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A correção monetária de demonstrativos contábeis na legislação vigente

ARTIGOS

A correção monetária de demonstrativos contábeis na legislação vigente

Alfredo A. de Oliveira Roxo

Assessor do diretor de desenvolvimento da Siderbrás (RJ)

1. INTRODUÇÃO

As disposições sobre a correção monetária de valores constantes da nova lei das Sociedades Anônimas representam notável avanço - em relação às que figuravam da legislação que a precede - no sentido de reduzir as deformações que o processo inflacionário introduz nos demonstrativos contábeis.

Desta feita, logrou o legislador aproximar-se consideravelmente de uma correta identificação e mensuração dos ganhos ou perdas patrimoniais atribuíveis à inflação. Além disso, houve significativa simplificação dos procedimentos de cálculo e registro da correção monetária - antes sujeitos a complicadas regras, algumas das quais conceitualmente erradas, como esperamos ter demonstrado em comentário publicado no vol. 16, nº 3 desta revista.

Entretanto, a Lei nº 6.404/76 ainda não atinge plenamente - ou melhor, no mais alto grau compatível com as conveniências de ordem prática - o objetivo mencionado acima. O problema agrava-se com a tendência que se observa de orientar a aplicação daquela lei, mesmo no que concerne à escrituração mercantil ou comercial, pelo que dispõe o Decreto-lei nº 1.598/77. Lembramos que este último visa específica e exclusivamente, pelo menos em tese, a finalidades fiscais.

Tentaremos analisar as falhas no tocante ao trato do problema da inflação que, em nosso entender, a nova legislação ainda apresenta.

Iniciemos a discussão com breve recapitulação das principais disposições da Lei nº 6.404/76 atinentes à correção monetária de valores. A propósito, mencione-se que a matéria é nela tratada de forma extremamente sucinta, a tal ponto que sua aplicação não dispensa disposições regulamentares adicionais. São os seguintes os principais tópicos sobre o assunto, constantes da lei em questão:

a) serão corrigidos monetariamente o Ativo permanente e o Patrimônio líquido, com base nos índices de desvalorização da moeda nacional reconhecidos pelas autoridades federais;

b) o saldo entre as contrapartidas dos ajustes de correção monetária referentes ao Ativo permanente, de um lado, e ao Patrimônio líquido, de outro - saldo esse designado Resultado da correção monetária - será computado no resultado do exercício;

c) os saldos de débitos e créditos da empresa constarão do balanço pelos valores atualizados para a data a que o balanço se refere;

d) é facultado à empresa destinar a uma reserva, intitulada Lucros a realizar, o excesso, no exercício, entre o Resultado da correção monetária e o total das cotas do Lucro líquido consignadas a outras reservas.

A lei é omissa quanto ao registro das variações cambiais e correções monetárias, ocorridas no exercício, relativas a débitos e créditos da empresa. O Decreto-lei nº 1.598/77 é que veio a dispor sobre a matéria, determinando em seu Art. 18 que a contrapartida das variações monetárias - conceito que engloba a correção monetária e a variação cambial de débitos e créditos - será computada no resultado operacional.

É ainda o Decreto-lei nº 1.598/77 que estabelece, genericamente, que a correção monetária, nas contas sujeitas a esse regime, incidirá, em cada exercício, sobre o saldo de abertura da conta e sobre os acréscimos nele ocorridos ao longo do exercício, após ambos (saldo de abertura e acréscimos) serem convenientemente ajustados para considerar ajustes, baixa liquidação ou transferência de valores.

Tanto a Lei nº 6.404/76, quanto o Decreto-lei nº 1.598/77 não fornecem quaisquer critérios específicos para a correção monetária do Patrimônio líquido. Acreditamos que se julgou suficiente, para esse efeito, observar as disposições aplicáveis, em geral, às contas sujeitas ao regime de correção monetária.

Feito este breve retrospecto sobre as disposições da legislação vigente, concernentes ao instituto da correção monetária nos demonstrativos contábeis das empresas, discutiremos adiante as falhas que, a nosso ver, ainda persistem nessa legislação.

As análises fundamentam-se, essencialmente, em conceitos firmados pelo autor na elaboração do artigo que recebeu o título Capital de giro e inflação nas projeções econômico-financeiras, publicado na Revista Brasileira de Economia, vol. 29, nº 3. Na realidade, um teste final do acerto dos procedimentos de correção monetária dos demonstrativos contábeis é a comprovação de que os valores obtidos, em termos do que se denomina moeda corrente, podem também ser expressos, com o uso de inflatores ou deflatores gerais, em termos de uma unidade monetária de poder aquisitivo constante, referente a determinado instante.

Recomendamos, em particular, que se abandone o hábito de analisar os efeitos da inflação sobre os demonstrativos contábeis por meio da sistemática tentativa de associar, para fins de mensuração daqueles efeitos, a aplicação e a origem dos recursos envolvidos. Note-se, por exemplo, que a variação do valor real de um determinado item do Ativo, ocasionada pela existência de um processo inflacionário, independe da origem dos recursos utilizados para a constituição do item considerado. Por outro lado, a redução do valor real do débito referente a um financiamento - ocasionada pelo fato de que seu saldo devedor cresceu, em termos nominais, a taxa menor do que a da inflação - ocorre qualquer que tenha sido a aplicação dada ao produto do financiamento.

Acreditamos que o atendimento dessa recomendação evitará muitos dos embaraços e erros que surgem na apreciação dos efeitos da inflação sobre as demonstrações financeiras.

Ao longo deste artigo, mencionaremos diversas vezes o Manual da correção monetária das demonstrações financeiras, de José Luiz Bulhões Pedreira e Manoel Ribeiro da Cruz Filho. Daqui por diante, referir-nos-emos a essa obra usando simplesmente o termo Manual. É de conhecimento público a importância da participação dos autores citados na elaboração tanto da Lei nº 6.404/76, quanto na do Decreto-lei nº 1.598/77. O Manual constitui, assim, das mais autorizadas fomes para interpretação dos citados diplomas legais.

2. SÉRIE DE ÍNDICES DE DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA PARA FINS DE CORREÇÃO MONETÁRIA

O Decreto-lei nº 1.598/77 estabelece que a correção monetária de valores seja feita em função da evolução do valor nominal da ORTN.

Não obstante a Lei nº 6.404/76 não especificar a série de índices de desvalorização da moeda nacional a considerar para a correção monetária na escrituração comercial, é inevitável que nela também seja adotada a série dos valores nominais da ORTN.

Dado que os efeitos da correção monetária são cumulativos, transferindo-se de um para outro período, seria praticamente inviável manterem-se regimes distintos, no particular, na escrituração mercantil e na escrituração com finalidades fiscais. Entre ambas deverá existir logicamente determinada correspondência, como, de fato, a legislação prescreve que exista. Sendo diferentes as séries de índices de desvalorização da moeda adotadas em um e outro caso, a correspondência entre as duas contabilidades, em determinado exercício, seria dificílima de se verificar.

A opção pela ORTN, para as correções monetárias imputadas aos demonstrativos contábeis, obedeceu à restrição estabelecida pela Lei nº 6.423, de 17/06/77, que proibiu a utilização, como base de correção monetária legal ou contratual, de outros índices. Entretanto, parece-nos que, no caso, a referida restrição deveria ser relaxada, alterando-se, para esse efeito, a legislação que a estabelece.

Se a correção monetária de valores nos demonstrativos contábeis visa - como acreditamos deva visar - fazer que estes traduzam, com a maior fidelidade praticável, a variação real dos valores envolvidos, a escolha deveria recair, em princípio, na série oficialmente reconhecida como indicadora da evolução do processo inflacionário: a série dos índices gerais de preço, no conceito de Disponibilidade interna, ou seja, a série de índices da Fundação Getúlio Vargas. É com base nos valores dessa série que se devem definir os conceitos de valor real ou valor expresso em moeda de poder aquisitivo constante.

A série de valores nominais da ORTN não representa, nem se pretende que represente, indicador válido para se aferir a evolução do processo inflacionário. A fixação do valor da ORTN obedece, eminentemente, a critérios políticos, ou seja, de política econômica. Presentemente, considera-se que a sua evolução se deve processar a taxa inferior à taxa de inflação, tendo em vista atenuar o efeito de realimentação do processo inflacionário que se afirma ser provocado pelo instituto da correção monetária.

Desde que se admita correta a tese acima, não há maior dificuldade em aceitar, do ponto de vista técnico, que se limitem as correções monetárias de débitos e créditos em função da evolução do valor nominal da ORTN.

Entretanto, não entendemos por que esse sistema deva ser estendido, também, às correções monetárias imputadas aos demonstrativos contábeis. Dependendo do caso, o uso deste critério de correção poderá conduzir a resultado do exercício, superior ou inferior ao que se obteria com a correção monetária de valores, em função do índice geral de preços. Torna-se difícil predizer, em casos concretos, a grandeza e mesmo o sentido das diferenças que ocorrerão com o uso de um e outro critério. O que podemos afiançar a priori é que o uso da série de valores da ORTN deformará mais o resultado, em termos reais, quanto maior for a divergência entre o seu ritmo de evolução e a taxa de inflação geral. Ante o exposto cabe indagar:

1. Pretende-se aumentar ou reduzir a expressão nominal do resultado das empresas? Com que objetivo?

2. Uma vez respondidos os quesitos acima, como verificar se o critério adotado - correção monetária em função da evolução do valor nominal da ORTN - contribui para a consecução do objetivo fixado?

3. OMISSÕES NA CORREÇÃO MONETÁRIA DE VALORES DO ATIVO

A Lei nº 6.404/76 dispõe que somente serão imputadas correções monetárias, no que toca ao Ativo, aos elementos integrantes do Ativo permanente.

Em conseqüência, fica-se impedido de corrigir monetariamente quaisquer outros elementos do Ativo, afora os que acima se menciona, ainda que se trate de bens ou direitos cujo valor de mercado tenda a evoluir em função do processo inflacionário. Os estoques estão neste caso.

Assim como a lei considera que o valor dos bens do Ativo imobilizado não seria afetado, em termos reais, em conjuntura inflacionária, princípio idêntico deveria ser aceito para os bens que compõem os estoques. No anteprojeto que deu origem à Lei nº 6.404/76 admitia-se a correção monetária dos estoques - e o registro, a posteriori, de eventuais desvios entre o valor corrigido e o de mercado ou realização do bem considerado - mas o dispositivo não constou da lei aprovada.

Os argumentos apresentados no Manual, para a omissão, foram:

a) os cálculos da correção seriam muito trabalhosos;

b) a desatualização dos valores não é tão significativa quanto a que tende a se verificar nos elementos do Ativo permanente, por ser, em geral, elevada a rotação dos estoques.

A propósito destas observações, desejamos assinalar que a decisão de não corrigir monetariamente os estoques introduz deformações nos demonstrativos contábeis, que não estão restritas ao valor dos estoques registrados na ocasião dos balanços. A ausência de correção afeta também o registro do custo dos produtos vendidos ao longo do exercício social.

O montante global da correção monetária a se imputar aos materiais em estoque, e aos que por ele transitam, ao longo de determinado exercício social - na hipótese de que se parta de valor do estoque, ao final do exercício anterior, atualizado para aquele instante - independe, na realidade, da rotação do estoque. Aquele montante seria igual à soma das correções monetárias que incidiriam sobre os estoques transferidos de um para outro mês, ao longo do exercício social, no caso em que se considere o mês como unidade de tempo. Quando não ocorrer a hipótese indicada, dever-se-á corrigir adicionalmente, no exercício social, a divergência eventualmente existente entre o valor atualizado dos bens ao final do exercício anterior e o valor pelo qual os bens estão registrados na contabilidade.

Ocorre que a totalidade da correção monetária, que corresponderia ao estoque em determinado exercício social, não deverá integrar o valor desse estoque ao final do exercício. Apenas uma parte daquele total lhe seria imputável. A outra parte da correção monetária do estoque seria transferida ao custo dos produtos vendidos. A distribuição do total da correção monetária, segundo as duas partes citadas, será função do sistema de valoração do estoque (valor médio, Lifo, Fifo etc.) e de sua rotação. Por exemplo, ao adotar-se o sistema de valoração Lifo para o estoque, o valor deste último tende a se desatualizar, com o correr do tempo, enquanto que o custo dos produtos vendidos tende a se tornar representativo do custo real em que efetivamente incorre a empresa.

Em suma, o que desejamos enfatizar é que a correção monetária dos estoques constitui problema cuja relevância não pode ser negada e que cumpre envidar esforços na busca de uma solução prática para o problema. Acreditamos que essa solução não seja tão trabalhosa como se imagina. Como ponto de partida para um estudo com esse objetivo, sugerimos cogitar-se de se utilizar para registro dos estoques de insumos operacionais, e de sua movimentação, uma unidade de poder aquisitivo constante. Seria algo análogo ao que se pretendeu, em tese, com o Razão auxiliar, em ORTN. No caso, não seria necessária a individualização do valor de cada item do estoque, podendo-se lidar com valores médios (ou valores obtidos por qualquer dos outros sistemas utilizados convencionalmente para a valoração dos estoques), expressos na unidade de poder aquisitivo constante selecionada.

Outra anomalia que se pode apontar diz respeito a despesas antecipadas, relativas ao exercício subseqüente, classificadas no Ativo circulante. Elas não poderão ser corrigidas monetariamente. Nega-se ao acionista o direito de se ressarcir integralmente, em termos reais, dessas despesas. Entretanto, se a despesa, ainda que de mesma natureza que as consideradas acima, interessar a mais de um exercício, ela poderá ser registrada no Ativo diferido - integrando, portanto, o Ativo permanente - e, em decorrência, ser objeto de correção monetária.

A diversidade de tratamento para bens ou direitos de mesma natureza (no que toca à forma pela qual são afetados pela inflação) evidencia-se ainda nas disposições referentes a títulos representativos de aplicações em outras empresas ou instituições. Se tais aplicações estão registradas como Investimento, a sua correção monetária é prevista na legislação. Mas se ocorre que as aplicações sejam classificadas no Ativo circulante, como se prescreve, por exemplo, para as que se realizem em Fundos fiscais, tais como o Finor, Finam e outros, os valores respectivos não são corrigidos monetariamente.

4. VARIAÇÃO PATRIMONIAL DECORRENTE DA INFLAÇÃO, RESULTADO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E LUCRO INFLACIONÁRIO

Na metodologia desenvolvida pelo autor deste documento para projeções financeiras em regime inflacionário, descrita em artigo citado anteriormente, foi conceituada como variação patrimonial decorrente da inflação a diferença entre:

a) a variação do valor nominal do Patrimônio líquido decorrente dos ajustes de correção monetária - inclusive os imputados - ou de variação cambial que se considerem para o Ativo e o Passivo exigível;

b) o ajuste de correção monetária a imputar ao Patrimônio líquido, para que este mantenha sua integridade, em termos reais, em conjuntura inflacionária.

A variação patrimonial decorrente da inflação representa assim a diferença entre o quantum de que efetivamente cresceu o Patrimônio líquido, em termos nominais, por força de ajustes de correção monetária ou variação cambial do Ativo e do Passivo exigível, e o quantum de que deveria crescer, em termos nominais para manter a sua integridade, em termos reais. Tal diferença constitui, por definição, a variação em termos reais sofrida pelo Patrimônio líquido em decorrência da inflação.

A variação patrimonial decorrente da inflação também pode ser obtida a partir do cômputo da variação, em termos reais, de cada item do Ativo e do Passivo exigível. Esta variação, em cada caso, resulta do confronto entre:

a) o quantum de que o item efetivamente cresceu, em termos nominais, por força de variações monetárias resultantes de disposições legais ou contratuais ou de correção monetária que lhe foi imputada (um exemplo típico de correção monetária imputada é a que se atribui ao Ativo diferido);

b) o quantum de que o item deveria ter crescido, em termos nominais, para que não se alterasse a sua expressão, em termos reais (por definição, a taxa de crescimento a considerar, no caso, é a taxa de inflação).

A diferença entre a soma das variações em termos reais dos itens do Ativo, de um lado, e a soma das variações em termos reais dos itens do Passivo exigível, de outro, constitui a variação, em termos reais, do Patrimônio líquido. O valor obtido por esse segundo procedimento é necessariamente idêntico ao obtido no primeiro.

Na segunda maneira de determinar a variação patrimonial decorrente da inflação, os ganhos ou perdas, em termos reais, provocados pela inflação, pertinentes a créditos ou débitos da empresa, são prontamente identificados. Consideremos o caso de um débito. Sempre que o respectivo saldo se alterar, em determinado intervalo, por força de correção monetária ou variação cambial cuja taxa seja inferior à taxa geral de inflação, caracterizar-se-á uma redução de valor real do débito. Em conseqüência, o Patrimônio líquido da empresa aumentará de valor equivalente.

Em nosso entender, o resultado da correção monetária, conforme definido na Lei nº 6.404/76, não representa adequadamente o ganho ou perda real em que a empresa incorreu, por força da existência de um processo inflacionário. De fato, ele apenas considera as contrapartidas do que denominamos correções monetárias imputadas, ou seja, daquelas que se faz incidir sobre o Ativo permanente e o Patrimônio líquido. As contrapartidas das correções monetárias ou variações cambiais de saldos credores ou devedores de empréstimos e financiamentos são registradas como receitas ou despesas operacionais, segundo entendimento consagrado pelo Decreto-lei nº 1.598/77 (Art. 18).

É flagrante a impropriedade desta última forma de registro quando se tem o propósito de isolar dos demais, nos demonstrativos contábeis, os efeitos da inflação. O cômputo da contrapartida da correção monetária e de variações cambiais de saldos credores ou devedores de empréstimos e financiamentos no resultado operacional reduz a representatividade desse resultado. Considere-se, por exemplo, o caso de um empréstimo tomado pela empresa. O erro de computar como despesa operacional a contrapartida da variação monetária (correção monetária ou variação cambial) relativa do saldo devedor deste empréstimo chega a ser ostensivo, nos casos em que a existência do débito proporciona à empresa ganho patrimonial, em termos reais - o que ocorre quando a variação monetária do débito, em termos relativos, é inferior à taxa de inflação.

A variação patrimonial decorrente da inflação, abstração extraída das ressalvas feitas nos itens 2 e 3, seria dada pela expressão:

(I) VPn = RCn + VCn - VDn, em que:

VPn = variação patrimonial decorrente da inflação no período n.

RCn = resultado da correção monetária no período n.

VCn = contrapartida da variação monetária de saldos credores de empréstimos e financiamentos no período n (variação monetária ativa).

VDn = contrapartida da variação monetária de saldos devedores de empréstimos e financiamentos no período n (variação monetária passiva).

O lucro inflacionário, conforme conceituado no Art. 52 do Decreto-lei nº 1.598/77, corresponderá à variação patrimonial decorrente da inflação, no caso particular em que:

RCn > zero

VDn > VCn

Determina ainda a parte final do § 1º do Art. 58 que o lucro inflacionário será igual ao resultado da correção monetária, na hipótese em que VCn > VDn.

Verifica-se, do exposto, que na nova legislação do imposto de renda da pessoa jurídica parece ter prevalecido o entendimento de que o lucro inflacionário, ou seja, o ganho patrimonial gerado pela inflação, se confundiria com a grandeza que designamos por variação patrimonial decorrente da inflação.

A identidade entre os dois conceitos, no caso de valor positivo para a variação patrimonial decorrente da inflação, somente seria prejudicada pela ocorrência de algumas das restrições apontadas.

Confessamos não atinar com o motivo para as citadas restrições. Em nosso entender haverá lucro inflacionário sempre que VPn, na expressão (I), for positivo, independentemente dos sinais e valores particulares que venham a assumir cada um dos termos do segundo membro da mencionada expressão.

5. CORREÇÃO MONETÁRIA DO RESULTADO DO EXERCÍCIO

Assinalamos anteriormente que tanto a Lei nº 6.404/76 como o Decreto-lei nº 1.598/77 não fornecem quaisquer critérios específicos para a correção monetária do Patrimônio líquido. Admite-se que seriam suficientes, para esse fim,-as disposições formuladas, em geral, para as contas sujeitas ao regime de correção monetária.

De acordo com essas disposições, conforme vimos no item anterior, as variações ou mutações patrimoniais, ocorridas ao longo do exercício, envolvendo contas sujeitas ao regime de correção monetária, seriam consideradas para o citado efeito.

À vista do exposto, dever-se-ia supor que o resultado operacional1 1 Para simplificar a discussão, omitiremos, no caso, o Resultado não-operacional. do exercício seria objeto de correção monetária. Afinal, trata-se de valor que integra o Patrimônio líquido e, como tal, sujeito ao regime de correção monetária. A formação desse valor ocorre, em tese, ao longo de todo o exercício. Nestas circunstâncias, deveriam ser considerados, para efeito de correção monetária do resultado operacional, os valores registrados para cada mês ou trimestre, conforme se prescreve para a correção monetária de outras contas. Entretanto, parece não ser esse o entendimento que prevaleceu, segundo se observa no Manual.

O curioso é que a omissão apontada - ausência de correção monetária do resultado operacional - não afeta o resultado líquido do exercício. De fato, este último, nele incluído o resultado da correção monetária, não se altera em função de se considerar, ou não, a correção monetária do resultado operacional. Se esta correção for adicionada ao resultado operacional ela também deverá ser computada, mas então dedutivamente, na apuração do resultado da correção monetária, conforme é esquematizado no quadro 1:


Entretanto, assinala-se que as duas formas alternativas aqui consideradas para a mensuração do resultado da correção monetária conduzem a valores diferentes. Em conseqüência, a ausência de correção monetária do resultado operacional deforma a dimensão do:

a) lucro a realizar, na escrituração mercantil;

b) lucro inflacionário, na escrituração para fins do imposto de renda.

6. AJUSTES, BAIXAS, LIQUIDAÇÕES E TRANSFERÊNCIAS DE VALORES

Os procedimentos prescritos no Decreto-lei nº 1.598/ 77, nos seus Arts. 43 e 48, para os ajustes, baixas, liquidações e transferências de valores, nas contas sujeitas a regime de correção monetária, implicam, em última instância, admitir-se que os referidos eventos teriam lugar:

a) no início do exercício, se envolverem valores transferidos de exercícios anteriores;

b) no mesmo instante em que ocorrem os acréscimos, se os valores envolvidos tiverem sido acrescidos ao longo do exercício da correção.

Parece-nos que a fixação dessas premissas representa um artifício de que se lançou mão para a identificação dos valores envolvidos, em termos da moeda constante de referência que explícita ou implicitamente é considerada:

a) a ORTN, quando se utiliza o Razão auxiliar;

b) a moeda do final do exercício anterior, no método de correção monetária direta dos saldos das contas.

Entretanto, aquelas premissas são geralmente falsas e sua adoção deforma as demonstrações financeiras.

De fato, elas conduzem a que se despreze a correção monetária a que deverão estar sujeitos os valores envolvidos no intervalo entre:

a) o início do exercício e o instante do efetivo ajuste, baixa, liquidação ou transferência, no caso de valores transferidos de exercícios anteriores;

b) o instante do acréscimo e o instante do efetivo ajuste, baixa, liquidação ou transferência, no caso de valores acrescidos ao longo do exercício.

O erro daí resultante aparece:

a) na expressão em moeda corrente do valor que sofreu ajuste, baixa, liquidação ou transferência, no caso em que o lançamento parta da expressão do valor na unidade monetária de poder aquisitivo constante (como, supostamente, o seria a ORTN);

b) na expressão do valor considerado na unidade monetária de poder aquisitivo constante, no caso inverso.

É interessante assinalar que a omissão de se proceder à correção monetária que seria devida não afeta, globalmente, o resultado do exercício. Isto porque a omissão, que supostamente alteraria o resultado operacional ou não-operacional, é exatamente compensada pela ausência do cômputo da correção monetária pertinente, na determinação do resultado da correção monetária. Ocorre, no caso, fenômeno semelhante ao que advém da omissão de se corrigir monetariamente o resultado do exercício, e que foi analisado no item 5 deste artigo.

A propósito da escolha da unidade monetária a considerar inicialmente, para fins de lançamento dos valores, parece ao autor que a legislação deveria melhor definir, em alguns casos, o critério para essa escolha. Na declaração acima o autor tem em vista, especialmente, exemplo apresentado no Manual envolvendo a correção monetária de conta do Ativo diferido (p. 60). Voltaremos ao assunto mais adiante.

São apresentados, a seguir, exemplos numéricos abrangendo os dois casos considerados. O cálculo é feito segundo o método que reputamos correto e ainda segundo o que prescreve o Decreto-lei nº 1.598/77, a fim de evidenciar as diferenças entre ambos. Admite-se, nos exemplos, que a evolução do valor nominal da ORTN constituiria indicador adequado da evolução da inflação.

Exemplo 1 - O valor corrigido monetariamente de determinado bem, integrado no Imobilizado da empresa, seria no final do exercício de 1978 igual a Cr$ 152.000,00 equivalentes, na ocasião, a 500 ORTN (ORTN = Cr$ 304,00). O total do Imobilizado não-depreciado, na mesma ocasião, seria de Cr$ 1.520.000,00, equivalentes a 5.000 ORTN. Em junho de 1979, quando o valor da ORTN seria Cr$ 394,60, o bem seria alienado por Cr$ 160.000,00. Por hipótese, o bem mencionado não teria sido colocado em uso, não ficando, portanto, sujeito a depreciação. Admite-se que o Imobilizado da empresa não sofreria qualquer outra baixa ou incorporação no exercício. No mês de dezembro de 1979, o valor da ORTN atingiria a Cr$ 395,20.

Tabela 1

Tabela 2

Constata-se que a fórmula de cálculo prescrita no Decreto-lei nº 1.598/77 conduziria à conclusão de que a venda do bem teria sido feita com lucro de Cr$ 8.000,00 quando de fato, em termos reais, a operação teria implicado prejuízo de Cr$ 14.800. Observe-se, mais, que não obstante coincidirem, tanto em moeda corrente, quanto em ORTN, o valor do saldo final obtido por um e outro métodos, o total de correção monetária imputado diverge significativamente nos dois casos.

Note-se, mais, que o valor global do resultado do exercício não seria afetado pela ausência de correção monetária do bem alienado, no intervalo entre o início do exercício e o instante da venda, porquanto:

a) o valor do resultado não-operacional apareceria majorado em Cr$ 22.800 em relação ao valor correto;

b) o resultado da correção monetária não incorporaria os Cr$ 22.800 relativos à correção monetária ora considerada.

Tabela 2

Lembre-se, a propósito, que o valor global do resultado do exercício - antes do cômputo das participações - é obtido pela soma: resultado operacional + resultado não-operacional + resultado da correção monetária.

Exemplo 2 - O valor corrigido monetariamente das despesas pré-operacionais seria, no final de 1978, igual a Cr$ 600.000,00, equivalentes, na ocasião, a 1973, 6.842 ORTN. No mês de março de 1979, tais despesas seriam acrescidas do montante de Cr$ 200.000,00. Em junho ocorreriam rendimentos de aplicações, dedutíveis dessas despesas, no montante de Cr$ 80.000,00. O valor da ORTN evoluiria no período como indicado abaixo:

Dezembro de 1978 = Cr$ 304,00 Março de 1979 = Cr$ 331,36 Junho de 1979 = Cr$ 349,60 Dezembro de 1979 = Cr$ 395,20

(II) Modalidade de cálculo determinada no Decreto-lei nº 1.598/77

O valor da ORTN a considerar para os rendimentos auferidos dependeria da possibilidade de caracterizar tais rendimentos como originários de aplicações realizadas em exercício anterior ao da correção ou no próprio exercício da correção (ou de aplicações distribuídas entre os dois períodos considerados). O problema torna-se complicado, como se vê. Admitiremos que aqueles rendimentos proviriam integralmente de aplicações realizadas em exercícios anteriores ao da correção. Neste caso teríamos:

Tabela 3

Neste exemplo, divergem nas duas modalidades de cálculos não somente o valor da correção monetária, como ainda o referente ao próprio saldo final. Lembramos ainda que, na modalidade (II), os valores citados dependeriam da hipótese feita quanto à época das aplicações que dariam origem aos rendimentos.

Cumpre observar que o principal problema em foco, no caso, é o direito do acionista se ressarcir, em termos reais, dos gastos pré-operacionais incorridos. O valor real do rendimento a abater desses gastos é independente da época em que teve lugar a aplicação que lhe deu origem. Para a obtenção daquele valor real, em termos da unidade monetária de poder aquisitivo constante selecionada - no caso, por hipótese, a ORTN - o valor do rendimento, em termos de moeda corrente, precisa ser convertido em ORTN utilizando-se o valor por esta assumido no instante em que o rendimento é auferido.

7. DEPRECIAÇÃO, AMORTIZAÇÃO OU EXAUSTÃO ACUMULADA DE BENS BAIXADOS

O problema aqui analisado vincula-se ao discutido no item anterior: a legislação vigente não prevê a correção monetária de valores baixados no curso do exercício, no intervalo entre o início deste ou o instante do acréscimo (se este ocorreu ao longo do exercício), de um lado, e o instante da baixa, de outro.

Para simplificar a análise, consideramos apenas o caso da depreciação e lidamos apenas com os registros feitos com o uso do Razão auxiliar em ORTN.

De acordo com o Art. 44 do Decreto-lei nº 1.598/77, o valor da depreciação acumulada de determinado bem, no instante da baixa, será:

a) na escrituração em ORTN: o valor em ORTN da depreciação acumulada, no balanço de encerramento do exercício anterior, acrescido das quotas de depreciação, em ORTN, registradas no intervalo entre o início do exercício e o instante da baixa;

b) na escrituração em cruzeiros: o valor em cruzeiros da depreciação acumulada, no balanço de encerramento do exercício anterior, acrescido das quotas de depreciação, em cruzeiros, correspondentes ao intervalo entre o início do exercício e o instante da baixa.

Nos termos do Art. 45 do Decreto-lei, o valor em cruzeiros de cada quota de depreciação será obtido multiplicando-se o valor da quota em ORTN pelo valor nominal desta no mês ou trimestre a que se refere a quota.

Não concordamos com a forma de cálculo do valor em cruzeiros que o Decreto-lei estabelece. Em nosso parecer, o valor em cruzeiros da depreciação acumulada, no instante da baixa (admitindo-se que a ORTN representaria, de fato, uma unidade monetária de poder aquisitivo constante), seria igual ao produto do valor em ORTN da depreciação acumulada (valor transferido + Σ quotas de depreciação) pelo valor da ORTN no instante da baixa (mês ou trimestre). Ilustremos as duas modalidades de cálculo com um exemplo.

Exemplo 3 - Suponha-se que o bem considerado no exemplo 1 estaria sujeito a regime de depreciação e que, ao final do exercício de 1978, o valor da sua depreciação acumulada seria de 400 ORTN, ou seja, Cr$ 121.600,00 (ORTN = Cr$ 304,00). A taxa anual de depreciação do bem seria de 24%, o que implica uma taxa mensal de 2%. Tendo em vista que o valor original do bem corrigido monetariamente, seria de 500 ORTN, teríamos no intervalo entre o final do exercício de 1978 e o mês da baixa, em junho de 1979, quotas mensais de depreciação de 10 ORTN.

No mesmo intervalo, a evolução do valor nominal da ORTN seria a seguinte:

Janeiro/79 = Cr$ 310,08 Fevereiro/79 = Cr$ 315,66 Março/79 = Cr$ 331,36 Abril/79 = Cr$ 334,67 Maio/79 = Cr$ 339,69 Junho/79 = Cr$ 349,60

Em conseqüência, o valor contábil não depreciado do bem em cruzeiros, no instante da baixa, seria:

500 x 349,60 - 460 x 349,60 = Cr$ 13.984,00

(II) Modalidade de cálculo determinada no Decreto-lei nº 1.598/77

Observe-se que o valor obtido na modalidade (I) coincide com o obtido na modalidade (II) se adicionarmos ao segundo a correção monetária dos valores registrados em cruzeiros, no intervalo entre o instante a que se refere cada registro e o mês da baixa. A correção monetária a considerar é a que resulta da série de valores indicada para a ORTN.

A seguir, é apresentada a verificação numérica do que se afirma.

Tabela 5

8. REALIZAÇÃO DO LUCRO INFLACIONÁRIO

O Decreto-lei nº 1.598/77, considera que parte do lucro inflacionário ocorrido no exercício seria realizado em época posterior. A caracterização da realização do lucro inflacionário é feita em obediência a determinadas regras, especificadas em detalhe. O Decreto-lei nº 1.598/77 autoriza o contribuinte a diferir o pagamento do imposto de renda relativo à parcela não-realizada do lucro inflacionário.

Parece-nos que o tratamento dado ao problema é, no mínimo, polêmico. Achamos nós que a realização do lucro - entendida como a configuração de um acréscimo do patrimônio da empresa - seja da sua parcela inflacionária, seja da não-inflacionária, ocorre de imediato, na medida em que ocorrem os fatos geradores correspondentes. A análise da possibilidade de realização em dinheiro do lucro é um outro problema, que somente pode ser abordado convenientemente pela elaboração de fluxos de caixa.

Exceto pelo que se disse no parágrafo anterior, não podemos deixar de manifestar nossa discordância com a interpretação constante do Manual de que o "lucro inflacionário resulta da atualização do custo histórico do Ativo permanente e dos imóveis destinados à venda" e com os procedimentos de cálculo das parcelas realizada e não-realizada do lucro inflacionário, que o Decreto-lei estabelece com base naquela interpretação.

No item 4, deste artigo, procuramos identificar a origem do lucro inflacionário. Do exposto naquele item conclui-se que a correção monetária do Ativo permanente e do estoque de imóveis destinados à venda, na forma prescrita na legislação - em tese, a taxa idêntica à da inflação - não pode dar origem, por definição, a qualquer ganho ou perda, em termos reais, ou seja, a qualquer lucro ou prejuízo real. De fato, o lucro inflacionário (ou seja, lucro ocasionado pela inflação) resulta exclusivamente:

a) do crescimento do valor nominal de itens do Ativo, em decorrência do processo inflacionário, a taxas superiores à da inflação, ou seja, do crescimento do valor real desses itens;

b) do crescimento do valor nominal de itens do Passivo exigível, por força da existência de um processo inflacionário, a taxas inferiores à da inflação, ou seja, da redução do valor real desses itens.

De um modo geral, para a identificação das fontes dos lucros inflacionários, devemos concentrar nossa atenção nos créditos e débitos e em outros valores monetários ou quase-monetários do Ativo e do Passivo exigível, e ignorar, por assim dizer, o Ativo permanente.

Em conseqüência do exposto, parece-nos que pecam pela base todas as disposições do Decreto-lei nº 1.598/77 que tratam da realização do lucro inflacionário e do diferimento da parcela do imposto de renda pertinente à parcela não-realizada daquele lucro. Assim, dispensamo-nos de analisar, em maior detalhe, outros aspectos duvidosos dos procedimentos legais prescritos a respeito.

  • 1
    Para simplificar a discussão, omitiremos, no caso, o Resultado não-operacional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1979
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