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MOURA, A questão da dívida externa

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Carlos Ernesto Ferreira

Professor no Departamento de Planejamento e Análise Econômica da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Moura, Alkimar Ribeiro. A questão da dívida externa. São Paulo, Brasiliense, 1985. 116 p. (Qual é a questão, 12)

Em boa hora a Editora Brasiliense tomou a decisão de publicar textos que procuram abordar, em linguagem acessível ao leigo, aqueles temas que em sua maioria ficavam restritos ao círculo de especialistas.

No campo da economia em particular, esta iniciativa faz-se meritória à medida que em poucas outras áreas o hermetismo do jargão técnico e do linguajar rebuscado tem sido tão utilizado para ocultar a incompetência e a má fé.

Nesta linha de democratização do saber, têm surgido títulos que objetivam divulgar o campo da economia como um todo, ou elucidar algumas de suas questões específicas, tendo como referência os tópicos de maior relevância para a realidade brasileira.

Autores sérios e competentes têm colocado sua chancela neste tipo de empreendimento, através de contribuições como, por exemplo: Aprender economia - Paul Singer; Economia brasileira: uma Introdução crítica - Luis Carlos Bresser Pereira; Economia brasileira ao alcance de todos - Eliana A. Cardoso, e A questão da política salarial - João Sabóia. A questão da dívida externa, de Alkimar Ribeiro Moura, acaba de se incorporar a este conjunto, e certamente de forma a enriquecê-lo.

Com uma linguagem precisa e um estilo que torna o texto de agradável leitura, o autor nos proporciona um exame acurado sobre as várias facetas que compõem a momentosa questão.

No capítulo 1, o leito é informado a respeito de conceitos básicos e classificação usuais necessários ao bom entendimento da matéria. De forma didática são explicitados; a) o significado de "dívida interna", pública e privada; b) as principais razões e formas que caracterizam o surgimento da dívida externa; c) os critérios segundo os quais a dívida externa é classificada.

Para situar o tema em termos históricos é feita menção - no capítulo 2 - à evolução do endividamento brasileiro, por meio da diferenciação entre dois ciclos básicos: o primeiro, que se estende pelos anos anteriores à crise de 1929 e que culmina em 1931 com a moratória nos compromissos internacionais, não só do Brasil mas também de outros países latino-americanos; e o segundo - após um interregno que vai dos anos 30 aos anos 50 - que se inicia "a partir da instalação do regime militar, em 1964.

Através de uma periodização que envolve cinco momentos, o processo de endividamento é descrito de forma a se entrelaçar com os eventos de maior repercussão vividos pela sociedade brasileira nos últimos 21 anos. São etapas deste processo: 1964/1966 - Endividamento com estabilização; 1967/1973 - Crescimento com endividamento; 1974/1978 - Endividamento e 1º choque do petróleo; 1979/1981 - Turbulências internacionais: petróleo e taxas de juros; 1982/1984 - Do Setembro Negro até a reunião de Cartagena.

Neste contexto, desfila aos olhos do leitor o complexo de causas que exerceram, a cada momento, sua influência no processo de endividamento: assim, instrumentos legais, como a Instrução nº 289 da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), a Lei nº 4.131, ou a Resolução nº 63 do Banco Central, têm suas características e sua relevância explanadas; definições de caráter político, como a atitude francamente favorável aos capitais estrangeiros ou a garantia, pelo regime, de uma força de trabalho disciplinada, são corretamente apontadas, variáveis econômicas, em especial as de repercussão internacional - como o surgimento de um mercado de eurodólares, os choques de petróleo, a elevação das taxas de juros, o declínio das exportações dos países em desenvolvimento - são devidamente analisadas.

Somente especialistas na matéria poderão afirmar se a periodização considerada é a mais adequada, mas até o leitor sem formação no assunto perceberá que o objetivo que o autor lhe atribui - isto é, de recurso didático - é plenamente atingido: ao final do capítulo tem-se um panorama suficientemente claro sobre os principais fatos e decisões que colocaram o Brasil na incômoda posição de maior devedor entre as nações do Terceiro Mundo.

O capítulo 3 foi destinado a revelar os principais atores e respectivos papéis no "drama da dívida externa brasileira". Com uma imagem feliz, o autor caracteriza inicialmente a precariedade das circunstâncias em que o jogo - ao mesmo tempo econômico e político - é praticado: "As mudanças no cenário levam a que os autores modifiquem seus papéis, usem de estratagemas, de pressões e contrapressões, façam novas alianças, desfazendo as antigas, em um verdadeiro jogo, onde os interesses econômicos de curto prazo parecem ser o motivo predominante de atuação dos atores."

Neste ambiente de grande instabilidade, credores, devedores e instituições regulamentadoras atuam através de agentes vários, cujas peculiaridades organizacionais e funcionais o autor procura descrever.

Uma classificação didaticamente eficiente permite aprofundar informações sobre agentes já familiares ao grande público, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), os grandes bancos americanos, as empresas estatais brasileiras, e elucidar a participação daqueles ainda não-popularizados, como o Banco de Compensações Internacionais (BIS), o Clube de Paris, os devedores do setor privado etc.

Termos técnicos ou expressões consagradas pelo uso como "graus de exposure", "serviço da dívida", "libor/prime rate" e "empréstirno-ponte", têm os seus conteúdos desvendados no decorrer da exposição.

O último capítulo refere-se às conseqüências da "crise da dívida" e as alternativas para enfrentá-la. A análise da "herança amarga" deixada pelos tecnocratas - segundo os quais a dívida teria sido competentemente administrada - remete-nos, lamentavelmente, a uma longa lista de mazelas: transferências líquidas de recursos financeiros para o exterior, queda na produção e aumento do desemprego e da inflação, vulnerabilidade externa da economia brasileira, perda de autonomia na política econômica, além de distorções como investimentos faraônicos e declínio na taxa de poupança interna.

Quanto ao futuro da dívida, dois cenários são elaborados segundo os critérios de "ruptura" e de "negociação". A menor probabilidade do primeiro é justificada, e as alternativas vinculadas ao segundo são examinadas.

Completando o quadro, são definidos com lucidez alguns dos princípios que, na opinião do autor, poderiam nortear o processo de negociação.

É também possível assinalar algumas lacunas no trabalho, cuja eliminação em edições futuras contrituiria para aperfeiçoá-lo: por exemplo, a ausência de mais informações a respeito do balanço de pagamentos brasileiro, e de uma melhor explicação sobre a "incoerência política do governo Reagan", "responsável em grande parte pelas perversas condições internacionais em anos recentes"; ou ainda pequenas falhas, como a de só definir "serviço da dívida" depois de tê-lo mencionado em passagens anteriores.

Estes detalhes, porém, de forma alguma diminuem as amplas e inegáveis qualidades da obra, as quais tornam sua leitura recomendável tanto para as pessoas que queiram conhecer o assunto, quanto para as que, já o conhecendo, arcam com a responsabilidade de ensiná-lo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1985
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