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Rastreamento do câncer de mama

O câncer de mama é um dos tumores mais diagnosticados no mundo(11 Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021;71:209-49.). A redução da sua mortalidade observada nas últimas décadas resulta de avanços no rastreamento da doença e nas terapias adjuvantes. O objetivo do rastreamento é a detecção precoce da doença, antes que ela se torne sintomática. A detecção nos seus estágios iniciais reduz a necessidade de abordagens clínicas ou cirúrgicas mais extensas, assim como aumenta as chances de que o tratamento seja eficaz, uma vez que o avanço da doença pode não ter ocorrido. Por outro lado, os paradigmas do rastreamento do câncer de mama têm se modificado da perspectiva “one size fits all”, baseada principalmente na idade da mulher, para uma perspectiva mais personalizada, que incorpora nas suas orientações a densidade mamária e o risco de desenvolvimento futuro de câncer de mama, assim como novas tecnologias de imagem.

Nesta edição da Radiologia Brasileira, o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) publicam suas recomendações para o rastreamento do câncer de mama no Brasil(22 Urban LABD, Chala LF, Paula IB, et al. Recomendações do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento do câncer de mama no Brasil. Radiol Bras. 2023;56:207-14.), com mudanças relevantes em relação à última atualização em 2017(33 Urban LABD, Chala LF, Bauab SP, et al. Breast cancer screening: updated recommendations of the Brazilian College of Radiology and Diagnostic Imaging, Brazilian Breast Disease Society, and Brazilian Federation of Gynecological and Obstetrical Associations. Radiol Bras. 2017;50:244-9.). Entre essas mudanças, foi criada uma secção específica para mulheres com mamas densas e recomendado que o rastreamento suplementar com a ressonância magnética (RM) bienal deva ser considerado para mulheres com mamas extremamente densas. Isso porque nos últimos anos, estudos como o Dense Trial(44 Bakker MF, Lange SV, Pijnappel RM, et al. Supplemental MRI screening for women with extremely dense breast tissue. N Engl J Med. 2019;381:2091-102.) demostraram a importância do rastreamento suplementar nessas mulheres. Também ocorreram mudanças relevantes nas recomendações para mulheres com história pessoal de neoplasias lobulares, hiperplasia ductal atípica ou câncer de mama. No caso de mulheres portadoras de mutação no gene BRCA1, mudouse a recomendação para que o rastreamento mamográfico se inicie aos 35 anos, com rastreamento exclusivo pela RM dos 25 aos 35 anos, aumentando os benefícios do rastreamento precoce e reduzindo riscos. Foi reafirmada a importância do início do rastreamento mamográfico anual para as mulheres de risco habitual a partir dos 40 anos, devido a uma maior prevalência de câncer de mama nessa faixa etária nos países de baixa e média renda, assim como uma tendência de aumento do número de cânceres diagnosticados em mulheres abaixo de 50 anos, o que provocou uma discussão e revisão recente das recomendações da United States Preventive Services Task Force(55 U.S. Preventive Services Task Force. [homepage on the Internet]. Public comment on draft recommendation statement, draft evidence review, and draft modeling report: screening for breast cancer. [cited: 2023 July 7]. Available from: https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/index.php/announcements/public-comment-draft-recommendation-statement-draft-evidence-review-and-draft-modeling-report-screening-breast-cancer.
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).

O propósito dessa atualização foi incorporar a melhor evidência científica recente, com o objetivo de potencializar a redução da mortalidade da doença mediante sua detecção o mais precoce possível, sem deixar de levar em consideração os riscos do rastreamento do câncer de mama.

Um aspecto importante do rastreamento moderno é sua maior complexidade. Isso requer maiores recursos materiais e humanos que não são amplamente disponíveis no Brasil. Muitos locais não poderão oferecer rastreamento suplementar, sobretudo com a RM. Por esse motivo, buscar alternativas para reduzir seu custo, como a RM abreviada das mamas(66 Kuhl CK. Abbreviated magnetic resonance imaging (MRI) for breast cancer screening: rationale, concept, and transfer to clinical practice. Annu Rev Med. 2019;70:501-19.), deve ser estimulada. A tomossíntese, entendida como uma evolução da mamografia, com importantes benefícios como aumento da taxa de detecção e redução de falso-positivos(77 Alabousi M, Wadera A, Kashif Al-Ghita M, et al. Performance of digital breast tomosynthesis, synthetic mammography, and digital mammography in breast cancer screening: a systematic review and meta-analysis. J Natl Cancer Inst. 2021;113:680-90.), também não está amplamente disponível. O acesso a biópsia percutânea, em especial a biópsia orientada pela RM, ainda é bastante limitado no Brasil, apesar da sua importância na investigação de lesões identificadas exclusivamente pelo método. E, por fim, a qualidade dos exames ainda é um ponto que precisa ser melhorado, principalmente através do estímulo da participação em programas de qualidade ou de auditorias.

Concluindo, a atualização das recomendações para o rastreamento de câncer de mama pelo CBR, SBM e FEBRASGO representa um avanço, mas sua plena implantação enfrenta obstáculos em um país como o Brasil. Para que as mulheres brasileiras tenham acesso ao melhor rastreamento possível do câncer de mama, esses obstáculos devem e podem ser superados com esforços conjuntos da sociedade brasileira como um todo.

REFERENCES

  • 1
    Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021;71:209-49.
  • 2
    Urban LABD, Chala LF, Paula IB, et al. Recomendações do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento do câncer de mama no Brasil. Radiol Bras. 2023;56:207-14.
  • 3
    Urban LABD, Chala LF, Bauab SP, et al. Breast cancer screening: updated recommendations of the Brazilian College of Radiology and Diagnostic Imaging, Brazilian Breast Disease Society, and Brazilian Federation of Gynecological and Obstetrical Associations. Radiol Bras. 2017;50:244-9.
  • 4
    Bakker MF, Lange SV, Pijnappel RM, et al. Supplemental MRI screening for women with extremely dense breast tissue. N Engl J Med. 2019;381:2091-102.
  • 5
    U.S. Preventive Services Task Force. [homepage on the Internet]. Public comment on draft recommendation statement, draft evidence review, and draft modeling report: screening for breast cancer. [cited: 2023 July 7]. Available from: https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/index.php/announcements/public-comment-draft-recommendation-statement-draft-evidence-review-and-draft-modeling-report-screening-breast-cancer
    » https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/index.php/announcements/public-comment-draft-recommendation-statement-draft-evidence-review-and-draft-modeling-report-screening-breast-cancer
  • 6
    Kuhl CK. Abbreviated magnetic resonance imaging (MRI) for breast cancer screening: rationale, concept, and transfer to clinical practice. Annu Rev Med. 2019;70:501-19.
  • 7
    Alabousi M, Wadera A, Kashif Al-Ghita M, et al. Performance of digital breast tomosynthesis, synthetic mammography, and digital mammography in breast cancer screening: a systematic review and meta-analysis. J Natl Cancer Inst. 2021;113:680-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul/Ago 2023
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