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Um novo paradigma para o tratamento do câncer

CORRESPONDÊNCIAS

Um novo paradigma para o tratamento do câncer

Durante anos, os oncologistas emprestaram para a abordagem de tumores sólidos paradigmas de tratamento oriundos dos sucessos obtidos na cura de leucemias de adultos e crianças. Para que se atingisse a cura, necessário seria induzir uma resposta completa com a erradicação de toda a evidência clínica, imagenológica ou laboratorial do tumor. Para a consecução desta meta primordial, segundo este paradigma, valeriam a pena sacrifícios enormes como toxicidade exacerbada e inclusive uma fração de mortalidade associada ou tratamento. Sob este modelo de tratamento, drogas quimioterápicas com diferentes mecanismos de ação seriam associadas em regimes poliquimioterápicos que deveriam ser administrados por vários ciclos, mesmo após a erradicação de todo o tumor.

Entretanto, a incurabilidade quase que universal de tumores sólidos metastáticos como os de mama, pulmão, próstata e do trato digestivo, mesmo com a administração de regimes poliquimioterápicos em doses plenas e até em doses supraconvencionais, abalou o paradigma vigente. Concluiu-se que a quimioterapia só poderia curar em estádios avançados tumores de alta quimiossensibilidade como os tumores germinativos, linfomas e leucemias. Entretanto, para os demais tumores sólidos metastáticos, ainda que estas neoplasias gozassem de quimiossensibilidade discreta durante parte de sua evolução natural, a quimioterapia isoladamente, com as drogas que possuímos no momento, não é curativa. Restam duas alternativas: 1) a pesquisa de novas drogas que possam melhorar ainda mais os resultados hoje obtidos com os esquemas poliquimioterápicos vigentes e 2) quebrar o paradigma atual.

Em 1995, Takahashi1 propunha que muitas vezes o maior ganho para o paciente com um tumor incurável adviria de uma fase prolongada de citostase, de estabilidade do contingente de lesões tumorais, ainda que estas não tivessem uma redução significativa de seus tamanhos. Ou seja, mesmo sem uma resposta tumoral objetiva, poderíamos prolongar e aumentar a qualidade da vida de nossos pacientes. Esquemas de poliquimioterapia ou monoquimioterápicos pouco tóxicos, hormonioterapia e mais recentemente anticorpos monoclonais e pequenas moléculas, como é o caso do Gefinitib (Iressa®) e o Imatinib (Glevec®), que interferem diretamente com visas essenciais para a manutenção do crescimento tumoral, se adequam perfeitamente a este novo paradigma de controle prolongado de tumores incuráveis, com toxicidade aceitável e pouca interferência com a qualidade de vida de pacientes com câncer.

Como integramos esta nova maneira de tratar tumores sólidos em nossa rotina? Primeiramente, reformulando nosso critério de resposta tumoral, isto é, migrando de um modelo onde apenas uma resposta objetiva é valorizada para um outro, onde o período de tempo sem que haja progressão tumoral passe a ser o objetivo procurado. Desta forma, não descartaremos alternativas terapêuticas extremamente úteis, porém ineficazes se julgadas por critérios de resposta mais antigos. Em segundo lugar, devemos entender que o câncer pode se converter em uma doença crônica como é hoje o diabetes, a hipertensão arterial, a hipercolesterolemia, etc. Como não curamos estas enfermidades e apenas as controlamos, nós, médicos, e os pacientes por elas acometidos não entendemos esta situação de "incurabilidade" como um fracasso. Entendemos este cenário como uma oportunidade para um controle prolongado destas enfermidades com a menor interferência possível nas vidas destes enfermos. Talvez, em um futuro próximo, o câncer poderá se tornar mais um dos problemas na história clínica de nossos pacientes e não o seu determinante.

Auro del Giglio

São Paulo - SP

Referência

Takahashi Y, Nishioka K. Survival without tumor shrinkage: re-evaluation of survivalgain by cytostatic effect of chemotherapy. J Natl Cancer Inst 1995; 87:1262-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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