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O Lazer na Vida da Pessoa Portadora de Deficiência: Uma Questão de Responsabilidade Social e um Turismo a Ser Pensado

RESUMO

Nas duas últimas décadas, tem-se assistido à discussão de práticas sociais inclusivas de pessoas com deficiência física, especialmente no que se refere a oportunidades de trabalho. Essas oportunidades resultam num acréscimo de renda desse segmento correspondente a 10% da população mundial, apresentando-se com um potencial de acesso a bens e serviços que não tem sido adequadamente considerado pelo mundo dos negócios. Esse trabalho teve como objetivo trazer para o campo do turismo essa discussão, mostrando como os usuários dos serviços sentem-se com o atendimento recebido e as sugestões que fazem visando despertar os agentes de turismo para esse segmento capaz e desejoso de consumir serviços direcionados.

PALAVRAS-CHAVE
Lazer; turismo; responsabilidade social; serviços; deficiência física

ABSTRACT

In the last two decades the social inclusive practices for handicapped people have been discussed and work opportunities have been created. This has resulted in an increase of access to services and goods for the handicapped - 10% of world people - and the products haven’t been adequately considered in terms of their suitability by the business world. This study aimed to demonstrate how handicapped tourist consumers feel about the kind of services delivered and their suggestions for improving the quality of service provided by tourist offices.

KEYWORDS
Leisure time; tourism; social responsibility; jobs; physical deficiency

1 INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980, que sinalizou o ano de 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência, várias entidades ligadas à causa da deficiência iniciaram um movimento visando integrar os indivíduos deficientes à sociedade. Um dos resultados desses movimentos tem sido a integração das pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho, viabilizando ideais de realização e conquistas, entre os quais o desejo de partilhar com seus entes próximos o desfrute dos resultados obtidos a partir da vida profissional.

O estímulo à inserção de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho gera, por conseqüência, um contingente de pessoas que passam a dispor de recursos e desejam aplicá-los em outras atividades, especialmente em seu lazer.

A importância desse mercado deve ser considerada tendo em vista que, segundo estimativas feitas por órgãos internacionais, como a OMS - Organização Mundial de Saúde -, apontam que 10% da população mundial é portadora de algum tipo de deficiência, devendo levar-se em consideração que países em desenvolvimento podem ter essa taxa acrescida pelas dificuldades ligadas à saúde, educação, saneamento básico etc.. Atender a esse novo mercado consiste numa oportunidade de negócio e um dever social.

Oferecer serviços de lazer para este público-alvo não é tarefa fácil: além de adaptações decorrentes de barreiras arquitetônicas, existem ainda as barreiras atitudinais presentes nas relações interpessoais, carregadas de preconceitos.

Este estudo teve como objetivos: a) identificar as expectativas de pessoas com deficiência quanto ao atendimento das empresas relacionadas ao turismo, não apenas no que se refere a barreiras arquitetônicas, mas, especialmente, quanto ao atendimento face a face; b) identificar expectativas quanto à composição de pacotes turísticos, em particular se esses devem possuir alguma especificidade própria a esse público-alvo.

A questão da inclusão social das pessoas portadoras de deficiência é de extrema relevância, especialmente se for considerado o risco de qualquer indivíduo não-deficiente tornar-se deficiente diante do avanço da violência urbana, quer decorrente de criminalidade, quer de fatores como acidentes de trabalho, de trânsito, além da presença de confrontos sociais e políticos.

2 RECONHECENDO A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA COMO CONSUMIDORADE SERVIÇOS DE TURISMO

Segundo Omote (1994:69)OMOTE, Sadao. Deficiência e não deficiência: recortes do mesmo tecido, Revista Brasileira de Educação Especial, 1 (2), 65-73, 1994., a deficiência não pode ser vista como uma característica circunscrita aos limites corporais. O aspecto central a ser considerado é a “construção social da deficiência”, entendendo-se por “construção social” o conjunto de expectativas dirigidas aos grupos e aos indivíduos portadores de deficiência, expectativas essas que funcionarão como determinantes das inter-relações estabelecidas com todos os elementos que constituem o grupo social.

São as expectativas ligadas às exigências do meio que determinaram as pessoas deficientes e não-deficientes (Mazzotta, 1982MAZZOTTA, Marcos J. da S. Fundamentos da educação especial. São Paulo: Pioneira, 1982.). Tais expectativas podem ser entendidas como reflexo das relações sociais, econômicas e ambientais inerentes ao grupo social. Esse, portanto, é um conceito profundamente ligado aos valores, normas e padrões do grupo no qual a pessoa portadora de deficiência está inserida. As expectativas dirigidas ao indivíduo portador de deficiência pelos demais passam a ter como foco a “imperfeição”, deixando-se, muitas vezes, de ver o indivíduo como um todo.

Apesar da existência de movimentos visando integrar os indivíduos deficientes à sociedade e buscando mostrar que a pessoa portadora de deficiência não se resume à deficiência, a inter-relação desses indivíduos com a sociedade ainda deixa a desejar sob muitos aspectos. Dentre eles, o reconhecimento da pessoa portadora de deficiência com direitos como os de qualquer outro consumidor.

Entender e respeitar os direitos dos consumidores é uma questão de responsabilidade social e de oportunidade de negócios.

Embora as primeiras abordagens formais sobre responsabilidade social tenham surgido nos anos 1950 e, em décadas seguintes, tenha havido um considerável esforço para conceituá-la, é nos anos 1990 que passa a integrar novos temas como a teoria dos stakeholders (Carrol, 1999CARROL, Archie B. Corporate Social Responsability, Business and Society, Chicago: Sep. 1999.), possibilitando reflexões focadas sobre a responsabilidade de quem para com quem.

A teoria dos stakeholders, popularizada por Freeman (1984)FREEMAN, R. E. Strategic management: a stakeholder aproach. Boston: Pitman. ao abordar a influência entre os diversos segmentos da sociedade e a empresa e vice-versa, localiza os clientes como um dos segmentos de grupos de interesse com quem a empresa mantém contato e para com quem possui responsabilidades.

A oferta de serviços para a sociedade, desconsiderando as especificidades e anseios de um segmento, pode ser percebida como uma questão social, ou melhor, de ausência de responsabilidade social. É o que ocorre se um conjunto de serviços é oferecido de forma social excludente.

Não reconhecer o direito das pessoas portadoras de deficiência como consumidoras é uma forma de agir pouco inteligente, à medida que representam uma parcela da população que cada vez mais tem acesso ao mercado de trabalho, passando a deter renda própria disponível para o consumo. Satisfazer os anseios desses consumidores consiste numa oportunidade de negócio. E ofertar serviços tendo a concepção de qualidade elaborada pelo cliente é, como propõe Zeithaml (1985)ZEITHAML, V.; BERRY, L. & PARASURAMAN, A. Comunication and control process in the deli-very of service quality, Journal of Marketing, Apr. 1988, p. 35-48., condição necessária para satisfazê-lo. Apesar disso, não se têm visto estudos sobre serviços de lazer e de turismo, em particular, em que a concepção de qualidade seja pesquisada sob a ótica dos clientes portadores de deficiência.

Em 1989, o Centre de Comunication Advance (CCA) desenvolveu uma tipologia de estilos europeus de consumo de turismo, tendo como base uma abordagem sociocultural de segmentação, resultando em 16 grupos (Europanel, 1989), em que se observa que, entre as variáveis demográficas, não foi contemplada a variável relativa à deficiência, como se não houvesse possibilidade de identificar diferenças de perfil quando o consumidor é portador de deficiência. Esse sistema de estilos tem funcionado para os gestores de turismo como norteador para a gestão da oferta dos serviços (Mazanec et al., 1998MAZANEC, Josef A.; ZINS, Andreas H. & DOLNICAR, Sara. Analysing tourist behavior with lifestyle and vacation style typologies, Global Tourist, Oxford: Butterworth-Heinemann, 1998.).

Um novo estudo foi desenvolvido em seis países da Europa por Sureda & Valls (2001)SUREDA, Joan & VALLS, Josep-Francdesc. Ociotipos comparados de los europeus. In: Simposio Internacional de Turismo y Ocio, Barcelona, 2001., sobre óciotipos europeus, envolvendo 4.800 respondentes maiores de 16 anos, com o objetivo de identificar perfis quanto à preferência por atividades de lazer e, mais uma vez, não foi considerada a questão de ser o consumidor portador, ou não, de deficiência.

Construir serviços de turismo especialmente configurados para portadores de deficiência consiste num aspecto imprescindível para satisfazer esses consumidores e reconhecer os seus direitos como cidadãos, uma forma de agir socialmente responsável e uma oportunidade de negócio.

A oportunidade de negócio, porém, não se esgota no atendimento da demanda. Argandona (1998)ARGANDONA, Antonio. The Stakeholder Theory and the Common Good, Journal of Business Ethics, Dordrecht, Jul. 1998. mostra que a imagem da empresa quanto ao exercício da responsabilidade social influencia o comportamento de recompra. Nesse caso, atender ao segmento de portadores de deficiência pode representar uma oportunidade para estimular a fidelização de outros tipos de clientes.

Estruturar atividades de lazer que atendam ao segmento de portadores de deficiência constitui um desafio, mas que, sem dúvida, pode contribuir para a abertura de novas perspectivas de oferta de serviços e para a construção de uma sociedade mais humana.

3 METODOLOGIA

A escolha do método de pesquisa está diretamente relacionada à natureza do problema que se pretende investigar e ao tipo de estudo que se pretende realizar. Para este estudo, optou-se pela pesquisa exploratória, uma vez que a realidade objeto a ser analisada é pouco conhecida, dificultando a elaboração de um problema e de hipóteses de pesquisa que pudessem vir a ser investigados de forma experimental ou descritiva. Esta pesquisa constituiu-se, portanto, numa primeira etapa de estudos a serem desenvolvidos.

Utilizou-se o método qualitativo, coletando-se os dados mediante a aplicação de roteiro semi-estruturado em entrevistas face a face, que, posteriormente, foram tratados por meio da análise de conteúdo, tomando-se como unidades de estudo as proposições submetidas à análise categorial temática, nas quais foram considerados como temas as expectativas, identificadas a partir da menção de aspectos positivos e negativos com relação ao atendimento e oferta de serviços de turismo.

A amostra não-aleatória constitui-se de 12 pessoas portadoras de deficiência física inseridas no mercado de trabalho da cidade de São Paulo, Brasil, que são formadores de opinião, sendo empresários, executivos, professores, artistas, advogados e jornalistas.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 OBJETIVO

O objetivo é identificar as expectativas de pessoas portadoras de deficiência quanto ao atendimento das empresas relacionadas ao turismo, não apenas no que se refere a barreiras arquitetônicas, mas especialmente quanto ao atendimento face a face.

Para identificar as expectativas, solicitou-se aos respondentes que apontassem pontos positivos e negativos na oferta de serviços de turismo.

4.1.1 Pontos positivos

Os principais pontos positivos dizem respeito às companhias aéreas, que oferecem serviços de prioridade, e aos hotéis.

Nota-se na fala dos entrevistados uma diferença quanto ao enfoque no que se refere ao atendimento oferecido pelas empresas aéreas e pelos hotéis. As primeiras vêem o portador de deficiência como deficiente a ser atendido, enquanto os segundos vêem-no como cliente, com o intuito de agradar, para que voltem a consumir o serviço e, portanto, de forma mais respeitosa.

Um aspecto importante a ser ressaltado consiste na cortesia associada à oferta do serviço. Veja-se a fala de um empresário: “Quando a cortesia é associada à oferta de serviço, deve-se estar atento às necessidades físicas de quem está sendo atendido, pela nossa vulnerabilidade, não criando situações de constrangimento”.

Nesse caso, a cortesia adquire uma nuance especial que se refere ao “não criar constrangimento”, não apenas ao agir de forma cortês.

Segundo um dos respondentes, um advogado, a pessoa que presta o serviço faz a efetiva diferença na qualidade da oferta: “Eu acho que, às vezes, pode não haver um serviço tão bom, mas se as pessoas são legais, a gente tolera mais e passa por cima”.

Outro aspecto positivo destacado pelos respondentes refere-se às adaptações arquitetônicas dos sanitários e dos serviços de transporte terrestre.

4.1.2 Aspectos negativos

Os aspectos negativos dizem respeito tanto a barreiras arquitetônicas, quanto a atitudinais, porém observa-se a importância destas últimas na avaliação que os respondentes fazem sobre a qualidade dos serviços.

As barreiras arquitetônicas são percebidas sob três pontos de vista: aquelas que já existem na estrutura arquitetônica e que não podem ser mudadas, pois seriam comprometidos aspectos histórico-culturais, descaracterizando-os; as relativas a características da natureza; e aquelas que existem por falta de consciência da importância da pessoa portadora de deficiência como cliente dos serviços turísticos, ou, ainda pior, por falta de entendimento de que esta pessoa é um cidadão com direitos iguais aos demais.

Essas análises são decorrentes de falas, como a deste professor pesquisador, que ressaltam a compreensão das barreiras arquitetônicas existentes e que não podem ser mudadas: “Eu diria que existem as dificuldades naturais de alguns lugares, como Pompéia, por exemplo. Adoraria visitar, mas é impossível: tem que se abaixar para passar por uns lugares que são estreitos demais”.

Um executivo fala das barreiras naturais: “Vou para a Suíça, por exemplo, e lá no programa tem escalar montanhas e fazer esqui. O Zé Paulo não pode”.

A existência de barreiras arquitetônicas inerentes aos monumentos, ou sítios históricos, e as barreiras naturais despertam os portadores de deficiência para a consciência dos próprios limites, que devem considerar ao escolher programas turísticos, como indica a fala de outro empresário: “A pessoa deficiente também precisa ter noção de seus limites e de até onde vai para poder escolher programas turísticos. Se o passeio tem uma certa caminhada e eu sou capaz de prever o meu limite, fico aqui e espero eles voltarem”.

Sobre as barreiras arquitetônicas existentes e que poderiam não existir, os respondentes indicaram principalmente a inadequação das instalações de hospedagem dos hotéis e a forma de acesso e visita a museus, como se apresenta em algumas falas ilustrativas de um advogado e de um artista entrevistados: “Não há cumprimento da lei de que é necessário ter quartos maiores com banheiros adaptados... É um pouco caso (advogado)”. e “O museu Pompidou, recentemente reformado, não só não tem acesso como não oferece cadeira. Olha, como não existe mesmo planejamento para deficientes (artista)”.

As barreiras atitudinais indicadas pelos respondentes são das mais variadas naturezas.

  • Existem barreiras atitudinais disfarçadas em cumprimentos de normas, como sugere o depoimento de um artista entrevistado:

    “Tive dificuldades para conhecer o palácio de Versailles e não pude conhecê-lo, pois o guarda não permitiu que entrássemos de carro. A entrada é de paralelepípedo. Escorrega demais, mas eles nem ligaram.”

    O respeito à norma, no caso em que este supera o respeito à pessoa com deficiência, permite culpar a norma e eximir-se da responsabilidade da própria ação.

  • Outro tipo de atitude trata-se da ação do ofertor de serviço que não possui deficiência e, entendendo que é capaz de identificar a necessidade do portador de deficiência, quer ajudar, gerando constrangimento. Veja alguns depoimentos de um empresário e de um executivo:

    “Já quiseram me colocar na primeira fileira do avião, na frente, com mais espaço, e tive que discutir, porque no meu caso, como não dobro os joelhos, tenho que colocar as pernas embaixo da cadeira da frente, e ele queria me convencer de que na frente era melhor. E eu dizia que não, que as pernas quem carregava era eu, e eu sabia o que era melhor para mim (empresário).”

    “Entro no avião, a aeromoça me ajuda com a bagagem, sento no corredor para facilitar o acesso ao banheiro, daí ela some com as minhas muletas. Espera aí! Me diz ou me mostra onde vão ficar as muletas; afinal, ela está levando minhas pernas embora. Se querem me proporcionar autonomia, me deixem participar das soluções imediatas do meu caso; sei do que preciso (executivo).”

  • Um outro tipo de atitude identificada diz respeito à estética, conforme menciona um respondente professor universitário: Quando entro no restaurante, se eu não ajeito imediatamente, minhas muletas embaixo da mesa, elas somem. Eu acho que é porque compromete o visual do restaurante”. e “Como eu sou jovem, o que mais me chama a atenção é como as pessoas me olham, querendo saber da minha história. Como um rapaz jovem, bonito e simpático (porque falo pelos cotovelos) tem tal problema?”

  • Um tipo de atitude comentado pelos respondentes diz respeito à pena, ou seja, agir com comiseração em relação ao portador de deficiência, o que acaba por gerar constrangimento para uns, enquanto outros utilizam esse tipo de atitude para receber tratamento melhor, já que não é oferecido espontaneamente.

    Alguns dos depoimentos:

    “As pessoas podem não perceber, mas falam pelo olhar, e o olhar mais comum é de pena (artista).”

    “As pessoas nos olham com cara de curiosidade e cara de pena. É interessante que não dá para ser só profissional, o lado pessoal sempre aparece (advogado).”

    “Também uso algumas vezes a deficiência. Como eu sei que isso desperta a pena, quando não estou com muita paciência para esperar, arrasto mais a perna, peço que me tragam de imediato o transporte para me levar ao avião, já que não agüento ficar muito tempo em pé. Eu abuso porque esse recurso sempre dá certo! (jornalista).”

  • Outra atitude refere-se a perceber a pessoa portadora de deficiência, que leva uma vida normal, como extraordinária, e não como um cidadão comum, conforme indica um professor:Ele é um professor, mora em Higienópolis, um bairro caro de São Paulo, possui carro do ano. Acham extraordinário eu fazer tudo isso. Então, ou somos do grupo do circo, ou somos extraordinários, mas sempre fora do comum.

  • Enquadrar o portador de deficiência no mesmo grupo do idoso, como se ambos tivessem o mesmo tipo de necessidade, foi outra atitude percebida pelos depoimentos dos respondentes:

    “Sabe de uma coisa, eu vejo que existe um treinamento para atendimento ao idoso, e nós, deficientes, entramos juntos. Sempre me sinto ser atendido como se fosse um velho, e só tenho 44 anos (advogado).”

    “Acredito que os idosos recebem paralelamente o atendimento como nós deficientes, ou será vice-versa? (jornalista).”

  • Atitude com relação ao direito dos portadores de deficiência:

    “Não há acolhimento na oferta dos serviços, fica como uma concessão (artista).”

    “Quando estou sendo atendido, me fazem sentir que estou incomodando, tenho que ser mais rápido, como se tivessem outras coisas para fazer (executivo).”

    “Outro dia, estava com a minha namorada num restaurante e tinha uma fila de espera. Pedi ao maítre uma mesa e ele respondeu que a espera era de uma hora. Eu disse a ele que era deficiente e que tinha prioridade. Sabe o que ele me respondeu? Vamos dar um jeito. Olha só!... A solução é dar um jeito, e não um direito! (professor).”

    “Os serviços nos aeroportos estão no limite mínimo de atendimento. Isto é: dão lá uma cadeira, transportam você até o avião e pronto... Não dá para acreditar que realmente estejam preocupados em atender, quer dizer, não tem acolhimento. É dado como se fosse uma refeição e perguntam: ‘Quer água, ou refrigerante?’, ou seja, aquela automatização... (executivo).”

    “Me oferecem um serviço padrao. Nao escutam a minha necessidade.

    Não conseguem ver o outro (advogado).”

Resumindo, pode-se dizer que as barreiras arquitetônicas e atitudinais identificadas caracterizam-se como:

  • Respeitar a norma acima do respeito pela pessoa deficiente.

  • Respeitar a estética acima do respeito pelo portador de deficiência.

  • Tratar o portador de deficiência com pena.

  • Considerar o tratamento ao idoso como extensível ao portador de deficiência.

  • Prestar o serviço como uma concessão e não como direito.

  • Ver a pessoa portadora de deficiência que tem sucesso profissional e econômico como alguém extraordinário.

4.2 IDENTIFICAR EXPECTATIVAS QUANTO À COMPOSIÇÃO DE PACOTES TURÍSTICOS, EM ESPECIAL SE POSSUEM ALGUMA ESPECIFICIDADE PRÓPRIA PARA ESTE PÚBLICO-ALVO

Para atender a esse objetivo, coletaram-se dados buscando conhecer as sugestões que os respondentes tinham a oferecer para que os serviços turísticos atendessem às suas expectativas.

Uma primeira sugestão diz respeito à necessidade de mudança de postura das pessoas que oferecem o serviço e que se comportam, de forma geral, como se não percebessem o portador de deficiência como uma pessoa, um cliente a ser atendido de forma personalizada em suas necessidades. É preciso que as pessoas sejam preparadas para entender o portador de deficiência como um cliente e saber atendê-lo sem criar constrangimentos. Para ilustrar, apresentamos alguns depoimentos:

“As pessoas são pouco preparadas para lidar com os deficientes. Elas se sentem constrangidas. Assim como para algumas pessoas é constrangedor a própria deficiência (advogado).”

“Até pode haver um bom serviço sendo oferecido, mas se a pessoa que está ali lidando com a oferta, vamos assim dizer, não for empática, o serviço pode ser o melhor do mundo que não vai agradar (executivo).”

“No treinamento, abrir um espaço para que as pessoas possam colocar o que pensam sobre deficiência e rever sua atitude, para saber lidar melhor com o serviço a ser oferecido (professor).”

“É importante não criar constrangimento: solicitar permissão para tocar, antecipar a movimentação a ser feita (empresário).”

Uma segunda sugestão diz respeito à necessidade de as empresas assumirem para si toda a execução dos serviços e não transferir a responsabilidade para os acompanhantes, conforme revelam depoimentos como: “Quando estava acompanhado, senti que a responsabilidade do transportar foi passada para quem me acompanhava (professor)” e “Percebo que recebo maior atenção quando viajo sozinho (executivo)”.

Um terceiro grupo de sugestões diz respeito às condições físicas dos equipamentos de turismo, tais como aviões e maior número de pessoas dedicadas ao atendimento específico nos aeroportos: “Aviões adaptados para grupos de pessoas portadoras de deficiência, com menor número de assentos e maior espaço, podendo ser utilizado também por grupo de idosos e escolas com crianças ou adolescentes deficientes (advogado)” e “Maior número de pessoas para atendimento dos serviços oferecidos nos aeroportos (jornalista)”.

Um quarto grupo de sugestões refere-se à estrutura de pacotes de turismo e forma de comercialização:

  • Programas organizados de acordo com o tipo de deficiência: “Oferta de programas apenas para grupos de deficientes, com especificações de deficiência próxima [...] Programas com ritmos diferenciados (executivo)”.

  • Programas organizados para portadores de deficiência em conjunto com não-deficientes. “Oferta de programas com passeios alternativos para pessoas portadoras de deficiência em grupos de pessoas normais (artista)”e “Conhecimento detalhado dos programas oferecidos, contendo possíveis dificuldades de acesso nos passeios, dando a possibilidade de a pessoa com deficiência entrar em contato com seus próprios limites, aproveitando a convivência com as pessoas normais (professor)”.

  • Comercialização de pacotes tratando o portador de deficiência como cliente:

    “Preocupação com os critérios para formulação dos folders da companhia de turismo, critérios de negócios, não de comiseração ou bondade da oferta dos serviços (empresário).”

    “Constar nos guias turísticos os lugares que apresentam adaptação para pessoas com deficiência, como: hotéis, restaurantes, teatros, cinemas, museus, locais históricos e até mesmo tipos de serviços específicos oferecidos nos aeroportos (advogado).”

    “Fazemos parte do capital turístico (jornalista).”

  • Troca de experiências entre as empresas de turismo de diversos países: “Troca de informações culturais entre as companhias de turismo, dos diversos países que oferecem tal serviço, possibilitando, assim, crescimento mútuo e universalidade do direito e respeito ao cidadão deficiente quanto ao lazer (empresário).”

Um quinto e último grupo de sugestões faz referência a aspectos de gestão de pessoas nas organizações de turismo:

  • Contratação de pessoas portadoras de deficiência para trabalhar na oferta de serviços:

    “Estariam mais atentos às especificidades requeridas por pessoas com deficiência para usufruir dos programas propostos (professor).”

    “Possibilita o direito ao trabalho (responsabilidade social) (advogado).”

    “Possibilita a empresa trabalhar com a diversidade (artista).”

    “Aperfeiçoamento progressivo dos serviços oferecidos (executivo).”

    “Melhora a imagem da empresa (empresário).”

• Contratação de assessoria especializada para treinamento de funcionários: “Contratação de assessoria especializada, na área da deficiência, para treinamento do pessoal e análise dos programas oferecidos (executivo).”

5 CONCLUSÃO

Os resultados da pesquisa evidenciaram que os consumidores de serviços de turismo portadores de deficiência pesquisados, de forma geral, consideram que as suas expectativas não são atendidas, principalmente em decorrência das atitudes das pessoas que os atendem, traduzidas em comportamento preconceituoso, reafirmando, como indica Omote (1994)OMOTE, Sadao. Deficiência e não deficiência: recortes do mesmo tecido, Revista Brasileira de Educação Especial, 1 (2), 65-73, 1994., ser a deficiência uma construção social e não apenas um conjunto de características físicas.

Essas atitudes, às vezes, aparecem disfarçadas em forma de cumprimento de normas ou se expressam de diversas maneiras, todas elas não reconhecendo o consumo como um direito do portador de deficiência. Os serviços são oferecidos mais como uma concessão, motivada pela pena, e não propriamente com objetivos direcionados de prestação dos serviços.

Os portadores de deficiência participantes da pesquisa não se percebem reconhecidos como um segmento com identidade própria e que necessita e deseja receber serviços desenhados numa configuração adequada. Sentem-se, por vezes, confundidos com o público de idosos, como se o atendimento especializado a um servisse para o outro. Além disso, percebem que os serviços são oferecidos por pessoas não-deficientes que não conseguem entender as suas necessidades, embora se comportem como sendo capazes de conhecê-las e de atendê-las. Essas percepções indicam que os responsáveis pela oferta dos serviços de turismo pecam em tentar oferecer serviços de qualidade e não procurarem entender as expectativas dos clientes do ponto de vista deles, conforme sugere Parasuraman (1985), resultando na perda de oportunidade de negócios.

Os respondentes esperam que as empresas e as pessoas que prestam os serviços os percebam como clientes e que elaborem pacotes de turismo especialmente desenhados, ou que especifiquem, na divulgação, as condições existentes que favorecem a sua participação.

Para promover a melhoria da oferta de serviços de turismo para portadores de deficiência, reconhecendo o seu direito a consumir produtos desenhados especialmente para eles, torna-se necessário uma prática adequada de gestão de pessoas, uma vez que, segundo os respondentes, são as pessoas que executam os serviços, o que faz a principal diferença na qualidade dos serviços prestados. Inseridos nessa prática devem estar programas de treinamento que visem conscientizar os profissionais de turismo das razões que os levam a ter dificuldades para lidar com portadores de deficiência e que os capacitem para ofertar-lhes tais serviços.

Atendendo aos objetivos de uma pesquisa exploratória, levanta-se como hipótese, para novas pesquisas, que as atitudes dos não-portadores de deficiências responsáveis pela oferta de serviços para não-deficientes estão associadas aos comportamentos por aqueles emitidos durante o processo da oferta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2001
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