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REINVENTANDO O COTIDIANO: ANÁLISE DE PRÁTICAS DE CONSUMO SOB A ÓTICA DE CERTEAU

Reinventando la vida cotidiana: Prácticas de consumo bajo la óptica de Certeau

RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender como a frequência às Academias ao Ar Livre (AALs) por parte dos idosos molda suas práticas de consumo e (re)inventa o seu cotidiano. Como suporte teórico, adotamos uma abordagem interdisciplinar entre pós-modernismo e estudos de cultura de consumo com a teoria das práticas cotidianas de Michel de Certeau. A pesquisa é de natureza qualitativa, e as informações foram coletadas com idosos frequentadores de AALs. As análises seguiram a concepção da pesquisa interpretativista para organização e categorização das informações. A frequência à AAL revelou-se como ponto de partida para a (re)invenção do cotidiano dos idosos. Essa (re)invenção do cotidiano ocorre a partir de novas práticas de consumo que emergem por meio dos desdobramentos de uma nova dinâmica na vida deles. Ao final, indicamos nova possibilidade de investigação teórica em estudos de consumo relacionados com práticas, além da relevância apresentada no âmbito social.

Palavras-chave
Cultura de consumo; pós-modernismo; Michel de Certeau; idosos; Academias ao Ar Livre

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es comprender cómo la frecuencia de uso de los gimnasios al aire libre (GAL) por parte de los ancianos moldea sus prácticas de consumo y (re)inventa su vida cotidiana. Como soporte teórico, adoptamos un enfoque interdisciplinario entre posmodernismo y estudios de cultura de consumo con la teoría de las prácticas cotidianas, de Michel de Certeau. La investigación es cualitativa y las informaciones han sido recolectadas a través de observación participante y entrevistas con ancianos frecuentadores de GAL. Los análisis siguieron la concepción de la investigación interpretativa para organizar y categorizar las informaciones. La frecuencia de uso de GAL se ha revelado como punto de partida para la (re)invención de la vida cotidiana de los ancianos que ocurre a partir de nuevas prácticas de consumo que emergen desde de una nueva dinámica en sus vidas. Al final indicamos nuevas posibilidades de investigación teórica en estudios sobre consumo relacionados con prácticas.

PALABRAS CLAVE
Cultura de consumo; posmodernismo; Michel de Certeau; ancianos; gimnasios al aire libre

ABSTRACT

The aim of this study is to understand how the frequency of attendance at outdoor exercise gyms by elderly people shapes their consumption practices and reinvents their daily lives. As a theoretical support, we adopted an interdisciplinary approach between postmodernism and consumer culture studies using Michel de Certeau's theory of everyday practices. Data for this qualitative study was collected through participant observation and interviews with elderly people who attended an outdoor exercise gym. Analysis followed the concept of interpretative research for organizing and categorizing information. The frequency of attendance at outdoor exercise gyms was shown to be a starting point for the reinvention of the daily life of elderly people. Reinvention of everyday life comes from new consumption practices that emerge by means of a new dynamic in their lives. Thus, we present a new possibility of theoretical investigation in consumer studies related to consumption practices.

KEYWORDS
Consumer Culture; post modernism; Michel de Certeau; Elderly; outdoor exercise gyms

INTRODUÇÃO

O consumo tem significado central em nossas práticas cotidianas, permitindo nos localizar na sociedade (re)criando, (re)apropriando, (re)inventando e (re)contextualizando os significados (Wattanasuwan, 2005Wattanasuwan, K. (2005). The self and symbolic consumption. Journal of American Academy of Business, 6(1), 179-184. Recuperado em 02 de abril de 2019 de http://www.jaabc.com/jaabcv6n1preview.html
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). Essa perspectiva insere-se nas concepções e ideias do pós-modernismo que refletem o consumo como produção (Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Por meio dessa ótica, o consumidor é compreendido como um criador, cujas ações são realizadas por meio de um processo cultural (Thomas, 1997Thomas, M. J. (1997). Consumer market research: Does it have validity? Some postmodern thoughts. Marketing Intelligence & Planning, 15(2),54-59. doi: 10.1108/02634509710165858
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). Da mesma forma, as micropráticas cotidianas são consideradas como os aspectos que melhor definem a condição humana, assim como descontinuidades, pluralidades, caos, instabilidade, mudanças constantes e paradoxo (Venkatesh, Sherry, & Firat, 1993Venkatesh, A., Sherry, J. F., Jr., & Firat, A. F. (1993). Postmodernism and the marketing imaginary. International Journal of Research in Marketing, 10(3), 215-224. doi: 10.1016/0167-8116(93)90007-L
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).

Emerge, assim, a compreensão de que é imperativo considerar o consumo como prática (Askegaard & Linnet, 2011Askegaard, S., & Linnet, J. T. (2011). Towards an epistemology of consumer culture theory: Phenomenology and the context of context. Marketing Theory, 11(4), 381-404. doi: 10.1177/1470593111418796
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). Ao falar sobre consumo, também estamos falando sobre práticas da vida cotidiana dos indivíduos, as quais atribuem sentido para a sua vida, pois são realizadas ao longo do tempo e do espaço (Røpke, 2009Røpke, I. (2009). Theories of practice: New inspiration for ecological economic studies on consumption. Ecological Economics, 68, 2490-2497. doi: 10.1016/j.ecolecon.2009.05.015
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). Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153. doi: 10.1177/1469540505053090
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ressalta que as práticas envolvem apropriação e uso de bens, serviços e espaços, o que interfere na compreensão dos indivíduos sobre as práticas com as quais estão envolvidos anteriormente ao pensar sobre o consumo.

Práticas têm sido estudadas a partir de algumas perspectivas em consumo, as quais têm como base diferentes trabalhos, destacando-se Bourdieu (1977)Bourdieu, P. (1977). Outline of a theory of practice. Cambridge, UK: University Press., Giddens (2009)Giddens, A. (2009). A constituição da sociedade. São Paulo, SP: Martins Fontes., Reckwitz (2002)Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243-263. doi: 10.1177/13684310222225432
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, Shove e Pantzar (2005)Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of nordic walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43-64. doi: 10.1177/1469540505049846
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, Warde (2005)Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131-153. doi: 10.1177/1469540505053090
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, Shove, Pantzar e Watson (2012)Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. London, UK: Sage. e Sauerbronn, Teixeira e Lodi (2019)Sauerbronn, J. F. R., Teixeira, C. D. S., & Lodi, M. D. D. F. (2019). Saúde, estética e eficiência: Relações entre práticas de consumo de alimentos as mulheres e seus corpos. Cadernos EBAPE. BR, 17(2), 389-402. doi: 10.1590/1679-395173205
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. O foco predominante nessas abordagens recai sobre a vida cotidiana. Entretanto, a literatura não discute como ocorre o desdobramento de uma determinada prática em outras práticas de consumo a partir da visão de indivíduos que são esquecidos diante da estrutura social. Em vista disso, chamamos a atenção para a teoria das práticas cotidianas de Certeau, ainda não explorada em estudos de consumo. Utilizando a abordagem certeauniana sobre a teoria das práticas cotidianas como quadro teórico-analítico, acessamos a visão do indivíduo comum para compreensão de práticas cotidianas de consumo.

Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. chama a atenção para a criatividade dos indivíduos ordinários, que inventam para si mesmos o cotidiano. Nesse sentido, a preocupação analítica é com as diferentes operações e maneiras de uso de produtos e serviços por parte desses indivíduos, e não com os produtos e serviços adquiridos e usados propriamente (Giard, 2014Giard, L. (2014). História de uma pesquisa. In M. de Certeau (Org.), A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed., pp.9-31). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Askegaard e Linnet (2011)Askegaard, S., & Linnet, J. T. (2011). Towards an epistemology of consumer culture theory: Phenomenology and the context of context. Marketing Theory, 11(4), 381-404. doi: 10.1177/1470593111418796
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ressaltam que as práticas decorrem de estruturas externas, porém se alteram a partir de atos que surgem continuamente, resultado de trocas simbólicas, criatividade e subversão em um determinado contexto social. Para Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., as estratégias socioeconômicas e políticas ocorrem no âmbito da cidade e, apesar de estas serem "tema dominante dos legendários políticos" (p. 161), não são entendidas como um campo onde ocorrem operações controladas e já programadas. Perante os discursos que ideologizam, multiplicam-se as astúcias e combinações indissociáveis dos usuários. É a partir desse cenário que o cotidiano se desdobra, o qual pode ser compreendido de duas formas, sendo a visão do alto - da administração urbana, das estratégias econômicas e políticas implantadas - e a visão do chão - compreendida no acesso e no olhar do homem ordinário (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Posto isso, alguns questionamentos motivaram nossa investigação. A indagação sobre como o consumo de determinado espaço público (re)inventa o indivíduo, suas relações e seu cotidiano é o ponto de partida que definimos para estabelecer nosso objetivo de pesquisa, conforme apresentado mais adiante.

Nesse cenário, pautados pela compreensão do consumo como produção, apropriação e transformação, identificamos as Academias ao Ar Livre (AALs), desenvolvidas com base em diretrizes de estratégias de políticas públicas para o investimento em ações para a promoção e prevenção da saúde, especialmente dos idosos. Para tanto, acessando o olhar do indivíduo, e, mais do que pensando sobre a representatividade do aumento no número de idosos para a sociedade e atribuindo a eles um determinado potencial de consumo, buscamos observar como eles consomem a partir de mudanças que constituem a sua vida cotidiana. Dessa forma, definimos o objetivo de compreender como a frequência às AALs por parte dos idosos molda suas práticas de consumo e (re)inventa o seu cotidiano.

A contribuição deste trabalho repousa em quatro aspectos. Do ponto de vista teórico, empreende um esforço para avançar na agenda de pesquisa de estudos de consumo, especificamente ao inovar teoricamente e construir um diálogo com a teoria das práticas cotidianas, sob a ótica de Michel de Certeau. Da perspectiva social, ampliamos a compreensão sobre como a sociedade está organizada em determinada esfera, aproximando os interesses acadêmicos aos dos governos e da sociedade. Do ponto de vista empírico, lançamos um olhar sobre um fenômeno cuja dinâmica envolve sujeitos que enfrentam uma condição de invisibilidade social, mas que são capazes de empreender práticas de consumo que provocam uma (re)invenção nos seus cotidianos, assim como contribuímos para a compreensão da proposta do espaço da AAL, uma vez que, para os frequentadores, o seu sentido social é evidenciado perante o sentido biológico.

CULTURA DE CONSUMO E TEORIA DAS PRÁTICAS COTIDIANAS: COMPREENDENDO AS MANEIRAS DE FAZER

No contexto descentrado do pós-modernismo, o consumidor é visto para além de lentes unificadoras, de modo a considerar suas práticas cotidianas (Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Dentro dessa concepção, os estudos de cultura de consumo enfatizam a fragmentação, pluralidade, fluidez e hibridização do consumo e do modo de vida (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi: 10.1086/426626
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; Firat & Shultz, 1997Firat, A. F., & Shultz, C. J., II. (1997). From segmentation to fragmentation: Markets and marketing strategy in the postmodern era. European Journal of Marketing, 31, 283-207. doi: 10.1108/EUM0000000004321
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; Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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).

Os estudos de cultura de consumo partem de uma perspectiva de orientação cultural, sendo os aspectos culturais notados nas relações de consumo, uma vez que estas ocorrem mediante os indivíduos e produtos e/ou serviços repletos de significados e valores (Douglas & Isherwood, 1978Douglas, M., & Isherwood, B. (1978). The world of goods: Towards an anthropology of consumption. London, UK: Allen Lane.). Esses significados e valores são atribuídos aos produtos e/ou serviços, por meio do processo do consumo, ao considerar o indivíduo como consumidor, mas também produtor de significados dentro de um mundo culturalmente construído (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Douglas & Isherwood, 1978Douglas, M., & Isherwood, B. (1978). The world of goods: Towards an anthropology of consumption. London, UK: Allen Lane.; McCracken, 1986McCracken, G. (1986). Culture and consumption: A theoretical account of the structure and movement of cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, 13(1),71-84. doi: 10.1086/209048
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). Utilizando-se de ideias, imagens e símbolos, o indivíduo como consumidor, por meio do seu consumo simbólico, (re)configura sua identidade (Schau, 2000Schau, H. J. (2000). Consumer imagination, identity and self-expression. XXVII NA Advances in Consumer Research,Provo, USA.) e objetivos de vida (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi: 10.1086/426626
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).

Dessa forma, a essência está no fato de o consumidor buscar por experiências diferentes, sendo estas não só por meio do que um bem pode proporcionar, mas a partir das condições das práticas de consumo, que podem proporcionar significados, enfatizando a interatividade e criatividade (Cova, 1996Cova, B. (1996). What postmodernism means to marketing managers. European Management Journal, 14(5), 494-499. doi: 10.1016/0263-2373(96)00043-6
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; Firat, Dholakia, & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Na pós-modernidade, um produto ou serviço será cada vez menos concluído e cada vez mais um processo por meio do qual o consumidor consegue imergir e fornecer inputs. Esse processo é uma produção e reprodução contínua de imagens e significados simbólicos, em que os indivíduos empregam as suas maneiras de fazer, partindo do entendimento sobre o essencial não ocorrer a partir da produção, mas de uma produção específica, a do fabricante da cidade, de serviços e de objetos (Certeau, 1985Certeau, M. de. (1985). Teoria e métodos no estudo das práticas cotidianas. In M. I. Szmrecsanyi (Org.), Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (pp.3-17). São Paulo, SP: FAU/USP.).

O consumo visto como uma atividade cotidiana, resultado de uma produção própria e uma apropriação criativa, é o que alguns teóricos buscam postular sobre a micropolítica do cotidiano. O cotidiano é compreendido como uma forma de conhecer e analisar a realidade social, evidenciando a dinâmica dos processos de acomodação e mudança social (Levigard & Barbosa, 2010Levigard, Y. E., & Barbosa, R. M. (2010). Incertezas e cotidiano: Uma breve reflexão. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 62(1), 84-89. Recuperado em 02 de abril de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672010000100009&lng=pt&tlng=pt
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). Sua compreensão ocorre por meio dos "processos de interações entre sujeitos, artefatos e demais aspectos materiais e simbólicos da sociedade" (Oliveira, 2014Oliveira, J. S. de. (2014). A política emocional nas práticas de organização do circo contemporâneo: Uma etnografia multissituada no contexto Brasil-Canadá(Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS)., p. 33).

Certeau, Giard e Mayol (2013)Certeau, M. de., Giard, L., & Mayol, P. (2013). A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar (12ªed.). Petrópolis, RJ: Vozes. apresentam o cotidiano como "[...] aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. [...] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior" (p. 31). Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. defende discutir o cotidiano por meio de sua produção pelos indivíduos, destruindo o caráter de passividade deles diante da sociedade. Considerando que as interações entre os indivíduos constituem o cotidiano e que os processos de produção e apropriação ocorrem nos espaços a partir dessas interações, para Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., nenhum espaço social pode ser instalado na certeza da neutralidade.

Em vista disso, Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. volta-se para a forma como esse homem ordinário apropria-se ou reapropria-se, por meio de suas diferentes maneiras de fazer, daquilo que lhe é oferecido, ou seja, as suas operações e os seus usos. Trata-se "de esboçar uma teoria das práticas cotidianas para extrair do seu ruído as maneiras de fazer" (Giard, 2014Giard, L. (2014). História de uma pesquisa. In M. de Certeau (Org.), A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed., pp.9-31). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 16). As maneiras de fazer referem-se à forma como o usuário ressignifica as estruturas ou os modelos de consumo, modificando e criando o seu próprio cotidiano (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 33).

As práticas cotidianas são operações e manipulações que subvertem a compreensão conceitual padrão sobre serem uma rotina ou uma regularidade (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Leite, 2010Leite, R. P. (2010). A inversão do cotidiano: Práticas sociais e rupturas na vida urbana contemporânea. Revista de Ciências Sociais, 53(3), 737-756. doi: 10.1590/S0011-52582010000300007
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). Pode parecer simples, mas não o é, quando Certeau (1985)Certeau, M. de. (1985). Teoria e métodos no estudo das práticas cotidianas. In M. I. Szmrecsanyi (Org.), Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (pp.3-17). São Paulo, SP: FAU/USP. defende que devemos "encarar as práticas cotidianas enquanto práticas" (p. 2), uma vez que o fundamental não é o que o indivíduo come, percorre ou assiste, mas o que é feito ou que se fabrica com o que se come, percorre ou assiste (Certeau, 1985Certeau, M. de. (1985). Teoria e métodos no estudo das práticas cotidianas. In M. I. Szmrecsanyi (Org.), Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (pp.3-17). São Paulo, SP: FAU/USP.). Conforme defendido pelo autor, o que envolve as práticas cotidianas é um esforço para interpretação dessa "antropofagia praticada pelo consumidor", que, por meio do ato do consumo, utiliza para interesse próprio uma norma que lhe é objetivamente imposta.

Para tanto, Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. distingue as práticas entre dois conjuntos de formalidades: táticas e estratégias, uma vez que essas práticas são realizadas por meio das relações de poder e forças presentes no espaço. As estratégias são postuladas em um lugar e remetem à habilidade de produzir e impor uma ordem quanto àquilo que é formalmente estabelecido, e por essa razão possuem um lugar próprio, delimitado e estável. As táticas, por outro lado, são práticas cotidianas que circulam entre as brechas do controle estratégico sobre o espaço (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). São dependentes do tempo e do contexto, utilizando esse lugar próprio para (re)inventar um espaço para si mesmo, sendo esse espaço um lugar praticado e produzido, fruto das dinâmicas de movimentos ou operações dos indivíduos ou grupos (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Highmore (2006)Highmore, B. (2006). Michel de Certeau analysing culture. New York, USA: Continuum. assinala que a essência das práticas cotidianas de Certeau é que elas são construídas à volta dos atos de apropriação e reapropriação, uma vez que as astúcias, as teimosias e as invisibilidades de tais apropriações caracterizam as operações dos indivíduos. Conforme Neubauer (1999)Neubauer, J. (1999). Cultural history after Foucault.New York, USA: Aldine Gruyter., o choque entre apropriação e o que é imposto, seja por autoridades políticas, religiosas ou culturais, é a interface entre táticas e estratégias. A apropriação torna a estratégia compreensível, humanizando o processo de transferência cultural e restaurando a nossa compreensão histórica (Neubauer, 1999Neubauer, J. (1999). Cultural history after Foucault.New York, USA: Aldine Gruyter.).

Assim, as práticas de espaço são analisadas por Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. a partir da distinção que ele estabelece entre lugar e espaço. Para Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., do mesmo modo que o lugar é fragmento, estabilidade e dimensão material, não é, necessariamente, físico, uma vez que a sociedade também é construída pelos discursos materializados nas linguagens (Certeau, 1985Certeau, M. de. (1985). Teoria e métodos no estudo das práticas cotidianas. In M. I. Szmrecsanyi (Org.), Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (pp.3-17). São Paulo, SP: FAU/USP., 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Oliveira, 2014Oliveira, J. S. de. (2014). A política emocional nas práticas de organização do circo contemporâneo: Uma etnografia multissituada no contexto Brasil-Canadá(Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS).; Oliveira & Cavedon, 2013Oliveira, J. S. de., Cavedon, N. R. (2013). Micropolíticas das práticas cotidianas: Etnografando uma organização circense. RAE-Revista de Administração de Empresas, 53(2), 156-168. doi: 10.1590/S0034-75902013000200004
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).

IDOSOS E ENVELHECIMENTO: UMA APROXIMAÇÃO COM OS ATORES DA PESQUISA

O conceito de idoso está diretamente atrelado ao envelhecimento, sendo este um curso universal do ser humano, iniciado desde a concepção e terminando com a morte (Cortez, Cortez, & Costa, 2015Cortez, D. A. G., Cortez, L. E. R., & Costa, R. B. (2015). Antioxidantes na prevenção do envelhecimento. In D. A. G. Cortez, L. E. R. Cortez, R. M. T. Gimenes, & R. M. Bennemann (Orgs.), Envelhecer saudável: Uma abordagem interdisciplinar do envelhecimento ativo (pp.11-26). São Paulo, SP: Gregory.). Os conceitos teóricos sobre o tema podem ser compreendidos a partir de duas posições distintas principais (Dalmoro & Vittorazzi, 2016Dalmoro, M., & Vittorazzi, K. (2016). Trajetórias de consumo: O sujeito-consumidor de serviços bancários na terceira idade. Revista de Administração Contemporânea, 20(3), 328-346. doi: 10.1590/1982-7849rac2016140059
https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2016...
).Sob uma perspectiva, destacam-se os estudos geriátricos, associando os aspectos físicos e psicológicos como limitadores físicos do envelhecimento (Barnhart & Peñaloza, 2013Barnhart, M., & Peñaloza, L. (2013). Who are you calling old? Negotiating old age identity in the elderly consumption ensemble. Journal of Consumer Research, 39(6), 1133-1153. doi: 10.1086/668536
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; John & Cole, 1986John, D. R., & Cole, C. A. (1986). Age differences in information processing: Understanding deficits in young and elderly consumers. Journal of Consumer Research,13(3), 297-315. doi: 10.1086/209070
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), o valor do indivíduo para o mercado de trabalho, assim como situações emocionais e sentimento de vulnerabilidade (Lee & Geistfeld, 1999Lee, J., & Geistfeld, L. V. (1999). Elderly consumers' receptiveness to telemarketing fraud. Journal of Public Policy & Marketing, 18(2), 208-217. doi: 10.1177/074391569901800207
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), que abrangem a aposentadoria, saída dos filhos de casa, possível relação conjugal desgastada ou viuvez. E, em grande parte, tratando especificamente das mulheres, a desvalorização estética do corpo (Ballstaedt, 2007Ballstaedt, A. L. M. P. (2007, novembro). Comportamento e estilo de vida da população idosa e seu poder de consumo. II Encuentro Latinoamericano de Diseño, Buenos Aires, Argentina.).

Em contrapartida, assumindo um olhar cultural, o envelhecimento está atrelado a uma construção social, que busca desmantelar a imagem de fim da vida. Moschis (2012)Moschis, G. P. (2012). Consumer behavior in later life: Current knowledge, issues, and new directions for research. Psychology & Marketing, 29(2), 57-75. doi: 10.1002/mar.20504
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ressalta as adaptações na vida da pessoa idosa, influenciadas por meio da capacidade de agência, novas experiências de vida e o contexto sócio-histórico. Essas adaptações seguem padrões não lineares, depreendendo-se de determinismos, estereótipos e padrões de comportamento quanto à faixa etária (Debert, 2004Debert, G. G. (2004). A reinvenção da velhice: Socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo, SP: Fapesp.). Contrário à compreensão da vida da pessoa idosa associada como sem sentido, do ponto de vista cultural, esses mesmos indivíduos são instigados a construir novas identidades e papéis sociais, mantendo estilos de vida e sua permanência no mercado de consumo (Barnhart & Peñaloza, 2013Barnhart, M., & Peñaloza, L. (2013). Who are you calling old? Negotiating old age identity in the elderly consumption ensemble. Journal of Consumer Research, 39(6), 1133-1153. doi: 10.1086/668536
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; Dalmoro & Vittorazzi, 2016Dalmoro, M., & Vittorazzi, K. (2016). Trajetórias de consumo: O sujeito-consumidor de serviços bancários na terceira idade. Revista de Administração Contemporânea, 20(3), 328-346. doi: 10.1590/1982-7849rac2016140059
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).

Aproximando-nos mais da visão cultural e assumindo essa interpretação, compreendemos a pluralidade de experiências, que decorre com o tempo e de modo diferente para cada um dos indivíduos, conforme envelhecemos, mas que não nos limita quanto à recriação de identidade e estilo de vida. Para Logan, Ward e Spitze (1992)Logan, J. R., Ward, R., & Spitze, G. (1992). As old as you feel: Age identity in middle and later life. Social Forces, 71(2), 451-467. doi: 10.1093/sf/71.2.451
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, a idade, inerente ao envelhecimento, não remete somente ao conceito cronológico, mas ao significado cultural dessa idade, assim como à apreensão da autoimagem e ao sentimento de cada indivíduo.

Ressaltamos, ainda, a compreensão do idoso como um agente ativo na sociedade e no que concerne ao mercado e, consequentemente, a suas práticas de consumo. Tais práticas constituem-se, de modo central, na criação e manutenção social do idoso, assim como influenciam e são influenciadas por ele (Dalmoro & Vittorazzi, 2016Dalmoro, M., & Vittorazzi, K. (2016). Trajetórias de consumo: O sujeito-consumidor de serviços bancários na terceira idade. Revista de Administração Contemporânea, 20(3), 328-346. doi: 10.1590/1982-7849rac2016140059
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). Por isso, nossa compreensão quanto à subjetivação do idoso como consumidor, uma vez a que a construção e afirmação identitária pode ser compreendida como base no consumo (McCracken, 2003McCracken, G.(2003). Cultura & consumo: Novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e atividades de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Mauad.).

Considerando o consumo como uma dimensão social complexa e multifacetada, a construção desse arcabouço teórico e conceitual fundamenta a escolha teórica e analítica e orientação metodológica, assim como os achados que emanam da pesquisa empírica.

MÉTODO

A abordagem qualitativa foi utilizada para a realização da pesquisa, seguindo a perspectiva interpretativista (Dezin & Lincoln, 2006Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2006). Introdução: A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In N. K. Denzin & Y. S. Lincoln (Orgs.), O planejamento da pesquisa qualitativa: Teorias e abordagens (2ª ed., pp.15-41). Porto Alegre, RS: Artmed.; Tadajewski, 2006Tadajewski, M. (2006). Remembering motivation research: Toward an alternative genealogy of interpretive consumer research. Marketing Theory, 6(4), 429-466. doi: 10.1177/1470593106069931
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; Vieira, 2013Vieira, F. G. D. (2013). Perspectivas e limites da pesquisa qualitativa na produção de conhecimento em marketing. Revista de Negócios, 18(1), 10-24. doi: 10.7867/1980-4431.2013v18n1p10-24
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). O interpretativismo é a perspectiva que orienta esta pesquisa porque nos permite avançar para além do que é consumido, buscando compreender como as práticas de consumo ocorrem em determinado contexto, sendo essas construídas por meio de interações entre os indivíduos que criam suas maneiras de fazer (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. doi: 10.1086/426626
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; Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Esses indivíduos tornaram-se informantes ativos da pesquisa, guiando o processo de investigação e fornecendo informações (Sauerbronn, Cerchiaro, & Ayrosa, 2011Sauerbronn, J. F. R., Cerchiaro, I. B., & Ayrosa, E. A. T. (2011). Uma discussão sobre métodos alternativos em pesquisa acadêmica em marketing. Gestão e Sociedade, 5(12), 254-269. doi: 10.21171/ges.v5i12.1374
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).

No primeiro momento, por meio do material informativo divulgado pela Prefeitura de uma cidade do interior da Região Sul do Brasil, realizamos a pesquisa documental com o objetivo de obter informações sobres as AALs. No segundo momento, realizamos observação participante (Paterson, Bottorff, & Hewat, 2003Paterson, B. L., Bottorff, J. L., & Hewat, R. (2003). Blending observational methods: Possibilities, strategies, and challenges. International Journal of Qualitative Methods, 2(1), 29-38. doi: 10.1177/160940690300200103
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) e entrevistas (Gaskell, 2002Gaskell, G. (2002). Entrevistas individuais e grupais. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (2ª ed., pp.64-89). Petrópolis, RJ: Vozes.; McCracken, 1988McCracken, G. (1988). The long interview. Beverly Hills, USA: Sage.). É digno de nota que a observação participante nos permitiu compreender as sutilezas das práticas cotidianas e as singularidades das maneiras de fazer, uma vez que essas últimas não são possíveis de serem capturadas por modelos e formalizações usuais que deixam escapar as operações e usos individuais, nem somente por entrevistas (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Highmore, 2006Highmore, B. (2006). Michel de Certeau analysing culture. New York, USA: Continuum.). Todos foram abordados durantes as visitas nas AALs e selecionados a partir de dois requisitos: frequentar semanalmente a AAL e ter 60 anos de idade ou mais, conforme o Estatuto do Idoso do Brasil (Lei n. 10.741, 2003Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2003/L10.741.htm
http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/lei...
).

Em um momento anterior ao início formal do trabalho de campo, realizamos um estudo exploratório em uma AAL do município (ver Guarnieri, Chagas, & Vieira, 2018Guarnieri, F., Chagas, P. B., & Vieira, F. G. D. (2018). Territorialização do cotidiano a partir de intervenções governamentais: O caso das Academias da Terceira Idade (ATIs). Revista Alcance, 25(1), 1-20. doi: 10.14210/alcance.v25n1.p%25p
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) e visitas em determinadas academias. Nas duas situações, conseguimos nos aproximar e interagir com os idosos frequentadores das AALs, o que contribuiu para melhor adequação da forma de interação durante o trabalho de campo, assim como proporcionou maior conhecimento do campo e maior facilidade de acesso com os informantes.

Como o nosso objetivo avança para além das fronteiras dos espaços das AALs, as observações também ocorreram em diferentes locais e eventos frequentados pelos informantes, como: aula de dança circular; oração do terço; campeonato de boliche; visita ao asilo; baile da terceira idade; caminhadas no parque; aulas de exercícios de alongamento; encontro em café e em supermercado; e visitas à residência. Ao frequentar esses diferentes lugares e participar dos eventos, tivemos acesso a quem frequenta as AALs, como ocorrem as interações no espaço da AAL, sobre o que conversam, como se vestem, como ocorrem os relacionamentos com outras pessoas fora do espaço da AAL, o que e como consomem, quais atividades realizam, quais desejos e anseios possuem, entre outras informações. Todo esse arcabouço de interações envolve as práticas cotidianas de consumo dos idosos que frequentam as AALs. Destacamos que a participação nesses eventos e lugares não ocorreu com todos os informantes, principalmente, devido a questões de disponibilidade e autorização deles. Essas observações foram registradas em um diário de campo, totalizando 64 páginas em formato eletrônico e acervo fotográfico com 130 imagens.

Conduzimos 24 entrevistas, todas as quais foram gravadas, com exceção de uma. As durações das entrevistas foram entre 26 minutos e 1 hora e 37 minutos. Elaboramos um guia para a condução das entrevistas, mas sem a intenção de estabelecer categorias prévias para as análises. Esse guia foi adequado continuamente, conforme o desenvolvimento do trabalho. Todas as entrevistas foram realizadas pessoalmente e posteriormente transcritas na íntegra, totalizando 291 páginas de transcrições. Os nomes dos informantes são atribuídos de maneira fictícia para manter o anonimato.

O processo de análise do corpus da pesquisa foi fundamentando nas orientações de alguns autores, como Ryan e Bernard (2003)Ryan, G. W., & Bernard, H. R. (2003). Techniques to identify themes. Field Methods, 15(1), 85-109. doi: 10.1177/1525822X02239569
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, Moisander e Valtonen (2006)Moisander, J., & Valtonen, A. (2006). Qualitative marketing research: A cultural approach. London, UK: Sage. e Saldaña (2009)Saldaña, J. (2009). The coding manual for qualitative researchers. London, UK: Sage., para a organização e categorização das informações. O Software ATLAS.ti, versão 7, foi utilizado para organização das entrevistas transcritas, anotações e reflexões do diário de campo. Adotamos o sistema de classificação por códigos - codificação -, que emergiram do corpus de pesquisa e que respondiam ao objetivo proposto (Ryan & Bernard, 2003Ryan, G. W., & Bernard, H. R. (2003). Techniques to identify themes. Field Methods, 15(1), 85-109. doi: 10.1177/1525822X02239569
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). Conforme a leitura dos materiais, procuramos por repetições, similaridades e diferenças, comportamentos, sentimentos, contextos, significados, ausências, entre outros aspectos que constituíam as narrativas das entrevistas e as anotações no diário de campo. Essa codificação residiu na demarcação de segmentos dos textos por meio de códigos, que foram posteriormente agrupados em subcategorias, resultando em categorias.

Posto isso, as categorias foram estabelecidas, sendo: a proposta da AAL, o "antes" de começar a frequentar a AAL, consequências da frequência no espaço da AAL, novos hábitos de consumo, novas atividades de consumo, relacionamentos e em constante (re)invenção. Essas categorias constituem o corpus de pesquisa sobre o qual realizamos as análises, conforme será explicado nas próximas seções.

RESULTADOS

Os resultados mostram como a frequência ao espaço da AAL introduz uma nova dinâmica para a vida desses indivíduos, processando constante (re)invenção do seu cotidiano, como desdobramentos de suas práticas de consumo. Tais práticas resultam das maneiras de uso e apropriação desse espaço por parte dos idosos, que agem diante de uma proposta de estratégia de política pública. Não obstante, essas estratégias são "urbanizadas" por meio dos movimentos apreendidos pelas táticas, que se proliferam. Dessa forma, anteriormente à compreensão da visão do chão, isto é, dos idosos que frequentam as AALs, buscamos compreender a visão do alto quanto às estratégias de políticas públicas. Não buscamos confrontar as duas visões, uma vez que a discussão de estratégias de políticas públicas demanda a compreensão de uma macroabordagem, mas caracterizar a proposta das AALs, uma vez que é a partir dessas ações de implementações que ocorre o fenômeno de consumo aqui estudado.

A proposta da Academia ao Ar Livre (AAL)

A proposta da AAL emergiu do interesse de representantes da Prefeitura de um município no interior da Região Sul do Brasil em reduzir as elevadas despesas com demandas de saúde pública, especialmente com remédios para doenças crônicas. A partir dessa proposta, no ano de 2006, foi inaugurada a primeira AAL, inicialmente denominada Academia da Terceira Idade. Conforme o nome já especifica, a ideia foi, a princípio, pensada para os idosos, por serem a parte da população que demandava o maior gasto quanto aos referidos remédios.

A Prefeitura definiu, por meio das AALs, o objetivo de "incentivar, principalmente entre os idosos, a prática regular de atividade física, a socialização, a melhora da autoestima e da saúde em geral" (material informativo). Para alcançar o objetivo proposto, foram realizadas parcerias público-privadas para implantação das AALs.

Atualmente existem 62 AALs no município, constituídas por 10 aparelhos de ginástica e instaladas ao ar livre, próximas às Unidades Básicas de Saúde, Centros Esportivos, Praças ou Parques, permitindo ao usuário realizar exercícios de alongamento, fortalecimento, desenvolvimento da musculatura e aeróbico. Esses benefícios, segundo consta nos documentos analisados e é apregoado pela Prefeitura, são garantidos para quem frequenta a academia semanalmente durante, pelo menos, 30 minutos por dia.

Mediante a análise dos resultados, os representantes da Prefeitura apontam que a proposta da AAL alcança o seu objetivo, uma vez que a aceitação, por parte da população, especialmente os idosos portadores de doenças crônicas, foi positiva e significativa. Do mesmo modo, afirmam que a prática da atividade física está contribuindo com a prevenção de doenças e proporcionando qualidade de vida aos usuários, reduzindo os custos sociais, internações hospitalares e mortalidade (material informativo).

Práticas de consumo como (re)invenção do cotidiano

Ao buscar compreender quem são os idosos frequentadores das AALs e tendo como base as concepções pós-modernas, compreendemo-los como fragmentados e descentrados, como bricoleurs que justapõem suas diferentes práticas cotidianas priorizando a experiência. Fragmentados e descentrados quanto às suas vidas e experiências, rompendo com uma realidade única, buscando viver os momentos de suas experiências atrelados à sensação e ao prazer, construindo seu próprio significado. Não há um único estilo de vida associado a esse indivíduo idoso, uma vez que ele recontextualiza aquilo que lhe é dado, fazendo uma bricolagem, ou, ainda, o consumo como uma produção, que pode ser apontado como a reversão de produção e consumo, como descrito por Firat e Venkatesh (1995)Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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.

Os idosos que frequentam a AAL o fazem devido a benefícios próprios, apropriando-se do espaço e moldando os significados conforme o seu interesse, implicando suas práticas de consumo. Os benefícios extraídos da prática de frequentar a AAL podem ser vistos por meio de duas formas. Primeiro, observamos que, além da aproximação com a atividade física, a frequência a AAL é como um auxílio para superação de alguma situação difícil, como uma forma de adaptação às dificuldades enfrentadas, ou, como no caso de grande parte das mulheres informantes, que, ao ficarem viúvas, encontraram uma forma de superação ao frequentarem a academia. Segundo, concerne aos benefícios resultantes da frequência e sociabilidade no espaço da AAL. Os benefícios não são percebidos somente devido ao fato de utilizar os aparelhos da academia, mas, principalmente, de estar presente, convivendo e interagindo com pessoas nesse espaço. Um conjunto de aspectos observados provoca efeitos favoráveis em cada um dos informantes, como a disposição. Quando atribuíam "disposição" como o maior benefício percebido por frequentar a AAL, os idosos referiam-se tanto à condição física, como vigor, energia, animação e resistência, quanto ao autocuidado, ao desejo de buscar aprender algo novo, autoestima, ao desejo e necessidade por sair de casa. O seguinte trecho relatado ilustra a ideia do que está por trás do termo disposição:

Ah, eu me sinto melhor. Até minha filha fala que eu me sinto mais para frente... Mais coragem. Mais tudo. [...] Mais para frente é assim, mais alegre, que a deprê já passou. Assim eu me sinto muito bem. Antes ficava mais amuada em casa. Mais assistindo novela, mas agora não. Agora tenho outros afazeres melhores. (Carmem, 79)

O consumo dos idosos ocorre por meio de significados e valores atribuídos aos benefícios percebidos após começarem a frequentar as AALs. É nesse sentido que Douglas e Isherwood (1978)Douglas, M., & Isherwood, B. (1978). The world of goods: Towards an anthropology of consumption. London, UK: Allen Lane. discorrem sobre considerar o indivíduo como consumidor e produtor de significados, dentro de uma realidade culturalmente construída por eles mesmos. Assim, novos hábitos e novas atividades de consumo passam a constituir o cotidiano desses idosos, como uma forma de resistência e mudança quanto ao que é vivido em seu cotidiano. Dado que cada um dos idosos age diante de circunstâncias particulares de seu cotidiano, ressaltamos a compreensão de suas práticas cotidianas, e não o contrário, quando são observados por meio de lentes unificadoras, conforme indicado por Firat e Venkatesh (1995)Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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e Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes..

Os idosos foram mudando alguns hábitos e costumes após iniciarem a frequência à AAL. Prejudiciais à saúde ou não, são hábitos e costumes que foram substituídos por outros, também provocando desdobramentos quanto às práticas de consumo desses idosos, por exemplo, parar de fumar e sair para dançar. É possível identificar, em especial, mudanças quanto a hábitos alimentares e novos hábitos quanto ao consumo estético. Tais mudanças ocorrem devido ao novo modo de vida desses indivíduos. É por esse ponto de vista que Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. postula sobre as maneiras de fazer, uma vez que, da apropriação de um espaço e de suas interações, os idosos ressignificam o que é atribuído ao espaço da AAL de modo a (re)criar e (re)inventar seu próprio cotidiano. Essas maneiras de fazer são práticas heterogêneas, teimosas e tortuosas, e que se passam por invisíveis, conforme lembra Highmore (2006)Highmore, B. (2006). Michel de Certeau analysing culture. New York, USA: Continuum., mas não o são.

A começar pelos novos hábitos alimentares, o fato de frequentar a AAL, praticar exercícios físicos e interagir com outras pessoas naquele espaço provoca o interesse em consumir de modo saudável. Tal como observado por Sauerbronn et al. (2019)Sauerbronn, J. F. R., Teixeira, C. D. S., & Lodi, M. D. D. F. (2019). Saúde, estética e eficiência: Relações entre práticas de consumo de alimentos as mulheres e seus corpos. Cadernos EBAPE. BR, 17(2), 389-402. doi: 10.1590/1679-395173205
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, as práticas alimentares foram alteradas considerando seus efeitos sobre a saúde do corpo. Além da preocupação de alimentar-se de maneira correta, a mudança quanto a esse novo hábito também ocorre por meio de instruções de profissionais de nutrição. Observamos, ainda, a preocupação de alguns informantes em produzir o próprio alimento, sendo o mais comum a produção de hortaliças, plantadas e cultivadas em espaços reservados no quintal de casa. O excerto abaixo revela como agem os informantes sobre os novos hábitos alimentares:

Mudou muito. Hoje como mais saudável... Como verdura, fruta. Pão integral, essas coisas assim... Pouca gordura. Eu não como muito sal também e tomo muita água. Tem que comer coisa saudável. Porque eu já tenho quantos anos? Eu tenho 73. (Graça, 73)

Característica de grande parte das mulheres, mas não somente delas, o consumo estético é algo presente em suas práticas cotidianas. Quando questionadas sobre o assunto, respondiam serem vaidosas e cuidarem da aparência. Constatamos esse interesse e desejo por cuidar de si mesma não somente por meio de suas falas, mas também por meio da maneira como se comportam e como se vestem, atentas aspectos que englobam o "estar na moda", vestir-se de maneira harmoniosa, combinando os diferentes estilos. Há a preocupação com a roupa que combina com o corpo, e, de certa forma, associam também com a idade. Sendo atenção quanto à aparência e estética um desdobramento das implicações quanto à frequência à AAL, ressaltamos a importância do simbólico, por meio do qual os aspectos funcionais acabam por ficarem ocultos, uma vez que os aspectos da dimensão estética são ressaltados, como argumentado por Firat e Shultz (1997)Firat, A. F., & Shultz, C. J., II. (1997). From segmentation to fragmentation: Markets and marketing strategy in the postmodern era. European Journal of Marketing, 31, 283-207. doi: 10.1108/EUM0000000004321
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. Destacamos a fala de uma informante que exemplifica o que remete às mudanças quanto à preocupação com a estética e a aparência:

Melhorou. Porque tinha roupa que eu não usava mais e comecei a usar. Tinha calça lá que estava encostada lá há tempo. Emagreci e comecei a usar. Aí a gente sente um incentivo. [...] Olha no espelho e fala: "Estou mais bonitinha" (rindo). Estou me sentindo bem melhor. (Cristina, 73)

Novas atividades de consumo também são desenvolvidas, assim como novos locais são frequentados, como clubes de dança, lanchonetes e bares, incluindo viagens. Essas novas atividades estão relacionadas ao entretenimento, diversão e como utilizar o tempo. Além de associar novas atividades com práticas que remetem ao lazer e diversão, outras atividades, como aquelas que complementam a prática da atividade física, passam a constituir o cotidiano de alguns dos informantes da pesquisa. Mesmo frequentando a AAL, pelos diversos motivos e benefícios mencionados, estimulados pela prática da atividade física, esses idosos procuram praticar atividades físicas em academias pagas e clubes de corrida. As novas atividades de consumo também englobam novos aprendizados, como cursos e aulas. O excerto a seguir retrata as realidades mencionadas:

Agora sempre saio, vou lá para o [clube de dança]. Lá meu neto me leva e me pega. Eu gosto de ir para a lanchonete junto com meu neto e com a noiva dele. Às vezes, ele me deixa e depois ele busca. Jogar uma partida de sinuca. Minha filha sai com os amigos dela, eu vou ficar sozinha dentro de casa? Mas de jeito nenhum. Eu falo para o meu neto: "Eu também vou junto, me deixa na lanchonete tal". E eu já gosto de jogar sinuca... E ele deixa. Encontro minhas amigas e meus amigos. (Carmem, 79)

Tais atividades ocorrem como uma produção por parte dos idosos, como maneiras de empregar normas estabelecidas quanto à frequência às AALs. É nesse sentido que Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. aponta ser um jogo com aquilo que lhe é imposto, ou seja, as táticas dos idosos frequentadores das AALs, os quais aproveitam as ocasiões e tiram destes benefícios, construindo sua própria realidade.

Ainda, por todas as conquistas e aspectos que giram em torno da (re)invenção cotidiana, identificamos os sentimentos de ser capaz de conquistar algo. Essa sensação de ser útil e ser capaz soa, em alguns momentos, como uma reafirmação que se opõe a discursos que sugerem idosos como aqueles que vivem fazendo suas atividades sem algum sentido. De modo contrário, são pessoas que possuem orgulho de estar e ter [n]a idade que estão/têm, buscam estar informados e estar entre familiares e amigos, querem atividades que proporcionem diversão e prazer e são preocupados com a saúde e alimentação. Aposentam-se de suas atividades profissionais, mas não se aposentam de seus desejos e sonhos. Não importa a grandeza de sua ambição, estabelecem objetivos e projetos de vida, (re)inventando a própria vida, o próprio cotidiano.

DISCUSSÃO

A partir da compreensão das práticas de consumo dos idosos frequentadores das AALs, como uma (re)invenção de seus cotidianos, observamos como se desdobra a prática de frequência nas academias em questão. Esses desdobramentos implicam suas práticas de consumo, por isso atribuímos o fato de frequentar o espaço da AAL como um vetor da (re)invenção cotidiana, sendo o ponto de partida de onde o consumo de um determinado espaço, produzido inicialmente por meio de estratégias públicas e, consequentemente, apropriado por meio das táticas de seus usuários, se desenvolve abrangendo a vida desses idosos.

Conforme exposto, esses idosos apropriam-se de uma nova dinâmica de suas vidas, o que, de modo consequente, implica suas práticas de consumo. Considerando o contexto pós-moderno, além do consumo do espaço da academia, os idosos buscam por diferentes experiências desempenhadas por meio de suas práticas de consumo, as quais têm como ênfase a interatividade (Cova, 1996Cova, B. (1996). What postmodernism means to marketing managers. European Management Journal, 14(5), 494-499. doi: 10.1016/0263-2373(96)00043-6
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; Firat et al., 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Tais práticas englobam não somente o próprio consumo do espaço, como local de realização de atividades físicas ou de integração, mas também novos hábitos de consumo e interesse por novas atividades. Por isso, o interesse em compreender o "como" quanto aos desdobramentos de frequentar a AAL.

Ao olhar para essas implicações de novas práticas de consumo, serviços e bens de consumo podem estar ou não diretamente vinculados à atividade física. Atribuímos o fato de não estarem diretamente vinculados à atividade física no sentido de não se restringirem ou se caracterizarem por serem necessariamente material esportivo, como calçado ou roupa, mas por implicarem aspectos mais profundos das vidas desses idosos, modificando de maneira física e mental o corpo, como a vaidade, a autoestima, o sentir-se bem com o próprio corpo e a construção de relacionamentos. Por meio de um modelo conceitual (Figura 1), representamos os aspectos que constituem essa (re)invenção cotidiana.

Figura 1
Modelo conceitual: frequência no espaço da AAL como ponto de partida para (re)invenção cotidiana dos idosos

A prática de frequentar o espaço da AAL é o que promove nova dinâmica na vida dos idosos. Aprofundando a compreensão, indicamos que essa nova dinâmica processa novas práticas de consumo, (re)inventando o cotidiano. Essa reinvenção ocorre do modo que os idosos sentem e experienciam a disposição, o autocuidado, a vaidade, a busca por coisas novas e diferentes ocupações, o estabelecimento de rotinas, a definição de compromissos, a realização de atividades de lazer, a construção de novos hábitos e o abandono de antigos.

Identificamos que todo esse processo que constitui a vida dos idosos é constante, que advém da apropriação e reapropriação da sua frequência as AALs. Esse modelo conceitual que representamos reflete as maneiras de fazer dos idosos, uma vez que se apropriam de um espaço organizado inventando e reinventado o seu próprio cotidiano. Além disso, todo esse cenário emerge do uso silencioso e heterogêneo desses indivíduos, combinando suas táticas à sua maneira (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.; Highmore, 2006Highmore, B. (2006). Michel de Certeau analysing culture. New York, USA: Continuum.).

A partir da compreensão do consumidor como produtor, criador e praticante (Certeau, 2014Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.), constatamos a não passividade desses idosos, afirmando o consumo como um processo de produção e transformação (Firat et al., 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). Apesar de o cotidiano ser dado, ele é manipulado conforme interesses dos próprios idosos (Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). São indivíduos que buscam ser independentes, como em um processo libertador daquilo que é preestabelecido.

As construir essa realidade, os idosos frequentadores das AALs buscam a experiência, assim como a sensação. Não somente os aspectos que constituem a mente, mas também o corpo, como uma forma de comunicar essas sensações (Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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). A preocupação com a aparência, associada à vaidade e à estética, tanto quanto a alimentação, são as formas que refletem esse contexto, muitas vezes associando à autoimagem. Essas formas e os relacionamentos são o que Firat e Venkatesh (1995)Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi: 10.1086/209448
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atribuem como os produtos do consumo.

Com esse entendimento, observamos, especialmente entre os idosos frequentadores das AALs, indivíduos que são a somatória de tudo o que já viveram ao longo da vida, de todas as suas experiências, mas que mudam o seu cotidiano por meio de suas próprias práticas. Essa criação e manutenção da identidade emerge de suas práticas de consumo (McCracken, 2003McCracken, G.(2003). Cultura & consumo: Novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e atividades de consumo. Rio de Janeiro, RJ: Mauad.) no que tange à posterior rotina de frequência à AAL.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste estudo, analisamos práticas de consumo como (re)invenção do cotidiano dos idosos após iniciarem a frequência às AALs. Com a imersão no campo junto a consumidores idosos, cujo índice populacional é crescente, lançamos luz a uma realidade empírica que remete aos indivíduos que estão à margem do contexto da sociedade e das próprias famílias, como no caso de grupos etários de pessoas mais velhas, que, em diferentes momentos, são subestimadas, passam por invisíveis ou inexistentes.

Além disso, com a velhice, que, para muitos, é transformada em um período cinza da vida, verificamos o contrário. Não associando no sentido de "melhor idade", como muito é propagado por outros, mas como esse período da vida humana pode ser (re)inventado à sua maneira. Oferecemos nova visão para o fenômeno de consumo, explorando como práticas cotidianas de consumo podem também ser práticas libertadoras e de resistências por parte dos idosos.

A integração social é um fator principal diante da prática de atividades físicas, reforçando a dinâmica social versus dinâmica biológica que envolve o idoso frequentador da AAL. Não é somente a atividade física realizada no espaço da academia, mas principalmente a integração e sociabilidade que ocorre nesse mesmo espaço, com as amizades e companhias de outros frequentadores. Isso é exemplificado pelas dimensões das experiências adquiridas por meio do consumo dos idosos.

Destacamos quatro maiores contribuições desta pesquisa. A primeira aponta uma nova possibilidade de investigação teórica em estudos de consumo relacionados com práticas, pelas lentes de Certeau (2014)Certeau, M. de. (2014). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer (22ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. e Certeau et al. (2013Certeau, M. de., Giard, L., & Mayol, P. (2013). A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar (12ªed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). A compreensão dessas práticas faz-se relevante para a produção do conhecimento em marketing, pois, sendo a abordagem desses estudos constituída por perspectivas teóricas quanto às ações do consumidor, mercado e seus significados, a interdisciplinaridade contribui para um diálogo entre os estudos de práticas de consumo e demais áreas do conhecimento.

Na mesma direção, a segunda contribuição está atrelada ao fato de ser um estudo relevante para a sociedade. Além de contribuições acadêmicas e gerenciais, avançamos sobre a compreensão de como a sociedade está organizada em determinada esfera. Aliamos o quadro teórico utilizado às demandas sobre envelhecimento populacional em uma perspectiva diferente de fragilidade, doenças e perdas, aproximando os interesses acadêmicos aos dos governos e da sociedade.

A terceira está relacionada a como o cotidiano pode ser (re)inventado por meio do consumo, sendo esse processo um meio que contribui para o estabelecimento da identidade e do autorreconhecimento do consumidor. Isso é compreendido uma vez que, por meio do consumo do espaço, ocorre o consumo material, provocando o consumo simbólico. Dito de outra forma, a prática de frequência no espaço da AAL desencadeia outras práticas, mais especificamente, práticas de consumo. Para tanto, buscamos aprofundar essas compreensões, ressaltando o que abrange as práticas de consumo dos idosos frequentadores das AALs, como as suas subjetivações e afirmações identitárias.

A quarta contribuição ressaltada emerge da proposta do espaço da AAL. Um espaço desenhado estrategicamente com foco em questões biológicas, no que diz respeito à saúde dos idosos, torna-se um espaço que incorpora questões sociais, de modo que a frequência implica desdobramentos quanto à (re)invenção do cotidiano desses mesmos idosos, o que permite observar que tal (re)invenção, no âmbito das táticas, avança para um sentido social, mais do que um sentido meramente biológico. No sentido social, evidencia o uso, a sociabilidade, a apropriação e relações sociais e coletivas dos idosos. Por meio do que eles representam quanto à disposição, constroem o espaço da AAL e seu significado partir de suas táticas, contrapondo e resistindo ao que lhes é atribuído, especialmente quanto ao que se refere ao envelhecimento. Já o sentido biológico representa um discurso utilizado no contexto das estratégias.

Para pesquisas futuras, acreditamos que a realização desta pesquisa é o início da interdisciplinaridade entre os estudos de consumo e teoria das práticas cotidianas de Certeau. Sugerimos que estudos futuros, especialmente quanto à teoria da prática ou práticas de consumo, possam apropriar-se desta lente teórica. No mesmo sentido, ao evidenciar que os espaços podem ser produzidos por meio de estratégias e táticas, há caminhos a seguir a partir de intervenções externas no espaço público, questionando a possibilidade de rupturas de rotinas e rituais.

Por fim, ao pensar no componente material das práticas que é constituído pelos equipamentos instalados nos espaços das academias, ressaltamos as possibilidades de pesquisas fundamentadas em ontologias orientadas aos objetos (OOO) ou materialidades como elementos constitutivos de práticas. Diferente do que apresentamos, estudos futuros podem olhar para as academias não como o ponto de partida para a análise de práticas cotidianas, mas como tais academias representam rupturas na construção espacial das cidades.

  • Versão original

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Editado por

Editora Científica convidada: Alketa Peci

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2019
  • Aceito
    19 Mar 2020
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