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Tuberculose pulmonar em paciente com artrite reumatoide durante tratamento imunossupressor: relato de caso* * Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Conjunto Hospitalar de Sorocaba, Sorocaba, SP, Brasil.

Resumos

A artrite reumatoide é uma doença que, caracteristicamente, acomete as articulações. Por ser autoimune, drogas imunossupressoras são amplamente utilizadas em seu tratamento. Este caso ilustra a associação do tratamento imunossupressor com o desenvolvimento de infecções oportunistas em uma paciente de 64 anos de idade.

Artrite reumatoide; Tuberculose pulmonar; Terapia imunossupressora


Rheumatoid arthritis is a disease which characteristically affects the joints. Because it is an autoimmune disease, immunosuppressive drugs are widely used in its treatment. The present case report illustrates the association of immunosuppressive treatment with the development of opportunistic infections in a 64-year-old patient.

Rheumatoid arthritis; Pulmonary tuberculosis; Immunosuppressive therapy


INTRODUÇÃO

A artrite reumatoide é uma doença inflamatória, autoimune, sistêmica, caracterizada pelo comprometimento da membrana sinovial das articulações periféricas. A prevalência da artrite reumatoide é estimada em 0,5-1,0% da população, com predomínio de mulheres e maior incidência na faixa dos 30 aos 50 anos( 11. Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, et al. Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2012;52:135-74. ). Apesar disso, as manifestações pleuropulmonares são mais comuns em homens( 22. Silva CIS, Müller NL. Doenças do colágeno e espondilite aquilosante. In: Silva CIS, D'Ippolito G, Rocha AJ, et al., editores. Tórax. Série Colégio Brasileiro de Radiologia. São Paulo: Elsevier; 2011. p. 515-26. ). A característica principal da artrite reumatoide é o acometimento simétrico das pequenas e grandes articulações, com maior frequência de envolvimento das mãos e pés( 11. Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, et al. Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2012;52:135-74. ). O diagnóstico precoce de artrite reumatoide tem melhor prognóstico para não atingir níveis críticos de evolução, proporcionando um longo e eficaz tratamento( 33. Narváez JA, Narváez J, De Lama E, et al. MR imaging of early rheumatoid arthritis. Radiographics. 2010;30:143-65. ).

As alterações intratorácicas são numerosas e variáveis. As mais frequentes são fibrose pulmonar intersticial, bronquiectasia, bronquiolite obliterante e espessamento pleural. A hipertensão pulmonar também pode ser encontrada. Outras manifestações pulmonares menos comuns incluem pneumonia em organização, dano alveolar difuso, hiperplasia linfoide (bronquiolite folicular), pneumonia intersticial linfoide e nódulos reumatoides( 22. Silva CIS, Müller NL. Doenças do colágeno e espondilite aquilosante. In: Silva CIS, D'Ippolito G, Rocha AJ, et al., editores. Tórax. Série Colégio Brasileiro de Radiologia. São Paulo: Elsevier; 2011. p. 515-26. ). Alterações ósseas na parede torácica na artrite reumatoide incluem reabsorção óssea da região distal das clavículas e artrite erosiva dos ombros( 44. Mayberry JP, Primack SL, Müller NL. Thoracic manifestations of systemic autoimmune diseases: radiographic and high-resolution CT findings. Radiographics. 2000;20:1623-35. ).

Pneumonite intersticial e fibrose são as manifestações pulmonares mais comuns na artrite reumatoide. De fato, alterações na função pulmonar compatíveis com fibrose intersticial têm sido relatadas em até 40% dos pacientes que sofrem de artrite reumatoide, no entanto, em mais da metade desses pacientes os achados na radiografia são normais. Evidências de fibrose intersticial na radiografia são relatadas em aproximadamente 5% dos pacientes com artrite reumatoide e na tomografia de alta resolução, em 30-40%. Essa complicação é vista com mais frequência em homens entre 50 e 60 anos de idade e caracteristicamente pode apresentar um padrão de distribuição com predomínio das alterações na periferia e bases pulmonares( 55. Kim EA, Lee KS, Johkoh T, et al. Interstitial lung diseases associated with collagen vascular diseases: radiologic and histopathologic findings. Radiographics. 2002;22 Spec No:S151-65. ).

Os nódulos reumatoides são caracterizados por áreas densas de necrose fibrinoide, patologicamente idênticos aos encontrados no tecido subcutâneo. Tipicamente, os nódulos têm tamanho entre 0,5 cm e 5 cm e geralmente se localizam na periferia dos lobos médios e superiores, podendo ser únicos ou múltiplos( 22. Silva CIS, Müller NL. Doenças do colágeno e espondilite aquilosante. In: Silva CIS, D'Ippolito G, Rocha AJ, et al., editores. Tórax. Série Colégio Brasileiro de Radiologia. São Paulo: Elsevier; 2011. p. 515-26. ). Os nódulos pulmonares podem sofrer escavação, aumento de tamanho, resolver-se espontaneamente ao longo do tempo, e novos podem surgir enquanto os mais velhos se resolvem. Raramente ocorre ruptura de nódulos no espaço pleural, pneumotórax, derrame pleural ou empiema( 66. Capobianco J, Grimberg A, Thompson BM, et al. Thoracic manifestations of collagen vascular diseases. Radiographics. 2012;32:33-50. ). Colonização fúngica de nódulo reumatoide escavado raramente ocorre. Esses nódulos podem, frequentemente, ser confundidos com outras doenças, entre elas a tuberculose.

RELATO DO CASO

Mulher de 64 anos de idade, em tratamento para artrite reumatoide com drogas imunossupressoras há 50 anos, dentre elas, corticoterapia e metotrexato. Após o uso de anti- TNFs (bloqueadores/inibidores do fator de necrose tumoral) em associação ao tratamento, em curto prazo iniciou com sintomas respiratórios, sendo realizados os exames de radiografia de tórax e tomografia computadorizada. Na Figura 1 demonstram-se opacidades mal delimitadas na radiografia. Na tomografia computadorizada de alta resolução, ilustrada na Figura 2, notam-se nódulos, sendo alguns escavados, inferindo hipóteses diagnósticas, entre elas as infecções oportunistas. Na Figura 3 observam-se outros nódulos justapleurais, complementando os achados.

Figura 1.
Radiografia de tórax em posteroanterior. Notam-se opacidades nodulariformes projetando-se no campo inferior do pulmão direito e outra mal definida projetando-se na região do ápice ipsilateral.

Figura 2.
Tomografia computadorizada de alta resolução nos planos coronal e axial. Visualizam-se escavação com paredes espessas e nódulo mural na base pulmonar direita e outra no campo superior do pulmão esquerdo. Observam-se também nódulo arredondado e bem delimitado na base pulmonar direita e opacidade mal delimitada no ápice pulmonar ipsilateral.

Figura 3.
Tomografia computadorizada no plano axial sem contraste. Visualizam-se três nódulos pulmonares justapleurais à direita e um à esquerda, hipodensos, arredondados e bem delimitados.

Diante dos sintomas e imagens, optou-se pela exérese de alguns nódulos. O material foi enviado para análise, sendo que o exame histológico mostrou parênquima pulmonar exibindo área bem delimitada envolta por processo inflamatório linfo-histiocitário associado a raras células gigantes multinucleadas. O centro da lesão era substituído por tecido necrótico de aspecto caseoso. Todas essas características determinaram o diagnóstico de tuberculose pulmonar.

Após o diagnóstico, foi suspenso o uso de anti-TNFs e instituído tratamento para tuberculose pulmonar. A paciente continua em acompanhamento com exames de imagem, apresentando estabilidade.

DISCUSSÃO

A utilização de drogas imunossupressoras está relacionada ao desenvolvimento de infecções oportunistas. A inibição de citocinas como o TNF-alfa, especialmente quando associado a outras drogas imunossupressoras (metotrexato e corticoides), diminui a resistência às infecções causadas por patógenos intracelulares, como o bacilo da tuberculose( 77. Mangini C, Melo FAF. Artrite reumatoide, terapia imunossupressora e tuberculose. Rev Bras Reumatol. 2003;43(6):xi-xv. ). A associação da tuberculose com o uso de corticosteroides em doses imunossupressoras está bem documentada. Por outro lado, o uso de doses baixas de corticoides provoca maior incidência de infecções quando combinada a outras drogas, como o metotrexato( 77. Mangini C, Melo FAF. Artrite reumatoide, terapia imunossupressora e tuberculose. Rev Bras Reumatol. 2003;43(6):xi-xv. ).

O surgimento, na década de 1990, dos anti-TNFs para tratamento da artrite reumatoide, modificou a pratica reumatológica por permitir um controle da doença mais adequado nos casos refratários ao tratamento com os DMARDs ( disease modifying antirheumatic drugs ) convencionais, e consequentemente, pela grande melhora da qualidade de vida desses pacientes. No entanto, o uso dos anti-TNFs fez surgir um problema considerado resolvido em muitos países desenvolvidos: o risco elevado de reativação de infecção tuberculosa latente( 88. Marques CDL, Duarte ALBP, Cavalcanti FS, et al. Abordagem diagnóstica da tuberculose latente na artrite reumatóide. Rev Bras Reumatol. 2007;47:424-30. ), uma vez que o medicamento desestabiliza a proteção natural contra o bacilo da tuberculose em pacientes que porventura o alberguem, facilitando sua multiplicação.

REFERENCES

  • 1
    Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, et al. Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2012;52:135-74.
  • 2
    Silva CIS, Müller NL. Doenças do colágeno e espondilite aquilosante. In: Silva CIS, D'Ippolito G, Rocha AJ, et al., editores. Tórax. Série Colégio Brasileiro de Radiologia. São Paulo: Elsevier; 2011. p. 515-26.
  • 3
    Narváez JA, Narváez J, De Lama E, et al. MR imaging of early rheumatoid arthritis. Radiographics. 2010;30:143-65.
  • 4
    Mayberry JP, Primack SL, Müller NL. Thoracic manifestations of systemic autoimmune diseases: radiographic and high-resolution CT findings. Radiographics. 2000;20:1623-35.
  • 5
    Kim EA, Lee KS, Johkoh T, et al. Interstitial lung diseases associated with collagen vascular diseases: radiologic and histopathologic findings. Radiographics. 2002;22 Spec No:S151-65.
  • 6
    Capobianco J, Grimberg A, Thompson BM, et al. Thoracic manifestations of collagen vascular diseases. Radiographics. 2012;32:33-50.
  • 7
    Mangini C, Melo FAF. Artrite reumatoide, terapia imunossupressora e tuberculose. Rev Bras Reumatol. 2003;43(6):xi-xv.
  • 8
    Marques CDL, Duarte ALBP, Cavalcanti FS, et al. Abordagem diagnóstica da tuberculose latente na artrite reumatóide. Rev Bras Reumatol. 2007;47:424-30.
  • *
    Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Conjunto Hospitalar de Sorocaba, Sorocaba, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    4 Fev 2013
  • Aceito
    15 Jul 2013
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