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Aspectos do conflito industrial no Brasil

ARTIGOS

Aspectos do conflito industrial no Brasil

José Eduardo Loureiro

Advogado em São Paulo

"As leis, há pouco decretadas, reconhecendo essas organizações (os sindicatos), tiveram em vista, principalmente, seu aspecto jurídico, para que em vez de atuarem como força negativa, hostis ao poder público, se tornassem na vida social, elemento proveitoso de cooperação no mecanismo dirigente do Estado." - GETÚLIO VARGAS

O CONFLITO INDUSTRIAL

O processo social pode assumir tríplice aspecto: cooperação, competição e conflito. Na cooperação os indivíduos desempenham funções idênticas, tendo em vista um objetivo comum; na competição, os indivíduos concorrem entre si, com o objetivo de obter vantagem de terceiros; no conflito, os indivíduos estão em antagonismo, uns em relação aos outros.

Nas relações de trabalho, cooperação, competição e conflito exemplificar-se-iam, respectivamente, pelo mutirão, pela concorrência da trabalhadores entre si, pela obtenção de emprêgo e, pela oposição entre patrões e empregados.

Deixando de lado os conflitos individuais, vários são os grupos onde se manifestam os conflitos sociais: conflitos religiosos, entre seitas; conflitos políticos, entre partidos, conflitos étnicos, entre grupos raciais; conflitos econômicos, dentre os quais o conflito industrial é dos mais importantes.

Destarte, conflito industrial é espécie do gênero conflito social de natureza econômica, ou conflito econômico, que por sua vez se situa no quadro mais amplo e geral dos conflitos sociais.

Não seria possível examinar o conflito social sem deixar esboçado o conceito de classe. Realmente, o conflito industrial é um dos aspectos mais evidentes da luta de classes.

O conceito de classe tem sido tratado diversamente através do tempo e do espaço. Buscando os elementos comuns de tôda sociedade de classes e as características mais acentuadas das classes sociais através dos tempos, conclui OSSOWSKI.

"As tês suposições que parecem comuns a tôdas as concepções de uma sociedade de classes podem ser enunciadas da maneira seguinte:

1. As classes constituem um sistema dos grupos mais abarcantes na estrutura social.

2. A divisão de classes concerne às posições sociais ligadas a um sistema de privilégios e discriminações não determinados por critérios biológicos.

3. A participação de indivíduos numa classe social é relativamente permanente".1 1 ) STANISLAW OSSOWSKI, Estrutura de Classes na Consciência Social, Zahar Editores, 1964, pág. 159.

É o mesmo autor que anota as características mais notórias das classes sociais:

1.º) A ordem vertical das classes sociais - categorias superiores, face ao sistema de privilégios.

2.º) Interêsses classistas permanentes.

3.º) Consciência de classe - identificação de classe e solidariedade classista

4.º) Distância social entre as classes.2 2 ) Cf. STANISLAW OSSOWSKI, op. cit., pág. 161 e 162.

A classe empresarial e a classe trabalhadora são os poios conflitantes na sociedade capitalista. São as partes componentes do conflito industrial, às quais vem se juntar o Estado, na sua função precípua de promotor da paz social. É de tôda a história da humanidade a existência de desníveis econômicos e de ordem vertical na escala social. "Em tôda cidade o povo se divide em três tipos: os muito ricos, os muito pobres e os que se encontram no meio desses extremos".3 3 ) ARISTÓTELES, Política, Livro IV, Capítulo XI.

Foi, entretanto, a industrialização, processada no mundo moderno, o fator que veio acentuar as diferenças marcantes entre aquêles que possuem, e os que não possuem, os meios de produção.

A industrialização constituiu-se no marco divisório entre as nações, dividido o mundo entre países adiantados ou desenvolvidos e países atrasados, ou subdesenvolvidos. Foi a industrialização que permitiu alcançar, nos países industrializados, um padrão de vida nunca antes sonhado. Mas foi, também, a industrialização quem trouxe à luz os desníveis mais apavorantes entre as minorias dominantes e as maiorias dominadas, nos países em fase de desenvolvimento.

A infância da industrialização - na Inglaterra do século XIX - revela, a par do acentuado progresso econômico dos capitalistas, um quadro de horrores a que foi submetida a classe trabalhadora, tal ves jamais repetido na história.

"Os fiandeiros de uma fábrica próxima de Manchester trabalhavam 14 horas por dia, numa temperatura de 26 a 29ºC, sem terem permissão de mandar buscar água para beber."4 4 ) LEO HUBERMAN, História da Riquesa do Homem; Zahar Editores, 1964, pág. 204.

Salienta o mesmo autor que isso não era fato isolado. Os salários eram os menores possíveis; o trabalho era realizado em condições sub-humanas, a que não estavam alheios mulheres e crianças.

O quadro dantesco do trabalho industrial na infância do industrialismo na Inglaterra não é muito diferente dos primórdios da industrialização no resto do mundo.

Tôdas as nações, no início de sua fase industrial, passaram pelos mesmos têrmos dêsse processo. Ninguém ignora o custo humano da industrialização da URSS, através de condições sub-humanas e do trabalho forçado, apesar de efetuada sob regime comunista.

Nem os Estados Unidos ficaram incólumes a êsse mesmo processo, como relata o mesmo LEO HUMBERMAN. É evidente que, com tal infância, a industrialização só terid que acentuar o conflito, através do qual as massas trabalhadoras, progressivamente, foram firmando seus direitos e obtendo, através de sucessivas reivindicações, condições melhores de trabalho, de remuneração e de vida. A industrialização trouxe consigo - a par do progresso econômico - o conflito industrial, simplificando, no dizer de MARX, O antagonismo de classes.

"Nossa época, a da burguesia, possui no entanto, êste traço distinto: simplificou o antagonismo de classes. A sociedade como um todo está-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes que se defrontam abertamente: Burguesia e Proletariado."5 5 ) CLARK KERR, "O Conflito Industrial: Seu Objetivo e Sua Solução", Revista de Administração de Empresas, vol. 3, n.º 8.

O evoluir de cada país, entretanto, caminhou em um sentido próprio, ora acentuando-se o antagonismo de classes, ora amainando-o; ora dando às classes trabalhadoras maior ou menor participação nos proveitos sociais; ora coibindo os conflitos, ora aceitando-os até canalizando-os em benefício social. A peculiaridade de cada povo, também, se faz sentir na diversidade de manifestação, eclosão, mediação e solução de conflito industrial.

A Inevitabilidade do Conflito

O conflito industrial é inevitável. É fruto das próprias relações de produção, manifestando-se como antagonismo de classes. A inevitabilidade do conflito é hoje admitida pela maioria acentuada dos teóricos e dos cientistas sociais. CLARK KERR enumera quatro razões para a inevitabilidade dos conflitos industriais:

• Os desejos das partes são mais ou menos ilimitados, enquanto os meios de satisfação são limitados.

• Uns administram e outros são dirigidos. Isto resulta em uma permanente oposição de interêsses, que pode ser tolerável mas nunca eliminada em uma sociedade industrial complexa.

• As sociedades industriais são dinâmicas.

• Se a administração e os sindicatos pretendem manter suas individualidades, devem discordar e agir de maneira diversa. O conflito é essencial à sobrevivência.

E, conclui CLARK KERR: "Desta maneira, o conflito entre o sindicato e a administração, surge inevitàvelmente dos desejos humanos insatisfeitos, das relações entre administradores e subalternos, da necessidade de adaptar-se, de alguma forma, às condições de mudança e da tendência para a separação institucional".

Se compararmos a aguçada análise efetuada por KERR, com as características mais notórias das classes sociais, consoante a exposição de OSSOWSKI acima transcrita, concluiremos que, pelo menos três das razões oferecidas pelo Professor da Universidade de Califórnia, estão presentes na exposição do sociólogo polonês. Destarte, os desejos ilimitados das partes, face aos meios limitados de satisfação, nada mais seriam do que a presença dos interêsses classistas permanentes (distintos, importantes e permanentes, como diz OSSOWSKI).

Por outro lado, a "ordem vertical das classes sociais" é o que vem expresso pelo Professor Americano: "uns administram e outros são dirigidos".

Finalmente, o fato de que os sindicatos e a administração devem discordar, sendo o conflito essencial à sua sobrevivência, nada mais significa que a "consciência de classe".

Constata-se, portanto, que, quer se coloque o conceito de classe social na base geradora do conflito industrial, quer se elabore uma teorização mais apropriada à sociedade norte-americana, como o faz o professor CLARK KERR, a conclusão há de ser uma só: a inevitabilidade do conflito social na indústria.

Evidentemente, o exame do conflito industrial sob o conceito de classe, permitiria a sua aplicação à sociedade capitalista e presumiria a sua inexistência na sociedade socialista, ao passo que, a análise do Prof. KERR tem a cautela do colocar o problema em têrmos mais gerais, sugerindo a sua aplicabilidade, também, à estrutura socialista.

Constatada a inevitabilidade do conflito industrial, como um dado permanente no tempo e no espaço, passou a ser estudado por sociólogos, teóricos de administração, cientistas políticos, juristas, economistas, cada um sob a perspectiva de seu respectivo campo e todos contribuindo para a análise do problema em todos os seus ângulos.

Não seria demais afirmar que, hoje, já se pode falar em uma teorização do conflito industrial. Sem a preocupação de examinar o conflito na sua totalidade e sem o intuito de abordar todos os seus aspectos, parece-nos de importância alinhar, ainda que perfunctòriamente, os itens mais importantes, desta, hoje indiscutível teoria do conflito industrial.

Cumpre examinar, assim:

• Vantagens e desvantagens na manutenção do conflito industrial.

• As partes envolvidas no conflito: a emprêsa, o sindicato e o Estado.

• Os meios de expressão dos conflitos, e, em especial, o mais importante dêles: a greve.

• As formas de solução do conflito.

O Professor CLARK KERR é partidário da manutenção do conflito industrial. "O conflito industrial agressivo não é totalmente nocivo. Ocasiona, por vêzes, é verdade, graves perdas às próprias partes ou a outras partes envolvidas; mas, os custos são freqüentemente muito exagerados".6 6 ) Idem, ibidem.

É o mesmo autor quem nota que, nos países democráticos e industrializados as perdas de horas de serviço, resultante de conflitos industriais, não ultrapassam, em média, a meio-homem dia por ano e alinha os argumentos favoráveis ao conflito industrial da seguinte forma:

• "No conflito ou nas suas responsabilidades latentes está a solução de muitas disputas;

• A redução de tensões se dá, particularmente, no conflito aberto;

• É através do conflito entre o sindicato e a administração - que pode envolver ação agressiva - que o trabalhador é beneficiado".7 7 ) idem, ibidem.

Outro autor americano, DANIEL KATZ, assim se expressa: "O conflito industrial é bàsicamente a batalha entre dois grupos organizados competindo por sua parcela no produto comum. Êle não é necessàriamente um fenômeno patológico a ser entendido como os esforços desesperados de pessoas despojadas e descontentes. Mais exatamente, pode ser uma cooperação antagônica normal (a normal cintagonistic cooperation) numa sociedade competitiva, na qual cada grupo tenta usar seu poder a fim de obter u'a maior parcela no produto social".8 8 ) Transcrito por LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES, "Conflito Industrial e Sociologia Americana", Revista Civilização Brasileira, vol. 5-6, pág. 61.

Parece-nos, evidente, que se o conflito industrial é inevitável não é possível suprimi-lo. Se o fôsse, não seria inevitável. É óbvio que qualquer forma tendente a abafar o conflito não o suprime, apenas preterindo-o, ficando, porém, oculto, latente. As repressões ao conflito industrial aberto, tão freqüentes nos países ditos subdesenvolvidos, quer através da prepotência das emprêsas, quer através da violência institucionalizada pelo Estado, não atingem o fim colimado. Os conflitos abertos, com manifestações grevistas, são o sintoma, a febre, mas não a doença. Não é com analgésicos a base de "pata de cavalo" que se sanará a moléstia, muito embora desapareça a febre, o sintoma. Não nos parece, também, correta a tese de que o conflito industrial é custoso; nem que é desordem; nem que é uma atitude anti-social. Abordagens dêste tipo são viciosas, pois trazem o estigma dos interêsses das classes dominantes. O ponto mais importante - segundo o nosso entender - para a permissão aberta dos conflitos industriais, reside no fato de que foi através das reações das classes trabalhadoras que se conseguiu uma partilha mais justa dos bens sociais nos países desenvolvidos. O sindicato, através das pressões exercidas contra as classes patronais foi instrumento de progresso das classeá trabalhadoras, de conquistas dos homens para a obtenção de melhores condições de vida. Não fossem as pressões dos conflitos - é possível - ainda restassem na organização social de hoje, vestígios daquele barbarismo que presidiu à industrialização da Inglaterra no século XIX. Não é possível analisar a desejabilidade ou não do conflito sob o ponto de vista da emprêsa. Talvez ao empresário o conflito aberto não seja desejável. A cada exigência atendida, o patrão perde algo de seu, mas do ponto de vista da classe trabalhadora é o conflito aberto desejável, pelos frutos que já proporcionou.

Finalmente, sob o ponto de vista social - da comunidade como um todo - o conflito industrial não deve ser abafado, mas, mantido, acolhido e resguardado, a fim de que o proveito adquirido pelas conquistas sociais possa ser adicionado, na elaboração lenta e progressiva para uma sociedade mais humana e mais justa.

"As manifestações do conflito devem ser observadas, como vimos, pelo menos por dois grupos: os representantes patronais e os representantes ou órgãos associativos dos trabalhadores. Todavia, há um terceiro elemento que aparece como incentivador e beneficiário do conflito: o Estado. São, assim, três os grupos que de alguma forma estão relacionados com o protesto proletário e o conflito industrial Cada um dêsses grupos procura capitalizar tanto quanto possível sôbre as diversas formas de canalizar esse protesto, tirando, assim, dessa forma de canalizaçao o melhor proveito."9 9 ) LUIZ FELIPPE VALLE DA SILVA, Administração de Recursos Humanos, Capítulo "Organizações Representativas da Mão-de-Obra Industrial, a ser brevemente publicado pela Fundação Getúlio Vargas.

Salienta o autor em questão que "a tentativa de controle por parte do Estado obedece comumente a razoes de ordem política". Em um Estado identificado com as classes dominantes, o controle estatal visaria a evitar obstáculos a essa classe dominante. Se um Estado socialista - ou tendente ao socialismo - o controle estatal visaria a facilitar a transformação da sociedade capitalista em socialista.

"A emprêsa tem atuação mais sutil, visando, sempre, à manutenção do clima de liberdade (entenda-se liberdade no processo econômico) que lhe permita encaminhar o processo de industrialização, de acordo com seus interesses."10 10 ) Idem, ibidem.

Cumpre notar, neste ponto, que tanto a posição do Estado, quanto a das emprêsas, varia no tempo e no espaço. U Estado tem sua posição face ao conflito industrial marcada pela ideologia política, pelos interêsses dos grupos dominantes que êle representa e pela sua forma de organização.

A emprêsa, face ao conflito industrial, também tem a sua posição variando no tempo e no espaço. Ninguém poe em dúvida que é diferente a posição assumida por uma indústria do início do século, daquela sustentada por uma emprêsa de hoje, face ao sindicato, face às reivindicações operárias e face à greve.

É portanto, evidente que não são idênticas as posições assumidas face ao conflito, por um industrial inglês e por um industrial latino-americano, para citar um exemplo.

A posição do Estado e a posição da emprêsa devem ser examinadas, por isso, em cada época e em cada nação. O mesmo se dirá em relação ao sindicato.

O Sindicato

O sindicato é a parte típica do conflito industrial, pois, para a emprêsa, o conflito industrial, é, apenas um dos múltiplos aspectos de sua atividade e para o Estado, é tão só um dos múltiplos conflitos que lhe cumpre apaziguar. O mesmo ocorre com o sindicato porque existe precipuamente como órgão participante do conflito. Se êste não existisse, o sindicato também não existiria.

Foi longa a luta das associações operárias. Os sindicatos, durante muitas décadas foram severamente combatidos. "Durante um quarto de século, na Inglaterra, a lei considerava ilegal que os trabalhadores se reunissem em associações para a proteção de seus interêsses. Quando isso ocorria, agia rapidamente contra êles."11 11 ) LEO HUBERMAN, op. cit., pág. 218.

Conta o mesmo autor que, em 1816, nove chapeleiros de Stockport foram condenados a dois anos de prisão porque haviam ousado ingressar num sindicato. A mesma perseguição aos sindicatos ocorria na França. Na Alemanha, em 1864, os impressores de Berlim requeriam à Câmara dos Deputados Prussiana a abolição do código industrial de 1845 que proibia aos trabalhadores se associarem.12 12 ) Idem ibidem, págs. 218 a 220.

Pouco a pouco, foram os sindicatos se afirmando. "Los sindicatos primitivos fueron pequeñas organizaciones de obreros que trataban de encontrar algún medio de mitigar su debilidad individual frente al patrono, teniendo que arrostrar la hostilidad de los Goviernos asi como la falta de estimación social que acompañaban a su humilde status y bloqueaban sus esfuerzos por modificar el orden estabelecido. El volumen y número de los sindicatos han aumentado enormemente en los últimos tiempos, de tal modo que en la mayoría de los paises industrializados de sempeñan hoy un papel fundamental, a través de sus federaciones y uniones nacionales, en la determinación de las escalas de salarios, horas y condiciones de trabajo, etc., ejerciendo, a la vez, una considerable influencia política."13 13 ) R.M. MACIVER e CHARLES H. PAGE, Sociologia, Madrid: Editorial Tecnos S.A., págs. 499 e 5OO.

É diversa a posição assumida pelos sindicatos nos diferentes países industrializados. O sindicalismo europeu é nitidamente diferenciado do norte-americano; o soviético tem características próprias, estranhas ao que ocorre nos países capitalistas. O sindicalismo nos países em fase de industrialização é diverso daquele vigente nos países industrializados.

"Na Europa Ocidental, os sindicatos, de ideologia comunista ou socialista, quer se trate da CGT francesa, comunista, ou das Trade Unions britânicas, trabalhistas, não podem entregar-se a uma política de oposição sistemática ao regime.

A CGT francesa (ou a CGIL italiana) que situa como um dos princípios que inspiram a sua ação, a abolição do regime de propriedade privada, ante a impossibilidade de desenvolver um comportamento quotidiano de luta revolucionária, se vê obrigada a agir "construtivamente" na defesa das exigências imediatas de seus associados, no âmbito das instituições do sistema.14 14 ) LEÔNCIO RODRIGUES, Conílito Industrial e Sindicalismo no Brasil, Difusão Européia do Livro, 1966, pág. 28.

Pode-se afirmar que o sindicalismo europeu se caracteriza pelo seguinte:

• Coloca o problema do conflito industrial em tese sob a teoria marxista, vendo como objetivo final e como solução única final para o conflito, a abolição da propriedade privada.

• Há influência marcante dos partidos políticos de esquerda na vida sindical, mormente do partido comunista.

• Há oposição do sindicato, em princípio, contra o regime político instituído. O sindicato volta-se contra o Estado.

• Contudo em face da impossibilidade de alterar o regime, o sindicato, para a sua sobrevivência, amolda-se às instituições, passando a atender as reivindicações imediatas dos operários.

• Ocorre, em vista disso, uma contradição entre os princípios defendidos pelos sindicatos e a ação prática dos mesmos.

Na Inglaterra, o sindicalismo foi o cerne de um dos partidos políticos - o Partido Trabalhista - passando a participar da vida política da nação, tendo chegado mesmo, por mais de uma vez, ao poder. Tem o sindicalismo britânico, pois, características diversas do sindicalismo continental da Europa. O primeiro visa a galgar o poder dentro do Estado, admitindo e respeitando as instituições; o último visaria, em última análise, à substituição das instituições. O primeiro seria reformista; o último revolucionário.

Nos Estados Unidos a posição dos sindicatos é totalmente diversa.

"Nos Estados Unidos a problemática da opção entre um sindicalismo revolucionário e um sindicalismo puramente reivindicativo pràticamente não se apresentou. Num país que não conheceu um passado feudal, em que o sistema político e social revelou, desde os seus primórdios, extraordinária estabilidade e em que o capitalismo encontrou campo livre para uma expansão sem precedentes, o proletariado americano orientou-se para um sindicalismo de negócios (business union), mais prático, mais imediatista, administrativamente mais complexo, utilizando o método e as técnicas de organização racional que o capitalismo desenvolveu, desprovido de conteúdo ideológico, mais reivindicativo e menos político."15 15 ) Idem, ibidem, pág. 104.

E, o mesmo autor, transcreve a descrição sintética e precisa de ROBERT HOXIE, a respeito: "A business uttion, diz ROBERT HOXIE, básicamente tem mais consciência sindical do que consciência de classe (is essentially trade-conscious rather than class-conscious). É conservadora no sentido em que professa a crença nos direitos naturais e aceita como inevitável, senão como justa, a organização capitalista existente e o sistema de salários, bem como o direito de propriedade e a força obrigatória do contrato. Considera o sindicalismo principalmente como uma instituição de barganha e procura atingir seus objetivos basicamente através da negociação coletiva... "16 16 ) Idem, ibidem, pág. 108.

A característica básica, portanto, do sindicalismo norteamericano é a aceitação, como válida, justa e desejável da sociedade capitalista, não se caracterizando a atividade sindical por outro aspecto, que o de obter uma melhor partilha dos excelentes frutos gerados pelo capitalismo nesse país.

"Os sindicatos soviéticos acham-se organizados numa base industrial, englobando tôdas as categorias, inclusive os gerentes, em um dado ramo da economia. A estrutura dos sindicatos é nominalmente democrática, com eleições dos funcionários e do conselho central federal (CCFS) eleito em conferências nacionais. O Partido comunista encontra-se em pleno controle em todos os níveis e só houve uma conferência nacional para eleger o CCFS entre 1932 e 1954."

"Tal órgão central (CCFS) deve ser encarado como sendo uma entidade trabalhista semi-governamental, encarregada da administração do fundo de segurança social e com a adoção de tais medidas que venham a mobilizar os trabalhadores na luta para o cumprimento dos planos de produção e outras diretivas do partido e do Govêrno. Em nível local, os funcionários dos sindicatos devem reconciliar tais funções essencialmente oficiais com a tarefa de proteger os trabalhadores contra abusos por parte da direção."17 17 ) ALEC NOVE, A Economia Soviética, Zahar Editores, 1963, pág, 152.

De tudo o que acima ficou citado e visto, poder-se-ia resumir as linhas mestras do sindicalismo nos países industrializados, na forma seguinte:

• No sindicalismo europeu continental, o sindicato é revolucionário a longo prazo, funcionando, a curto prazo, como órgão representativo das reivindicações imediatas.

• No sindicalismo inglês, o sindicato é reformista, tendo atuação marcantemente política, através do partido trabalhista, mas dentro das instituições estabelecidas.

• No sindicalismo norte-americano há perfeita identificação do pensamento sindical com a filosofia do capitalismo, não tendo o sindicato atuação política, mas meramente reivindicativa. Haveria, propriamente, uma consciência sindical, ao invés de uma consciência de classe.

• No sindicalismo soviético, ó sindicato é órgão destinado a colaborar com o planejamento global da economia, auxiliando a cumprir os planos de produção. O sindicato, seria, então, um órgão auxiliar do Estado e do Partido Comunista.

Nenhum dos modelos acima traçados é adequado ao sindicalismo dos países subdesenvolvidos, onde as peculiaridades de cada nação e o estágio de industrialização, marcam a atividade sindical.

"As organizações trabalhistas nos países de recente industrialização, particularmente com uma elite nacionalista nova, defrontam-se com quatro problemas de significado fundamental para as elites e para as organizações trabalhistas :

1) Salários versus Formação de Capital.

2) Greves versus Produção.

3) Reivindicações versus Disciplina.

4) Prestígio da Organização versus Subserviência Política."18 18 ) KERR, HARBISON, DUNLOP E MYERS, Industrialismo e Sociedade Industrial edição Fundo de Cultura págs. 274 e 275.

Não obstante as peculiaridades dos países em fase de industrialização; não obstante as peculiaridades de cada um e os traços gerais comuns a todos; não obstante as fases diversas, em que se encontram êsses países quanto a industrialização; não obstante tudo isso, teima-se em orientar a política sindical, tomando como modêlo os países desenvolvidos.

Essa contradição entre a teorização elaborada por autores estrangeiros, que se abeberaram da experiência de seus respectivos países, é notada dia a dia, em tôda a America Latina e, particularmente, no Brasil.

É estéril e perigosa a atitude daqueles que se entusiasmam com o sindicalismo europeu ou com o sindicalismo norteamericano, e fazem a sua análise do caso brasileiro, com os valores hauridos na literatura alienígena.

A Greve como Expressão do Conflito

Entre as modalidades mais conhecidas do conflito industrial estão o boicote, a diminuição da produção, a sabotagem, a ausência ao trabalho, os dissídios coletivos, etc. A mais sugestiva forma de expressão dos conflitos e, porem, a greve.

"A greve percorreu longa trajetória em tempo relativamente curto. Ontem era delito; hoje é direito constitucional."19 19 ) ORLANDO GOMES, Direito Privado - Novos Aspectos, edição de 1961, pág. 295.

A greve é, evidentemente, um processo violento usado pela classe trabalhadora, contra a classe patronal. Na impossibilidade de fazer valer os seus direitos e pressionados por condições de trabalho contra as quais não havia meios legais válidos, os trabalhadores recorreram à violência da greve. Punida a princípio, tolerada após, veio a greve, finalmente, a erigir-se em garantia constitucional. A greve erigida em direito pode ser definida, como já o foi, como a institucionalização da violência.

A importância de certos aspectos da greve não podem deixar de ser ressaltados. Parece-nos importante, por exemplo, a permanência da greve erigida em direito em sociedades onde o Estado tem papel nitidamente intervencionista.

A intervenção do Estado, em setores da economia outrora pacificamente atribuídos à emprêsa privada, faz com que a greve venha a ser exercida, e por seguidas vêzes, contra o próprio Estado.

Êste aspecto é bastante curioso, por duas razões: porque se cria, dentro do Estado, um legítimo direito contra o próprio Estado; e porque êsse, de árbitro do conflito industrial, passa a ser parte do mesmo conflito, sem abdicar a sua atuação de árbitro.

Por outro lado, a greve pelo número de homens atingidos, pelo número de indústrias paralizadas, pelos altos interêsses envolvidos, é sem dúvida a manifestação mais importante do conflito industrial no mundo moderno. Examinemos o seguinte quadro:

Os dados impressionam pelos valores absolutos, muito embora, a aceitar-se o já citado parecer de CLARK KERR, os valores relativos são de menor importância, montando a cerca de meio homem-dia por ano. De qualquer forma, os valores absolutos indicam que, dcs meios de expressão do conflito de trabalho, a greve é o mais importante deles.

A Solução dos Conflitos

Voltando ao estudo de CLAR K KER R já citado, indica o autor duas formas de solução dos conflitos, às quais chama, respectivamente, de "mediação tática" e "mediação estratégica".

"O objetivo da mediação tática é conduzir as partes que ainda não se encontram em situação de conflito violento a um resultado mütuamente aceitável, a fim de evitar que êste conflito degenere em violência."20 20 ) CLARK KERR, op. cit., pág. 133.

Já a mediação estratégica relaciona-se com situações que conduzem ou não aos conflitos violentos, abarcando as situações externas ao conflito. Já que as greves ocorrem dentro de determinada conjuntura econômica, é possível verificar as situações mais freqüentes de sua ocorrência, os setores mais habitualmente atingidos, sua localização geográfica, o que permitirá a manipulação dos vários fatores causadores, com o objetivo de evitar a sua eclosão.

Cumpre notar que os conflitos terminam por duas maneiras diversas: ou por acordo das partes, ou por vitória de uma delas.

A qualquer dessas formas não está alheio o Estado. E o Estado quem, na maioria das vêzes, figura como mediador e julgador dos conflitos, através dos seus órgãos judiciários. É ainda o Estado, quem, através de repressão, ou através de ausência de atuação, permite a vitória de qualquer dos litigantes.

Dessa forma, parece-nos que, a exceção de certas situações muito particulares, é o Estado quem dá a solução aos conflitos, pois a êle incumbe a manutenção da paz social. Tôdas as demais formas de solução extra-estatais só podem ser examinadas como exceções à regra geral.

FASES DO MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL

LEÔNCIO RODRIGUES estabelece duas fases na história do movimento sindical e operário no Brasil. A primeira, antes de 1930; a segunda, depois de 1930.21 21 ) Idem, ibidem, pág. 103.

O Professor Luiz FELIPE VALLE DA SILVA examina o movimento trabalhista brasileiro no período que antecede a 1930, no período que vai de 1930 até o fim do Estado Nôvo e na época atual.

Parece-nos, contudo, que podem ser consideradas quatro fases bem distintas no movimento operário brasileiro, a saber:

1.ª) antes de 1930;

2 ª) de 1930 a 1945;

3.ª) de 1946 a 1964;

4.ª) de 1964 em diante.

A divisão do movimento operário brasileiro em quatro fases não é baseada em critérios arbitrários, pelo contrário, em nosso entender, ela corresponde efetivamente à realidade brasileira.

O critério para a classificação baseou-se na atuação do Estado, que sempre teve papel preponderante na vida do movimento trabalhista brasileiro. Tôdas essas datas marcam uma alteração na forma de govêrno e nas várias composições que a classe política tem assumido no núcleo de poder no interior do Estado. Tôdas essas datas marcam, por isso, uma mudança de rumos no movimento operário brasileiro.

1.ª Fase - Antes de 1930

A situação do Brasil, antes de 1930, expressava-se no plano político pelo domínio do Estado pelas oligarquias agrárias. O regime era "nominalmente" democrático, mas a participação eleitoral do povo era pràticamente inexistente, saindo os governos da composição dos governos estaduais mais poderosos.

Era a chamada política do "café com leite", onde as oligarquias agrárias de São Paulo e de Minas Gerais dispunham e dividiam, entre si, o poder.

A industrialização era incipiente e o seu início incentivado, principalmente por fatores decorrentes da Primeira Guerra Mundial.

O operariado, nessa incipiente indústria, era, na sua maior parte, composto de estrangeiros, emigrados das zonas rurais européias, ou de zonas urbanas do velho mundo. O menor contingente era dado pelo imigrante interno, proveniente das regiões agrícolas do interior.

A indústria existente no Brasil antes de 1930 pode ser avaliada pelos dados seguintes:

Os dados exibidos acima demonstram inequivocamente que se tratava de uma industrialização incipiente, com uma taxa de crescimento bastante modesto até 1912, acentuando-se, provàvelmente em virtude da guerra de 1914, por volta de 1920. Deve-se acrescentar a baixa concentração de operários por indústria, a demonstrar o caráter ainda quase artesanal e a conseqüente ausência de uma "classe" operária.

Se examinarmos a composição do operariado em 1920 para o Estado de São Paulo e para o Município da Capital do Estado, verificaremos, de início, a elevada porcentagem de estrangeiros empregados em São Paulo. No Município da Capital, os estrangeiros superam em número os próprios trabalhadores nacionais. Essa lata presença dos operários estrangeiros irá marcar de forma acentuada esta fase do movimento trabalhista brasileiro. "Considerando que os imigrantes apresentavam índices extremamente mais elevados de instrução e de formação profissional e que, sobretudo, muitos possivelmente já possuíam alguma experiência urbana, mais adaptados ao modo de vida de uma sociedade baseada na economia monetária, serão êles que irão compor, em esmagadora maioria, o proletariado das manufaturas e fábricas de São Paulo no período anterior à Primeira Guerra Mundial:"22 22 ) LEÔNCIO RODRIGUES, op. cit., pág. 107 e 108.

Observa FERNANDO HENRIQUE CARDOSO que "o que caracterizava em geral a conduta dêsses trabalhadores, na medida em que eram imigrantes, era a vontade de ascensão social".23 23 ) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, 'Proletariado no Brasil: Situação e Comportamento Social", Revista Brasiliense, n.º 41, pág. 103. Dessa forma, a maioria dos imigrantes não se integrava na classe trabalhadora; antes, dela procurava sair, para a montagem de oficinas de artesanato, numa ânsia de ascensão social. Nota o referido autor que, nessa época, era grande a possibilidade de efetivação dessa ascensão social, face às condições do País.

Não obstante, muitos operários, imigrantes de origem urbana, trouxeram de seus países de origem, a sua formação de anarquistas, sindicalistas e outras variantes do movimento operário europeu. Acentua o Professor FERNAN -DO HENRIQUE CARDOSO êsse "sentimento de grupos operários europeus politizados e inconformados com a espoliação social imposta pelo capitalismo industrial".24 24 ) Idem, ibidem, pág. 104.

São dessa época as primeiras manifestações coletivas de trabalhadores. Em 1884 houve um movimento reivindicatório levado a efeito pelos trabalhadores de uma estrada de ferro, que reclamavam contra a obrigatoriedade de gastar os seus salários nos armazéns da Companhia, pagando preços mais elevados que os correntes. No memorial enviado à Companhia, encerravam os trabalhadores o seu petitório com a seguinte solicitação: "à digna Diretoria levamos os nossos queixumes, esperando que ela providencie no sentido de que se dê liberdade e proteção aos trabalhadores".25 25 ) Idem, ibidem, pág. 108.

Outra manifestação interessante foi a chamada greve dos chapeleiros, levada a cabo no segundo semestre de 1896. Uma fábrica de chapéus propôs a redução da tarefa diária dos operários, com a inevitável redução de salários. Os trabalhadores, a princípio aceitaram; mas, depois, rebelaram-se entrando em greve que veio a obter a adesão de operários de outras fábricas. O movimento paredista estendeu-se, sob a orientação do então "Centro Socialista". A greve veio a terminar ingloriamente, com a volta ao trabalho, paulatinamente, dos próprios operários da fábrica de chapéus João Adolpho, onde o movimento se iniciara.

Esta fase - por muitos denominada de anarco-sindicalista - caracteriza-se, em resumo, pelo seguinte:

• Industrialização incipiente, com pequena concentração operária nos estabelecimentos, a maior parte dêles ocupando pequeno número de trabalhadores.

• Grande contingente de trabalhadores estrangeiros, imigrados das regiões urbanas ou rurais européias.

• Intenção acentuada de ascensão social por parte da maioria dos trabalhadores imigrantes, com possibilidade de êxito e, por isso, falta de integração classista.

• Entre os trabalhadores integrados na classe operária, sobressaem aquêles que já traziam de seus países de origem uma experiência urbana e industrial alimentada pelo anarquismo, pelo sindicalismo e por outros "ismos" vigentes nos países europeus.

• Formação de entidades de classe livremente constituídas - como o "Centro Socialista", mas de duração efêmera.

• Negativa da classe patronal em negociar com essas associações, não reconhecidas como órgãos legítimos.

• Fraqueza dos movimentos reivindicatórios.

• Repressão pelo Estado, claramente a serviço das classes dominantes.

De qualquer forma, porém, as associações voluntárias formadas pelos trabalhadores eram genuínas. Nasciam sem qualquer interferência externa do Estado, mantendo a sua existência apesar do Estado, ou mesmo, contra a vontade do Estado.

É certo que se tratava de um sindicalismo de tênues possibilidades imediatas, mas pelo menos, essas associações representavam legitimamente a classe trabalhadora.

Em condições mais favoráveis poderiam ter prosperado. O certo, porém, é que o Estado, a partir de 1930, tomou a si a direção do movimento trabalhista, colocando o estudioso diante de um fato consumado.

2.ª Fase - De 1930 a 1945

A Revolução de 1930 ameaçou sèriamente o domínio político exercido pela aristocracia agrária no Brasil, introduzindo elementos novos no núcleo de poder, tendo sido, inclusive, nomeada como a revolução da burguesia nacional. Entendemos, porém, que a Revolução de 1930 foi um movimento de classe média, expressada, principalmente, no tenentismo, pelo menos no que se refere à sua pureza inicial. Posteriormente, as classes anteriormente dominantes voltaram ao poder, já aliadas aos representantes da indústria nascente, passando desde então a constituir uma só coisa, isto é, a classe dominante.

Muito embora a aristocracia rural e a indústria nacional tenham interêsses contraditórios, dentro da economia brasileira, sempre se apresentaram unidas contra o movimento operário. O movimento iniciado em 1930, passando pela efêmera fase da Constituição de 1934, veio a desembocar no chamado Estado Nôvo.

A filosofia do chamado Estado Nôvo, em muitos aspectos, e em especial no que se refere ao movimento operário, abeberou a sua ideologia no facismo italiano. A identidade ideológica entre Estado Nôvo e facismo pode ser apreciada na seguinte digressão do chefe facista:

"Por isso o fascismo é contra o socialismo que paralisa o movimento histórico na luta de classe e desconhece a unidade estadual que reúne as classes numa única realidade econômica e moral; é analogamente contra o sindicato classista. Mas na órbita do Estado organizador, o facismo quer que sejam reconhecidas, fazendo-as valer no sistema corporativo dos interêsses conciliados na unidade do Estado, as exigências reais, que deram origem ao movimento socialista e sindicalista".26 26 ) BENITO MUSSOLINI, A Doutrina do Fascismo, Vallecchi Editor, Florença, pág. 13.

A identidade de pensamento, entre o trecho acima transcrito e os fundamentos teóricos do Estado Nôvo é acentuada. Aliás, tôda a política do Estado Nôvo veio a consubstanciar-se em um sindicalismo dentro do Estado, por êle criado, mantido e controlado. Nasceu, com o Estado Nôvo, esta figura peculiar ao sindicalismo brasileiro: o pelego. Cumpre notar que, no período em exame, mormente nos anos em que ocorreu a Segunda Guerra Mundial, processou-se o rápido crescimento da indústria no Brasil.

Os dados do recenseamento de 1940, referentes ao Estado de São Paulo, mostram êsse acentuado crescimento industrial.

Já havia, pois, em São Paulo, em 1940, um operariado numeroso, atingindo 272.865 operários e 781.185 para todo o país. A indústria revelava-se, também, no número crescente de estabelecimentos e em sua participação crescente na Renda Nacional.

Entretanto, a política trabalhista levada a efeito sob o Estado Nôvo, ao invés de incentivar o desenvolvimento do embrionário movimento sindical da era anterior, liquidou com êle, através do seu controle pelo Estado.

"Entre 1937 e 1945 no período do Estado Nôvo, o movimento sindical e operário passou a ser controlado integralmente por funcionários do Ministério do Trabalho: A antiga liderança operária e os grupos ligados a formas sindicalistas revolucionárias haviam sido, desde as repressões de depois da Primeira Guerra até as repressões totalitárias durante a ditadura, alijados do controle sindical e operário."27 27 ) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, op. cit., pág. 114.

Destarte, o desaparecimento do sindicalismo livre e sua substituição pelo sindicalismo oficial, tem a explicá-lo três causas:

• A ideologia do Estado Nôvo, de cunho marcadamente facista.

• A repressão policial violenta a tôdas as manifestações contrárias ao oficialismo e a perseguição dos remanescentes das velhas lideranças sindicais.

• O interêsse das classes dominantes, mormente da indústria, já pesando nos conselhos da nação, em manter submissas e aquietadas as classes trabalhadoras.

São dessa mesma época, os direitos trabalhistas concedidos pelo govêrno e a criação da Justiça do Trabalho, com nítido sentido de justiça de classe. São dessa época, também, as leis previdenciárias, bem como a criação dos Institutos de Previdência. Tôda essa legislação trabalhista - posteriormente consolidada na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho - foi outorgada de cima, pela ditadura paternalista de VARGAS. Nenhuma dessas garantias, quer com referência à higiene e segurança do trabalho, quer quanto à proteção do trabalho da mulher e do menor, quer quanto ao salário mínimo, quer quanto a férias, quer quanto à estabilidade, quer contra a despedida injusta e as alterações unilaterais dos contratos de trabalho, nenhuma dessas garantias, dissemos, foi conquistada pelo trabalhador. Tôda essa prolixa legislação e a Justiça que foi criada para aplicá-la foi outorgada de cima, pelo govêrno.

"A Legislação Trabalhista e a criação da Previdência Social garantiram amplo apoio popular e operário ao govêrno VARGAS, ao mesmo tempo que "roubaram a praxis proletária" dos anos anteriores, não só fazendo com que as garantias conseguidas pelos trabalhadores aparecessem como uma outorga de cunho paternalista feita pelo Estado aos operários, como transformando, de fato, o movimento operário num tipo de ação perfeitamente enquadrada na esfera racionalizada da atividade social."28 28 ) Idem, ibidem, pág. 114.

Êsse traço de legislação outorgada, ao invés de conquistada, vai marcar todo o movimento operário brasileiro e é um dos fatores influenciadores na inexistência de uma classe trabalhadora pujante, autônoma e independente. A popularidade grangeada por GETÚLIO VARGAS e o prestígio conseguido nas massas operárias, persistem até hoje, quando o finado Presidente não é mais que uma saudade. Há, contudo, um ponto que não pode deixar de ser considerado, em abono a VARGAS. A legislação outorgada, de cunho paternalista, teria condição de ser conquistada pela classe operária da época? Teriam as classes populares fôrça bastante, capaz de impor às classes dominantes do Brasil os seus interêsses e os seus direitos? Teriam existido êsses direitos dos trabalhadores sem a atuação de VARGAS? São interrogações que permanecem, apesar da legislação do Estado Nôvo ter distorcido um legítimo movimento operário. Na verdade ela em muito beneficiou o trabalhador brasileiro, sendo necessário reconhecer que as classes dominantes jamais teriam admitido uma luta aberta dos trabalhadores por essas conquistas.

Em 1945 desabou a ditadura e inaugurou-se, no Brasil, o primeiro govêrno democrático, com a concessão das liberdades suprimidas. Êsse fato iria marcar o movimento trabalhista.

3.ª Fase - De 1945 a Março de 1964

O período que decorreu da queda da ditadura até a ascenção da atual ditadura em 1964, foi marcado pela vigência das liberdades públicas. As classes dominantes, no exercício do poder, tudo fizeram para reprimir o movimento operário. Fizeram o que puderam, mas não tanto quanto desejavam.

A industrialização acelerou-se no Brasil. É o período em que atingimos uma taxa de crescimento do Produto Interno que ainda não foi igualado. A década de cinqüenta é particularmente representativa, especialmente os anos de 1952 a 1959, que coincidiu com parte do período presidencial de JUSCELINO KUBITSCHECK e encontrou no "desenvolvimentismo" uma formulação, embora imprecisa e de fundamentação reconhecidamente deficiente.

O outro lado do processo foi o modo de financiar o desenvolvimento que levou à depreciação da moeda e a uma inflação sem precedentes mesmo numa economia de tradição inflacionária. Não seria lícito esperar que êste contexto deixasse de influenciar o comportamento operário.

Os dados disponíveis para o Estado de São Paulo, segundo o censo de 1950 estão contidos no Quadro 7.


Em 1960 o crescimento industrial atingiu o seu auge, com o operariado nacional atingindo o número de 1.431.752 trabalhadores industriais. O seu aumento percentual sôbre 1940 alcançou 205%. No Estado de São Paulo, em 1960, encontramos 647.244 trabalhadores industriais, com uma taxa percentual de crescimento sôbre 1940 de 399%; Caracteriza-se, pois, esta fase pelo acelerado crescimento industrial. Com novas indústrias a se implantarem, muitas delas pela primeira vez em território nacional, sendo exempio marcante a indústria automobilística. Paralelamente ao crescimento industrial, o inevitável aumento do operariado, que se concentra na área do Grande São Paulo.

É interessante notar que, embora efetuada a "democratização" do País, com a garantia das liberdades públicas, como estabelecia a Constituição de 1946, mantinha-se, para os trabalhadores a mesma estrutura sindical do Estado Nôvo, ou seja, tôda a legislação trabalhista outorgada na ditadura. Explica-se essa contradição, entre o liberalismo político e o controle estatal das associações operárias, por duas razões:

• Pelos interêsses das classes dominantes em manter uma situação que lhes era cômoda, com os sindicatos atrelados ao Estado;

• Pela indiferença, apatia e falta de consciência de classe dos trabalhadores, perfeitamente adaptados e acomodados à situação legada pela ditadura, o que se pode comprovar pela volta de VARGAS ao Poder, em 1950, quando é eleito por grande maioria.

Não obstante essa contradição, dois fatores permitiam uma maior ação das massas trabalhadoras. O primeiro dêles, era a manutenção das liberdades públicas, que permitia a presença mais assídua dos chamados "agitadores" à porta das fábricas. A pressão policial, embora presente, efetuavase de maneira mais branda, variando com a época e com o interêsse de cada govêrno. O segundo dêsses fatores é o interêsse na manipulação das massas com objetivos eleitorais, por parte dos políticos. É a fase do populismo, que, embora manobrando em interêsse próprio, não deixava de contribuir para u'a maior liberdade de ação das lideranças operárias.

A greve - perseguida durante todo o Estado Nôvo - aparece erigida em preceito constitucional. Atente-se, para o cotejo com a fase anterior, aos seguintes números, bastante sugestivos:

O citado autor, comparando êsses dados com outros que levantara para os Estados Unidos, Reino Unido e Japão (citados anteriormente neste trabalho), mostra a percentagem alta das greves em São Paulo. A expressão do conflito do trabalho, por meio da greve, seu mais importante meio de expressão, revela, sem dúvida, um progresso sôbre a fase anterior, do operariado amordaçado.

É certo que muitas greves tiveram o cunho dos interêsses políticos, através dos "pelegos" sindicais. Mas é certo, também, que, qualquer que tenha sido o motivo e qualquer que tenha sido a sua influência, as greves ocorreram.

Dessa forma, resumindo esta fase, poder-se-ia atribuir-lhe as seguintes características:

• Regime de liberdades públicas, mas com a manutenção de tôda a estrutura sindical do Estado Nôvo e de tôda a legislação trabalhista por êle outorgada.

• Maior movimentação operária, quer pela possibilidade de atuação mais aberta das lideranças, quer pela própria influência do populismo político, à cata de votos.

• Incidência acentuada de greves, muito embora sob a orientação de "peleguismo" sindical.

• Várias conquistas dos trabalhadores, embora concedidas por políticos sequiosos de votos e de prestígio, como o 13.º salário, o descanso semanal remunerado, etc.

• Reajustes salariais contínuos, devidos à pressão inflacionária, com diminuição dos salários reais, após alguns mêses de sua concessão, mas com aumento de poder aquisitivo à época de sua concessão.

• Atitude mais transigente da classe empresarial, assustada, mormente ao fim do período, com o aumento das greves e das reivindicações.

Aliás, alguns setores trabalhistas, como gráficos e portuários chegaram a assustar a burguesia industrial. Não deixaram de ser expressivas as greves gerais decretadas pelo fórum sindical de Santos, com paralização total da vida urbana.

Essa burguesia assustada, temerosa da perda de seus privilégios e do enfraquecimento do seu direito de propriedade, temerosa, enfim, da perda de tôda as suas prerrogativas, deu seu consentimento ao movimento de março de 1964, sôfrega talvez por encontrar quem eliminasse 03 riscos que a situação então existente implicava às suas prerrogativas, mesmo que para isso tivesse de abrir mão de seu Estado Liberal, indiscutivelmente mais compatível com sua situação de classe.

4.ª Fase - De Abril de 1964 Até Hoje

O govêrno instalado no Brasil em 1.º de abril de 1964 alterou, substancialmente a evolução do movimento trabalhista brasileiro. De tal forma nos parecem as alterações levadas a efeito, que não vacilamos em colocá-lo em fase a parte. A linha mestra do govêrno CASTELO BRANCO, instalado na crista de um movimento armado, foi o combate à inflação. Nesse contexto de luta anti-inflacionária é que se elaborou a política salarial do govêrno.

"Três princípios básicos deverão nortear a política salarial a ser adotada pelo Govêrno:

a) manter a participação dos assalariados no Produto Nacional;

b) impedir que reajustamentos salariais desordenados realimentem irreversivelmente o processo inflacionário;

c) corrigir as distorções salariais, particularmente no Serviço Público Federal, nas Autarquias e nas Sociedades de Economia Mista controladas pela União".29 29 ) Programa de Ação Econômica do Govêrno, edição do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Brasília, Imprensa Oficial, 1964, pág. 83.

Inevitavelmente o combate à inflação se fêz em boa parte às expensas do assalariado, e dentre êles merece especial atenção o operariado, mormente os que percebem o salário mínimo e os trabalhadores semi-especializados cujos vencimentos pouco se distanciam do nível salarial mais baixo permissível. Outras medidas tomadas pelo governo, com o mesmo objetivo de combate à inflação, foram defavoráveis ao operariado. Bastaria lembrar o reajuste da taxa de câmbio e o seu reflexo no nível interno de preços, a eliminação de vários subsídios, o aumento de tarifas em vários serviços oferecidos por autarquias e companhias de economia mista, o aumento dos produtos agrícolas e a decisão, mais de uma vez comunicada pelo governo anterior de estabelecer o "resíduo inflacionário" para fins de reajustamento salarial, abaixo da taxa de depreciação da moeda para o mesmo período de tempo.

Não fôra o vivermos sob um regime "de exceção", agitações teriam surgidos entre os setores assalariados. Todavia, dentro da melhor tradição "legalista" brasileira, que o nôvo govêrno fêz sua, decidiu-se pela regulamentação do direito de greve, através da lei 4.330 de 1.º de junho de 1964.

O processo estatuído pelo diploma legal foi de tal ordem complexo e moroso que as greves desapareceram por completo. A greve só poderia ser decretada por Assembléia Geral, realizada em sindicato, com 2/ 3 de seus membros em primeira convocação e 1/3 em segunda, com votação secreta e apuração presidida por membro do Ministério Público do Trabalho. Ainda assim, mesmo que aprovada a greve, não seria a mesma imediatamente deflagrada, exigindo-se notificação prévia ao empregador, em seguida conciliação e, finalmente, pronunciamento da Justiça do

Trabalho, extinguindo o movimento. Não é estranho que as greves tenham desaparecido...

Pela portaria n.º 40, de 21 de janeiro de 1965, emanada do Ministério do Trabalho, regulamentaram-se as eleições sindicais. Em todo o texto dessa longa peça legal, permanece atuante o controle do Estado sôbre os sindicatos, armando-se o Poder Público dos necessários meios para impedir lideranças sindicais não coniventes com o Governo. É exemplo disso o seguinte dispositivo:

"São elegíveis todos os associados em pleno gôzo de seus direitos sindicais e civis que não incorram nos seguintes impedimentos:

d) os que tiverem má conduta devidamente comprovada, considerando-se como tal, inclusive, a perda temporária ou definitiva de direitos políticos" (art. 5.º, da Portaria n.º 40/65).

As categorias profissionais que, sob o govêrno anterior, tinham se mostrado mais ativas tiveram a sua atividade devidamente regulamentada por lei. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores da área portuária. Pelo Decreto-Lei n.º 3, só poderá trabalhar na área portuária aquêle que estiver devidamente matriculado na Delegacia do Trabalho Marítimo. Por outro lado, o mesmo Decreto-Lei, explicta em seu artigo 11 que"será considerado atentatório à segurança ilacional, afora outros casos definidos em lei: a) instigar, preparar, dirigir ou ajudar a paralização de serviços públicos concedidos, ou não, ou de abastecimento".

A estabilidade dos trabalhadores foi alterada pela Lei n.º 5.107, de 13 de setembro de 1966, que criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. A supressão da estabilidade veio a atender e um velho anseio das classes empresariais, extremamente preocupadas com o "passivo trabalhista", em detrimento dos trabalhadores.

A política salarial, dentro do espírito de conter o processo inflacionário à custa da classe operária revelou-se através de sucessivas medidas governamentais, dentre as quais nos parecem mais importantes:

• O reajustamento salarial através de dissídios coletivos, limitados por índices fixados pelo govêrno, atendendo o reajuste "às necessidades mínimas de sobrevivência do assalariado e sua família" (Lei n.º 4.725, de 13/7/65).

• A impossibilidade de reajustes em prazo menor que um ano, vedada, ainda, a cláusula de antecipação (Lei 4. 725).

• A faculdade de se reduzirem horas de serviço, com proporcional redução de salários, pelas emprêsas que se encontrarem em dificuldades temporárias (Lei n.º 4.923, de 23 de dezembro de 1965).

Seria fastidioso prosseguir na enumeração de artigos de lei, portarias, regulamentos, atos e decretos-leis, baseados na segurança nacional pois o que foi dito já é suficiente para que se perceba qual a política trabalhista nascida do movimento de março.

Destarte, o movimento trabalhista, nesta quarta e última fase, caracteriza-se pela manutenção do controle estatal sôbre os sindicatos; coibindo greves e quaisquer outros movimentos operários, suprimindo direitos dos trabalhadores, já assimilados às condições de trabalho, desde o Estado Nôvo e adotando uma política salarial de pressão contra os aumentos, fazendo recair sôbre os ombros da classe trabalhadora os encargos mais pesados do combate ao processo inflacionário.

PECULIARIDADES DO CONFLITO NO BRASIL

A fragilidade do sistema trabalhista brasileiro revela-se em tôda a sua plenitude na fase atual. Nenhum protesto de trabalhadores, nenhum movimento em defesa de seus direitos suprimidos. Quais as causas dessa fragilidade ou indiferença que se torna apatia?

A primeira é a ausência de um sindicalismo livre, pois o controle estatal dos sindicatos atravessou 30 anos, através dos governos os mais opostos e permanece intocado. É notório que tal sindicalismo dentro do Estado, como parte integrante do mesmo, distorce qualquer movimento legítimo nascido da classe trabalhadora.

A segunda é a presença de uma classe dominante de estrutura político-econômica, constituída de vários grupos, como banqueiros, latifundiários, industriais e comerciantes, que não encontra correspondência numa classe operária que realmente merecesse esta classificação, o que conseqüentemente impede o estabelecimento do processo dialético, e explica o imobilismo em que se encontram as relações trabalhistas. Essa mesma classe patronal, desprovida de sensibilidade para o real papel da classe trabalhadora no processo industrial, impede, por todos os meios, a formação de um movimento trabalhista autêntico, pois não encara o conflito como inevitável, nem como desejável, nem sequer, como tolerável. A sua tendência é suprimi-lo, mesmo que seja afogando os movimentos com a violência da polícia.

Investigação recentemente realizada pelo professor LAERTE LEITE CORDEIRO anota a opinião da emprêsa a respeito de vários problemas. Algumas opiniões merecem citação como o fato da maioria dos empresários ser contrária à estabilidade, de só admitirem o recurso de greve com ressalvas, devendo ser regulamentadas, impedidas as de natureza política, só sendo admissíveis quando tenham sido esgotados todos os recursos.

Por outro lado, o sindicato é admitido com ressalvas, não devendo ser foco de agitação, nem se constituir em grupo de pressão política.30 30 ) LAERTE LEITE CORDEIRO, "O Empresário Paulista Perante os Problema Administrativos Atuais", Revista de Administração de Emprêsas, n.º 21, págs. 21 a 40.

A terceira relaciona-se com a própria classe trabalhadora. O trabalhador industrial no Brasil vem marcado pelo seu passado rural. Em pesquisa realizada em fábricas de São Paulo, JUAREZ RUBENS BRANDÃO LOPES notou que os trabalhadores vindos do meio rural "não se identificam imediata e completamente com a condição de operários industriais". O trabalhador imigrado das zonas rurais traz para a fábrica os valores adquiridos no campo, pensando retornar à terra, ou, mesmo, estabelecer-se por conta própria, como mascate, motorista, ou outra atividade qualquer. "Sem quase nenhuma experiência anterior com padrões de cooperação que os unam a pessoas com as quais não têm parentesco, na nova situação em que se encontram, o vago sentimento de constituírem um grupo que se opõe aos patrões não é suficiente para a formulação de objetivos grupais e desenvolvimento de ação coletiva, quer no âmbito de uma seção da fábrica, quer em círculo mais amplo".31 31 ) JUAREZ RUBENS BRANDÃO LOPES, Sociedade Industrial no Brasil, São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1964, pág. 94. É de se notar, ainda, que a industrialização no Brasil se fêz por surtos não permitindo que se formasse um proletariado estável, que viesse adquirindo, progressivamente, a consciência de classe.

CONCLUSÃO

Não há lugar para a interpretação do conflito industrial no Brasil à luz do exemplo norte-americano, pois nos Estados Unidos o sindicato se encontra identificado com o sistema capitalista, sendo o conflito industrial, apenas, manifestação de interêsses antagônicos na divisão dos proveitos sociais. No Brasil são parcos os proveitos sociais a partilhar. Nem o sistema capitalista, no Brasil, oferece perspectivas de prosperidade à classe operária que a integram no regime social. Por outro lado, a apatia e a indiferença da classe trabalhadora pelas causas já apontadas, e por muitas outras que se poderiam enumerar, permitem concluir que o conflito industrial no Brasil não produzirá frutos positivos para o desenvolvimento, nem do País, nem da classe trabalhadora.

"Criança, não verás um país ccmo êste..."

  • 1) STANISLAW OSSOWSKI, Estrutura de Classes na Consciência Social, Zahar Editores, 1964, pág. 159.
  • 3) ARISTÓTELES, Política, Livro IV, Capítulo XI.
  • 4) LEO HUBERMAN, História da Riquesa do Homem; Zahar Editores, 1964, pág. 204.
  • 5) CLARK KERR, "O Conflito Industrial: Seu Objetivo e Sua Solução", Revista de Administração de Empresas, vol. 3, n.ş 8.
  • 8) Transcrito por LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES, "Conflito Industrial e Sociologia Americana", Revista Civilização Brasileira, vol. 5-6, pág. 61.
  • 9) LUIZ FELIPPE VALLE DA SILVA, Administração de Recursos Humanos, Capítulo "Organizações Representativas da Mão-de-Obra Industrial, a ser brevemente publicado pela Fundação Getúlio Vargas.
  • 14) LEÔNCIO RODRIGUES, Conílito Industrial e Sindicalismo no Brasil, Difusão Européia do Livro, 1966, pág. 28.
  • 17) ALEC NOVE, A Economia Soviética, Zahar Editores, 1963, pág, 152.
  • 18) KERR, HARBISON, DUNLOP E MYERS, Industrialismo e Sociedade Industrial edição Fundo de Cultura págs. 274 e 275.
  • 19) ORLANDO GOMES, Direito Privado - Novos Aspectos, edição de 1961, pág. 295.
  • 23) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, 'Proletariado no Brasil: Situação e Comportamento Social", Revista Brasiliense, n.ş 41, pág. 103.
  • 26) BENITO MUSSOLINI, A Doutrina do Fascismo, Vallecchi Editor, Florença, pág. 13.
  • 29) Programa de Ação Econômica do Govêrno, edição do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Brasília, Imprensa Oficial, 1964, pág. 83.
  • 30) LAERTE LEITE CORDEIRO, "O Empresário Paulista Perante os Problema Administrativos Atuais", Revista de Administração de Emprêsas, n.ş 21, págs. 21 a 40.
  • 31) JUAREZ RUBENS BRANDÃO LOPES, Sociedade Industrial no Brasil, São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1964, pág. 94.
  • 1
    ) STANISLAW OSSOWSKI,
    Estrutura de Classes na Consciência Social, Zahar Editores, 1964, pág. 159.
  • 2
    ) Cf. STANISLAW OSSOWSKI,
    op. cit., pág. 161 e 162.
  • 3
    ) ARISTÓTELES,
    Política, Livro IV, Capítulo XI.
  • 4
    ) LEO HUBERMAN,
    História da Riquesa do Homem; Zahar Editores, 1964, pág. 204.
  • 5
    ) CLARK KERR, "O Conflito Industrial: Seu Objetivo e Sua Solução",
    Revista de Administração de Empresas, vol. 3, n.º 8.
  • 6
    )
    Idem, ibidem.
  • 7
    )
    idem, ibidem.
  • 8
    ) Transcrito por LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES, "Conflito Industrial e Sociologia Americana",
    Revista Civilização Brasileira, vol. 5-6, pág. 61.
  • 9
    ) LUIZ FELIPPE VALLE DA SILVA,
    Administração de Recursos Humanos, Capítulo "Organizações Representativas da Mão-de-Obra Industrial, a ser brevemente publicado pela
    Fundação Getúlio Vargas.
  • 10
    )
    Idem, ibidem.
  • 11
    ) LEO HUBERMAN,
    op. cit., pág. 218.
  • 12
    )
    Idem ibidem, págs. 218 a 220.
  • 13
    ) R.M. MACIVER e CHARLES H. PAGE,
    Sociologia, Madrid: Editorial Tecnos S.A., págs. 499 e 5OO.
  • 14
    ) LEÔNCIO RODRIGUES,
    Conílito Industrial e
    Sindicalismo no Brasil, Difusão Européia do Livro, 1966, pág. 28.
  • 15
    )
    Idem, ibidem, pág. 104.
  • 16
    )
    Idem, ibidem, pág. 108.
  • 17
    ) ALEC NOVE,
    A Economia Soviética, Zahar Editores, 1963, pág, 152.
  • 18
    ) KERR, HARBISON, DUNLOP E MYERS,
    Industrialismo e
    Sociedade Industrial edição
    Fundo de Cultura págs. 274 e 275.
  • 19
    ) ORLANDO GOMES,
    Direito Privado - Novos Aspectos, edição de 1961, pág. 295.
  • 20
    ) CLARK KERR,
    op. cit., pág. 133.
  • 21
    )
    Idem, ibidem, pág. 103.
  • 22
    ) LEÔNCIO RODRIGUES,
    op. cit., pág. 107 e 108.
  • 23
    ) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, 'Proletariado no Brasil: Situação e Comportamento Social",
    Revista Brasiliense, n.º 41, pág. 103.
  • 24
    )
    Idem, ibidem, pág. 104.
  • 25
    )
    Idem, ibidem, pág. 108.
  • 26
    ) BENITO MUSSOLINI,
    A Doutrina do Fascismo, Vallecchi Editor, Florença, pág. 13.
  • 27
    ) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO,
    op. cit., pág. 114.
  • 28
    )
    Idem, ibidem, pág. 114.
  • 29
    )
    Programa de Ação Econômica do Govêrno, edição do
    Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Brasília, Imprensa Oficial, 1964, pág. 83.
  • 30
    ) LAERTE LEITE CORDEIRO, "O Empresário Paulista Perante os Problema Administrativos Atuais",
    Revista de Administração de Emprêsas, n.º 21, págs. 21 a 40.
  • 31
    ) JUAREZ RUBENS BRANDÃO LOPES,
    Sociedade Industrial no Brasil, São Paulo:
    Difusão Europeia do Livro, 1964, pág. 94.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1967
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