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Reconstrução escrotal com retalho súpero-medial da coxa após síndrome de fournier

RESUMO

Introdução:

Fasceíte necrotizante é uma grave infecção que consome a pele períneo-escrotal rapidamente. Superada a infecção, faz-se necessá-ria a cobertura das estruturas comprometidas. Apresentamos uma série de pacientes acometidos por fasceíte necrotizante que foram submeti-dos à reconstrução escrotal com a utilização do retalho súpero-medial da coxa.

Método:

Sete pacientes do sexo masculino foram submetidos à reconstrução escrotal, uni ou bilateralmente, com o retalho súpero-medial da coxa.

Resultados:

Os pacientes apresentaram resultados satis-fatórios quanto à cobertura testicular e ao aspecto da área doadora.

Conclusão:

O retalho súpero-medial da coxa se apresentou como exce-lente opção para reconstrução escrotal por produzir boa cobertura testi-cular, ser de fácil execução e melhorar a estética local.

Descritores:
Doença de Fournier; Escroto/Cirurgia; Retalhos cirúrgicos

ABSTRACT

Introduction:

Necrotizing fasciitis is a severe infection that consumes the perineal-scrotal skin quickly. Overcome the infection, it is necessary to cover the compromised structures. We present a series of patients suffering from necrotizing fasciitis who underwent scrotal reconstruction using the superior medial thigh flap.

Methods:

Seven male patients underwent unilateral or bilateral scrotal reconstruction with superior medial thigh flap.

Results:

The patients showed satisfactory results as regards coverage testicular and appearance of the donor area.

Conclusion:

The superior medial thigh flap is presented as an excellent choice for scrotal reconstruction by testicular produce good coverage, is easy to perform and improve local aesthetics.

Keywords:
Fournier Disease; Scrotum/Surgery; Surgical flaps

INTRODUÇÃO

A síndrome de Founier, também conhecida como fasceíte necrotizante dos genitais, períneo e região perianal, é uma doença infecciosa rara, agressiva, mutilante e que apresenta alta morbimortalidade11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9..

Com a instalação do processo infeccioso há uma rápida evolução para necrose das estruturas envolvidas, que se estende até o plano fascial, resultando numa grande quantidade de tecidos desvitalizados.

Para controle local desta infecção agressiva, faz-se necessário suporte clínico adequado, incluindo antibioticoterapia de amplo espectro e controle hidroeletrolítico, além de sucessivos debridamentos cirúrgicos até atingir a margem de tecido sadio22 Mehl AA, Nogueira Filho DC, Mantovani LM, Grippa MM, Berger R, Krauss D, et al. Manejo da gangrena de Fournier: experiência de um hospital universitário de Curitiba. Rev Col Bras Cir 2010;37(6):435-41., culminando com perdas teciduais importantes11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9. e com exposição da musculatura regional do pênis e dos testículos. Nos casos em que há acometimento perianal podem ser necessários desviar o trânsito intestinal por meio de uma colostomia33 Horta R, Cerqueira M, Marques M, Ferreira P, Reis J, Amarante J. Fournier's gangrene: from urological emergency to plastic surgery. Actas Urol Esp. 2009;33(8):925-9.. Da mesma forma, para evitar contaminação urinária, também pode-se realizar cistostomia44 Silva Filho AF, Pereira NA, Siqueira IMG, Saraiva PS, Magalhães GM, Alves JCRR. Fasceite necrosante da genitália masculina: síndrome de Fournier. An Bras Dermatol. 1998;73(2):97-103..

Superada a fase crítica da infecção, há a necessidade de cobertura da ferida resultante55 Mauro V. Retalho fasciocutâneo de região interna de coxa para reconstrução escrotal na síndrome de Fournier. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(4):707-9. para uma recuperação funcional e estética das estruturas até então expostas, com ênfase para a cobertura testicular, principalmente naqueles indivíduos em condições de reprodução.

A reconstrução das grandes áreas períneoescrotais acometidas por esta afecção constitui um verdadeiro desafio para o cirurgião plástico66 Ayad WM, Al-Shahat OA, Zaied E, Albanooby T, Taman E. The versatility of the medial thigh flap for reconstruction of post-Fournier’s gangrene complex perineoscrotal defects. J Plast Reconstr Surg. 2011;35(1):129-32..

Dentre as várias opções disponíveis para cobertura adequada dos testículos e das áreas vizinhas, o retalho súpero-medial da coxa se apresenta como sendo extremamente vantajoso devido à sua simplicidade de execução, pela presença de pele excessiva na área doadora e pela confiabilidade vascular. Trata-se de um retalho fasciocutâneo idealizado obliquamente e com base sobre o músculo abdutor longo da coxa,33 Horta R, Cerqueira M, Marques M, Ferreira P, Reis J, Amarante J. Fournier's gangrene: from urological emergency to plastic surgery. Actas Urol Esp. 2009;33(8):925-9. que é transposto uni ou bilateralmente para confecção da neobolsa escrotal com cobertura testicular eficiente.

Apresentamos uma casuística de pacientes acometidos por fasceíte necrotizante com destruição escrotal, os quais foram reconstruídos com retalho súpero-medial da coxa e obtiveram resultados satisfatórios.

MÉTODO

Entre agosto de 2008 e junho de 2012 foram tratados cirurgicamente e acompanhados, no Hospital São Francisco de Assis em Crato - Ceará, sete pacientes do sexo masculino acometidos for fasceíte necrotizante com exposição dos testículos.

A faixa etária dos pacientes variou de 42 a 76 anos, com média de 53,2 anos. Um paciente era diabético e hipertenso; outro era portador do Mal de Alzheimer e outro era paraplégico. Dois pacientes necessitaram de desvio de trânsito intestinal, e outros três foram submetidos à cistostomia.

Dos sete pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico, seis necessitaram de retalhos bilaterais, enquanto um paciente necessitou apenas de retalho unilateral à direita.

Todos os pacientes permaneceram internados, no mesmo hospital, desde a fase aguda da infecção, até a época da reconstrução escrotal, apresentando média de permanência de 32,6 dias.

Os debridamentos foram realizados pela equipe de cirurgia geral até o controle infeccioso, enquanto os curativos foram feitos por enfermeira especializada até o surgimento de bom tecido de granulação.

Técnica cirúrgica

Paciente em posição de litotomia, com raquianestesia nos sensíveis e sedação no paraplégico. Marcação do retalho baseada no tamanho da área cruenta a ser recoberta, estando à base deste na raiz da coxa e a sua porção terminal em direção oblíqua, assumindo formato aproximadamente triangular (Figura 1). Reavivamento das bordas dos tecidos granulados com retirada do tecido fibrótico. Incisão do retalho e descolamento no sentido distal para o proximal, incluindo a fáscia muscular (Figura 2), transposição e fixação com pontos na borda sadia recobrindo a área cruenta. Fechamento primário da região doadora.

Figura 1
Exposição dos testículos e períneo após fasceíte necrotizante. Marcação cirúrgica dos retalhos.

Figura 2
Elevação do retalho fasciocutâneo à direita.

Drenos de Penrose n° 2 foram utilizados, sendo removidos após 24 ou 48 horas.

RESULTADOS

Todos os pacientes tiveram uma boa cobertura testicular e se disseram satisfeitos com o resultado obtido. Houve alargamento da cicatriz em um lado da coxa no paciente paraplégico. Em outro paciente com reconstrução bilateral, ocorreu pequena necrose da ponta do retalho, que se resolveu conservadoramente. Houve um edema prolongado nos retalhos de um terceiro paciente, que regrediu por volta do 3° mês de pós-operatório. O paciente portador de retração do funículo espermático (Figura 3) queixou-se de dor testicular, que cedeu com tratamento medicamentoso.

Figura 3
Grande retração do funículo espermático com deslocamento testicular. Marcação do retalho fasciocutâneo unilateralmente.

O acompanhamento ambulatorial variou de 6 meses até 1 ano e meio. ( Figura 4 -8)

Figura 4
Pós-operatório imediato de reconstrução escrotal unilateral direita

Figura 5
Pós-operatório de reconstrução escrotal unilateral com 18 meses.

Figura 6
Pré-operatório de reconstrução escrotal.

Figura 7
Pós-operatório imediato de reconstrução escrotal bilateral.

Figura 8
Pós-operatório de reconstrução escrotal bilateral com 3 meses.

DISCUSSÃO

A Síndrome de Fournier é uma fasceíte necrotizante aguda rapidamente progressiva e potencialmente fatal que acomete principalmente as regiões genital, perineal e periana11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9.,55 Mauro V. Retalho fasciocutâneo de região interna de coxa para reconstrução escrotal na síndrome de Fournier. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(4):707-9.. Ela se caracteriza por apresentar evolução rápida e fulminante para sepse com altos níveis de morbimortalidade22 Mehl AA, Nogueira Filho DC, Mantovani LM, Grippa MM, Berger R, Krauss D, et al. Manejo da gangrena de Fournier: experiência de um hospital universitário de Curitiba. Rev Col Bras Cir 2010;37(6):435-41..

Trata-se de uma infecção polimicrobiana com uma causa identificável em 95% dos casos, que se inicia na região genital ou perineal. Histologicamente, ocorre uma endarterite obliterante, seguida de isquemia e trombose dos vasos subcutâneos, que resultam em necrose da pele e tecido celular subcutâneo adjacente.

Fatores predisponentes incluem diabetes mellitus, trauma local, extravasamento de urina, intervenção cirúrgica perirretal ou perineal, extensão de infecção periuretral, abscesso anorretal, infecção genitourinária, alcoolismo11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9.,77 Bhatnagar AM, Mohite PN, Suthar M. Fournier's gangrene: a review of 110 cases for aetiology, predisposing conditions, microorganisms, and modalities for coverage of necrosed scrotum with bare testes. N Z Med J. 2008;121(1275):46-56.,88 Whaib ARA. Evaluation of superomedial fasciocutaneous thigh flap in replacement of scrotal and penile skin. Iraq Postgrade Med J. 2011;10(3):374-80., imunossupressão, portadores de HIV e doença renal ou hepática, sendo o diabetes mellitus o mais comumente encontrado77 Bhatnagar AM, Mohite PN, Suthar M. Fournier's gangrene: a review of 110 cases for aetiology, predisposing conditions, microorganisms, and modalities for coverage of necrosed scrotum with bare testes. N Z Med J. 2008;121(1275):46-56..

É mais prevalente em homens (10:1) e sua incidência é de aproximadamente 1/7500, sendo que até 45% dos acometidos são diabéticos e 25% abusam do álcool99 Naji SH. Reconstruction of scrotum in Fournier’s gangrene. Kufa Med J. 2011;14(2):219-24.. Raramente acomete crianças11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9..

em predileção por idosos, diabéticos55 Mauro V. Retalho fasciocutâneo de região interna de coxa para reconstrução escrotal na síndrome de Fournier. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(4):707-9., alcoólatras, desnutridos, imunodeprimidos, obesos, cirróticos99 Naji SH. Reconstruction of scrotum in Fournier’s gangrene. Kufa Med J. 2011;14(2):219-24., internados de longa data1010 Judice PLP, Christofoli MOJM, Oliveira PCR, Teles IG, Najjar YSJ. Gangrena de Fournier: relato de três casos, achados tomográficos e revisão de literatura. Rev Imagem (Online). 2010;32(1/2):21-3. e socioeconomicamente desfavorecidos.

Devido à gravidade e rapidez no avanço da infecção, há a necessidade de se fazer extensos e repetidos debridamentos cirúrgicos para controle local do processo infeccioso. Esta medida resulta em grandes áreas cruentas e exposição dos testículos, que ficam desprotegidos e suspensos apenas pelos funículos espermáticos, necessitando em seguida de cobertura tecidual adequada por meio de procedimento restaurador1111 Park KR, Kim TG, Lee J, Ha JH, Kim YH. Single-stage reconstruction of extensive defects after Fournier’s gangrene with an exposed iliac crest and testes. Arch Plast Surg. 2013;40 (1):74-6.. Estes não sofrem necrose pelo fato de sua vascularização e drenagem linfática serem diferentes da do pênis e do escroto44 Silva Filho AF, Pereira NA, Siqueira IMG, Saraiva PS, Magalhães GM, Alves JCRR. Fasceite necrosante da genitália masculina: síndrome de Fournier. An Bras Dermatol. 1998;73(2):97-103.,1212 El-Mageed MA. Evaluation of the anteromedial thigh fasciocutaneous flap for scrotal reconstruction. J Plast Reconstr Surg. 2007;31(2):149-55..

No tratamento das áreas cruentas resultante de fasceíte necrotizante no escroto, três aspectos devem ser considerados: a cicatrização da ferida, a manutenção da função e a recuperação estética1313 Franco D, Rodrigues C, Tavares JM, Imoto F, Franco T. Reconstrução do escroto após fascite necrosante. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):349-54..

Em caso de retardo no processo de cobertura testicular, a contração que se segue à formação da granulação encarcera os testículos, podendo levar a torções ou compressões que alterem a espermatogênese, que já poderá ter sido prejudicada pela própria doença1313 Franco D, Rodrigues C, Tavares JM, Imoto F, Franco T. Reconstrução do escroto após fascite necrosante. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):349-54. (Figura 3).

Múltiplos debridamentos cirúrgicos para retirada de restos necróticos constituem regra e não exceção, ocorrendo em média de 3,5 procedimentos por paciente.

O retalho súpero-medial da coxa foi descrito pela primeira vez por Hirshowitz1313 Franco D, Rodrigues C, Tavares JM, Imoto F, Franco T. Reconstrução do escroto após fascite necrosante. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):349-54.,1414 Ferreira PC, Reis JC, Amarante JM, Silva AC, Pinho CJ, Oliveira IC, et al. Fournier's gangrene: a review of 43 reconstructive cases. Plast Reconstr Surg. 2007;119(1):175-84. para reconstruir escroto e vulva. Ele possui rica vascularização, principalmente a partir dos ramos da artéria femoral (pudendo interno e circunflexo), tornandoo seguro inclusive em diabéticos e vasculopatas. Ele promove boa reposição para perdas extensas de pele escrotal, é de fácil execução técnica e produz excelentes resultados estéticos tanto na área doadora como receptora55 Mauro V. Retalho fasciocutâneo de região interna de coxa para reconstrução escrotal na síndrome de Fournier. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(4):707-9.,88 Whaib ARA. Evaluation of superomedial fasciocutaneous thigh flap in replacement of scrotal and penile skin. Iraq Postgrade Med J. 2011;10(3):374-80..

Para Ferreira et al.1414 Ferreira PC, Reis JC, Amarante JM, Silva AC, Pinho CJ, Oliveira IC, et al. Fournier's gangrene: a review of 43 reconstructive cases. Plast Reconstr Surg. 2007;119(1):175-84., além destas vantagens, o retalho súpero-medial da coxa é confeccionado em tempo único, não deixa sequela na área doadora e traz de volta o equilíbrio psicológico do acometido em relação à cobertura das estruturas genitais, até então expostas.

O retalho apresenta tecido semelhante ao do escroto, contendo inclusive pelos, preservação da sensibilidade local pela inclusão dos nervos ilioinguinal e ramo genital do nervo genitofemoral33 Horta R, Cerqueira M, Marques M, Ferreira P, Reis J, Amarante J. Fournier's gangrene: from urological emergency to plastic surgery. Actas Urol Esp. 2009;33(8):925-9.,88 Whaib ARA. Evaluation of superomedial fasciocutaneous thigh flap in replacement of scrotal and penile skin. Iraq Postgrade Med J. 2011;10(3):374-80.,1313 Franco D, Rodrigues C, Tavares JM, Imoto F, Franco T. Reconstrução do escroto após fascite necrosante. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):349-54., simples execução em único tempo cirúrgico1212 El-Mageed MA. Evaluation of the anteromedial thigh fasciocutaneous flap for scrotal reconstruction. J Plast Reconstr Surg. 2007;31(2):149-55. e síntese primária da área doadora. Como fator limitante, temos a disponibilidade da área doadora da coxa, que em pacientes jovens pode ser escassa pela pouca flacidez da região.

Para Mordjikian11 Mordjikian E, Oliveira MA, Merolo Jr J. Métodos de reconstrução cirúrgica utilizados no tratamento das deformidades teciduais decorrentes da gangrena de Fournier: análise de 10 casos. An Bras Dermatol. 2001;76(6):701-9., os retalhos fasciocutâneos apresentam menores proteção, volume e vascularização do que os miocutâneos, porém, com a vantagem de não causarem comprometimento funcional da área doadora.

Ferreira et al.1414 Ferreira PC, Reis JC, Amarante JM, Silva AC, Pinho CJ, Oliveira IC, et al. Fournier's gangrene: a review of 43 reconstructive cases. Plast Reconstr Surg. 2007;119(1):175-84., num estudo retrospectivo entre 1985 e 2003, analisaram prontuários de 43 pacientes que foram acometidos por fasceíte necrotizante, utilizaram o retalho súpero-medial da coxa em 26 deles, sendo 17 bilateral e 9 unilateralmente. Deiscência parcial ocorreu em cinco pacientes.

El-Mageed1212 El-Mageed MA. Evaluation of the anteromedial thigh fasciocutaneous flap for scrotal reconstruction. J Plast Reconstr Surg. 2007;31(2):149-55. defende o retalho anterior da face medial da coxa em comparação com o súpero-medial, afirmando que o primeiro apresenta as seguintes vantagens: dissecção e acesso mais fáceis, arco de rotação menos agudo e com menor risco de torção do pedículo, orelha de cachorro menor na parte superior por conta da transposição e cicatriz na área doadora, ficando distante da área de atrito entre as coxas.

Ayad66 Ayad WM, Al-Shahat OA, Zaied E, Albanooby T, Taman E. The versatility of the medial thigh flap for reconstruction of post-Fournier’s gangrene complex perineoscrotal defects. J Plast Reconstr Surg. 2011;35(1):129-32., numa série de sete pacientes, utilizou o retalho medial da coxa para realizar reconstrução de bolsa escrotal após gangrena de Fournier. Este retalho assemelha-se com o de nossa série, exceto pela altura da dissecção em sentido ascendente, e pela não produção de área cruenta que necessite de enxertia de pele por nossa parte. A reconstrução da bolsa escrotal após uma gangrena de Fournier continua sendo um grande desafio para o cirurgião plástico. A reconstrução é importante para a função, estética e por razões psicológicas66 Ayad WM, Al-Shahat OA, Zaied E, Albanooby T, Taman E. The versatility of the medial thigh flap for reconstruction of post-Fournier’s gangrene complex perineoscrotal defects. J Plast Reconstr Surg. 2011;35(1):129-32..

Para Whaib88 Whaib ARA. Evaluation of superomedial fasciocutaneous thigh flap in replacement of scrotal and penile skin. Iraq Postgrade Med J. 2011;10(3):374-80., pequenas complicações como deiscências, seroma localizado, edema prolongado do retalho, necrose distal, parestesias e alargamento de cicatriz na área doadora podem ocorrer, sem, no entanto, comprometer o bom resultado estético obtido com a reconstrução.

Em nossa série, verificamos num caso de reconstrução bilateral uma pequena área de necrose distal em um dos retalhos que cicatrizou por segunda intenção. Um edema persistente dos retalhos em outro paciente com reconstrução bilateral que cedeu após 3 meses e um alargamento de cicatriz na área doadora num paciente paraplégico. No paciente com retração do funículo espermático (Figura 3) houve persistência da queixa de dor em topografia testicular por cerca de 1 ano após a reconstrução.

Para todos os nossos pacientes, foi orientado repouso e a utilização de suspensório escrotal por um período de pelo menos 3 semanas de pósoperatório. Estes cuidados servem para reduzir o edema, a tensão sobre a ferida, devido ao peso das estruturas, favorecendo assim a ocorrência de uma boa cicatrização1313 Franco D, Rodrigues C, Tavares JM, Imoto F, Franco T. Reconstrução do escroto após fascite necrosante. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):349-54..

No paciente em que houve a persistência do edema prolongado, estes cuidados não foram seguidos, resultando num tempo maior para a sua recuperação.

A reconstrução ideal deve ter as seguintes características: cirurgia em tempo único, retalho com sensibilidade mantida, mínima morbidade na área doadora, simplicidade na sua execução e confiabilidade no retalho confeccionado66 Ayad WM, Al-Shahat OA, Zaied E, Albanooby T, Taman E. The versatility of the medial thigh flap for reconstruction of post-Fournier’s gangrene complex perineoscrotal defects. J Plast Reconstr Surg. 2011;35(1):129-32.,1212 El-Mageed MA. Evaluation of the anteromedial thigh fasciocutaneous flap for scrotal reconstruction. J Plast Reconstr Surg. 2007;31(2):149-55..

CONCLUSÃO

O retalho súpero-medial da coxa constitui uma excelente opção para reconstrução escrotal por ser de fácil execução, promover uma boa cobertura testicular e não produzir sequela na área doadora, além de proporcionar resultados duradouros do ponto de vista funcional e estético.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2013
  • Aceito
    05 Out 2013
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