" é um perigo para a emprêsa e para si próprio.

Quem não delega e com isso julga tornar-se insubstituível prova apenas que é impromovível.

Prática eficaz de treinamento pelo autodesenvolvimento é a de possibilitar oportunidades de convívio dos subalternos com seus superiores. Êsses contatos, pelas observações que facilitam, alargam o conhecimento, adestram atitudes, abrem os horizontes. (O cargo ideal de treinamento para chefia é o de assistente da chefia.)

Passo importante a ser considerado na promoção à chefia é a preparação do candidato para que se compenetre das reais responsabilidades do cargo. Para fazer com que um caixa, balconista ou correntista se torne um chefe e para que êste venha a ser um dirigente mais qualificado não basta promovê-lo, pois não será suficiente delegar-lhe autoridade, se êle continuar a pensar e agir como correntista, caixa ou balconista. Fazer com que pensem como dirigentes para que possam ter atitudes diretrizes - eis o maior desafio aos que pretendem formar administradores!

Para que alguém esteja habilitado a tomar atitudes de chefia é preciso que se submeta a um programa dé treinamento em que a aprendizagem no exercício da função, que lhe possibilite enfrentar problemas administrativos reais, seja a primeira providência. Para tanto é de todo conveniente que o seu superior hierárquico lhe proporcione essa oportunidade, principalmente através da delegação de podêres.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que um plano de desenvolvimento de administradores visa, sobretudo, a prepará-los para que possam assumir maiores responsabilidades, sempre de conformidade com a sua experiência adquirida, com os conhecimentos técnicos que lhes facilitem o equacionamento dos problemas, e com a sua capacidade para resolver casos e problemas pelo exercício da decisão.

Acreditamos, dêsse modo, que qualquer plano de desen volvimento de administradores deva considerar como funções fundamentais de um dirigente: (a) organizar o trabalho, (b) dirigir (com liderança) o trabalhador e (c) "viver" a filosofia e a política administrativas da emprêsa, dando-lhe expressão através de práticas adequadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1965
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