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Efeitos do plano de estabilização econômica do governo sobre a administração de recursos humanos: segunda sessão

SEMINÁRIO

Efeitos do plano de estabilização econômica do governo sobre a administração de recursos humanos. Segunda sessão

Ruben Cesar KeinertI; Paulo Roberto Pereira da CostaII; Geraldo SoranoIII; Luís Carlos Queiroz CabreraIV; Roberto VenosaV; Luciano GainoVI

IProfessor titular e chefe no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV

IIDiretor da Brastem S.A

IIIProfessor de filosofia na Faculdade de Ciências Administrativas do Instituto Metodista de Ensino Superior (licenciado)

IVProfessor na EAESP/FGV e consultor de empresas

VProfessor no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV

VIProfessor no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da EAESP/FGV. Diretor do Grupo Santista

Composição da mesa

Presidente:

Ruben Cesar Keinert
Chefe do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV

Expositores:

Paulo Roberto Pereira da Costa
Diretor da Brastem S.A.

Geraldo Sorano

Professor de filosofia na Faculdade de Ciências Administrativas do Instituto Metodista de Ensino Superior

Luiz Carlos Queiroz Cabrera
Professor na EAESP/FGV e consultor de empresas Roberto Venosa
Subdiretor administrativo da EAESP/FGV Luciano Gaino
Professor na EAESP/FGV e diretor do Grupo Santista

Em boa hora, o Núcleo de Pesquisas e Publicações da EAESP teve a iniciativa de promover este seminário, dado que o Plano de Estabilização Econômica do Governo tem sido examinado e debatido por vários ângulos e com vários propósitos. Estava mais do que em tempo de serem examinadas suas repercussões nas áreas da administração de empresas. Diria mais: acho que estava na hora de elas serem examinadas aqui na Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pelo seu pioneirismo e pela sua presença dentro da administração das empresas, e mesmo dentro da administração pública no Brasil, a Escola é uma espécie de ponto natural para o debate e a reflexão a respeito de questões como esta. Por uma série de injunções, nos últimos tempos, a Escola retraiu-se um pouco, como esse local de debate e reflexão coletiva, pública. Naturalmente, os professores continuam nas suas aulas, nos seus artigos, nas suas exposições, demonstrando estar atualizados com o que acontece no Brasil e no mundo. Mas estava faltando essa prática.continuada, de encontro e debate, aqui na Escola, entre os professores e entre os profissionais de cada área, que também têm uma contribuição importante a dar.

O pressuposto do qual partimos, e que utilizaremos, é o de que a perspectiva da estabilização monetária altera a relação entre as áreas administrativas, dentro da empresa, no Brasil. Depois de algum tempo em que a administração das outras áreas esteve mais ou menos a reboque, com a facilidade apresentada pelos ganhos financeiros, passamos agora a outra etapa, em que todas as áreas devem colaborar para manter a sobrevivência da empresa e garantir melhores lugares para ela.

Essa constatação é muito boa, especialmente para nós da EAESP e para todos os que se encontram em outras áreas que não as áreas financeiras da empresa. Isso de certa forma resgata a idéia da administração integrada, que é o pressuposto, no fundo, do ensino da administração. Se as outras áreas não têm o valor que se pressupõe não haveria sentido passar-se tanto tempo falando delas.

Para a Escola, isso é muito bom, porque ela foi-se formando ' dentro dessa busca de uma visão \ até certo ponto original do ensino I da administração, na medida em que não é uma business school típica: tem a preocupação de formar profissionais que tenham excelência no campo administrativo, mas que tenham também uma formação sólida nas áreas de apoio, como métodos quantitativos e informática, e que tenham uma visão bastante aberta para as transformações sociais, políticas e econômicas.

Esse tipo de profissional ganha muito mais sentido dentro de uma administração que permita que todos apareçam, com seu trabalho, sua contribuição, dentro da empresa.

Parece, então, que, realmente, este primeiro efeito (esperado) do Plano Cruzado traz boa esperança, digamos assim, para todos nós, a respeito das perspectivas profissionais e das perspectivas do conhecimento sobre a empresa e sobre a administração.

Creio que uma repercussão bastante importante diz respeito ao plano da empresa, propriamente - a empresa brasileira tem agora a possibilidade de integrar-se nesse movimento de renovação empresarial que se dá no mundo todo. Ao lado da terceira onda tecnológica, parece que há uma nova empresa, que vai aproveitar as novas possibilidades abertas pela tecnologia e pela economia. Essa nova empresa, que está sendo formulada em vários livros que aparecem no mercado, como a Empresa Z, a Empresa Y, a Empresa do 3º tipo, ou seja, a empresa de desempenho excelente, é uma empresa muito preocupada com seus recursos humanos, com a produtividade e a competitividade, com a participação em mercados externos. O que era uma prerrogativa da grande empresa parece um campo aberto até para a pequena empresa - o mercado internacional se reorganiza e mesmo a pequena empresa passa a fazer parte dele. E para fazer parte desse mercado internacional, é preciso encontrar-se com outras culturas, é preciso ter noção da sua própria cultura, é preciso especialmente saber com que recursos se pode contar em sua própria cultura: como fazer para triunfar nesse mercado, que é altamente competitivo e altamente qualificado.

Acho que aqui podemos fazer uma ponte com o nosso trabalho: essa noção da cultura da empresa é fundamental para se pensar sobre a área dos recursos humanos. Nós precisamos saber, de fato, em que, dentro dessas possibilidades todas, a empresa brasileira começa a pensar. Para isso, nós trouxemos aqui (o que é uma tradição da EAESP) pessoas ligadas diretamente às empresas, com suas vidas ligadas às empresas; pessoas ligadas às empresas, mas de maneira indireta, e pessoas ligadas predominantemente à Escola.

O que faremos, em princípio, é ver como as empresas estão agindo, neste momento, em relação às suas políticas salariais e de mão-de-obra, sua relação com os sindicatos, e por aí afora. Isso será feito inicialmente pelo Dr. Paulo Roberto Pereira da Costa e pelo Dr. Geraldo Sorano; em seguida, recorreremos aos comentários e observações dos Profs. Luiz Carlos Queiroz Cabrera, Luciano Gaino e Roberto Venosa. Não podemos falar do Plano Cruzado e de suas repercussões na administração dos recursos humanos, sem antes fazermos uma análise reflexiva e retrospectiva sobre como vivíamos e como teremos de viver. Porque não se pode falar na administração dos recursos humanos sem possuir uma visão estratégica: antes de mais nada, os recursos humanos são algo que exigem uma visualização um pouco à frente. Há muito tempo venho usando uma simbologia: o profissional de recursos humanos tem que ser alguém que se encontre na fronteira e, se possível, de binóculos. Já usei essa expressão algumas vezes, mas acho que ela continua válida. As medidas recentemente adotadas pelo Governo possuem um elemento profundamente psicológico: estão associadas ao aspecto comportamental. E entendo que não se podem dissociar os aspectos econômicos dos aspectos comportamentais. Então, é básico, fundamental, fazer essa análise.

Por muito tempo, e também como responsável pela parte administrativa da minha empresa, tive a oportunidade de analisar balanços de empresas concorrentes, de fornecedores, de revendedores, etc. - principalmente nos últimos anos. E uma coisa que chamava minha atenção é que, de modo geral, nessa fase inflacionária em que se aplicava a correção monetária, numa economia totalmente indexada, destacava-se a questão do lucro operacional.

Ao analisar os balanços das empresas, constatei - e tenho até algumas anotações estatísticas a esse respeito - que se podiam contar nos dedos as empresas mais rentáveis do Brasil que apresentavam lucro operacional positivo ou praticamente equilibrado. E quando íamos olhar a bottom Une da empresa, a última linha, víamos que as empresas apresentavam uma lucratividade sobre a venda líquida realmente elevada, em termos internacionais. Decorria isso do próprio processo inflacionário, em que a correção monetária ajudava consideravelmente as áreas financeiras das empresas muito eficazes na aplicação de suas reservas de caixa e dos seus recursos financeiros. Evidentemente, qualquer ineficácia daquelas empresas podia ser repassada ao preço do produto, porque, numa inflação de 10 ou 12% ao mês, podem-se repassar para o preço do produto a ineficácia gerencial e a ineficácia dos seus recursos humanos.

E não havia grande preocupação nesse sentido. Quem reclamava eram as empresas "cipadas" - entre elas, a minha. O Governo achava que geladeira e fogão encontravam-se entre os maiores causadores da inflação brasileira; com todo o respeito pelo Ministro Delfim Netto, ele acreditava que as causadoras da inflação de 220% eram as indústrias de eletrodomésticos do País.

O que isso tem a ver com os recursos humanos? Na realidade, tem muito a ver, porque o comportamento das empresas naquele momento era produzir; se houvesse algum projeto errado ou que não atendesse ao mercado, ele era simplesmente rejeitado e substituído, e, através de ensaios e erros, ia-se tentando buscar alguma coisa que atendesse à realidade do mercado. A ineficácia gerencial talvez não fosse considerada fator importante.

Paralelamente, nos últimos quatro ou cinco anos sofremos uma profunda recessão; mais uma vez, as empresas tiveram que proceder ao enxugamento da sua estrutura organizacional, com reflexos diretos nos seus organogramas: enxugaram diversas áreas, sendo que, indiscutivelmente, uma das áreas mais atingidas (tive a oportunidade de discutir isso com diversos colegas) foi a de recursos humanos, porque se entendia que, em fase inflacionária e recessiva, não há necessidade de fazer previsões e provisões no tocante ao treinamento, ou ao desenvolvimento gerencial, ou à preparação de homens que possam atender ao desenvolvimento de uma empresa. Por que aconteceria isso? Porque a empresa estava ganhando dinheiro na parte financeira; os aspectos da ineficácia gerencial não eram muito sentidos; os programas de carreira foram colocados muito próximos de zero. Houve um processo de desativação.

Em razão de uma inflação tão alta, os sindicatos também levantaram bandeiras pesadas, em termos de mobilizar suas bases com reivindicações econômicas e políticas, mas, muito mais econômicas. Os profissionais de recursos humanos - os primeiros profissionais de recursos humanos, fossem eles diretores ou gerentes - em vez de concentrarem sua atividade num trabalho voltado para a formação de gente preparada para enfrentar as modificações que poderiam surgir um pouco mais à frente, desviaram-se para o processo da negociação sindical, no atendimento único e exclusivo ao aspecto das relações do trabalho. Foi, a meu ver, uma estratégia errada. Creio que a atividade de administrar a relação capital/trabalho é importante para o profissional de recursos humanos; mas negociações sindicais caberiam ao profissional de relações do trabalho - competindo ao primeiro homem dos recursos humanos de uma empresa (seja ele diretor, superintendente, vice-presidente ou o que for) ser a consciência da empresa. Porque entendo que o profissional de recursos humanos, antes de mais nada, deve alertar sua empresa, dizendo que caminho ela deverá percorrer, juntamente com os demais profissionais - o administrador da produção, o administrador do marketing, o administrador das finanças.

A atividade de RH estava-se desviando claramente do seu verdadeiro caminho, envolvida muito profundamente pelos problemas sindicais - algo que deve ser analisado com naturalidade, porque, dentro do sistema capitalista, o sindicato, assim como a greve, deve ser encarado como um fato natural da administração capital/trabalho. No entanto, essas atividades passaram a receber uma importância maior do que a que lhes cabia naturalmente, esquecendo-se dos pontos voltados para a base da empresa, ou seja, seus recursos humanos. E quando falo em recursos humanos não me refiro à atividade de recursos humanos, mas à empresa como um todo, porque o único fator comum, tanto às atividades-fins como às atividades-meio, é a atividade dos recursos humanos: o homem, o fator humano.

Pode-se, então, dizer que administrar os salários em fase inflacionária realmente é muito fácil: ou se faz através de uma mesa de negociação, ou através do Governo, que impõe um índice econômico para a correção dos salários, ou, então, através de um dissídio coletivo; os administradores de salários, com todo o respeito por esses profissionais (porque também já exerci essa atividade), corrigiam os salários da empresa como um todo, realimentando a inflação com os índices fixados.Nessa época, as questões do mercado foram muito suaves, e não havia a preocupação de avaliar o potencial ou o desempenho quer dos executivos, quer dos gerentes, quer dos profissionais de modo geral, porque as coisas caminhavam com facilidade. Numa inflação de 10 ou 15% ao mês, grande número de empresas ia "corrigindo" sua ineficácia, suas fraquezas, sem se preocupar em possuir profissionais mais preparados, com exceção das empresas que tinham visão e sabiam que, mais cedo ou mais tarde, haveria de acontecer alguma coisa. (Se seria um Plano Cruzado ou não, ninguém poderia dizer; mas todo mundo sabia que não se poderia continua percorrendo aquele caminho, com inflação anual superior a 200% e tal instabilidade econômica).

Hoje, dizem alguns: "É, se não fosse o Plano Cruzado eu estaria ganhando um pouco mais!" É uma alegação sem muita base porque, segundo as previsões do IPCA, a inflação de março seria de 28% e a de abril, superior a 40%. Analise-se o próprio salário mínimo, previsto para chegar a Cr$1.050.000,00 a partir de 1º de maio; o trabalhador só receberia essa importância em 10 de junho (40 dias depois); mantido o processo inflacionário, em 10 de junho o trabalhador receberia 80% desse novo salário. Acho preferível manter o salário de Cz$804,00 numa base monetária que é semelhante ao dólar, cujo poder aquisitivo mantém-se em nível estável. Tome-se, por exemplo, a cesta básica do trabalhador, que temos acompanhado com muito cuidado. Tempos atrás ela correspondia a 83% do salário dos funcionários da Brastemp, hoje corresponde a 52/53%. É algo muito expressivo! Mesmo sabendo que Cz$804,00 ainda constituem valor muito insignificante, que não atende às necessidades básicas do trabalhador, vê-se que o Plano Cruzado trouxe um pouco mais de fôlego, um pouco mais de facilidade.

Analisados todos esses fatores, eu diria que as empresas que não tiveram a visão ou o preparo para investir nos seus recursos humanos na fase que antecedeu o cruzado terão que fazê-lo agora rapidamente, e pagando preços altos, porque precisarão recrutar gente ou manter seus profissionais de talento - o que às vezes não é tão fácil. Elas precisarão rever sua política salarial, mas, muito mais do que sua política salarial, elas precisarão rever seus planos de carreira, seus planos de desenvolvimento, seus planos de avaliação do potencial, seus planos de avaliação do desempenho, para conferirem certa motivação ao seu pessoal. Só que essas empresas talvez venham a pagar um preço bastante alto, porque talvez tenham perdido, na fase anterior, a capacidade de diálogo com seus níveis gerenciais, o que é muito importante.

Essas empresas talvez estejam um pouco desacreditadas perante seu nível gerencial, porque na fase em que mais precisavam investir em recursos humanos, para atender a uma situação de momento, elas aplicariam a lei da política salarial, introduzida em 1979, com 50 e 80% dos índices; e só muito recentemente, há cerca de um ano, algumas empresas passaram a conceder 100% do INPC. Há muita gente desmotivada, desestimulada e que precisa receber novo ânimo: as empresas vão ter que investir maciçamente para recuperarem o terreno perdido em termos de motivação - principalmente no seu grupo gerencial.

Paralelamente a isso, terá que criar incentivos e eu diria que os incentivos salariais constituem algo às vezes insuficiente. Para um país como o nosso, de jovens, em que a maioria deseja ocupar seu lugar ao sol, temos que oferecer uma coisa que é a carreira: perspectivas de progresso e desenvolvimento. Tenho consciência de um ponto, que é a necessidade de se oferecer uma perspectiva ao homem. O salário é um efeito, e não causa! Hoje, vejo todo mundo fazendo pesquisa salarial, os head hunters fazendo levantamentos. A mim me parece que o importante é a perspectiva de desenvolvimento que se pode oferecer, não apenas um salário. As empresas que possuírem uma política salarial sadia talvez não precisem pagar os maiores salários do mercado, mas seu empregado precisa saber que sua política salarial é estável! Na fase recessiva, havia empresas que admitiam 400 pessoas em um mês e demitiam 300 no mês seguinte. Essa instabilidade levou muitos executivos a viverem também a instabilidade correspondente. O grande sucesso do Plano Cruzado, no meu modo de ver, é conceder maior estabilidade ao emprego. As guardas baixaram, quer para os homens do nível mais alto, quer para os funcionários mais simples: todos se sentiam mais ou menos inseguros, intranquilos, porque não sabiam o que iria ocorrer na empresa em termos da sua estabilidade. No momento em que se oferece um trabalho com possibilidade de produção (e a produção gera trabalho), a situação muda. Alguns meses atrás, a direção de uma empresa reunia-se para verificar como reduziria sua produção; reduzir produção significa reduzir gente, reduzir custo. Era um círculo vicioso, havia necessidade de estancar essa hemorragia, não havia outra forma!

Realmente sou entusiasta do Plano Cruzado. Mas devemos estar muito atentos, porque o grande fator de equilíbrio, capaz de mudar todo o sistema, porque novamente incluirá o aspecto psicológico, é o processo inflacionário. Temos de lutar, por todos os meios e de todas as formas, para novamente evitar o reaquecimento do processo inflacionário. A única preocupação que tenho, e deixo aos companheiros, é que acabamos com a ORTN, mas a OTN, que a substituiu, no próximo ano (em março), sofrerá uma correção com o que novamente se indexará a economia. É um problema que preocupa. Não sei como o Ministro Dílson Funaro e sua equipe vão lidar com essa situação, porque no momento em que se efetuar a correção, com a inflação dos 12 meses, teremos o reaquecimento inflacionário, e aquilo que hoje é a OTN voltará a ser uma ORTN. Isso terá repercussão nas empresas.

Para finalizar, digo que deverá haver uma preocupação muito grande com as políticas salariais das empresas - mas isso deverá ocorrer principalmente nos planos de carreira, no desenvolvimento, na área de treinamento. Muitas empresas discutiram se o Governo dará ou não algum incentivo - isso é efeito, não é causa!

E chamo também a atenção para a questão sindical. Hoje, todos acham que o sindicato perdeu sua força. Para mim, isso não ocorreu: ele vai continuar com sua força, sua atuação e sua luta. Vejam o sindicalismo europeu, ou mesmo norteamericano: eles vivem em economias equilibradas, estáveis, com inflação de 3 ou 4% ao ano, e mantêm sua postura. Só que o sindicato, aqui, vai levantar outras bandeiras. Não serão bandeiras situadas exclusivamente no campo econômico. Elas entrarão mais na área político-sindical: áreas de insalubridade, áreas de periculosidade, a participação mais ativa da área da segurança e medicina do trabalho. As empresas precisarão estar muito mais preparadas nesse campo, com médicos e engenheiros da segurança preparados para poderem dialogar e enfrentar as pressões. Haverá grande pressão com relação à estabilidade, problema importante; não posso aceitar a estabilidade plena, mas estou perfeitamente de acordo com a existência de critérios de dispensa que o Governo deve fixar, ou as associações de empresas; os critérios para a dispensa criam um pouco mais de tranqüilidade. Indiscutivelmente, uma das grandes missões da empresa é sua missão social.

Ressalto, finalmente, a necessidade imperiosa de as empresas e os profissionais de recursos humanos estarem muito atentos ao que ocorra na comunidade, em seus aspectos econômicos, sociais e psicossociais; não devem deixar de ver, também, o que realmente se passa dentro da própria empresa. No meu entender, nesse período houve uma preocupação muito grande no tocante ao que se passaria fora da empresa; mas as empresas esqueceram-se de sua própria estrutura: que pensa o seu funcionário? Que pensa seu executivo? Como ele está-se sentindo? Quais são as suas amarguras, suas incompreensões, sua instabilidade, inclusive psicológicas? Acredito que devemos manter como preocupação básica da empresa o preenchimento desta lacuna.

Para os bancos, o quadro decorrente do Pacote é um pouco mais complexo do que para outros tipos de empresa. Para que todos tenham uma idéia, quando da liquidação do Comind, Auxiliar e Maisonnave, o Banco Central, no procedimento da liquidação, vendeu as cartas-patentes. O maior banco privado do País não entrou na concorrência: disse simplesmente que ficaria com todas as cartas-patentes que sobrassem. E os bancos que as adquiriram, fizeram-no ao preço médio de Cr$ 6 bilhões. Com o Plano Cruzado, a carta-patente praticamente não vale mais nada! Só isso dá uma idéia de repercussão do Plano Cruzado no sistema bancário.

A ineficácia gerencial na indústria, que era camuflada e absorvida pela receita não-operacional da empresa, quase sempre resultante de uma boa administração do fluxo de caixa, também nos bancos era absorvida com a alta rentabilidade que os depósitos à vista proporcionavam. Simplificando devo dizer que o depósito à vista deixava uma receita, nos bancos, de cerca de 7,8% ao mês. Então, uma agência como a de Rio Grande da Serra, que está sendo fechada e que tinha Cr$3 bilhões em depósitos à vista, gerava uma receita superior a Cr$210 milhões por mês; com o Plano Cruzado, os depósitos à vista passariam a perder aproximadamente 0,86% ao mês. Então, aquela agência passou a render Cz$24 mil.

O quadro para os bancos é muito mais complexo e bastante profundo. Numa linguagem muito nossa, do meio bancário, consideramos que os bancos têm três grandes formas de atuar: o banco de varejo, o banco de atacado e o banco de negócios. O banco de negócios é aquele de uma ou duas agêcias; os bancos de atacado estão situados na faixa de até 300 agências e os bancos de varejo possuem de 500 a 1.800 agências na sua rede. É possível imaginar o que essa perda de receita significou em agências pioneiras, em pequenas praças.

Os bancos de varejo certamente levarão muito maior tempo para fazer o ajuste; os bancos de atacado farão o ajuste em período menor, e os de negócios, mais rapidamente.

Outra variável a considerar: a participação do pessoal na formação das despesas dos bancos. Qual o quadro nos bancos, hoje? Eles têm que reduzir o pessoal, é o ponto imediato: você corta, e aparece a economia na folha. Aí, é preciso fazer uma divisão entre as áreas: a área administrativa e a área da produção. Com as novas tarifas, hoje, não há banco que não conte com o cardápio de tarifas. Tudo se paga nos bancos, hoje, com dois objetivos: é uma fonte substitutiva de receita para os bancos, mas é, também, um fator de inibição. Aquele terminal de compuador, que era o passatempo de muita gente, agora cobra Cz$4,00 para puxar o extrato... Resultado: é equipamento que praticamente ninguém usa. Há uma série de serviços que passariam a não ser mais procurados. Ora, à medida que cobramos, geramos uma receita, mas, à medida que esses preços (que são altos) geram uma inibição, eles liberam mão-de-obra na área administrativa. Então, os bancos estão enxugando seus quadros da área administrativa, e continuarão a enxugá-los. Aqueles bancos que já terminaram o ciclo tecnológico, que jà completaram a automação, ficam em posição mais confortável. Mas os que estavam ao meio do processo, certamente terão um complicador a mais: interromper o processo ou investir para completá-lo. No momento, ninguém está investindo nada nisso.

A mim não me preocupa muito o enxugamento dos quadros na área administrativa, mesmo porque, com a automação dos bancos, esse serviço tornou-se nada especializado. Hoje, nós não temos mais o bancário tradicional, temos sim o "passante" - e isso é mais visível em São Paulo do que no Rio de Janeiro - estudantes que recebem aquele pequeno salário, e por ali vão ficando. No Rio, os funcionários têm idade média maior; pela dificuldade em conseguir novos empregos, o pessoal permanece mais como bancário. Isso explica que a reação às dispensas em São Paulo seja muito menos acentuada do que no Rio de Janeiro.

Essa área administrativa não me preocupa muito, porque se trata de mão-de-obra nada especializada, isso tudo já está automatizado. A mim preocupa a área gerencial! Aí são gerados os negócios! Pessoalmente, vejo aí uma situação bastante grave, porque os bancos estão enxugando seus quadros gerenciais, também pelo fechamento de agências deficitárias. Num primeiro momento, até por instinto de sobrevivência, a produtividade sobe, e está subindo: quem fica, não quer perder o emprego... Mas no momento seguinte sabemos que isso não se mantém.

Nada está ainda definido, mas os bancos vinham num processo muito acelerado de melhoria da qualidade dos seus quadros. Sabe-se que tradicionalmente era baixo o nível escolar dos bancários: a imagem do gerente do banco ainda é a de um homem de nível cultural muito baixo. É lógico que quando se toma a decisão de só admitir diplomados em universidade a partir dos subgerentes, que é o nível mais baixo da gerência (diplomados ou em fase de conclusão do curso), eleva-se a base salarial da organização, e eleva-se substancialmente o desempenho.

Os ganhos em cruzeiros eram altos, agora os ganhos não serão altos. Posso assegurar que os bancos competem com a indústria, ao nível de gerência, sem nenhum problema nos níveis salariais. Os bancos conseguiram pagar a seus gerentes salários em nada inferiores aos de outros segmentos.

Eu não sei, por exemplo, até onde o Sindicato dos Bancários terá condições de pressionar por aumentos salariais. Esse ganho, essa melhora no nível salarial foi espontânea, sem dúvida. Era um investimento que se fazia, de rendimento imediato. E agora não se sabe como ficará. Dessa forma, o tema deste encontro, O Plano Cruzado e os Recursos Humanos, é muito ingrato para quem atua em banco. É muito difícil teorizar alguma coisa sobre isso. Todos nós certamente estamos conscientes de que os recursos humanos são indispensáveis para a empresa: aquela que não valorizar seus recursos humanos está condenada a desaparecer. Mas são tantas as variáveis que estão intervindo aí que nenhum banco conseguiu até agora traçar com clareza uma linha de ação.

Eu diria, pois, que os bancos constituem a parte mais afetada pelo Plano Cruzado. Nem por isso eles se colocam contra o Plano; recordo-me das muitas vezes em que o presidente do Conselho de Administração do Banco Mercantil apontou a correção monetária, o déficit público, dizendo que eram as taxas das ORTNs que puxavam as taxas de juros do mercado - ele disse isso inúmeras vezes, em muitas entrevistas. No momento em que elimina a correção monetária e trava-se uma luta terrível, na outra extremidade, para colocar a inflação em níveis suportáveis, os bancos não se podem colocar em posição contrária, mas que o processo de ajuste está sendo doloroso, disso não há dúvida.

Sem dúvida, todos nós intuitivamente sabemos que o discurso de um profissional de recursos humanos do setor bancário não podia ser, neste momento um conto de fadas. E vejo que com muita hombridade foi dito que esse é um programa que não está gerenciado. Ele não se encontra ainda sob controle, e acho que para esse público, que é um público de profissionais, o discurso direto, objetivo e sem rodeios foi muito mais adequado do que tentarmos encobrir um problema que pode gerar, hoje, um desemprego da ordem de 150 mil a 200 mil pessoas - provavelmente inadequadas.

No problema das migrações ocorridas no mercado de trabalho de todos os países desenvolvidos, o caso mais comum é a migração dos setores secundários (em função da automação e do desenvolvimento tecnológico) para o setor terciário. Mais uma vez, porém, o Brasil apresenta o fato de que teremos uma migração do setor terciário para o setor secundário e para o setor primário, o que talvez venha a exigir da administração de recursos humanos uma atuação também bastante singular. Para colocar o problema dentro de um raciocínio que facilitará toda a compreensão, cabe lembrar que estamos defendendo (aqui dentro da Escola de Administração de Empresas de São Paulo), em termos de uma produção intelectual, a idéia de que temos que melhorar o nível técnico da abordagem dos recursos humanos. É esse o esforço que a EAESP vem fazendo e que vem sendo hoje reconhecido, na medida em que se tem um público interessado e interessante, participando dos cursos de extensão por ela oferecidos, na medida em que a escola já conseguiu (graças ao apoio maciço que vem conseguindo da direção, mormente neste período em que temos profissionais vinculados aos recursos humamos na direção da escola) dar passos que nos permitem alçar vôos mais elevados.

Que significa essa melhoria do estado da arte? Significa, antes de tudo, ter um plenário onde possamos discutir o que está acontecendo com a área de recursos humanos ao nível do Brasil; em segundo lugar, significa estimular a produção, e ver que a área dos recursos humanos, dentro desta escola, como conseqüência da reação do mercado, tornou-se um dos setores de melhor nível de oportunidade, dentre as várias áreas funcionais das organizações. A título de ilustração: num acompanhamento que fazemos das ofertas colocadas em jornais, de pelo menos cinco grandes capitais, o número de oportunidades oferecidas para gerente de recursos humanos, de março a maio de 86 é 3,5 vezes superior ao número das oportunidades oferecidas em todo o segundo semestre do ano passado. Falo só da gerência de recursos humanos, não das áreas funcionais: treinamento, salários, avaliação do desempenho, da administração do pessoal. É um dos setores que mais estão sendo procurados e a iniciativa e a necessidade de ação da área é premente: o setor está sendo tremendamente solicitado - e solicitado dentro de um quadro de eficácia. Acho que a nossa eficiência já estava boa. Costumávamos conceituar a eficiência como saber fazer as coisas. Como o Plano Cruzado, a eficiência passou a ser: saber fazer as coisas da maneira certa na primeira vez. Nossa margem de risco reduziu-se, porque o risco que era desprezível antes, hoje aparece no balanço imediatamente.

Em conseqüência, a preocupação com a melhoria do nível do profissional das organizações (e esse é o sentido específico da nova administração de recursos humanos) passa a predominar ao nível da cúpula da organização. A coseqüência são alguns atos condicionados de procurar profissionais de recursos humanos que venham salvar a organização. Acho que essa panacéia vai ocorrer, como já aconteceu com a área das finanças e com a área de marketing; mas vai haver uma procura de profissionais habilitados, credenciados, que tenham feito o sacrifício de expor-se a cursos de especialização e que se tenham preocupado com a competência nos últimos anos. Não estou querendo glorificar as pessoas que por aqui passaram, pelos 20 cursos que houve, mas estou dizendo que isso era inevitável para a formação do novo profissional de recursos humanos. O Prof. Luciano Gaino e eu estamos fazendo outro trabalho, sobre o estilo da direção dos recursos humanos: está hoje muito claro, para nós, que basicamente tivemos três grandes fases de recursos humanos no Brasil. E isso que colocaremos de forma conceituai esteve explícito, de forma pragmática, nas colocações de Paulo Roberto Pereira da Costa e Geraldo Sorano.

Tivemos uma fase eminentemente de pessoas: havia a preocupação com a melhoria das pessoas; em uma frase, que foi divulgada, mantida, endeusada, gerenciar era conseguir resultados através de pesoas; e havia uma preocupação individual - não se falava em grupos, não se falava na formação de valores, nem no aprimoramento da organização; falava-se do desenvolvimento individual das pessoas em vários níveis.

Logo em seguida houve uma grande fase de administração de recursos humanos com ênfase no conflito. Cuidando das pessoas e olhando só para dentro, eu não diria que a pessoa estava sem binóculo, na figura do Prof. Paulo Roberto: na verdade, ela não se encontrava nem na fronteira. Esse profissional foi surpreendido por uma greve, surpreendido pela organização do movimento sindical, surpreendido pela cultura sindical, e surpreendido por ter sido o culpado por isso. Esse discurso do conflito dominou a gestão dos recursos humanos de 1978 a 1984. Foram seis anos em que foram procurados os profissionais que entendiam de pessoas, sim, mas no nível individual, com péssima visão do resto. Já conversamos com vários deles: duvido que alguém me venha dizer que possuía uma visão estratégica da organização, na fase da gestão dos recursos humanos com ênfase nas pessoas. Era comum, entrevistando um profissional, a gente perguntar qual era o produto, e o sujeito dizia: "Ah, a empresa faz lá um 'trequinho' que vai do lado, ou embaixo, não sei bem..." Não sabia qual era o produto, não sabia qual era a margem da contribuição, não sabia ler balanços. Os Prof. Roberto Venosa e Luciano Gaino lembram disso: quando introduzimos, no curso de Administração de Recursos Humanos, a análise de balanços, alguns profissionais perguntaram para que isso lhes serviria.

A depuração da área vem acontecendo acentuadamente. Nessa fase do conflito, o profissional de recursos humanos olhou para fora, e para que variáveis? Para as variáveis que temos discutido: o Governo, a legislação trabalhista, os representantes sindicais e os representantes das empresas.

Efetivamente, então, ele foi para a fronteira, observar o movimento fora dos seus limites; mas toda aquela vocação básica de pessoas que ele tinha, perdeu. E nesses anos, a formação gerencial, exceto nas empresas tradicionalmente "formadoras", foi trocada por um estilo que chamo de "empresa compradora". Seu lema é não gastar em adestramento e desenvolvimento, mas comprar recursos prontos, no mercado. E o mercado dividiu-se, naturalmente, entre empresas que formavam e empresas que compravam. As empresas que formavam em geral não pagavam salários à altura das empresas que compravam. Lógico, não é novidade para ninguém. Temos aqui representantes de empresas que são nitidamente formadoras, e que perderam profissionais, ao longo do tempo, atraídos pelos salários das empresas compradoras, que não gastavam com o adestramento e o desenvolvimento. Obviamente, quem compra profissionais de diversas origens e diversas culturas instaura um processo interno de concorrência que criou o terceiro tipo de empresa: a "empresa canibal". O setor bancário está cheio dessas empresas.

E vejam bem: ainda não chegamos ao choque provocado pelo Plano Cruzado. Estamos falando do ambiente do início deste ano: empresas formadoras, com tradição de formação gerencial, defendendo uma formação, com plano de carreira, procurando estimular o que era muito difícil, a pessoa, o jovem cheio de dívidas (perfil muito comum), aquele profissional que todos conhecem, que ganhava 13 salários e gastava 18, pendurado no cheque especial, no cartão de crédito, nas três prestações do BNH. Esse quadro, que era o do nível da supervisão e gerência brasileiras, obviamente não permitia que se dissesse ao profissional: "Acalme-se, daqui a 12 anos você vai ser gerente". Pelas contas dele, ele já estava em moratória: não tinha como dividir a dívida em 12 anos! Então, ele aceitava a proposta da empresa compradora, e às vezes também a da empresa canibal, sacrificando sua carreira.

Era muito mais complicado falar em gestão de recursos humanos naquela época, porque todas as práticas eram de fácil discurso e difícil execução. Mesmo assim, algumas empresas continuaram mantendo uma política eficaz de recursos humanos. E aí aparece, caracterizadamente, o terceiro escalão da gestão de recursos humanos: a gestão com ênfase no conceito de recursos. Aí, é preciso entender a organização e se começa a pensar na organização - que então sofreu o choque do Plano Cruzado.

Nas organizações, o processo de mudança atinge basicamente pessoas, sistemas de informação e de trabalho, e a estrutura organizacional. Então, se se tiver em mente que o processo de mudança leva a que as pessoas, os sistemas de informação, os sistemas de trabalho e a estrutura da organização tenham que ser atacados mais frontalmente e muito mais rapidamente, então não se pode deixar de concordar com Paulo Roberto Pereira da Costa: quem não fez um programa de carreira, quem não tem um programa de avaliação do desempenho, quem não está preparado para um sistema de pagamento por desempenho vai ter que correr muito, e pagar muito, sentindo a repercussão no seu balanço dos próximos dois anos, até conseguir reestabilizar-se.

Mas há algumas outras áreas que estão ressuscitadas com o Plano Cruzado. A primeira é a da administração salarial: ao invés do piloto de máquina de calcular, que era o profissional dos salários, hoje temos uma figura diferente lá. Volta a aparecer a origem da administração salarial; está resgatada a administração salarial, naquelas linhas básicas que o Prof. Luciano Gaino coloca, e em que tem que haver um equilíbrio, interno e externo. É incrível, mas nós vamos ter que estudar isso de novo!

Outro aspecto a comentar é que em uma economia estabilizada, ou em processo de estabilização, existe uma tendência no sentido de que o sistema de remuneração seja transformado em sistema de remuneração por desempenho, em todos os níveis. É a única maneira que os bancos, as indústrias, etc. terão para sustentar o corpo funcional que lhes interessa: atrelar isso a um pagamento por resultados. Essa associação e esse compromisso entre o capital e o trabalho são a única maneira para conseguir resgatar a confiança na organização, porque a fase que se vivia antes do Plano Cruzado era a de nenhum de nós acreditarmos em organização nenhuma - quanto mais nas empresas. Para restabelecer esse compromisso entre a empresa e seu corpo de empregados, vamos ter que caminhar, naturalmente, para um pagamento por desempenho. É um enorme problema para ser administrado pela área de recursos humanos.

Neste contexto, ganha realce o plano de carreira. Para fazer as trocas de pessoal, a função da empresa compradora ficou mais difícil. A função da empresa canibal ficou mais difícil ainda, porque ela também tem sua estrutura salarial congelada, e para chegar e comprar está tendo que fazer o que se está vendo no mercado. Aqui, nós já passamos da fase de acreditar em Papai Noel: todos sabemos que hoje estão sendo pagas luvas para fresador, para pessoas que operem máquinas de eletroerosão - como se faz com jogador de futebol. "Eu te dou Cz$10 mil já, Cr$10 mil daqui a três meses e Cz$10 mil no fim do ano... e você aceita vir trabalhar pelo salário que está enquadrado nas minhas faixas!" Quando o recrutamento por algumas empresas, entre as compradoras e canibais, não é feito dessa forma, é através do pagamento de uma televisão, de uma geladeira.

Efetivamente, estamos vivendo um mercado paralelo, na área de contratação de recursos humanos. Hoje, há as empresas que possuem a tradicional área de recursos humanos e algumas que estão atrasadas no seu processo e instalaram uma área de atração e sedução, enquanto outras ainda já têm a área de busca e captura. O que ocorre é que elas não estavam preparadas, como disse Paulo Roberto Pereira da Costa; não foram formadoras.

Vejamos as áreas de atração: praticamente, a funcionalidade da área de recursos humanos está acirrada pelo Plano Cruzado. Sem discuti-lo (até me faltaria uma base sólida em economia, para fazê-lo), posso dizer que as divulgações estão aí: a Gazeta Mercantil diz que tivemos um acréscimo na massa salarial do setor industrial, entre 8 e 18% - mínimo de 8 e máximo de 18%; fala-se em acréscimo de 21 %.

Que o pessoal saiu comprando, saiu; que o pessoal tirou o Dodge Dart, o Dodginho, o Gordini, da garagem, tirou: está tudo aí, atravancando o tráfego. São coisas obsoletas que voltaram ao mercado.

Efetivamente, houve melhora no poder aquisitivo - sintomática, contingencial, situacional - que reflete uma nova postura em relação aos salários, em relação à compensação. Acho que com o Plano Cruzado matamos o conceito antigo de salário; temos que falar hoje em remuneração: o salário explícito, pago por dentro, sujeito à tributação, e mais um conjunto de benefícios - que é onde a área sindical atuará sem dúvida, dependendo da necessidade de cada organização. Não é só para fugir à tributação, mas também para caracterizar uma luta pela melhoria da qualidade de vida da pessoa.

Quero lembrar que também voltam a aparecer as técnicas, e vamos ter que voltar aos livros, em termos da avaliação do desempenho, para simplesmente poder fazer o tal pagamento pelo desempenho. É uma oportunidade incrível para a área de recursos humanos. O Plano Cruzado acabou com o enganador: com aquele profissional que fez "espuma" nos últimos anos, aquele profissional que eu chamo de "gerente pingue-pongue" (cai na mesa e ele devolve, o dia inteiro) e também o de "gerente super-herói" - que entra muro adentro e salva a empresa; mas quando você calcula o custo do muro e tudo mais, você verifica que seria melhor não ter chamado o homem.

Esses enganadores foram crucificados pelo Plano Cruzado: a inflação escondia uma série de erros que hoje não vão passar despercebidos. Acho que teremos um reajuste geral, mas com grande favorecimento da aréa de recursos humanos; favorecimento que está demonstrado pela freqüência que temos observado nos nossos cursos; favorecimento que está demonstrado no espaço aberto, na imprensa, para que os profissionais de recursos humanos digam alguma coisa.

E minha mensagem é: Por favor, digam alguma coisa!

Tentarei apenas expor algumas idéias telegraficamente. Obviamente, tudo se centrará, em matéria do ensino da administração, na preocupação sobre o que a Escola de Administração de Empresas de São Paulo pode fazer, qual a contribuição que ela pode dar para a área dos recursos humanos. Não quero alongar-me, mas eu colocaria três pressupostos. Examinando o contexto do País e de São Paulo em especial, podemos fixar o primeiro deles, de que em São Paulo há um estágio de capitalismo precoce em relação ao País; e o segundo, de que o peso da informática avizinha-se de algo que poderíamos entender como a terceira revolução industrial. Nesse contexto, o plano de estabilização econômica veio organizar aquilo que poderíamos entender como um modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro, o terceiro pressuposto.

Nestes parâmetros, a Escola poderia contribuir para a melhor compreensão do que se entende como comunidade empresarial. Voltarei a isso daqui a pouco, mas antes quero colocar algumas idéias sobre a escola e recursos humanos. Tenho a satisfação de trabalhar e aprender com os Profs. Luis Carlos Cabrera e Luciano Gaino, e estou convencido de que a escola clássica nunca foi vanguarda em RH. Estou mais convencido ainda de que a escola não deve ser vanguarda, ela não pode ser vanguarda. Em síntese, ela pode oferecer algo que Pierre Bourdieu (1972) chamou "uma posição contra aqueles que teorizam sem praticar e aqueles que praticam sem teorizar". Ou seja, a escola pode e deve, em RH, conciliar o saber da prática com o saber da academia. Isso, modestamente, nós estamos tentando fazer: a contribuição de Gaino e de Cabrera sempre foi fundamental. A idéia é que a escola seja um fórum onde as preocupações sobre RH possam ser articuladas.

Voltemos a um ponto anterior. Dentro do modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro e da idéia de ordenação que o Plano de Estabilização Econômica introduz, um dos aspectos já lembrados anteriormente foi a modificação do padrão comportamental: claramente, a relação sócio-técnica (a relação homem/tarefa) será alterada e a compreensão da cultura organizacional torna-se importante principalmente para o especialista de recursos humanos.

Permitam-me a deselegância de citar uma experiência que vivi. Foi uma pesquisa realizada na Ford, e da qual participei, conduzida pelo Prof. Leoncio Martins Rodrigues, da USP; ela foi bastante reveladora. No meu modo de entender, ela introduz essa terceira dimensão da colaboração escola/empresa. Apenas como exemplo, destacamos alguns dados obtidos nessa pesquisa e relativos somente a duas variáveis: nível de reivindicação e inserção da multinacional na economia nacional.

Quanto à primeira, até o presidente da Ford àquela época, Sr. Bob Geritt, ficou impressionado ao verificar que o nível de reivindicação era muito mais alto no estamento gerencial do que nos de supervisão, sendo os elementos da alta gerência os que mais reclamavam do salário e aspiravam a maior prestígio e mais alta posição. O que a escola acrescenta a isso é que a procura tem que ser vista através da privação relativa, ou seja, da comparação entre o que a pessoa conseguiu e o que pretende alcançar.

Outra questão que forneceu dados importantes foi aquela sobre a inserção da multinacional na economia nacional.

Sintetizando, há pessoas que a analisam via acumulação do capital e chegam, eventualmente, à conclusão de que ela causa malefícios.

Na pesquisa, pedíamos ao entrevistado sua opinião sobre a situação do horista - se ficaria melhor, pior ou permaneceria igual - caso a Ford fosse: 1. uma empresa privada brasileira; 2. uma empresa do Governo. A primeira manifestação foi de um horista que disse, imediatamente: "Tira essa pergunta! Nem brinque!" Dos respondentes, 98% indicaram que sua situação pioraria!

Essa idéia da inserção "maléfica" das multinacionais em nossa sociedade, é para consumo acadêmico e sem nenhuma base empírica. O operário recebe o salário, tem um plano de saúde, e percebe a empesa de uma perspectiva muito diferente.

Os resultados dessa pesquisa foram entregues à comissão de fábrica e à alta gerência da Ford. E por que isso é importante? Porque ambas perceberam os limites da reivindicação - até onde um grupo vai, até onde o outro grupo deve negociar.

No caso da alta gerência, percebemos, por exemplo, que apesar de os níveis salariais serem rigorosamente idênticos, havia zonas de prestígio e poder na empresa! E essas zonas coincidiam com as de maior dotação de capital social.

Só dei dois exemplos, e não gostaria de me alongar. Quero costurar, então, aquilo que pretendo possa vir a ser uma contribuição (de certa maneira já está sendo) positiva, construtiva, ao desenvolvimento deste modelo capitalista brasileiro. Primeiro, o curso que temos tentado fazer, que consiste fundamentalmente na experiência prática dos docentes que nele lecionam (Toledo, Gaino, Cabrera, Bertero e outros) e no qual a universidade desce da sua posição olímpica. Segundo, esta Escola, pela posição que adquiriu no campo administrativo, pode ser um fórum onde os grupos de recursos humanos articulem suas preocupações. E terceiro, pesquisas do tipo que citei, que retiram o manto do mito, que vão a campo e trazem a verdade que o campo encerra, na minha opinião são muito mais frutíferas do que as teorizações abstratas. Basicamente, o tipo da contribuição reside mais uma vez na frase de Bourdieu:

Eu queria usar meu espaço para trazer o assunto para outro ângulo, que não foi tratado, e que a presença de Paulo Roberto Pereira da Costa me inspirou a olhar.

É o ângulo íntimo de cada um de nós, que trabalhamos na área. Geralmente, quando acontece um Plano Cruzado ou qualquer outra coisa que atinge a empresa, nós nós preocupamos com o mercado, com a empresa, o que vai acontecer com o Governo, com o sindicato, etc. E a pergunta que nos interessa mais de perto geralmente fica no ar ou guardada dentro de cada um de nós. Acho que a esta altura dos acontecimendos, muita gente está perguntando: "Bom, e como é que eu fico, depois do Plano Cruzado?" E é exatamente esse "Como é que eu fico?" que Paulo Roberto me inspira, porque foi ele o meu iniciador na área. Ele me iniciou nela numa situação muito semelhante à que estamos vivendo hoje. Trabalhávamos, então, na Walita, e ele assumiu a direção da área de recursos humanos em 1964. Em 1965, as empresas começaram a ressentir-se das medidas tomadas na época pelo Governo, medidas bastante restritivas, dificultando demais a administração dos recursos humanos. A maioria das empresas reduziu muito seu quadro e sofreu bom tempo para ajustar sua economia. Nós tivemos que tomar medidas bastante drásticas. Lembro-me do meu início na área dos salários: Paulo Roberto assumiu a direção; todo o pessoal do Departamento de Salários tinham sido mandado embora, e eu, que nunca tinha visto isso na vida, fui lá, cuidar da área. Eu diria até, da área física, porque não havia muito a fazer com a empresa em crise. Sem possibilidade de fazer nada, fui cuidar das salas, dos móveis. Os aumentos estavam suspensos, as admissões estavam suspensas, as transferências também, e, assim, as promoções.

Parece-me que exatamente o fato de a gente ter enfrentado tal situação naquela época nos serviu de grande escola: que a área dos recursos humanos conquista seus espaços nos momentos em que a empresa precisa dela. E acho que isso não aconteceu só com esta área. Em função do fato de ter depois passado por experiências semelhantes em outras empresas e outras épocas, fui tentado a analisar também como nasceram, cresceram e apareceram as outras áreas, dentro da empresa. E assim obtive algumas informações e análises da seguinte ordem. Enquanto a empresa apenas administrava seu caixa, ela não precisava de um gerente financeiro: tinha, quando muito, um caixa, que recebia e pagava. Ela não fazia aplicações, transferências, open e esse negócio todo. Mas, de repente, o negócio começou a complicar, e ela sentiu necessidade de trabalhar a área para que o dinheiro dela fosse mais bem administrado. Daí se abriu um espaço enorme para os especialistas da área financeira. Depois, aconteceu a mesma coisa com a área do marketing. Enquanto a empresa só tinha que colocar seus produtos no mercado, não precisava muito mais do que um tirador de pedidos, vendedor, por apelido: ele ia à loja do cliente e perguntava: "Quanto vai?" - e tirava o pedido. Mas, de repente, a empresa percebe que seus produtos já não são mais aceitos com tanta facilidade: que a concorrência está crescendo e ela, empresa, precisa adotar algumas teorias e práticas mais refinadas, e começa a valorizar o pessoal da área de marketing.

No passar desses anos todos, ocorreram os picos dessas áreas.

Na época em que fiz minha pós-graduação na EAESP, por exemplo (fim da década de 60), a moda era fazer marketing. Então, fiz minha pós-graduação em marketing. Era a área mais conceituada e mais procurada. O mercado estava ansioso por bons profissionais nessa área. Na época eles se sobressaíam, enquanto na área de RH praticamente não se oferecia nada. Naquela época, a EASP era uma escola de finanças e marketing, não se pode negar isso.

Já nessa época, Paulo Roberto Pereira da Costa assumiu (em 1968, se bem lembro) a diretoria da Associação Paulista de Administração de Pessoal, e nós nos ressentimos de uma formação mais profunda entre o pessoal da área: a necessidade de demonstrar a ele que a administração de RH não era só a administração do fluxo das pessoas ou das rotinas trabalhistas: havia uma porção de coisas mais complexas que estavam sendo procuradas e não atendidas, no mercado, porque não havia nenhum curso estruturado que levasse a isso. E montamos, em 1968, o Curso de Administração de Pessoal, primeiro pelo menos do meu conhecimento; de certa forma, foi um germe deste curso que temos hoje na EAESP. Terminada nossa gestão, o curso não foi levado avante, mas a idéia nos perseguiu e nos incentivou a fazer alguma coisa. Quando tive oportunidade, junto de vários outros colegas que alimentavam as mesmas idéias, pudemos formar o Curso de RH, no semestre de 1975, nesta escola. Este curso veio ocupar um espaço que já se mostrava: havia a procura de pessoas interessadas em aperfeiçoar-se na área, assim como a procura das empresas para incorporar novos conceitos e aspectos que deveriam ser discutidos, elaborados e aplicados. Temos feito isso desde 1975.

Minha experiência particular tem demonstrado que não há aquela posição ideal que a gente imagina, no início da carreira: um dia, uma empresa todo-poderosa convida-nos a tomar uma posição de diretor de recursos humanos, e esse diretor vai fazer a maravilha das maravilhas, dentro da empresa! A prática demonstra que essa posição tem que ser conquistada, dia a dia, através do desenvolvimento das idéias, das teorias e das práticas. A conjugação desse esforço concentrado, conjugado, entre a prática e o desenvolvimento conceituai, incorporado muitas das conceituações que a gente aprende nas outras áreas (acredito que o fato de eu ter aprendido uma série de coisas de finanças e de marketing, naquela época, tenha-me ajudado muito a desenvolver a carreira na área de RH) é que pode levar-nos a atingir essa meta. Em função dessa formação, tive minha carreira reforçada, na área de RH; passei a entender melhor o profissional de marketing, de finanças, de produção. Isso criou um ambiente favorável, o que me levou a assumir a primeira posição de diretoria de recursos humanos aos 27 anos. Mas em função disso, nós também não paramos, tivemos sempre a preocupação de ir absorvendo essas conceituações e conseguindo esses progressos, porque sentimos esse grande desafio; sentimos, às vezes, no dirigente de outras áreas, essa grande demanda de que o profissional de RH esteja preparado para administrar não apenas os fluxos e o sistema de remuneração, mas administrar todo o complexo dos recursos humanos da empresa, que é influenciado por tudo que acontece dentro e fora dela. Ele deseja um profissional que entenda o que acontece no ambiente em que vive, em que a empresa opera, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas, para que essa administração leve a uma eficácia maior.

Então, trazendo isso para a nosso íntimo hoje, não tenho receio nenhum em dizer que se estamos empenhados em fazer esse aperfeiçoamento - fazer as nossas experiências, se temos a coragem necessária para correr nossos riscos, para fazer experiências em áreas em que não estamos habituados a atuar, até então, em função das características do período anterior - não tenho dúvida de que existe um grande espaço, que será preenchido pelos profissionais que tiverem a coragem de assumir essas posições. E, daí em diante, a questão de ser bem-sucedido, em função da posição e da projeção, é mera conseqüência.

Vejo que agora, em função da necessidade de uma administração muito mais apurada, muito mais desenvolvida, de todos os recursos da organização, criou-se um espaço imenso, que está aí, para ser ocupado pelos profissionais de RH, para quem estiver com a competência adequada.

E aqui uso um slogan com que procuro incentivar meu pessoal: na vida profissional, a sorte nada mais é do que um feliz encontro entre a capacidade e a oportunidade. A capacidade está no nosso domínio, nós podemos desenvolvê-la; a oportunidade, a gente procura.

  • 1 Bourdieu, Pierre. Esquisse d 'une théórie de la practique. Geneve, Droz, 1972.p. 155.
  • 1
    um trabalho em conjunto contra "os que teorizam sem praticar e contra aqueles que praticam sem teorizar".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1986
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