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MODELAGEM DE ASPECTOS QUALITATIVOS DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

MODELLING QUALITATIVE ISSUES IN THE NEGOTIATION PROCESS

RESUMO

A obtenção do consenso em uma negociação é um problema complexo que envolve vários agentes, critérios, interesses e pontos de vista conflitantes. Ferramentas que tratem imprecisões e/ou indiscernibilidades e sistemas de apoio à decisão e/ou negociação podem e devem ser utilizados para facilitar a obtenção de um consenso. Este artigo mostra como usar as teorias dos conjuntos aproximativos, a teoria da utilidade multiatributo, a teoria dos jogos, bem como a teoria dos conjuntos nebulosos em um processo de negociação.

PALAVRAS-CHAVE
Negociação e análise de conflitos; Teoria dos conjuntos aproximativos; Apoio multicritério à decisão

ABSTRACT

Trying to reach a consensus in a negotiation process can be a very complex problem involving multiple agents, conflicting points of view and criteria, pressure groups, etc. In this context imprecision and risk are quite often present. Tools for imprecision analysis and group decision aiding can be thus utilized in order to facilitate achieving a compromise. This article shows how fuzzy and rough sets, multiattribute utility theory, and prospect theory can be used in the analytical modeling embedded in negotiation support systems.

KEYWORDS
Negotiation and Conflict Analysis; Rough Sets; Multicriteria Decision Aiding

1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

Um processo de negociação freqüentemente tem sua complexidade advinda do fato de ser dinâmico e mal-estruturado, com múltiplos participantes, opiniões divergentes, grupos de pressão etc. Além disso, muitas vezes os dados são imprecisos e os riscos não podem ser estimados adequadamente (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.).

Segundo Moreira (1998)MOREIRA, A. M. Os sistemas de apoio à decisão em grupo e os modelos multicritério: uma nova proposição de interação nas decisões em um ambiente globalizado. 1998. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1998., a negociação pode ser definida como o processo no qual a decisão mútua é feita com a concordância das partes envolvidas.

Conforme Gomes et al. (1998)______;______;______. Modelos analíticos para negociação. Revista Pesquisa Naval, Rio de Janeiro, v.11, p. 151-157, 1998., na negociação existem fatores (interesses) políticos e/ou econômicos e não apenas técnicos que participam do processo, e esses fatores podem dificultar e até impedir a chegada ao consenso.

Nas negociações em que há múltiplas questões envolvidas (MATSATSINIS e SAMARAS, 2001MATSATSINIS, N. F.; SAMARAS, A. P. MCDA and preferences disaggregation in group decision support systems. European Journal of Operational Research, n. 130, p. 414-429, 2001.):

  • os problemas são de difícil modelagem, principalmente no que se refere aos impactos sociais;

  • é difícil satisfazer todas as necessidades e as restrições (simultaneamente);

  • é necessário maximizar objetivos conflitantes;

  • existem vários critérios conflitantes;

  • metodologias diferentes geram ordenações diferentes.

Para (HIPEL et al., 1984HIPEL, K. W.; FRASER, N. M. Conflict analysis models and resolutions. New York: North-Holland, 1984. (Series in System and Engineering, v. 11).):

  • negociação é uma seqüência de movimentos com que os adversários buscam um consenso (se possível favorável para as partes). Uma negociação pode ser acomodativa ou coerciva. No primeiro tipo, os movimentos são cooperativos e envolvem ajustes em direção a um compromisso; no segundo, o movimento é agressivo e abrange um aumento em escala dos conflitos.

  • conflito é uma condição de oposição, em que as metas e as atitudes afetam o outro (normalmente a maximização das metas de um lado impedem a maximização das metas do outro);

  • coalizão ocorre quando um grupo de jogadores escolhe agir de forma conjunta para benefício de todos.

Admitimos que decisões em grupo de naturezas empresariais, governamentais, trabalhistas, bem como negociações internacionais ou militares, são tomadas, normalmente, em ambientes complexos e, por conseguinte, os estudos científicos da análise de conflitos (GOMES, 1991GOMES, L. F. A. M. Conflito e negociação no planejamento participativo: uma formulação de análise de decisões com múltiplos critérios. Revista Investigation Operativa, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 111-119, dez. 1991.) e da facilitação da chegada ao consenso são altamente relevantes do ponto de vista prático.

O termo conflito utilizado neste artigo está de acordo com a definição de Hipel et al. (1984)HIPEL, K. W.; FRASER, N. M. Conflict analysis models and resolutions. New York: North-Holland, 1984. (Series in System and Engineering, v. 11)., ou seja, é qualquer interferência de um lado nas atividades do outro. As metas e as ambições de um lado interferem nas metas e ambições do outro (os “lados” são definidos na teoria dos jogos como jogadores; esse conceito é ampliado neste artigo na seção 4).

Atualmente um engenheiro de produção tem a seu dispor vasta gama de conceitos e procedimentos (ferramentas, técnicas, algoritmos e metodologias) da pesquisa operacional (PO) e da engenharia de sistemas, que podem ser úteis no suporte à negociação e, sob esse aspecto, deve-se destacar o desenvolvimento dos denominados sistemas de suporte à negociação (SSN), tanto na vertente informática como na analítico-matemática (GOMES et al., 1997GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; MOREIRA, A. M. M. Modelos analíticos para a negociação. In: Anais do XXIX Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Salvador, 1997. v. 1, p. 161.).

Lembramos que o nível de conflitos é um dos fatores que permite avaliar se será usado um sistema de apoio à decisão em grupo ou um sistema de apoio à decisão negociada.

Por outro lado, todo sistema computadorizado de suporte à negociação tem, ou deveria ter, embutido nele um modelo matemático orientado para tomada de decisão, bem como a busca do consenso, que, nesse caso específico, é a decisão em grupo e a negociação. Assim sendo, pode-se conceituar o estudo sistemático de processos de negociação e resolução de conflitos como uma subdivisão do apoio multicritério à decisão (AMD), uma vez que tal processo gera uma decisão, naturalmente multicritério, em grupo (GOMES, 1991GOMES, L. F. A. M. Conflito e negociação no planejamento participativo: uma formulação de análise de decisões com múltiplos critérios. Revista Investigation Operativa, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 111-119, dez. 1991.). Portanto, SSN são sistemas de apoio à decisão negociada (SADN), sendo que a decisão resultante do processo pode ou não ser acordada pelas partes. Eventualmente, mais de uma decisão pode resultar do processo de negociação, o qual não conduz obrigatoriamente a um consenso nem a uma relação de dominância ou fronteira Pareto-ótima (JELASSI et al., 1990JELASSI, T.; KERSTEN, G.; ZIONTS, S. An introduction to group decision and negotiation support. In: BANA e COSTA, C. A. (Ed.); Readings in multiple criteria decision aid. Berlin: Springer-Verlag, 1990. p. 537-568.).

Os critérios locais de negociação, por sua vez, podem ou não ser passíveis de ser negociados, dentro de uma margem de tolerância. Ao longo do processo, o acordo entre as partes pode simplesmente indicar o final do processo, do qual a negociação tanto pode ser ganha-ganha, como ganha-perde - no caso mais simples, mas nem por isso menos ilustrativo, de haver apenas dois negociadores (GOMES et al., 1998______;______;______. Modelos analíticos para negociação. Revista Pesquisa Naval, Rio de Janeiro, v.11, p. 151-157, 1998.).

Assim sendo, diante de toda essa eventual complexidade, os SSN ou SADN praticamente podem lançar mão de técnicas analíticas de tratamento da informação imprecisa combinados com métodos do AMD. Essas técnicas e métodos, no entanto, só muito ingenuamente poderiam ser utilizados externamente pelos negociadores.

Espera-se, por conseguinte, que cada negociador tenha acesso a uma base de conhecimento que inclui pelo menos um método analítico. Partindo-se dessa constatação, procura-se mostrar, neste artigo, como a teoria dos conjuntos aproximativos - TCA - (SLOWINSKI et al., 1995_____;_____;Rough set approach to multi-attribute choice and ranking problems. ICS Research Report 38, 1995., 1996SLOWINSKI, R.; SALVATORE, G.; BENEDETTO M. Rough approximation of a preference relation by dominance relations. ICS Research Report 16, 1996.), a teoria da utilidade multiatributo (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.) e a teoria dos jogos (VON NEUMAN e MORGENSTERN, 1953VON NEUMAN, J.; MORGENSTERN, O. Theory of games and economic behavior. 3. ed. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1953.), bem como a teoria dos conjuntos nebulosos (KAUFMANN, 1975KAUFMANN, A. Theory of fuzzy subsets. Fundamental theoretical elements. Academic Press INC., 1975. v. 1.) e a teoria das expectativas (GOMES e GOMES, 1999_____;Uma aplicação de conjuntos aproximativos ao apoio multicritério à negociação. Revista Pesquisa Naval, Rio de Janeiro, v. 12, p. 263-270, 1999.; GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.), podem vir a ser empregadas na modelagem analítica para apoio à negociação.

O processo de negociação, entre centros e/ou atores de negociação (pessoas, países, sindicatos etc.), obedece a três princípios básicos (MATSATSINIS e SAMARAS, 2001MATSATSINIS, N. F.; SAMARAS, A. P. MCDA and preferences disaggregation in group decision support systems. European Journal of Operational Research, n. 130, p. 414-429, 2001.):

  • definição prévia de uma estratégia - feita antes de iniciar a negociação;

  • utilização de táticas para negociação (busca da solução do problema) - executada durante a negociação;

  • organização do procedimento de sobrevivência (estratégico e tático) - como proceder caso não se obtenham os resultados favoráveis.

Para (HIPEL et al., 1984HIPEL, K. W.; FRASER, N. M. Conflict analysis models and resolutions. New York: North-Holland, 1984. (Series in System and Engineering, v. 11).), uma estratégia de negociação só é possível quando um negociador possui bastante tempo para verificar todas as possibilidades. A tática de negociação é feita sem grande oportunidade de tempo de análise; é executada durante as negociações face a face e síncronas.

Durante a negociação, Matsatsinis e Samaras (2001)MATSATSINIS, N. F.; SAMARAS, A. P. MCDA and preferences disaggregation in group decision support systems. European Journal of Operational Research, n. 130, p. 414-429, 2001. vislumbram duas grandes etapas:

  • etapa 1 - cada grupo coloca suas propostas (soluções para o problema) para negociação. Esse é o estágio de aprendizagem (verifica-se como cada grupo entende o problema e quais são as preferências de cada grupo);

  • etapa 2 - surgimento de novas propostas, fruto da aprendizagem, normalmente advindas da discussão ocorrida em cima das propostas da primeira etapa.

Na evolução da etapa 1 para 2, pode ocorrer:

  • identificação de novas metas;

  • substituição de metas;

  • introdução de novos critérios e/ou alternativas (neste artigo o termo alternativa tem o sentido de uma opção viável para solução de um problema);

  • eliminação de critérios e/ou alternativas;

  • mudança dos pesos (importância) atribuídos aos critérios.

2 METODOLOGIA

Ao longo de um processo típico de negociação, alternativas e critérios (quantidade) evoluem, bem como também evolui a importância atribuída aos critérios e, em conseqüência, de uma alternativa. Captar tal evolução de forma online acarreta saber resolver as múltiplas imprecisões eventualmente causadas por hesitações ou dúvidas, associadas aos cenários que vão se desvendando durante o processo (MOREIRA e GOMES, 1995MOREIRA, A. M.; GOMES, L. F. A. M. O processo de negociação: metáfora e realidade. In: Anais do XXVII Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Vitória, 1995.).

Em um processo de negociação existem em paralelo as alternativas consensualmente consideradas claramente factíveis ou, de modo exclusivo, claramente consideradas não-factíveis. Há três categorias de ações que devem ainda ser contempladas, para qualquer negociador:

  • a) alternativas inicialmente consideradas factíveis e posteriormente consideradas não-factíveis;

  • b) alternativas inicialmente consideradas não-factíveis e posteriormente consideradas factíveis.

  • c) alternativas que surgem durante o processo de negociação, seja pela evolução do processo, seja pela evolução do meio ambiente ou pela entrada de novos atores no processo. Esses novos atores podem ser centros de decisão (por exemplo, países que aderem a uma negociação, sindicatos que decidem participar de um processo já iniciado, ou a própria troca do representante de uma delegação). Salienta-se, também para exemplificar, que a troca de governo em um país pode causar a mudança da posição desse país em uma negociação.

Esses três conjuntos de alternativas contêm indiscernibilidades. Para tal, sugere-se uma abordagem pela TCA (GOMES e GOMES, 1996GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M. Aplicação da teoria dos conjuntos aproximativos à modelagem analítica de apoio à negociação. In: Anais do VIII CLAIO - Latin-Iberian-American Congress on Operations Research and Systems Engineering e XXVIII Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Rio de Janeiro, 1996. v. 2, p. 866-871.; ZARAS, 2004ZARAS, K. Rough approximation of a preference relation by a multi-attribute dominance for deterministic, stochastic and fuzzy decision problems. European Journal of OR, v. 159, Issue 1, 16 november 2004, pages 196-206, 2004.). Além disso, podem ocorrer divergências entre negociadores, o que nos leva às seguintes principais indiscernibilidades no processo:

  • a) conjuntos de alternativas podem ser indiscerníveis para particular grupo de negociadores;

  • b) conjunto de alternativas podem ser indiscerníveis para todos os negociadores;

  • c) conjunto de alternativas tornam-se indiscerníveis, pois seus graus de factibilidade evoluem ao longo do processo; ou

  • d) as importâncias relativas atribuídas aos critérios de negociação em si podem ser indiscerníveis, seja:

    • i) por dificuldade de atribuir peso (importância relativa) a um critério ou grupo de critérios; seja

    • ii) pela importância relativa de os critérios evoluírem ao longo do processo de negociação.

2.1 NEGOCIAÇÃO INTERNACIONAL

Uma negociação internacional que ao final gere, por exemplo, uma convenção aceita pelos países participantes não necessariamente acarreta que ela entrará em vigor, pois:

  • a) normalmente para homologação de uma convenção existem negociações ditas “técnicas” que antecedem a uma reunião diplomática (em que os embaixadores homologam a convenção). Existe a necessidade de um número predeterminado, normalmente de dois terços dos presentes, ou dois terços dos países filiados à organização, aprovar o texto para a homologação diplomática. A alteração do quórum de países, seja pela ausência de um país, seja pela presença de outro na homologação diplomática, pode mudar esse valor de dois terços, que anteriormente tinham aprovado a convenção;

  • b) entre uma reunião e outra, um país pode mudar sua posição;

  • c) após a homologação diplomática existe a assinatura, porém, por vezes, a assinatura só é possível após a aprovação do legislativo do país, no caso do Brasil, o Senado Federal, que, por algum motivo, pode não aceitar e/ou atrasar a autorização (e a conseqüente homologação) e, assim sendo, o documento pode ter de esperar alguns anos para ter as assinaturas mínimas para entrar em vigor. Caso esse período se estenda, algum país pode pedir revisão da convenção, motivado “por mudanças no cenário mundial, ou evoluções tecnológicas” ou outro motivo, e assim reiniciar o processo.

Por vezes vários processos de negociação ocorrem paralelos, em fóruns diferentes, até em diversos países, e a mudança de posição de um negociador, e/ou a flexibilidade desse negociador mudar sua posição ou chegar a um acordo, pode ser fruto de uma atitude semelhante do outro negociador em um outro processo de negociação. Por exemplo, a negociação do país A com o país B para a compra por parte de A de aviões de guerra em que o país B é um dos cinco possíveis fornecedores pode ocorrer simultaneamente com a concorrência internacional de uma grande empresa de aviação comercial do país B, em que o país A dispõe de uma empresa que fabrica aviões comerciais, e é um dos possíveis fornecedores. Logo a vitória de B na concorrência de A pode ser negociada com a vitória de A na concorrência de B.

A decisão em grupo e a negociação, freqüentemente, podem usar as mesmas ferramentas para apoiar o processo, porém isso não caracteriza que sejam sinônimos. Um exemplo diferenciador clássico é que a decisão em grupo permite o uso da votação para sair de um impasse, fato esse que não é aceito na negociação. O nível de conflitos será um dos fatores que permitirá avaliar se será usado um sistema de apoio à decisão em grupo ou um sistema de apoio à decisão negociada.

Salienta-se que uma delegação que vai para uma negociação pode ter internamente pontos divergentes e conflitantes. Exemplifica-se o caso de uma negociação internacional para normas portuárias na qual um país que envia em sua delegação um membro do Ministério do Meio Ambiente e um membro do Ministério do Transporte. Esses podem ter opiniões diferentes sobre os gastos com proteção ambiental no porto. Diante disso, a própria posição de uma delegação já é fruto de uma negociação.

O processo de negociação entre centros de negociação (pessoas, países, sindicatos etc.) obedece a três princípios básicos (MATSATSINIS e SAMARAS, 2001MATSATSINIS, N. F.; SAMARAS, A. P. MCDA and preferences disaggregation in group decision support systems. European Journal of Operational Research, n. 130, p. 414-429, 2001.):

  • utilização de táticas para negociação (busca da solução do problema);

  • definição prévia de uma estratégia;

  • organizar o procedimento de sobrevivência (estratégico e tático) - como proceder caso não se obtenham os resultados favoráveis.

2.2 TCA

A TCA foi proposta em 1982 por Zadislaw Pawlak (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.). Como teoria científica, trata da questão da granulosidade da representação de um problema. Essa granulosidade causa indiscernibilidade, que, por sua vez, impede a revelação de estruturas ou padrões de classificação, com base em dados que refletem uma experiência. A TCA, em essência, constitui um instrumental para transformar um conjunto de dados em conhecimento. Por esse motivo, é uma análise para representação de conhecimento.

Essa teoria caracteriza-se por um conjunto de elementos que não pode ser precisamente definido por seus atributos. A relação de indiscernibilidade constitui a base matemática da TCA, que é a primeira metodologia não-estatística para análises de dados. Essa metodologia tem como vantagem, em relação à probabilidade estatística, o fato de não necessitar de um banco preliminar de dados.

A TCA baseia-se principalmente na idéia de indiscernibilidade entre dois objetos. Essa relação de indiscernibilidade pode ser entendida como binária, à medida que dois objetos possuem a mesma descrição, porém com atributos diferentes.

A teoria dos conjuntos aproximativos pode ser utilizada na modelagem analítica embutida em um SSN nas seguintes etapas de tal modelagem:

  • (a) definição de uma função F(x,y), denominada “função negociação”, no caso em que há somente dois agentes de negociação; no caso mais geral, essa função poderá ter n argumentos (ou negociadores), sendo n um número inteiro, positivo e maior ou igual a dois;

  • (b) construção de C = conjunto de critérios; esse conjunto será a união dos critérios cx, próprios do negociador x, e cy, próprios do negociador y. A função F só é definida se C ≠ ∅;

  • (c) geração de W = conjunto dos pesos dos critérios cx e cy, sendo assim, W = {wx, wy);

  • (d) identificação do peso do negociador (ou delegação) {X,Y} ou o peso do grupo que o negociador representa.

Esse fator denominado “peso do negociador” (representação do país) tem grande relevância em fóruns internacionais e é, basicamente, produto dos seguintes fatores:

  • a) capacidade de a delegação se expressar na língua da negociação, pois nem sempre existe tradução simultânea;

  • b) credibilidade do país, que é fruto do somatório de seu poder econômico, diplomático, político e militar. Por vezes uma forte preponderância em um desses poderes (especialmente o militar ou o econômico) pode fazer uma delegação ignorar um acordo ou até as normas de condução de uma negociação; por exemplo, o que se vê no mundo atual, em que a única superpotência militar tem um “peso” que lhe permite ignorar decisões da ONU e/ou impor-se-lhe. Situações como essa podem, no médio prazo, criar um descrédito nos fóruns internacionais, o que poderá levar inclusive à sua dissolução, como aconteceu com a Liga das Nações em 1946, uma vez que essa organização não conseguira evitar as agressões que antecederam e geraram a Segunda Guerra Mundial. A oposição a um país com peso do negociador extremamente alto está em uma opinião pública internacional que possa desmotivá-lo de uma atitude hegemônica, demonstrando ojeriza a esse comportamento e podendo culminar com boicotes a seus produtos, que gerem um impacto econômico que force a opinião pública do país a fazer seu governo rever suas posições;

  • c) credibilidade dos membros da delegação, fruto dos conhecimentos específicos sobre o assunto que está sendo negociado. Por exemplo, quando se discutem normas de navegação, uma delegação com diplomatas, engenheiros navais, oficiais de Marinha Mercante, oficiais de Marinha de Guerra etc. têm mais força que uma delegação composta unicamente por diplomatas. A apresentação de artigos e/ou documentação técnica baseada em pesquisas feitas pelos membros da delegação, e/ou retirada de periódicos ou livros, é uma forma de aumentar a credibilidade das propostas apresentadas. A contestação de uma proposta contrária aos interesses de um grupo pode ser facilitada apresentando-se documentação que questione a posição do outro grupo ou, pelo menos, apresente uma “outra visão” que lhe seja favorável, demonstrando que a “comunidade científica” está dividida, e a posição contrária aos interesses de uma das partes não é a única;

  • d) quantidade de membros na delegação, pois freqüentemente coexistem em uma negociação fóruns paralelos e torna-se necessário fazer-se presente em todos. A existência de uma delegação com múltiplos conhecimentos, como descrita no exemplo de c), facilita-lhe a emissão de opiniões ou a discussão de um tema sobre várias óticas;

  • e) quantidade de votos que a delegação possui. Por exemplo, quando a União Européia “fecha” questão em uma negociação, sempre haverá tantos votos quantos forem os membros da União Européia (países). Outra situação ilustrativa ocorre quando a Rainha do Reino Unido, que também é Chefe de Estado de vários países, solicita-lhes o apoio a uma causa de interesse do Reino Unido.

Ao iniciarmos um processo de negociação, poderá acontecer que os negociadores x e y identifiquem um mesmo conjunto de critérios, cx, cy ∈ C, para negociação, porém atribuam-lhes pesos, wx, wy e W, (importância) diferentes.

Nesse caso, cx poderá ser igual a cy, porém wx a wy; ou poderá ocorrer que os negociadores x e y identifiquem critérios diferentes, nesse caso, cx a cy e um decisor poderá convidar o outro a atribuir pesos aos critérios, após a definição do conjunto de critérios a ser utilizado.

A situação ideal ocorreria quando os decisores atribuíssem os mesmos pesos ao conjunto de critérios identificados.

A identificação de uma função L(x,y) ou, o que é equivalente, de L(F(x,y), A), sendo A o conjunto de objetos factíveis da negociação (ou ações potenciais factíveis ou alternativas de negociação); uma vez que se pretende maximizar L, com a TCA, pelo índice de indiscernibilidade, possibilitará o desenvolvimento de algoritmos maximizadores.

O conjunto A tem em sua definição os seguintes pontos (HALPERN e CHU, 2001HALPERN, J.; C.H.U., Francis. On the Np completeness of finding a optimal strategy in games with common payoffs. Game Theory Journal, p. 99-106, 2001.):

  • conjunto S no qual si e S; si representa cada cenário, ou possível cenário futuro, que o negociador vislumbra, em que cada si possui associada a essa uma probabilidade (pri) atribuída pelo negociador (KAUFMANN, 1975KAUFMANN, A. Theory of fuzzy subsets. Fundamental theoretical elements. Academic Press INC., 1975. v. 1.).

  • conjunto O no qual oj e O; oj representa as observações do negociador.

A expressão da F(cx, cy, wx, wy) assumirá valores de 0 a 1, uma vez normalizada - neste caso 0 significa conflito total, ao passo que 1 significa consenso total. Com isso, associa-se a F(x,y) ao conceito de índice de indiscernibilidade da TCA. O peso do negociador influenciará sobremaneira a atribuição dos valores 0 a 1 em F(x,y).

Para a negociação progredir, é necessário verificar:

  • como um grupo aceita ou não as posições do outro grupo que são contrárias a suas posições - explorar as perspectivas de cada parte (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.);

  • quais são os pontos de interesse comum e quais são os pontos de divergência - iniciar a negociação pelo exame dos interesses, e não pelas posições divergentes, e buscar compreender os conflitos (GOMES et al., 1996GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M. Aplicação da teoria dos conjuntos aproximativos à modelagem analítica de apoio à negociação. In: Anais do VIII CLAIO - Latin-Iberian-American Congress on Operations Research and Systems Engineering e XXVIII Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Rio de Janeiro, 1996. v. 2, p. 866-871.);

  • se é possível encorajar os pontos de cooperação para reduzir a competição - gerar muitas opções e não descartar qualquer delas prematuramente (GOMES et al., 1997GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; MOREIRA, A. M. M. Modelos analíticos para a negociação. In: Anais do XXIX Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Salvador, 1997. v. 1, p. 161.);

  • se a introdução de novas regras e/ou grupos de negociadores impacta positivamente ou negativamente no processo de negociação (neste caso com a visão ganha-ganha), deve-se pensar em como a introdução dessas regras e participantes faz progredir a negociação melhorando a “nossa posição”.

Se é possível fazer coalizões (como foi exemplificado anteriormente com a União Européia etc.), elas podem ser formadas por interesses comuns, por exemplo, para países subdesenvolvidos quebrarem patentes de remédios para fabricação nacional e assim melhorarem o padrão de vida da população.

3 EXEMPLONUMÉRICO

Passa-se agora a mostrar como as indiscernibilidades existentes em um processo de negociação podem ser resolvidas pela TCA. Como exemplo, considerase o sistema de informação (Tabela 1), disponível em dado momento do processo de negociação, a seguir representado. Em tal sistema, o atributo de decisão pode assumir alternativamente os valores F (factível) e NF (não-factível), tendo-se seis ações (ai, a2, ..., a6), que são os objetos de negociação, seis atributos de condição e os critérios de negociação (c1, c2, ..., c6).

TABELA 1
ALTERNATIVAS CLASSIFICADAS NOS CRITÉRIOS

A aproximação inferior (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.; SLOWINSKI et al., 1996SLOWINSKI, R.; SALVATORE, G.; BENEDETTO M. Rough approximation of a preference relation by dominance relations. ICS Research Report 16, 1996.) é uma região em que positivamente sabemos que os elementos pertencem ao conjunto em análise. A aproximação superior (SLOWINSKI et al., 1995_____;_____;Rough set approach to multi-attribute choice and ranking problems. ICS Research Report 38, 1995.) corresponde ao máximo de objetos que podem pertencer ao conjunto em análise.

Pela aproximação inferior tem-se P̲YF[ai, a2], P̲YNF [a}, a.4]. Pela aproximação superior, por sua vez, tem-se PYF [ai, a2, a5, a6], P̲YNF [a}, a4, a5, a6]. Vê-se, assim, que tanto F como NF têm 50% de indiscernibilidade.

Por intermédio de ai, a2, a} e a4, obtém-se as seguintes regras:

  • Regra i - se ci >4 e c} >5, a alternativa é considerada F;

  • Regra 2 - se ci <3, é considerada NF.

Poder-se-ia fazer uma simplificação nesse exemplo, colocando apenas “Regra: ci >4 e c} >5, a alternativa é considerada F, caso contrário NF”, mas para melhor entendimento da metodologia, mantiveram-se as duas regras.

Aplicando-se essas regras às alternativas a5 e a6, verifica-se que a5 atende a Regra i em ci, mas não atende a Regra i para c}, por conseguinte, é considerada NF. Por outro lado, a6 atende a Regra i para c}, mas não atende a Regra i em ci, e a6 enquadra-se na Regra 2, logo a6 também é considerada NF.

Essa análise, portanto, indica que a indiscernibilidade é removível e que os critérios c2, c4, c5 e c6 (Tabela 2) não são relevantes para a negociação. Uma análise idêntica a essa pode ser efetuada para outras situações usualmente encontradas em processos de negociação. O novo sistema de informação (Tabela 2) será:

TABELA 2
ALTERNATIVAS CLASSIFICADAS NOS CRITÉRIOS RELEVANTES

Assim, chega-se à regra única: se ci ≥4 e c} ≥5, a alternativa é considerada F, caso contrário é considerada NF.

Salienta-se que nesse exemplo o peso do negociador, descrito na seção 2, já influenciou a atribuição de F ou NF.

A TCA permitiu verificar que, neste exemplo, somente dois critérios (ci e c}) foram considerados relevantes para classificar as alternativas como F ou NF.

4 TEORIADA UTILIDADE MULTI ATRIBUTO, TEORIA DOS CONJUNTOS NEBULOSOS E TEORIA DOS JOGOS

4.1 TEORIA DA UTILIDADE MULTIATRIBUTO

A teoria da utilidade multiatributo surgiu como derivação natural da teoria da utilidade. A noção de utilidade foi descrita por Daniel Benoulli em 1738 como a unidade para medir preferências (o autor associou noções como: quanto gostamos mais de um bem do que de outro; quanto mais temos de algo, menos estamos dispostos a pagar mais). Depois, Jeremy Bentham, em obra publicada em 1789, tratou dessa noção. Ele destacou que a humanidade estaria sob o governo de dois senhores: a dor e o prazer. Associou à noção de utilidade “propriedade em qualquer objeto, pela qual ele tende a produzir benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade” (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.).

Uma vez maximizada a função negociação, descrita na seção 2, o decisor poderá utilizar-se da teoria da utilidade multiatributo para construir uma nova função que traduzirá a “agregação de valor” de cada alternativa. Essa nova função trará dois benefícios:

  • a) permitirá verificar a sensibilidade do resultado obtido pela TCA; e

  • b) viabilizará a priorização das alternativas.

4.2 TEORIA DOS CONJUNTOS NEBULOSOS

A teoria dos conjuntos nebulosos foi introduzida por Lotfi Asker Zadeh em 1965. Essa teoria é uma extensão da lógica convencional (booleana), ao introduzir o conceito de verdade não-absoluta, e funciona como uma ferramenta para tratar imprecisões na linguagem natural. A matemática nebulosa é uma tentativa de aproximar a precisão característica da matemática à inerente imprecisão do mundo real. O número nebuloso não surge, normalmente, de observações reais, mas de conceitos ou concepções mais ou menos conhecidos. Os conjuntos nebulosos são uma forma de representar imprecisões encontradas, as quais os seres humanos tratam com grande habilidade, normalmente existentes em problemas reais, mas que os conjuntos tradicionais não podem representar adequadamente (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.).

Logo, os números nebulosos são uma alternativa à noção de conjunto de números reais e lógicos, que possui origem na filosofia grega. A teoria dos conjuntos nebulosos está associada à abstração e à generalização e possibilita a representação de conceitos vagos e imprecisos, porém mantendo a precisão matemática no tratamento.

A teoria dos conjuntos nebulosos (KAUFMANN, 1975KAUFMANN, A. Theory of fuzzy subsets. Fundamental theoretical elements. Academic Press INC., 1975. v. 1.) pode auxiliar os negociadores, no campo das possibilidades, a procurar responder às seguintes perguntas:

  • a) Qual a possibilidade de uma particular negociação alcançar um resultado de consenso?

  • b) Qual a possibilidade de o negociador x conseguir do negociador y dado resultado?

Existe, nesse caso, o pressuposto de que é possível obter um resultado de consenso. Pode ocorrer em um processo de negociação que não seja possível chegar a um consenso ou ao meio-termo. Esses pontos inegociáveis normalmente são os ditos “pontos de honra”. Essa situação pode acarretar:

  • saída do negociador do processo, o que pode ou não inviabilizar a negociação;

  • retirada, quando possível, desse ponto conflitante da negociação;

  • postergação desse ponto, com todas as alternativas existentes; não negociá-las e prosseguir a negociação de outros pontos, com o compromisso de voltar a ele no futuro; ou

  • adiamento de todo o processo de negociação.

4.3 TEORIA DOS JOGOS

A teoria dos jogos é uma teoria matemática que trata dos aspectos gerais de situações competitivas, dando ênfase ao processo de tomada de decisão dos adversários (LIBERMAN e HILLIER, 1988LIEBERMAN, G. J.; HILLIER, F. S. Introdução à pesquisa operacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988.). Ela desenvolve critérios racionais para a seleção de uma estratégia, está inserida na pesquisa operacional (LIEBERMAN e HILLIER, 1988LIEBERMAN, G. J.; HILLIER, F. S. Introdução à pesquisa operacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988.) e na economia e pretende descrever e prever o comportamento decisório e/ou econômico utilizando modelos matemáticos visando a análise e coordenação de situações de conflito.

O decisor disputa um jogo com um oponente não-passivo, pois os jogadores tentam ativamente promover as respectivas prosperidades, em oposição ao outro.

Um jogo pode ser definido (VON NEUMAN e MORGENSTERN, 1953VON NEUMAN, J.; MORGENSTERN, O. Theory of games and economic behavior. 3. ed. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1953.) como uma interação entre agentes regulados por um conjunto de regras que especificam os movimentos possíveis de cada participante e por um conjunto de resultados para cada possível combinação de movimentos. Whinston (WHINSTON e MAS-COLELL, 1995WHINSTON, M. D.; MAS-COLELL, A. Microeconomic theory. Oxford: Oxford University Press, 1995.) define jogo como “uma representação formal de uma situação em que os indivíduos (jogadores) interagem por meio de um conjunto de estratégias de forma interdependente”.

O jogo é uma situação na qual um ou mais jogadores confrontam-se em busca de certos objetivos conflitantes. Ele pode ser de informação completa, quando os jogadores têm níveis de informação equivalentes e as regras que norteiam cada ação no jogo são de conhecimento comum a cada participante.

Ao estudar-se a negociação sob o enfoque da teoria dos jogos, observa-se que o objetivo de maximização é limitado pela capacidade do ser humano de discernir o mundo, neste compreendidos os critérios e seus diferentes graus de importância, o que sugere haver um limite para a racionalidade.

A teoria dos jogos descreve a seguinte situação estratégica:

  • a) jogadores - são pessoas, instituições, centro de decisões, países etc., envolvidos. Supõe-se que sejam racionais e agem na forma de maximizar suas utilidades (SOUZA, 2002SOUZA, F. M. C. Decisões racionais em situações de incerteza. Editora Universitária UFPE, 2002.). Salienta-se que uma decisão pode ser racional pelos valores de um jogador e não ser racional pelos valores de outro;

  • b) regras - definem como jogar, como se comportar, o que o “outro” pode fazer, o que o “outro” sabe;

  • c) conjunto de ações - são as diversas seqüências de ações que podem ser adotadas ao longo do tempo pelos jogadores envolvidos (SOUZA, 2002SOUZA, F. M. C. Decisões racionais em situações de incerteza. Editora Universitária UFPE, 2002.). Uma jogada ou movimento é o modo como progride o jogo de uma fase para outra, a partir da posição inicial até o último movimento;

  • d) resultados - para cada conjunto de ações dos jogadores, tem-se o “resultado do jogo”;

  • e) payoffs ou retornos - são as preferências dos jogadores e a utilidade que cada jogador obtém de cada resultado possível;

  • f) estratégia - é a lista de opções ótimas para cada jogador, em qualquer momento do jogo.

O ponto de equilíbrio em que nenhum jogador tem incentivo para trocar sua estratégia (também definido como o ponto em que cada jogador está fazendo o melhor que pode para si) é o equilíbrio de Nash, que se traduz em um jogador buscar o melhor resultado dentro da estratégia escolhida, e adotada pelo jogador rival (WHINSTON e MAS-COLELL, 1995WHINSTON, M. D.; MAS-COLELL, A. Microeconomic theory. Oxford: Oxford University Press, 1995.). A ausência de equilíbrio tornará necessário expandir o conjunto de ações (alternativas que surgem durante o processo, como explanado anteriormente).

Para Souza (2002)SOUZA, F. M. C. Decisões racionais em situações de incerteza. Editora Universitária UFPE, 2002., o termo negociação é tratado como jogos cooperativos. Os jogos não-cooperativos, em que, ao contrário do anterior, existe o conflito de interesses, é tratado pela teoria dos jogos. Os jogos cooperativos ocorrem quando existem interesses complementares. Em qualquer processo com dois ou mais jogadores, fica muito difícil ocorrer isoladamente um jogo cooperativo e um não-cooperativo. O que acontece são oscilações de um para outro. A flexibilidade de um jogador em um jogo não-cooperativo poderá ser função da atitude do outro jogador em um jogo não-cooperativo do qual ambos já tenham participado.

A utilidade dos jogos pode ser calculada pela teoria de Von Newman e Morgenstern (1953)VON NEUMAN, J.; MORGENSTERN, O. Theory of games and economic behavior. 3. ed. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1953. e pela teoria da utilidade multiatributo (SOUZA, 2002SOUZA, F. M. C. Decisões racionais em situações de incerteza. Editora Universitária UFPE, 2002.), desenvolvendo da função pt(Gi):

μ Gi = μ λ i ρ j + I λ i ρ k = λ i μ ρ j + I λ i μ ρ k .

ρj,j=I,2,n.ρk,k=I,2,,n.. No qual ρj são as perguntas ou comparações que cobrem todo o processo. Nessa situação associamos uma probabilidade λi de obtenção de um resultado pj ou uma probabilidade (1 - λi) de obter um resultado ρk.

Torna-se intuitivo que um aumento de perguntas, ou comparações, pode gerar um conseqüente aumento de inconsistências (SOUZA, 2002SOUZA, F. M. C. Decisões racionais em situações de incerteza. Editora Universitária UFPE, 2002.). Uma possibilidade de reduzir essas inconsistências, pela retirada de perguntas que não agreguem utilidade, é o uso da TCA, como mostrado na seção 3, em que as alternativas (da Tabela 1) seriam as perguntas e os critérios seriam as probabilidades λ, e a utilidade μ está no cruzamento das linhas com as colunas, exemplificado na Tabela 3.

TABELA 3
PERGUNTAS E A UTILIDADE CORRESPONDENTE

Pela aproximação inferior têm-se P̲YF[ρ1, ρ2], P̲YNF [ρ3, ρ4]. Pela aproximação superior, por sua vez, têm-se PYF [ρ1, ρ2, ρ5, ρ6, ρ7, ρ8], PYNF [ρ3, ρ4, ρ5, ρ6, ρ7, ρ8]. Vê-se, assim, que tanto F como NF têm 33,33% de indiscernibilidade. Observando que ρ5 é igual a ρ6 e ρ7 é igual a ρ8, obtêm-se as regras iniciais:

  • Regra 1 - se μ(λiρj) ≥4 e μ((1 - λi)ρk) μ5, a alternativa é considerada F;

  • Regra 2 - se μ(λiρj) ≥3 ou μ((1 - λi)ρk) μ4,1, a alternativa considerada é NF.

A Regra 2 pode ser eliminada diante da Regra 1, que fica apenas: se μ(λiρj) ≥4 e μ((1 - λi)ρk) μ5, a alternativa é considerada F, caso contrário NF. Nessa situação, não foi possível reduzir os critérios de decisão. O novo sistema de informação (Tabela 4) será:

TABELA 4
UTILIDADES RELEVANTES DEFININDO A FACTIBILIDADE

A implementação computacional da metodologia multicritério THOR e do algoritmo que lhe dá suporte (GOMES et al., 2002aGOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.) possui, entre outros, o conceito da metodologia já apresentada.

5 TEORIA DAS EXPECTATIVAS E TOPSIS

A teoria das expectativas - Prospect Theory - (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.), orientada para o tratamento do risco, bem como a teoria da utilidade multiatributo - MAUT - (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.) são úteis para priorizações de alternativas no processo de negociação, já o uso de métodos multicritério como TOPSIS - Technique for Order Preference by Similarity to Ideal Solution - (YONN e CHIANG-LAI, 1995YONN, K. P.; HWANG, Chiang-Lai. Multiple attribute decision making - an introduction. Sage Publications, 1995. (Series Quantitative Applications in The Social Sciences).) poderá reduzir a quantidade de alternativas para o início da negociação.

A partir da utilização desse método multicritério, a fim de que se estabeleçam para os dois negociadores (x e y) as alternativas que possuem maior agregação de valor E+ e as alternativas que possuem a menor agregação de valor E-, dois caminhos podem ser delineados:

  • a) buscar inicialmente o consenso, por negociação, de E+ e E- para cada negociador, e assim obter uma alternativa intermediária; e/ou

  • b) estabelecer uma alternativa intermediária por negociador e, a partir dessas alternativas intermediárias, buscar o consenso (busca do equilíbrio pelo desenvolvimento de novas alternativas).

Posteriormente à utilização dos caminhos (a) e (b), sugere-se a aplicação da metodologia descrita e exemplificada nas seções 2, 3 e 4 deste artigo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O apoio à decisão busca os valores precisos e para tal freqüentemente utilizam-se as seguintes questões (DIAS, 2000DIAS, L. M. C. A informação imprecisa e os modelos multicritério de apoio à decisão - identificação e uso de conclusões robustas. 2000. Tese (Doutorado) - Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2000.):

  • a) Existe consenso entre os decisores acerca de um valor? É possível utilizar-se da votação para resolver o impasse? Pode-se fazer uma média (aritmética ou geométrica) para buscar um “meio-termo”?

  • b) É conhecido algum valor futuro? Podem-se fazer estimativas? É possível vislumbrar cenários futuros?

  • c) Existe hesitação sobre o “peso” de um ou mais critérios? Pode-se criar um questionamento que ajude na elucidação desses valores? Será arbitrado um valor para o início do debate?

  • d) Fez-se uma análise de sensibilidade dos valores utilizados?

  • e) Quais as teorias que tratam do não-determinismo (imprecisão, ambigüidade e/ou incerto) que poderão ser utilizadas?

Este artigo procurou apresentar uma análise da informação imprecisa segundo um quadro multicritério de apoio à decisão (e a negociação). Propôs uma nova função, denominada “função negociação”, que oferece um método para quantificar o “peso do negociador”.

A “função negociação” está inserida em uma nova metodologia que apóia o processo de negociação, e o exemplo numérico empregando a nova metodologia mostrou que a TCA é uma ferramenta útil para expandir o limite da cognição do ser humano e permitir ampliar a fronteira humana do conhecimento, que poderá ser progressivamente estendida à medida que forem eliminados da negociação os critérios julgados redundantes. Com isso, os critérios remanescentes, uma vez que caracterizem uma família coerente de critérios - satisfazendo, por conseguinte, os princípios de exaustividade, coesão e não-redundância (GOMES et al., 2002GOMES, C. F. S.; GOMES, L. F. A. M.; VALLE, R. One application of thor in a process of personal evaluation. In: Anais do IFORS-2002, Programme The Sixteenth Triennial Conference of The International Federation of Operation Research Societies, Edinburgh, 2002.) -, poderão ter suas importâncias efetivas avaliadas e/ou reavaliadas, assim como novos critérios poderão ser identificados e inseridos no processo.

Por outro lado, uma vez que o racional para um negociador não o é necessariamente para um conjunto de negociadores - não obrigatoriamente constituintes de uma coalizão -, identifica-se assim um novo campo para aplicação da TCA, caracterizando-se como indiscernível o que é racional para um negociador, e não o é quando ele se insere em um grupo de negociadores.

Constata-se que a TCA é um útil instrumento para redução de critérios em uma negociação, sendo sua aplicabilidade potencialmente de grande utilização na modelagem analítica, que pode ser embutida em SSN, notadamente quando o uso daquela teoria acha-se associado ao uso de métodos do AMD.

7 REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2004

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2004
  • Aceito
    08 Ago 2004
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