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Ciência, não-ciência, anticiência: lutas em torno da saúde pública na pandemia de COVID-19

Science, non-science, anti-science: struggles around public health in the COVID-19 pandemic

Resumos

Resumo

O artigo analisa os embates em torno da saúde pública no Brasil durante a pandemia de COVID-19 desde uma perspectiva genealógica. A problemática de pesquisa se desenvolve a partir de duas interrogações, a saber: de que modo os cientistas interpretaram o negacionismo no caso do Brasil? Como a genealogia nos permite reconstruir a situação guerreira vivida entre ciência, não-ciência e anticiência durante a pandemia? O artigo resulta de uma pesquisa qualitativa que emprega a revisão de literatura voltada para textos publicados entre 2020 e 2022, tendo como objetivos: 1) observar de que modo o fenômeno da anticiência foi caracterizado pelo campo acadêmico; e 2) realizar uma reinterpretação genealógica da literatura analisada. O argumento central trata da compreensão dominante do negacionismo como um acontecimento externo à ciência e discorre sobre os desdobramentos implicados nesta concepção. Desde o método genealógico, o artigo reconstrói a historicidade do saber médico-científico moderno, além de acrescentar aos debates sobre o negacionismo uma interpretação socioantropológica de como alguns posicionamentos médicos e de organizações ligadas à ciência subsidiaram movimentos antivacina, a defesa de tratamento precoce e episódios afins.

Palavras-chave:
genealogia; ciência; negacionismo científico; pandemia de COVID-19; saúde pública


Abstract

The article analyzes the conflicts surrounding public health in Brazil during the COVID-19 pandemic from a genealogical perspective. The research problem develops from two questions, namely: how did scientists interpret denialism in the case of Brazil? How does genealogy allow us to reconstruct the warlike situation experienced between science, non-science and anti-science during the pandemic? The article is the result of qualitative research that uses a literature review focused on texts published between 2020 and 2022, with the following objectives: 1) to observe how the phenomenon of anti-science was characterized by the academic field; and 2) to carry out a genealogical reinterpretation of the analyzed literature. The central argument deals with the dominant understanding of denialism as an event external to science and discusses the developments implied in this conception. Using the genealogical method, the article reconstructs the historicity of modern medical-scientific knowledge, in addition to adding to the debates on denialism a socio-anthropological interpretation of how some medical positions and organizations linked to science subsidized anti-vaccine movements, the defense of early treatment and similar episodes.

Keywords:
genealogy; science; scientific denialism; COVID-19 pandemic; public health


1. Introdução

A COVID-19, doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2), teve seu primeiro caso confirmado no Brasil em fevereiro de 2020, sendo declarada como pandemia em março do mesmo ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tratando-se de uma patologia cujo agente etiológico carecia de sequenciamento genômico para que fossem produzidas vacinas, o mundo se viu sem alternativas de imunização que reduzissem, de imediato, a letalidade da doença.

Diversos países se mostraram, em maior ou menor medida, incapazes de atender as demandas por produtos para a prevenção do contágio da doença pela população. No Brasil, a testagem precária, a falta de leitos e de equipamentos hospitalares desencadeou uma crise sanitária — sobretudo pelo fato de que a doença, em muitos de seus casos graves, exige a intubação orotraqueal do enfermo para realização de ventilação mecânica dos pulmões como protocolo de salvamento. Nessas circunstâncias, diversos órgãos de saúde, infectologistas e epidemiologistas recomendaram estratégias de mitigação da transmissão do vírus como o distanciamento/isolamento social e a quarentena, aliadas ao uso de máscaras e a frequente higienização das mãos.

Como fato interligado aos aspectos sanitários e epidemiológicos da pandemia, acompanhamos no Brasil a eclosão de disputas políticas, discursivas etc., em torno das medidas de contenção e tratamento da COVID-19. Segundo Dias et al. (2021), oDIAS, Henrique; LIMA, Luciana; LOBO, Maria Stella. (2021), “Do ‘Mais Médicos’ à pandemia de Covid-19: duplo negacionismo na atuação da corporação médica brasileira”. Saúde em Debate, 45, 2:92-106. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042021E207.
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Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) desprezaram — sob a prerrogativa de autonomia da profissão médica — as recomendações preconizadas pela Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), pela Academia Nacional de Medicina (ANM) e demais entidades nacionais de infectologia, terapia intensiva e pneumologia quando, em abril de 2020, chancelaram o parecer que autorizava a classe médica brasileira a prescrever cloroquina/hidroxicloroquina como tratamento precoce para pacientes sintomáticos.

A partir disso, a recusa de alguns grupos diante das vacinas, das medidas de mitigação e mesmo em relação à própria existência da doença atingiu níveis extraordinários.1 1 Apesar de diferentes grupos terem sido enquadrados como negacionistas durante a pandemia, cabe ressaltar que movimentos antivacina possuem origens distintas, ligados a teorias da conspiração e cosmovisões apocalípticas. O país foi tomado por embates que opunham, de um lado, grupos filiados à defesa de evidências científicas no combate ao vírus; e, de outro, grupos avessos a medidas cientificamente baseadas, geralmente denominados como “negacionistas”. Dentre os grupos vistos como “pró-ciência” destaco, além dos cientistas e profissionais da saúde — que em números expressivos apoiaram as medidas de mitigação cientificamente embasadas —, os diversos públicos que passaram a ter maior contato com os chamados “divulgadores científicos” durante a pandemia (Sígolo et al., 2023SÍGOLO, Vanessa; PERCASSI, Jadi; ARANTES, Pedro; SANO, Hironobu; MOURA, Maurício; FOGUEL, Débora; SMAILI, Soraya; CHIORO, Arthur. (2023), “A onda pró-ciência em tempos de negacionismo: percepção da sociedade brasileira sobre ciência, cientistas e universidades na pandemia da Covid-19”. Ciência & Saúde Coletiva, 28, 12:3687-3700. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320232812.20212022.
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). Por outro lado, entre aqueles denominados como “negacionistas” se destacaram os movimentos antivacina e, sobretudo, grupos politicamente vinculados a concepções de extrema-direita, como o próprio poder executivo e a cúpula do governo federal.2 2 Cabe ressaltar que os grupos “negacionistas” — assim como os “pró-ciência” — não são heterogêneos, não sendo profícua, por exemplo, uma associação mecânica entre o governo e seu eleitorado. Isto posto, proponho a interpretação desse conflito desde uma perspectiva teórico-metodológica calcada na genealogia de matriz foucaultiana.

Dado o viés subversivo do pensamento de Foucault, sua genealogia se constitui numa análise dos processos de formação e imposição científica pelo seu avesso, refazendo as representações que as ciências e os cientistas constroem de si mesmos. Segundo Foucault (2005), aFOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes. genealogia é um projeto que busca no interior da história o modo pelo qual os discursos, enunciados e saberes se impuseram a nós. Essa prática de intervenção no espaço epistêmico das ciências modernas nos ajuda a pensar um aspecto que ficou escanteado nas análises sobre as reações anticientíficas durante a pandemia de COVID-19: a reviravolta dos saberes derivada do histórico combate entre a ciência e os chamados saberes sujeitados.

Foucault (2005)FOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes. denominou como saberes sujeitados os saberes locais, descontínuos, aqueles saberes não legitimados, que seriam de duas espécies. Primeiro, os saberes sujeitados pertenceriam à ordem dos conhecimentos formados em campos eruditos (ciência, filosofia etc.) que, no entanto, foram descartados e/ou mascarados por sua incomensurabilidade ante as exigências de formalização da ciência moderna. Em outras palavras, seriam objetos aparentemente banidos desse ambiente epistêmico que na prática o coabitaram de forma dissimulada e/ou se mantiveram adormecidos em pseudociências, esoterismos etc. Segundo, consistiriam em conhecimentos que nunca estiveram sob um campo erudito de conceituação, que jamais foram expulsos de um campo formal de produção de conhecimento porque foram vistos de partida como saberes inferiores. Foucault denominou essa segunda espécie de saberes sujeitados como saberes das pessoas, o saber daqueles cujo pensamento é associado à insuficiência intelectual, saber dos despossuídos de diplomas, formações especializadas, filiações institucionais, enfim, destituídos das formas consagradas de capital simbólico associado ao conhecimento.3 3 Neste artigo, especificamente, utilizo os saberes indígenas e das classes populares como exemplos de saberes sujeitados no contexto da pandemia.

Para Foucault (2005, pFOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.. 214), desde o iluminismo o mundo ocidental simboliza platonicamente a “caminhada do dia dissipando a noite”. A lógica da modernidade é impregnada pela problemática das luzes, talhada no maniqueísmo que opõe conhecimento e ignorância, razão e loucura, bem e mal. A genealogia dos saberes desconstitui o espectro dicotômico do iluminismo, fundamentado na ideia de que os contrários são radicalmente opostos, fruto de uma associação fantástica entre dia e noite. Trata-se, portanto, de libertar a representação do conhecimento científico de uma condição ontológica substancial, unitária e singular antagônica à ignorância — incorporada pelo esquema classificatório moderno como uma alteridade quimérica, irracionalmente bruta e vocacionada à maldade. Essa narrativa triunfalista da ciência, assim como o monopólio do saber legítimo pelo cientista, pode ser tão arbitrária e violenta quanto a associação direta entre rechaço científico e ignorância.

Portanto, a genealogia se constitui de maneira potente na medida em que possibilita que os saberes das pessoas, na condição de saberes subalternos, intervenham criticamente em relação à ciência sem que sejam desqualificados a priori por serem saberes não-científicos. Não se trata de simetrizar os saberes, dar legitimidade aos diferentes negacionismos ou desconsiderar os interesses implicados nos processos de negação, mas compreendê-los sociologicamente, contrapondo as perspectivas ortodoxas sobre a história da ciência. Foucault (2005, pFOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.. 14) entendia as genealogias como um projeto de insurreição “contra os efeitos centralizadores de poder que são vinculados a uma instituição e ao funcionamento de um discurso científico”, tendo em vista que historicamente a hegemonia científica tem produzido o assujeitamento de outras formas de saber.

Considerando que os conflitos se deram em torno da saúde pública, na qual a medicina e a biomedicina concentram protagonismo, dedico especial atenção ao lugar ocupado pelo saber médico na pandemia. Assim, problematizo a extensão dos fatos a partir de duas interrogações: de que modo os cientistas interpretaram o negacionismo no caso do Brasil? Como a genealogia nos permite reconstruir a situação guerreira vivida entre ciência, não-ciência e anticiência durante a pandemia?

Para desdobrar estas questões, o artigo está estruturado da seguinte maneira: na seção subsequente a esta introdução apresento os materiais e técnicas de pesquisa; em seguida sugestiono uma definição de ciência e exponho a revisão de literatura acerca do negacionismo; mais adiante, abordo os processos de formação e dominância dos saberes médicos; por fim, reorganizo genealogicamente fatos surgidos tanto no interior quanto no exterior do campo científico, de modo a formular outra interpretação sobre a questão do negacionismo.

2. Materiais e técnicas de pesquisa

Como estudo qualitativo, o trabalho emprega a revisão narrativa de literatura para cartografar as produções científicas que abordam as dimensões sociais da COVID-19. O objetivo da revisão foi observar a caracterização científica do negacionismo no Brasil e, subsequentemente, realizar uma reinterpretação genealógica junto às discussões cientificamente postas. O levantamento bibliográfico de pesquisa foi realizado pela busca de textos indexados na biblioteca eletrônica Scientific Eletronic Library Online (SciELO), considerando artigos publicados em língua portuguesa entre 2020 e setembro de 2022.

Os critérios de busca e seleção dos materiais analisados se deram da seguinte forma: 1) por meio de palavras-chave, a saber: negacionismo, anticiência, isolamento social, distanciamento social, tratamento precoce, ciência e poder; 2) leitura do resumo dos textos encontrados a partir das respectivas palavras-chave e escolha daqueles que em sua síntese melhor se aproximavam da discussão proposta. O extenso número de artigos não selecionados tem relação com o fato de que, nos textos descartados, as discussões estavam concentradas nos aspectos clínicos, nas formas de mitigação do vírus etc., sem que houvesse uma ênfase na dimensão social da doença, que aqui é o aspecto mais relevante. A Tabela 1 apresenta abaixo o número de trabalhos encontrados e selecionados de acordo com cada termo, totalizando 34 artigos analisados integralmente.

Tabela 1
Número de textos analisados na revisão de literatura por palavra-chave

Cabe ressaltar que alguns textos são encontrados sob diferentes palavras-chave, portanto, são referências duplicadas quando se considera o número total de artigos publicados, mas integradas uma única vez ao número de artigos selecionados. Abaixo, o Quadro 1 apresenta os títulos dos artigos revisados sob cada palavra-chave.

Quadro 1
Artigos analisados na revisão de literatura por palavra-chave

Embora tenham sido selecionados 8 artigos a partir da palavra-chave “negacionismo”, 17 dos 34 trabalhos analisados abordam o tema, ainda que selecionados sob outros termos. Do mesmo modo, a seleção de um único artigo por meio da palavra-chave “tratamento precoce” destoa da representação que o tema possui, sendo discutido em 8 dos 34 trabalhos. A revisão reúne publicações feitas em periódicos de diversos campos do conhecimento como, por exemplo, psicologia, educação, medicina, demografia, saúde coletiva etc.

3. Ciência e negacionismo científico

Com base na revisão, pode-se dizer que o fenômeno do negacionismo é entendido como uma “externalidade científica”.4 4 Parte da literatura revisada subentende a negação como algo externo à ciência. Aqui, em uma proposta crítica, a negação também é compreendida como uma das consequências do monopólio da autoridade/legitimidade epistêmica pelas ciências. De modo sintomático, o negacionismo tem sido pensado por muitos cientistas como obra de grupos e saberes que estão “do lado de fora da ciência”. Dito de outra forma, algumas teses sugerem que aqueles que negam a ciência são os que não a compreendem, que não estão familiarizados com seus métodos, conceitos e paradigmas, ou, ainda, que possuem interesses em conflito com a ciência. No limite, a representação de uma “exterioridade” científica perniciosa assume contornos dramáticos, dada a indiferenciação do que é anticientífico daquilo que simplesmente não é ciência.

A indiferenciação entre anticiência e não-ciência acaba se traduzindo em um modelo de análise universalizante, que estigmatiza os conhecimentos não-científicos como inferiores, ilegítimos ou mesmo como simples ignorância. Entretanto, antes de abordar propriamente algumas formas pelas quais o campo científico compreende o negacionismo, é necessário expor qualquer que seja a noção de ciência. O sentido de ciência que me parece adequado colocar em jogo é aquele elaborado por Bachelard (2005)BACHELARD, Gaston. (2005), A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto., que discute os aspectos formais do empreendimento científico (métodos, conceitos, teorias etc.) e, ao mesmo tempo, preserva uma compreensão historicizada da ciência.

A partir da epistemologia bachelardiana, a ciência consiste em uma prática de ruptura com os conhecimentos espontâneos. A ciência significa uma destruição polêmica dos obstáculos do senso comum, de uma realidade primeira apreendida pela experiência imediata e, simultaneamente, uma destruição de todas as formas de catecismo utilitarista e de racionalismo ingênuo que possam residir na própria objetivação científica. Deste ponto, o autor formula a ideia de descontinuidade da ciência, considerando que sua história explicita a feição disruptiva de sua constituição em diferentes períodos. Bachelard (2005, pBACHELARD, Gaston. (2005), A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto.. 77) põe ênfase no caráter construído dos objetos da ciência, “que nunca ela os encontra prontos”, que o conceito se torna científico “na proporção em que se torna técnico, em que está acompanhado de uma técnica de realização”.

O que o epistemólogo denomina como fenomenotécnica é justamente o movimento da ciência de experienciar tecnicamente os conceitos, de produzir laboriosamente os objetos pelos quais nos relacionamos com o real, que nunca são objetos nativos. A historicização radical de Bachelard sobre a epistemologia moderna vê na relação entre conceito e técnica o fundamento que possibilita a produção dos artefatos da ciência. Por isso, Bachelard (2005)BACHELARD, Gaston. (2005), A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto. caracteriza a ciência como um empreendimento criativo, que investe conceitual e tecnicamente para reinventar a realidade que incorporamos espontaneamente quando desencarnados do espírito científico.

Todavia, a psicanálise do conhecimento objetivo de Bachelard mostra que a ciência desenvolve instrumentos de maneira endógena e que, a partir da sublimação científica da realidade, o cientista incorpora uma dinâmica psíquica autógena em relação à ciência. Em outras palavras, psicanalisar o inconsciente científico nos leva a enxergar como o cientista tem sua libido reconfigurada pela ciência a ponto de acreditar que “a ciência é a estética da inteligência” (Bachelard, 2005, pBACHELARD, Gaston. (2005), A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto.. 13). Dito isto, podemos nos concentrar naquilo que está convencionado como uma forma de desprezo da ciência, o negacionismo científico.

Dimenstein et al. (2020)DIMENSTEIN, Magda; SIMONI, Ana Carolina; LONDERO, Mario. (2020), “Encruzilhadas da Democracia e da Saúde Mental em Tempos de Pandemia”. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 40:1-16. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003242817.
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, em uma perspectiva de veio freudiano, articulam a negação da ciência ao crescimento do sentimento de desamparo da população brasileira em relação ao poder público. Essa sensação de abandono emprestaria às estruturas psíquicas as condições de possibilidade do individualismo primitivo, colocando os sujeitos sob uma relação tensa entre a satisfação egoísta da autopreservação e a sobrevivência do grupo, o que desencadeou atitudes de rejeição quanto à gravidade da COVID-19 (Dimenstein et al., 2020DIMENSTEIN, Magda; SIMONI, Ana Carolina; LONDERO, Mario. (2020), “Encruzilhadas da Democracia e da Saúde Mental em Tempos de Pandemia”. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 40:1-16. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003242817.
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).

Contudo, é preciso ter em mente que o abandono estatal não necessariamente se traduz na negação da doença pelas pessoas, mas na impossibilidade de alguns grupos em praticar as medidas de mitigação, considerando suas precárias condições materiais (Augustin e Soares, 2021AUGUSTIN, André; SOARES, Paulo. (2021), “Desigualdades intraurbanas e a Covid-19: uma análise do isolamento social no município de Porto Alegre”. Cadernos Metrópole, 23, 52:971-991. DOI: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2021-5206.
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; Natividade et al., 2020NATIVIDADE, Marcio; BERNARDES, Kionna; PEREIRA, Marcos; MIRANDA, Samilly; BERTOLDO, Juracy; TEIXEIRA, Maria; LIVRAMENTO, Humberto; ARAGÃO, Erika. (2020), “Distanciamento social e condições de vida na pandemia COVID-19 em Salvador-Bahia, Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, 25, 9:3385-3392. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.22142020.
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). Quando desconsiderada essa dimensão, a população em situação vulnerável acaba sendo injustamente vinculada ao repúdio das medidas de contenção do vírus. A esse respeito, é preciso dizer que a prevalência da doença não foi casualmente equacionada, mas esteve consoante com decisões políticas perversas e fatores típicos da produção de desigualdades — raça, classe social, local de moradia etc.

Camargo Jr. e Coeli (2020)CAMARGO JR., Kenneth; COELI, Claudia. (2020), “A difícil tarefa de informar em meio a uma pandemia”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30, 2:1-5. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300203.
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argumentam que, de maneira geral, as diversas formas de negacionismo utilizam discursos retóricos para legitimar coisas que não se sustentam factualmente. Baseados no texto “Denialism: what is it and how should scientists respond?” de 2009 de Pascal Diethelm e Martin McKee, os autores expõem aqueles que seriam os principais traços do negacionismo: 1) identificação de conspirações; 2) uso de falsos experts; 3) seletividade, focalizando em artigos isolados que contrariam o consenso científico (‘cherry-picking’); 4) criação de expectativas impossíveis para a pesquisa; e 5) uso de deturpações ou falácias lógicas (Camargo Jr. e Coeli, 2020, pCAMARGO JR., Kenneth; COELI, Claudia. (2020), “A difícil tarefa de informar em meio a uma pandemia”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30, 2:1-5. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300203.
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. 2).

Conforme Perini-Santos (2022)PERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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, durante a pandemia a defesa de teses destituídas de evidências científicas foi multiplicada pela eliminação da deferência aos especialistas como requisito indispensável para que as teorias conquistem reconhecimento e legitimidade. Segundo o autor, é incontestável o fato de que os cientistas possuem um conhecimento diferenciado no tratamento de evidências que os permite compreender uma série de riscos, não apenas no que se refere à pandemia, mas em relação a tudo.

A recusa de alguns grupos em dividir socialmente o trabalho cognitivo teria sido um dos princípios do negacionismo. A busca pela autonomia epistemológica individual resultaria em uma crise de confiança na ciência, dado que, para alguns, a possibilidade de se identificar com uma teoria se sobrepõe ao conteúdo que a sustenta. O autor utiliza como exemplo o criacionismo, que não poderia ser aderido por motivações epistêmicas, somente pelo desejo de pertencimento e identificação das pessoas a um grupo.

No desenrolar do artigo “Desinformação, negacionismo e a pandemia”, Perini-Santos (2022, pPERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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. 10) aumenta o tom de sua crítica ao afirmar que “o fato de uma comunidade científica errar não altera em nada a assimetria epistêmica”, estando subjacente a ideia de que a ciência é sempre superior em termos epistêmicos, ainda que não produza “a verdade última”. Completa:

Por que confiar em textos produzidos por pessoas anônimas, que não respondem por nada e cuja formação é desconhecida? Por que, em particular, confiar mais nestas pessoas do que em especialistas que publicam em revistas especializadas, que são parte de equipes de instituições reconhecidas, e que têm um custo reputacional alto em defender teses injustificadas? Porque cada um pode se identificar com um anônimo sem qualificação específica. De certo modo, esta é uma escolha democrática. Esta também é a escolha da ignorância (Perini-Santos, 2022, pPERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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. 5-6).

A descrença nas universidades teria provocado o rechaço às produções científicas, levando as pessoas a “escolherem a ignorância”, o que Perini-Santos (2022, pPERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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. 13) ilustra ao dizer que “a sociedade brasileira escolheu, nas últimas eleições, um governo que ataca as instituições que produzem a ciência e que promove teorias anticientíficas, isto é, escolheu a ignorância”.5 5 O autor se refere à eleição presidencial ocorrida no Brasil no ano de 2018. Morel (2021)MOREL, Ana Paula. (2021), “Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica”. Trabalho, Educação e Saúde, 19, 1-14, e00315147. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00315.
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denomina como crise de interpretação a vinculação de teses negacionistas à “ignorância” tendo em vista dois motivos.

Primeiro pelo fato de existir uma rede de financiamentos para que os estudos contrários aos interesses corporativos sejam desqualificados a despeito de sua fiabilidade (Duarte e César 2020DUARTE, André; CÉSAR, Maria Rita. (2020), “Negação da Política e Negacionismo como Política: pandemia e democracia”, Educação & Realidade, 45, 4:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-6236109146.
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; Morel, 2021MOREL, Ana Paula. (2021), “Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica”. Trabalho, Educação e Saúde, 19, 1-14, e00315147. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00315.
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). Exemplo disso foi a luta travada pela indústria do tabaco para deslegitimar as pesquisas que associavam o aumento de doenças cancerígenas ao tabagismo, ou, ainda, as estratégias de empresas de combustíveis fósseis em questionar os efeitos do dióxido de carbono no aquecimento global (Duarte e César, 2020DUARTE, André; CÉSAR, Maria Rita. (2020), “Negação da Política e Negacionismo como Política: pandemia e democracia”, Educação & Realidade, 45, 4:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-6236109146.
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; Morel, 2021MOREL, Ana Paula. (2021), “Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica”. Trabalho, Educação e Saúde, 19, 1-14, e00315147. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00315.
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). Segundo, a acusação genérica de “ignorância” sobre prevenção/tratamento em matéria de saúde pública reintroduz olhares colonialistas e higienistas da trajetória nacional, desembocando na culpabilização dos pobres pela propagação e mortalidade da doença (Morel, 2021MOREL, Ana Paula. (2021), “Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica”. Trabalho, Educação e Saúde, 19, 1-14, e00315147. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00315.
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).

Duarte e César (2020, pDUARTE, André; CÉSAR, Maria Rita. (2020), “Negação da Política e Negacionismo como Política: pandemia e democracia”, Educação & Realidade, 45, 4:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-6236109146.
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. 10) abordam a deslegitimação dos “conhecimentos aceitos como verdadeiros pelas instituições sociais habilitadas para auferir tal qualificação” como resultado de posturas negacionistas que questionam a validade do que é produzido pelos cientistas. Todavia, os autores enfatizam o quanto teses negacionistas são, inclusive, formuladas por cientistas financiados pelos interesses empresariais. Além disso, diversas construções intelectuais apresentam uma leitura de que o recrudescimento do negacionismo teria sido fomentado por um evento adjacente, o fenômeno da pós-verdade (Duarte e César, 2020DUARTE, André; CÉSAR, Maria Rita. (2020), “Negação da Política e Negacionismo como Política: pandemia e democracia”, Educação & Realidade, 45, 4:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-6236109146.
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; Henriques e Vasconcelos, 2020HENRIQUES, Cláudio; VASCONCELOS, Wagner. (2020), “Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil”. Estudos Avançados, 34, 99:25-44. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003.
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; Perini-Santos, 2022PERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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).

A pós-verdade produziria uma cultura de descarte dos fatos em nome de crenças e paixões infundadas, dada a perda de confiança dos sujeitos nos meios de comunicação como mediadores entre ciência e população (Duarte e César, 2020DUARTE, André; CÉSAR, Maria Rita. (2020), “Negação da Política e Negacionismo como Política: pandemia e democracia”, Educação & Realidade, 45, 4:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-6236109146.
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; Henriques e Vasconcelos, 2020HENRIQUES, Cláudio; VASCONCELOS, Wagner. (2020), “Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil”. Estudos Avançados, 34, 99:25-44. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003.
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). A pesquisa de Galhardi et al. (2022)GALHARDI, Cláudia; FREIRE, Neyson; FAGUNDES, Maria Clara; MINAYO, Maria Cecília; CUNHA, Isabel Cristina. (2022), “Fake news e hesitação vacinal no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, 27, 5:1849-1858. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232022275.24092021.
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sobre a hesitação vacinal destaca os diferentes motivos da desconfiança na ciência, mostrando que não apenas as crenças como também as notícias falsas circuladas durante a pandemia influenciaram esse comportamento.

Embora sejam distintas entre si, muitas produções revisadas sintetizam formas comuns pelas quais os cientistas demarcam a fronteira que os separa da não-ciência: formação; vínculo com instituições de pesquisa reconhecidas; publicações em periódicos especializados; trabalho com evidências (observacionais, experimentais etc.). Ao mesmo tempo em que representam a complexidade do produto científico, esse conjunto de signos escolásticos são usados para legitimar os conhecimentos da ciência como superiores em relação aos conhecimentos não-científicos.

Para evitar o voluntarismo diante da confortável ideia de superioridade da ciência, é preciso reconstruir a trajetória pela qual o conhecimento científico se tornou soberano. Nesse caso, em especial, se trata de buscar na história a forma pela qual os saberes médicos sobre o corpo, a saúde e a doença se tornaram dominantes desde um regime de cientificidade.

4. A historicidade dos saberes científicos e biomédicos: autoridade, hegemonia e interesse

Até o século XVIII, o que chamamos “a ciência”, como campo global de produção de conhecimentos, não existia. Com a formação de um aparelho universitário napoleônico no século XVIII, a ciência, como “metacampo”, vai produzir um policiamento disciplinar dos saberes, no qual a universidade assume o papel de selecionar os enunciados apropriados à formalização científica (Foucault, 2005FOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.). Estava em jogo, portanto, a produção de uma fronteira epistêmica entre ciência e não-ciência. Esse episódio foi precedido pelo longo processo da Revolução Científica, ocorrida entre os séculos XVI e XVIII.

O trabalho de Descartes (1996)DESCARTES, René. (1996), Discurso do método. São Paulo, Martins Fontes. foi central no estabelecimento do racionalismo científico moderno, desde o dualismo substancialista entre a res cogitans (“coisa pensante”), representada pela mente, e a res extensa (“coisa extensa”), que se refere ao corpo. O esquema cartesiano realizou a secularização burguesa do cristianismo, que separava corpo e alma, passando a distinguir ontologicamente corpo e razão. Essa configuração da episteme moderna teve forte influência sobre as ciências ocidentais, incluindo a biomedicina de viés organicista. Nessa vertente do modelo biomédico, as compreensões sobre o corpo e a doença são reduzidas aos aspectos físicos (orgânicos), sendo que ambos são indissociáveis de aspectos socioculturais e da condição de pessoa do paciente, o que inclui os elementos não patogênicos do adoecer – sofrimento, medo, estigma, isolamento etc.

A reorganização disciplinar do saber médico sob um regime de cientificidade teve, como contrapartida, a produção de um escalonamento dos saberes no que se refere ao eixo saúde-doença. A distinção dicotômica entre verdadeiro e falso praticada pela ciência fez com que o saber médico se instituísse como superior em comparação aos saberes não-científicos, resultando na hierarquização radical dos conhecimentos sobre o corpo. A nova representação social do saber médico-científico foi construída por meio de campanhas de higiene pública, novas regras, códigos e formações para o exercício da profissão médica (Foucault, 2005FOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.).

O trabalho de Palharini (2017)PALHARINI, Luciana. (2017), “Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil”. Cadernos Pagu, 49:1-37. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700490007.
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presentifica essa hegemonia médica sobre o corpo ao abordar os posicionamentos de entidades médicas referentes à violência obstétrica no Brasil. A autora mostra que frequentemente esses órgãos negam a existência de violações dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O discurso obstétrico dominante patologiza o parto vaginal, persuadindo as gestantes à adesão de cirurgias cesarianas. Isso ocorre em vista de uma cultura médica autoritária que acredita que “o parto pertence ao médico e não à mulher” (Palharini, 2017, pPALHARINI, Luciana. (2017), “Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil”. Cadernos Pagu, 49:1-37. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700490007.
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. 25), dada a cientificidade da conduta clínica que faria o profissional saber o que é melhor para o nascimento da criança. Para Camargo Jr. (1992)CAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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, é importante perceber que:

A crença dos médicos na ‘cientificidade’ da sua prática — e mais que isso, na eficácia desta ‘cientificidade’ — é, num certo sentido, mágica, já que a forma como os conhecimentos são produzidos lhes escapa, fazendo com que esses conhecimentos sejam incorporados à sua prática de forma acrítica (Camargo Jr., 1992, pCAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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. 225).

De acordo com Palharini (2017, pPALHARINI, Luciana. (2017), “Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil”. Cadernos Pagu, 49:1-37. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700490007.
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. 7), em partos vaginais os médicos costumam realizar a episiotomia — incisão efetuada no períneo para ampliar o canal do parto — sem o consentimento da mulher e sem anestesia, pois, a paciente “já está sentindo dor mesmo”. Soma-se a essa cultura autoritária o fato de que, no Brasil, os médicos são uma classe elevada por uma dupla injunção. Primeiro, os médicos são uma classe profissional distinta dada a representação filantrópica da relação médico-paciente (Minayo, 1991MINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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). Segundo, em números significativos, os médicos são pertencentes a classes sociais privilegiadas, visto que a formação em medicina no país está associada a uma origem nos estratos de classe média e alta (Maas et al., 2021MAAS, Lucas; CHACHAM, Alessandra; TOMÁS, Maria Carolina. (2021), “Profissão e estratificação social: desigualdades nas trajetórias de médicos e enfermeiros no Brasil atual”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 36, 105:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/3610503/2020.
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).

A Demografia Médica no Brasil (Scheffer et al., 2020SCHEFFER, Mário; CASSENOTE, Alex; GUERRA, Alexandre; GUILLOUX, Aline; BRANDÃO, Ana; MIOTTO, Bruno; ALMEIDA, Cristiane; GOMES, Jackeline; MIOTTO, Renata. (2020), Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo, FMUSP, CFM.) registrou que, dentre os concluintes de medicina em 2019, 20,4% provinham de famílias com ganhos de 6 a 10 salários-mínimos, 25,6% de 10 a 30 salários e 9,3% acima de 30 salários-mínimos. No mesmo período, o rendimento domiciliar per capita médio foi de R$1.410,00 e R$852,00 de rendimento mediano (IBGE, 2021INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. (2021), Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, IBGE.), com salário-mínimo de R$998,00 (Brasil, 2019BRASIL. (2019), DECRETO Nº 9.661, DE 1º DE JANEIRO DE 2019. Regulamenta a Lei nº 13.152, de 29 de julho de 2015, que dispõe sobre o valor do salário-mínimo e a sua política de valorização de longo prazo. Brasília, DF.), enquanto o tamanho médio das famílias era de 3,07 pessoas (Brasil, 2021BRASIL. (2021), Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional da Família. Observatório Nacional da Família. Famílias e filhos no Brasil. Brasília.). Logo, a tendência apontava que ao menos 55,3% dos concluintes provinham de famílias com ganho significativamente superior ao restante da população. No mesmo ano, 67,1% se autodeclararam da cor/raça branca, ao passo que quase 40% eram filhos de pais graduados, sendo que destes mais de 20% eram pós-graduados (Scheffer et al., 2020SCHEFFER, Mário; CASSENOTE, Alex; GUERRA, Alexandre; GUILLOUX, Aline; BRANDÃO, Ana; MIOTTO, Bruno; ALMEIDA, Cristiane; GOMES, Jackeline; MIOTTO, Renata. (2020), Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo, FMUSP, CFM.). Ou seja, a origem familiar de grande parte dos médicos mostra como seus percursos são beneficiados por capitais típicos de distinção que os colocam em uma posição dominante na divisão social do trabalho (Maas et al., 2021MAAS, Lucas; CHACHAM, Alessandra; TOMÁS, Maria Carolina. (2021), “Profissão e estratificação social: desigualdades nas trajetórias de médicos e enfermeiros no Brasil atual”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 36, 105:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/3610503/2020.
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).

Maas et al. (2021)MAAS, Lucas; CHACHAM, Alessandra; TOMÁS, Maria Carolina. (2021), “Profissão e estratificação social: desigualdades nas trajetórias de médicos e enfermeiros no Brasil atual”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 36, 105:1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/3610503/2020.
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observam que os médicos distanciam seu pertencimento e a identidade de seu ofício em relação às classes trabalhadoras, se reconhecendo geralmente como classe média ou alta. A construção do médico e da medicina como entidades superiores resultam na frequente desqualificação das representações populares de corpo, saúde e doença. Isto porque não são propriamente corpo, saúde e doença que estão em jogo, mas a preservação de relações sociais hierárquicas (Minayo, 1991MINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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). As representações que os médicos produzem baseados na ciência estão em uma relação tensa com as experiências daqueles alheios à cientificidade. De acordo com Minayo (1991)MINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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, apesar de as pessoas se submeterem à medicalização clínica, elas se reservam críticas em relação ao poder médico, especialmente nas classes populares.

O modo próprio de se relacionar com a medicina oficial, particularmente através da medicina religiosa e tradicional, é um esquema através do qual a classe trabalhadora resiste à despossessão do sentido de sua vida e de sua morte. Enquanto procura e reivindica um tratamento adequado e “digno” no sistema oficial, mas ao mesmo tempo através de outros sistemas encontram uma alternativa para a sua representação de corpo e sua relação com o mundo, os trabalhadores reafirmam sua identidade e um saber específico que se contrapõem e questionam as interpretações dominantes e legitimadas (Minayo, 1991, pMINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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. 29).

A etnografia realizada por Sabino e Luz (2010)SABINO, Cesar; LUZ, Madel. (2010), “O ambulatório no discurso dos médicos residentes: reprodução e dinâmica do campo médico”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 20, 4:1357-1375. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000400016.
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mostra como a formação da identidade médica se dá em meio a uma disputa inconsciente pelo reconhecimento de suas práticas enquanto científicas. De acordo com Minayo, há três lógicas conflitantes implicadas na medicina:

a) lógica do desinteresse humanitário, que se traduz na ideologia de fazer tudo pelo doente, na medida em que se julga depositário da chave da vida e da morte; (b) lógica da racionalidade e do interesse científico, o que torna cada cliente “um caso” ou possível laboratório de progressão da ciência; (c) lógica da rentabilidade econômica, “do ganhar dinheiro” que é o grande estímulo de seu status profissional na sociedade capitalista (Minayo, 1991, pMINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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. 27).

Desde a ciência da ciência proposta por Bourdieu (2008)BOURDIEU, Pierre. (2008), Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus., vemos que essas lógicas estão intrinsecamente imbricadas numa figuração ingênua de desinteresse científico.6 6 Merton (1973) tratou o desinteresse como um dos imperativos ao ethos científico — em que pese a ressonância entre as normas e valores da ciência como instituição, o trabalho do cientista e os sistemas simbólicos de reconhecimento das pesquisas. Aqui, o conceito de illusio se apresenta como a forma sociológica da noção de interesse que nos permite observar como os cientistas possuem uma relação encantada e não gratuita com a ciência.7 7 Do mesmo modo, os cientistas podem ser extremamente críticos em relação à ciência, denunciando os equívocos do campo em oposição ao corporativismo e a beatitude.

A illusio é estar preso ao jogo [...], é dar importância a um jogo social, perceber que o que se passa aí é importante para os envolvidos [...]. A illusio é essa relação encantada com um jogo que é o produto de uma relação de cumplicidade ontológica entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas do espaço social. Isso é o que quero dizer ao falar de interesse: vocês acham importantes, interessantes, os jogos que têm importância para vocês porque eles foram impostos e postos em suas mentes, em seus corpos, sob a forma daquilo que chamamos de o sentido do jogo (Bourdieu, 2008, pBOURDIEU, Pierre. (2008), Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus.. 139-140).

Assim, Bourdieu identifica a transfiguração do narcisismo em libido voltada para a busca do reconhecimento — fato antropológico que está no cerne das possibilidades de investimento do eros nas diferentes formas de illusio (científica, política, religiosa etc.). A illusio nos faz ver que não é preciso explicar ao cientista o valor da ciência, ele está visceralmente convencido deste valor, visto que sua libido sciendi foi transformada em libido científica pela reorganização de suas pulsões no campo científico. Conforme Sabino e Luz (2010)SABINO, Cesar; LUZ, Madel. (2010), “O ambulatório no discurso dos médicos residentes: reprodução e dinâmica do campo médico”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 20, 4:1357-1375. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000400016.
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, para aqueles imiscuídos no saber médico, está em jogo uma economia simbólica das patologias, que faz com que esses sujeitos invistam seu esforço em curar doenças que tragam lucros simbólicos (notoriedade, reputação, aplausos etc.). Consequentemente, no ambulatório “é a patologia que está no leito e não uma pessoa” (Sabino e Luz, 2010, pSABINO, Cesar; LUZ, Madel. (2010), “O ambulatório no discurso dos médicos residentes: reprodução e dinâmica do campo médico”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 20, 4:1357-1375. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000400016.
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. 1361).

Reconstruir a historicidade do saber biomédico nos ajuda a desencantar duas concepções idealistas em torno da ciência. Primeiro, a ideia de que a superioridade epistêmica da ciência é a-histórica, perpétua e independente de relações de força materiais e simbólicas. Segundo, a falsa premissa de que a ciência seja um empreendimento desinteressado, no qual o cientista vem ocupar a figura do abnegado. O exame dos condicionantes históricos da ciência realiza uma fissura nesse território epistêmico, permitindo uma análise propriamente genealógica dos fatos que eclodiram junto à pandemia.

5. Uma interpretação genealógica dos conflitos: controvérsias, alianças e estigmas

De modo geral, o campo científico está permanentemente em confronto com sua “exterioridade”, composta pelos saberes desconformes à sua formalização epistêmica, dada a pretensão científica de possuir o monopólio da verdade sobre as coisas (Foucault, 2005FOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.). Apesar do lugar privilegiado de enunciação ocupado pelos saberes médicos e biomédicos no que se refere ao eixo saúde-doença, há toda uma série de saberes menores produzidos por políticos, curandeiros, rezadores, ativistas, filósofos, religiosos etc. em torno da questão.

Minayo (1991)MINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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lembra como as doenças-metáforas, as doenças que adquirem uma atmosfera catastrófica, são capazes de marcar do ponto de vista histórico-científico uma época. A Peste Negra no século XIV, a tuberculose no século XIX e a Gripe Espanhola no XX, exemplificam momentos que “funcionam como desafio à ciência, ao progresso e reafirmam a ideologia desenvolvimentista segundo a qual o poder da medicina investe para vencer” (Minayo, 1991, pMINAYO, Maria Cecília de Souza. (1991), “Um desafio sociológico para a educação médica (apresentações sociais de saúde-doença)”. Revista Brasileira de Educação Médica, 15, 1-3:25-32. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v15.1-3-005.
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. 28). Portanto, uma interpretação genealógica da pandemia nos permite vê-la como um desses momentos pelos quais a ciência tenta se entronizar diante da sociedade.

O Projeto Plataforma de Saberes ilustra a construção de uma relação amiga entre saberes científicos e não-científicos. O relato de experiência publicado por Souza et al. (2020)SOUZA, Claudia Teresa; SANTANA, Clarice; FERREIRA, Patricia; NUNES, João; TEIXEIRA, Maria De Lourdes; GOUVÊA, Maria Isabel. (2020), “Cuidar em tempos da COVID-19: lições aprendidas entre a ciência e a sociedade”. Cadernos de Saúde Pública, 36, 6:1-7. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00115020.
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, descreve como a produção da cartilha “Cuidar em tempos da COVID-19” foi compartilhado por epidemiologistas, infectologistas, cientistas sociais e líderes comunitários, reunindo os conhecimentos dos cientistas aos conhecimentos de quem viveu a crise sanitária em contexto de vulnerabilidade. Souza et al. (2020)SOUZA, Claudia Teresa; SANTANA, Clarice; FERREIRA, Patricia; NUNES, João; TEIXEIRA, Maria De Lourdes; GOUVÊA, Maria Isabel. (2020), “Cuidar em tempos da COVID-19: lições aprendidas entre a ciência e a sociedade”. Cadernos de Saúde Pública, 36, 6:1-7. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00115020.
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ressaltam a importância de promover a saúde pública a partir da construção coletiva de conhecimentos, o que requer a valorização dos saberes das pessoas. Apesar de potente, essa articulação entre saberes científicos e não-científicos se constitui como exceção, não como regra.

Com o rechaço das orientações científicas, as instituições e os cientistas brasileiros foram colocados em uma situação reativa, especialmente no caso das ciências médicas e biomédicas que viram sua autoridade ameaçada pelo negacionismo (charlatanismo, descaso etc.). Dentre as formas de interpretação acadêmica do fenômeno, a que se mostrou mais problemática e insuficiente foi aquela afiançada pelos resíduos de um senso comum erudito que habita o campo científico. Em outras palavras, aquela que propôs uma associação genérica entre negacionismo e ignorância, sem apresentar uma discussão apropriada em torno da ideia de “ignorância”.

Primeiro, esse tipo de tese desconsidera o quanto o uso do termo “ignorância” reforça os estereótipos de incultura, incivilidade etc., dos quais as camadas populares, os destituídos de diplomas e os saberes não-científicos são historicamente vítimas. Segundo, não leva em conta os interesses em negar a doença, como no caso dos empresários contrários ao fechamento do comércio. Terceiro, invisibiliza o fato de que para alguns grupos o saber científico é estranho não porque sejam ignorantes ou negacionistas, mas porque seus regimes de produção de conhecimento sobre o corpo, a saúde e a doença estão conformados por diferentes estruturas ontológicas e epistêmicas.

A pesquisa de Sawaia et al. (2020)SAWAIA, Bader; ALBUQUERQUE, Renan; BUSARELLO, Flávia. (2020), “O paradoxo do isolamento na pandemia segundo o povo indígena Sateré-Mawé/AM”. Psicologia & Sociedade, 32, 1:1-19. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240300.
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mostra que, para o povo Sateré-Mawé, o isolamento social é uma prática ancestral para escapar das doenças dos brancos. Para os Sateré-Mawé, a fuga para lugares onde possam evitar o contato com os brancos é parte da estrutura cosmogônica dos indígenas com o território. A noção de cuidado dos Sateré-Mawé está fundamentada em uma perspectiva coletiva, portanto, durante a pandemia, essa etnia adotou estratégias de isolamento não pela existência de orientações científicas, mas porque seus afetos preponderantes, seu paradigma intelectual, seu sentimento de comum e seus conhecimentos ancestrais os fizeram colocar em primeiro plano a sobrevivência do grupo como um todo (Sawaia et al., 2020SAWAIA, Bader; ALBUQUERQUE, Renan; BUSARELLO, Flávia. (2020), “O paradoxo do isolamento na pandemia segundo o povo indígena Sateré-Mawé/AM”. Psicologia & Sociedade, 32, 1:1-19. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240300.
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
).

O exemplo dos Sateré-Mawé profana a monocultura ocidental, desfazendo a fábula de que os saberes não-científicos, os saberes não mensurados pelos critérios da racionalidade médica e biomédica sejam necessariamente inferiores em matéria de cuidado. Desde a genealogia se observa algo muito diferente, se observa que os saberes indígenas sobre o cuidado com o corpo/saúde demonstram o quanto a oposição dicotômica entre crença/magia e veracidade clínico-científica esconde uma exotização etnocêntrica, uma compreensão vulgar de conhecimento que, no limite, se desdobra em uma truculência científica sem fundamentos.

Esse caso dá subsídio à genealogia, mostrando que saberes não unitários e não disciplinares podem efetuar críticas legítimas contra as pretensões de uma superioridade científica substancial. A opacidade analítica que vinculou genericamente ignorância e negacionismo se deu em paralelo com outro aspecto negligenciado cientificamente, algo que Foucault denominou como acoplamento dos saberes, ou seja, a junção de elementos “externos” e “internos” a ciência usados na retaliação das recomendações científicas.

Grande parte das análises sobre o negacionismo desconsideram a aliança das reações anticientíficas junto de elementos que habitam a própria ciência — ainda que não estejam sob consenso e possam ser questionadas do ponto de vista ético. Diante da necessidade de afirmar a indispensabilidade do saber científico em matéria de saúde pública, inúmeras teses recalcaram o papel de produções e decisões ligadas a instituições científicas nessa reviravolta dos saberes.

Em artigo publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Fernandes et al. (2020)FERNANDES, Caio; GANEM, Fernando; OLIVIERI, Fabio; VILIBOR, Marcelo; HELITO, Alfredo. (2020), “O Outro Lado da Moeda: Os Riscos da Discussão de Dados Médico-Científicos pela Mídia Durante a Pandemia de COVID-19”. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 115, 2:278-280. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200449.
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chamam atenção para o fato de que o vírus SARS-CoV-2 havia sido identificado há menos de um semestre e que, apesar da gravidade da doença, era necessário tempo para produção e interpretação de dados científicos confiáveis. O texto alertava para os riscos da divulgação midiática de resultados de pesquisa não decantados criticamente por um período adequado.

Segundo Fernandes et al. (2020)FERNANDES, Caio; GANEM, Fernando; OLIVIERI, Fabio; VILIBOR, Marcelo; HELITO, Alfredo. (2020), “O Outro Lado da Moeda: Os Riscos da Discussão de Dados Médico-Científicos pela Mídia Durante a Pandemia de COVID-19”. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 115, 2:278-280. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200449.
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, no primeiro semestre da pandemia inexistiam pesquisas mais robustas elaboradas com estudos aleatorizados e administrados por placebo, dado o custo temporal implicado na produção de evidências com metodologias mais complexas. Portanto, o que estava sendo visto eram posicionamentos científicos diversos e contraditórios em matéria de prevenção e tratamento, sobretudo no que se referia a capacidade clínica de reduzir os casos graves da infecção. Apesar do alerta, medidas de tratamento precoce encontraram aporte em argumentos publicados desde o próprio campo científico.

Angotti Neto e Pinheiro (2021)ANGOTTI NETO, Hélio; PINHEIRO, Mayra Isabel. (2021), “Análise da pandemia e considerações bioéticas sobre o tratamento precoce”. Revista Bioética, 29, 4:677-687. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422021294501.
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defenderam o tratamento precoce imediato para sintomáticos a partir de diagnóstico clínico, mesmo sem confirmação laboratorial da doença. Segundo os autores, medicamentos antimaláricos e vermífugos, por seu efeito antiviral, poderiam ser utilizados de forma segura em pacientes acometidos pela COVID-19. A justificativa para tais intervenções farmacológicas se daria pela tentativa de evitar a dispneia (falta de ar) relacionada aos quadros mais graves e letais da doença. Para tanto, os autores se basearam no fato de que o CFM e o Ministério da Saúde (MS) haviam autorizado os médicos a receitar medicamentos em regime off label (sem recomendação específica para a doença), salvaguardando a autonomia da categoria médica.8 8 De acordo com Cesarino (2021), essa liberdade médica de fazer o que se quer pelos próprios parâmetros significou “virar do avesso” a pirâmide de evidências científicas.

De acordo com Angotti Neto e Pinheiro, a não existência de consenso sobre terapêuticas não deveria impedir a medicalização na fase inicial da doença, de modo a evitar complicações. Tratando-se de um contexto emergencial seria mais prudente, segundo os autores, apostar na possibilidade de benefício de remédios antigos, estudos observacionais, ensaios clínicos — ainda que estes não tivessem eficácia comprovada — do que negligenciar e “proibir arbitrariamente a prescrição de medicamentos em doses seguras diante de uma pandemia com potencial letal” (Angotti Neto e Pinheiro, 2021, pANGOTTI NETO, Hélio; PINHEIRO, Mayra Isabel. (2021), “Análise da pandemia e considerações bioéticas sobre o tratamento precoce”. Revista Bioética, 29, 4:677-687. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422021294501.
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. 683).

A leitura de Cesarino (2021)CESARINO, Letícia. (2021), “Tratamento precoce: negacionismo ou alt-science?” Blog do Labemus, 27 jul. Disponível em https://blogdolabemus.com/2021/07/27/tratamento-precoce-negacionismo-ou-alt-science-por-leticia-cesarino/, consultado em 08/01/2024.
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sobre a alt-science (ciência alternativa) nos ajuda a refletir sobre o tema. Segundo a autora, não foram os medicamentos que estiveram no centro do conflito no caso do tratamento precoce, mas o enquadre epistêmico que estava ao redor de alternativas “não mainstream” de profilaxia medicamentosa. Residindo, ao menos em parte, no campo científico, essas ciências alternativas se puseram em oposição à chamada ciência normal e, ao mesmo tempo, estavam articuladas a um paradigma neoliberal de produção científica. A proliferação de publicações preprint em prol do tratamento precoce ainda demonstraria o caráter conspiratório dessas teses que negavam o princípio de falseabilidade da ciência.9 9 Cesarino (2021) entende que a gramática conspiratória da negação faz parte de um sistema epistêmico conspiritual, que articula a técnica científica a coisas como, por exemplo, a cristandade, a dominação pastoral (carismática) e a divina providência. Isso gerou uma desordem na sintropia científica, na medida em que essas práticas deslocaram a ciência para ambientes cibernéticos e midiáticos nos quais a disputa pelos enunciados era baixa. Todavia, Cesarino reitera que uma associação entre essas posturas médico-científicas e a adesão da população leiga a informações enviesadas é problemática, dado que a prática médico-científica de arrastar o debate epistemológico para os holofotes está eivada de interesses e estratégias inimagináveis para os não cientistas.

Outra discrepância de posicionamento entre os cientistas se deu por conta do uso de máscaras. Em vista da carestia de equipamentos de proteção individual (EPI's), a população foi orientada a usar máscaras de tecido como medida não farmacológica de mitigação da transmissão do vírus por gotículas respiratórias (Taminato et al., 2020TAMINATO, Monica; MIZUSAKI-IMOTO, Aline; SACONATO, Humberto; FRANCO; Eduardo; PUGA, Maria Eduarda; DUARTE, Márcio Luís; PECCIN, Maria. (2020), “Máscaras de tecido na contenção de gotículas respiratórias - revisão sistemática”. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1:1-11. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AR010.
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). Essa recomendação foi baseada em experiências anteriores com pandemias envolvendo síndromes respiratórias (Taminato et al., 2020TAMINATO, Monica; MIZUSAKI-IMOTO, Aline; SACONATO, Humberto; FRANCO; Eduardo; PUGA, Maria Eduarda; DUARTE, Márcio Luís; PECCIN, Maria. (2020), “Máscaras de tecido na contenção de gotículas respiratórias - revisão sistemática”. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1:1-11. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AR010.
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).

A revisão sistemática elaborada por Taminato et al. (2020)TAMINATO, Monica; MIZUSAKI-IMOTO, Aline; SACONATO, Humberto; FRANCO; Eduardo; PUGA, Maria Eduarda; DUARTE, Márcio Luís; PECCIN, Maria. (2020), “Máscaras de tecido na contenção de gotículas respiratórias - revisão sistemática”. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1:1-11. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AR010.
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incluiu sete estudos publicados entre os anos de 1983 e 2020, com o objetivo de verificar a eficácia das máscaras de tecido em comparação às máscaras cirúrgicas e N95. Como resultado, os modelos cirúrgicos e as máscaras N95 apresentaram desempenho superior. Todavia, dependendo do tecido utilizado na confecção das máscaras a contenção de gotículas superaria os 90% e poderia até mesmo impedir a “transmissão de partículas na faixa de tamanho de aerossol” (Taminato et al., 2020, pTAMINATO, Monica; MIZUSAKI-IMOTO, Aline; SACONATO, Humberto; FRANCO; Eduardo; PUGA, Maria Eduarda; DUARTE, Márcio Luís; PECCIN, Maria. (2020), “Máscaras de tecido na contenção de gotículas respiratórias - revisão sistemática”. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1:1-11. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AR010.
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. 7).

No mesmo ano, em artigo publicado na revista Science Advances, Fischer et al. (2020)FISCHER, Emma; FISCHER, Martin; GRASS, David; HENRION; Isaac; WARREN, Warren; WESTMAN, Eric. (2020), “Low-cost measurement of face mask efficacy for filtering expelled droplets during speech”. Science Advances, 6, 36:1-5. DOI: 10.1126/sciadv.abd3083.
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argumentaram que a eficácia das máscaras feitas com tecidos comuns era desconhecida até o momento — afirmação conflitante com Taminato et al. (2020)TAMINATO, Monica; MIZUSAKI-IMOTO, Aline; SACONATO, Humberto; FRANCO; Eduardo; PUGA, Maria Eduarda; DUARTE, Márcio Luís; PECCIN, Maria. (2020), “Máscaras de tecido na contenção de gotículas respiratórias - revisão sistemática”. Acta Paulista de Enfermagem, 33, 1:1-11. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AR010.
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, que apresentam em sua revisão testes realizados com essas máscaras desde 1983. O estudo de Fischer et al. comparou 14 tipos de máscaras de tecido em relação a máscaras N95 constatando que, a depender do tecido, as gotículas maiores eram fragmentadas em gotículas menores, fazendo com que as partículas se mantivessem no ar por mais tempo. A pesquisa também concluiu que as máscaras de tecido apresentavam baixa proteção sendo, em alguns casos, contraproducentes.

Episódios como a liberação de medicamentos para a COVID-19 sem recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) — por parte do MS, do CFM e da AMB —, movimentos antivacina,10 10 A Associação Médicos pela Vida é um exemplo de movimento antivacina com sustentação na área médica (Dias, et al., 2021). a defesa de tratamento precoce sem eficácia comprovada publicada em periódico científico e as conclusões discrepantes acerca das máscaras de tecido, para citar apenas alguns exemplos, fazem questionar a narrativa de que determinados grupos impuseram per se uma retaliação às medidas cientificamente embasados por simples “ignorância”.11 11 Muitos autores acreditam que o desprezo e a ridicularização das mortes pelo poder executivo insuflaram o negacionismo (Campos, 2020; Chioro et al., 2020). Dos 34 trabalhos analisados, 19 ressaltam a influência presidencial na retaliação à ciência. Todos esses fatos mostram que a deflagração de condutas contrárias à ciência se deu com o aporte de uma ampla gama de recursos políticos, institucionais, simbólicos e discursivos. E, mais do que isso, contaram com algo pouco lembrado pelos acadêmicos: as controvérsias científicas.

Na visão de Perini-Santos (2022, pPERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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. 4), “o conhecimento científico é aquele que passa pelo crivo da comunidade científica — de maneira paradigmática, o que é publicado em revistas revisadas por pares”. Entretanto, qualquer que sejam os processos de validação da ciência, eles não impediram que a defesa de tratamentos sem eficácia comprovada fosse publicada desde o campo científico. Ou ainda, eles não contornaram a diferença abissal de resultados entre pesquisas realizadas em um mesmo ano acerca do uso de máscaras de tecido. Isto porque essa visão desconsidera dois elementos fundamentais anteriormente discutidos: os interesses em torno da ciência e a impossibilidade de garantir que toda publicação realizada desde o campo científico seja excepcional.

Parte da classe médica tornou evidente durante a pandemia que sua agenda estava organicamente alinhada às decisões do poder executivo, considerando que a política fiscal adotada atendia seus interesses econômicos.12 12 Em entrevista sobre a importância do SUS, 24,5% dos médicos preferiam a redução dos impostos para que a população contratasse planos de saúde, enquanto 32% eram contrários ao aumento de impostos para financiar o SUS (Scheffer et al., 2020). Esse alinhamento foi precedido pelo favor que o governo federal lhes prestou ao executar uma antiga demanda de frações da ala médica: o encerramento do Programa Mais Médico (PMM) em 2019 (Dias et al., 2021DIAS, Henrique; LIMA, Luciana; LOBO, Maria Stella. (2021), “Do ‘Mais Médicos’ à pandemia de Covid-19: duplo negacionismo na atuação da corporação médica brasileira”. Saúde em Debate, 45, 2:92-106. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042021E207.
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).

Ainda em 2020, foi criada a Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar o enfrentamento à pandemia da COVID-19 no Brasil (CEXCORVI) como uma tentativa de frear a crise sanitária (Penaforte, 2021PENAFORTE, Thais. (2021), “O negacionismo enquanto política: o debate da cloroquina em uma comissão parlamentar”. Cadernos de Saúde Pública, 37, 7:1-13. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00023021.
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). As audiências da comissão parlamentar se tornaram palco de disputas entre médicos, cientistas e políticos, em defesa ou não do tratamento precoce. A comissão escancarou o fato de que não apenas políticos, mas cientistas e médicos tinham seus interesses a defender, ainda que em detrimento da ética profissional e da saúde (Penaforte, 2021PENAFORTE, Thais. (2021), “O negacionismo enquanto política: o debate da cloroquina em uma comissão parlamentar”. Cadernos de Saúde Pública, 37, 7:1-13. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00023021.
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).

De acordo com Penaforte (2021), aPENAFORTE, Thais. (2021), “O negacionismo enquanto política: o debate da cloroquina em uma comissão parlamentar”. Cadernos de Saúde Pública, 37, 7:1-13. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00023021.
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tendência dos médicos brasileiros em receitar cloroquina variou entre 37% e 89%, de acordo com a gravidade do quadro clínico apresentado pelo paciente. A esse respeito, a pesquisa de Fagundes et al. (2007)FAGUNDES, Maria José; SOARES, Magnely; DINIZ, Nilza; PIRES, Jansen; GARRAFA, Volnei. (2007), “Análise bioética da propaganda e publicidade de medicamentos”. Ciência & Saúde Coletiva, 12, 1:221-229. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000100025.
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sobre as abordagens da indústria farmacêutica nos consultórios médicos traz dados interessantes. Dentre os 50 médicos entrevistados durante a pesquisa, 98% revelaram receber visitas de representantes farmacêuticos, dos quais 40% eram visitados toda semana, 22% uma vez ao mês, 12% todos os dias e 10% duas vezes na semana. Além disso, 86% recebiam presentes dos representantes, 14% prescreviam medicamentos específicos para receber premiações das empresas e 68% acreditavam que a propaganda influenciava a prescrição de fármacos.

Mesmo sob o importante argumento de que o atendimento clínico do médico não constitui uma extensão mecânica das convenções científicas do campo da saúde (Perini-Santos, 2022PERINI-SANTOS, Ernesto. (2022), “Desinformação, negacionismo e a pandemia”. Filosofia Unisinos, 23, 1:1-15. DOI: 10.4013/fsu.2022.231.03.
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), ao menos em tese o exercício da medicina também se baseia em evidências produzidas pela ciência. Entretanto, o argumento de que o saber médico está, dentre outras coisas, cientificamente baseado, não deve ser visto como uma associação entre medicina e ciência como campos equivalentes. Como salienta Castro (2021)CASTRO, Rosana. (2021), “Mesmo sem comprovação científica…: políticas de ‘liberação’ da cloroquina”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, p. 1-12., as prescrições de fármacos durante a pandemia estiveram, também, condicionadas por um deslocamento dos referenciais científicos de implementação medicamentosa, especialmente o estudo clínico randomizado (ECR), em nome dos preceitos da prática médica — o que significava intervenções clínicas cuja centralidade estava nos juízos pessoais dos médicos e nas relações médico-paciente.

Camargo Jr. (1992)CAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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adverte para o fato de que, assim como o paciente, o médico é um sujeito inserido em uma complexa trama social e pode fundamentar orientações a despeito da ciência. Ainda que assim o faça, na maior parte dos casos o médico mantém sua autoridade terapêutica, vista como resultado da racionalidade científica, tamanha a força do imaginário sobre a inquestionabilidade do saber médico (Camargo Jr., 1992CAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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).

De acordo com o autor, uma das frases que mais ouviu dos médicos foi a de que “não adianta explicar nada para estas pessoas, são ignorantes” (Camargo Jr., 1992, pCAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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. 219), se referindo à falta de compreensão dos pacientes quanto às orientações clínicas. Porém, o que ocorre muitas vezes são explicações médicas totalmente incompreensíveis para quem não é formado em medicina.

Pude ver num posto de vacinação contra meningite cartazes com advertências a pais e mães que vacinavam seus filhos, nos seguintes termos: “Se seu filho apresentar petéquias, exantema, equimoses, procure um posto de saúde”. Quantas pessoas não médicas, mesmo com excelente nível de instrução, podem decifrar esta lista de sinais? Esta é uma das razões, independentemente de qualquer eficácia terapêutica, da preferência de determinados setores populacionais pelos curandeiros: eles, pelo menos, explicam o que as pessoas sentem em termos que elas podem entender, porque ambos, curandeiro e paciente, fazem parte de um mesmo recorte social. (Camargo Jr., 1992, pCAMARGO JR., Kenneth. (1992), “(Ir)racionalidade médica: os paradoxos da clínica”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 2, 1:203-230. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73311992000100008.
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. 219)

Para Foucault (2005, pFOUCAULT, Michel. (2005), Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, Martins Fontes.. 15), é preciso interrogar que tipo de relação o cientista estabelece com as pessoas não inseridas na ciência quando diz, “eu, que faço esse discurso, faço um discurso científico e sou cientista?”. Possivelmente, ao se apresentar como detentor de um saber superior, o cientista constrange e afasta os não iniciados em sua disciplina. Além disso, a defesa de uma ciência invariavelmente superior, ainda que sob o erro, não reforça sua legitimidade. Pelo contrário, isso produz formas de corporativismo e complacência com produções analiticamente precárias do ponto de vista científico.

Portanto, se torna indispensável a análise dos processos de conformação epistêmica da ciência, retirando desse empreendimento uma condição transcendental. Afinal de contas, foi a partir dos médicos, cuja formação e autoridade estão cientificamente baseadas, que as prescrições de medicamentos sem eficácia comprovada foram feitas em hospitais, postos de saúde e consultórios. Espaços em que o saber médico realiza a transubstanciação de sua legitimidade científica diante da sociedade, lugares em que esse saber se enraizou historicamente como superior em relação aos saberes subalternos das pessoas leigas.

6. Considerações finais

O artigo discutiu algumas interpretações do campo acadêmico acerca do negacionismo científico na pandemia de COVID-19. De modo geral, as produções analisadas interpretaram o negacionismo como um fenômeno externo ao campo científico. Desde uma perspectiva genealógica, foi feita a reconstrução da historicidade dos saberes médicos e de fatos ocorridos na pandemia para a compreensão das lutas em torno da saúde pública. Essa reconstrução permitiu explicitar como o negacionismo foi adornado por posicionamentos de profissionais e instituições cuja legitimidade tem subsídio na ciência.

As controvérsias entre diferentes pesquisas e as polêmicas prescrições médicas mostraram que a errância científica pode ter efeitos tão negativos quanto os desacertos produzidos no exterior da ciência. Entretanto, discutir a extensão dos equívocos cometidos em nome da ciência não significa, de modo algum, dar argumentos ao negacionismo. Pelo contrário, a prática genealógica nos permite, sobretudo, identificar os elementos problemáticos surgidos no próprio campo científico. Além de combater os próprios erros, essa conduta pode ajudar a ciência a conquistar sua legitimidade de outro modo, sem tornar infames aqueles que produzem conhecimentos de maneira distinta, pelo simples fato de não serem ciência.

  • 1
    Apesar de diferentes grupos terem sido enquadrados como negacionistas durante a pandemia, cabe ressaltar que movimentos antivacina possuem origens distintas, ligados a teorias da conspiração e cosmovisões apocalípticas.
  • 2
    Cabe ressaltar que os grupos “negacionistas” — assim como os “pró-ciência” — não são heterogêneos, não sendo profícua, por exemplo, uma associação mecânica entre o governo e seu eleitorado.
  • 3
    Neste artigo, especificamente, utilizo os saberes indígenas e das classes populares como exemplos de saberes sujeitados no contexto da pandemia.
  • 4
    Parte da literatura revisada subentende a negação como algo externo à ciência. Aqui, em uma proposta crítica, a negação também é compreendida como uma das consequências do monopólio da autoridade/legitimidade epistêmica pelas ciências.
  • 5
    O autor se refere à eleição presidencial ocorrida no Brasil no ano de 2018.
  • 6
    Merton (1973)MERTON, Robert. (1973), The Sociology of Science: theoretical and empirical investigations. Londres, Norman W. Storer. tratou o desinteresse como um dos imperativos ao ethos científico — em que pese a ressonância entre as normas e valores da ciência como instituição, o trabalho do cientista e os sistemas simbólicos de reconhecimento das pesquisas.
  • 7
    Do mesmo modo, os cientistas podem ser extremamente críticos em relação à ciência, denunciando os equívocos do campo em oposição ao corporativismo e a beatitude.
  • 8
    De acordo com Cesarino (2021)CESARINO, Letícia. (2021), “Tratamento precoce: negacionismo ou alt-science?” Blog do Labemus, 27 jul. Disponível em https://blogdolabemus.com/2021/07/27/tratamento-precoce-negacionismo-ou-alt-science-por-leticia-cesarino/, consultado em 08/01/2024.
    https://blogdolabemus.com/2021/07/27/tra...
    , essa liberdade médica de fazer o que se quer pelos próprios parâmetros significou “virar do avesso” a pirâmide de evidências científicas.
  • 9
    Cesarino (2021)CESARINO, Letícia. (2021), “Tratamento precoce: negacionismo ou alt-science?” Blog do Labemus, 27 jul. Disponível em https://blogdolabemus.com/2021/07/27/tratamento-precoce-negacionismo-ou-alt-science-por-leticia-cesarino/, consultado em 08/01/2024.
    https://blogdolabemus.com/2021/07/27/tra...
    entende que a gramática conspiratória da negação faz parte de um sistema epistêmico conspiritual, que articula a técnica científica a coisas como, por exemplo, a cristandade, a dominação pastoral (carismática) e a divina providência.
  • 10
    A Associação Médicos pela Vida é um exemplo de movimento antivacina com sustentação na área médica (Dias, et al., 2021DIAS, Henrique; LIMA, Luciana; LOBO, Maria Stella. (2021), “Do ‘Mais Médicos’ à pandemia de Covid-19: duplo negacionismo na atuação da corporação médica brasileira”. Saúde em Debate, 45, 2:92-106. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042021E207.
    https://doi.org/10.1590/0103-11042021E20...
    ).
  • 11
    Muitos autores acreditam que o desprezo e a ridicularização das mortes pelo poder executivo insuflaram o negacionismo (Campos, 2020CAMPOS, Gastão. (2020), “O pesadelo macabro da Covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios”. Trabalho, Educação e Saúde, 18, 3:1-5. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00279.
    https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
    ; Chioro et al., 2020CHIORO, Arthur; CALIFE, Karina; BARROS, Cláudia Renata; MARTINS, Lourdes; CALVO, Marcos; STANISLAU, Evaldo; PEREIRA, Luiz; CASEIRO, Marcos. (2020), “Covid-19 em uma Região Metropolitana: vulnerabilidade social e políticas públicas em contextos de desigualdades”. Saúde em Debate, 44, 4:219-231. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E414.
    https://doi.org/ https://doi.org/10.1590...
    ). Dos 34 trabalhos analisados, 19 ressaltam a influência presidencial na retaliação à ciência.
  • 12
    Em entrevista sobre a importância do SUS, 24,5% dos médicos preferiam a redução dos impostos para que a população contratasse planos de saúde, enquanto 32% eram contrários ao aumento de impostos para financiar o SUS (Scheffer et al., 2020SCHEFFER, Mário; CASSENOTE, Alex; GUERRA, Alexandre; GUILLOUX, Aline; BRANDÃO, Ana; MIOTTO, Bruno; ALMEIDA, Cristiane; GOMES, Jackeline; MIOTTO, Renata. (2020), Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo, FMUSP, CFM.).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    11 Dez 2023
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