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Pensamento crítico e sabedoria prática na sala de aula: contribuições de Bell Hooks para a formação de professores

Critical Thinking and practical wisdow in the classroom: Bell Hooks Contributions to teacher training

Pensamiento crítico y sabiduría práctica en el aula: contribuiciones de Bell Hooks a la formación docente

HOOKS, Bell. . Ensinando pensamento crítico, sabedoria prática. São Paulo: Elefante, 2020.

Ler Bell Hooks é extremamente necessário para o público docente brasileiro, considerando-se que a obra traduzida por Bhuvi Libanio em 2020, intitulada Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática, com um prefácio primoroso de Sérgio Haddad, poderá conter mais algumas pistas para esse público.

De linguagem clara e precisa, a obra contribui para os docentes pensarem sobre a sala de aula com base em um diálogo crítico, reflexivo e democrático. Está dividida em 32 ensinamentos que contribuem para se re/conhecer o cotidiano da sala de aula, assim como refletir sobre reais propósitos diante da decisão de ser professora no contexto de uma realidade capitalista neoliberal e conservadora, que atualmente reflete o cenário da educação brasileira.

O ensinamento 1 corresponde à construção do pensamento crítico enquanto ação vinculada a uma comunidade de aprendizagem aberta ao diálogo e à complementaridade das abordagens; logo, pensar criticamente implica perguntar sobre o contexto, a fim de conhecer melhor sobre quem se está falando.

O ensinamento 2 enfatiza a inclusão das diferenças na educação, sobre o silêncio, este que, muitas vezes, pode minar as vozes dos excluídos. Enfatiza o capitalismo e o neoliberalismo, que despolitizam as relações sociais ao usar a imposição do silêncio para camuflar desigualdades sociais, raciais e de gênero.

O ensinamento 3 abarca a participação dos alunos nas aulas e sugere a produção de pequenos textos nessas aulas a fim de contribuir para a professora conhecer a realidade do aluno.

O ensinamento 4 destaca o uso do pensamento crítico para descolonizar as mentes, para reconhecer e incluir a história dos não brancos na educação. Logo, é preciso refletir sobre como a seleção de conteúdos influencia a construção de uma mente colonizada e fechada à inclusão de realidades fora do modelo masculino heteronormativo de supremacia branca.

O ensinamento 5 aborda as dificuldades de professores abandonarem o conhecimento de supremacia branca e introduzirem, na sala de aula, outras perspectivas fora do modelo de ciência colonial, considerando o papel fundamental dos movimentos feminista e negro na educação para incluir outros corpos/emoções na escola.

O ensinamento 6 recomenda que o objetivo de ensinar e aprender vá além do desempenho nas avaliações, pois o propósito da educação deve integrar a reflexão e o aprendizado de conteúdos, além da transmissão de conhecimento ou do sucesso individual.

O ensinamento 7 salienta a necessidade de diálogos e a construção coletiva com diferentes pensadores para pensar nas dinâmicas da raça, gênero e classe, pois a colaboração é a prática mais efetiva para permitir que todas as pessoas dialoguem juntas, criando uma linguagem de parceria comunitária e recíproca.

O ensinamento 8 diz que as conversas entre os estudantes e professores podem revelar diferentes visões de mundo. Assim, sugere trabalhar a voz do estudante e deixá-la/o falar a fim de conhecer melhor seus desafios e expectativas perante a realidade social que vive e compartilha.

Os ensinamentos 9 e 10 lembram-nos sobre a importância de contar e compartilhar histórias para a construção da comunidade de aprendizagem, de forma consciente, sobre as diferenças presentes na trajetória de cada uma. Logo, escutar histórias pessoais uns dos outros pode promover a cooperação e a escuta em sala de aula.

O ensinamento 11 afirma que é preciso deixar a imaginação fluir na criação de ideias, pois o estar livre para pensar contribui para que a imaginação e a criatividade se apresentem de forma menos opressora e imposta pelo espaço/tempo da produtividade científica nos tempos atuais.

O ensinamento 12 é sobre as palestras de intelectuais/professores, reconhecendo que ministrar palestras é um preparo para o aprendizado. Contudo, alguns palestrantes falam demais e não abrem diálogos com a plateia, o que pode se dar por insegurança de não saberem responder determinadas perguntas, pois há uma representação de que o intelectual sabe tudo, e isso precisa ser transformado.

Os ensinamentos 13 e 14 indicam as emoções vivenciadas por estudantes em sala de aula, além do uso do humor nas relações de ensino-aprendizagem, que pode deixar mais leve e descontraído o cenário da sala de aula. Todavia, o humor não pode ser usado nas relações educativas para machucar ninguém.

O ensinamento 15 é sobre os conflitos que devem ser encarados como possibilidades de diálogos promotores de pensamento crítico, já que ter liberdade de expressão e o direito de discordar é privilégio que contribui para que diversos grupos participem na construção de uma sociedade mais justa e democrática.

O ensinamento 16 lança a ideia de que o pensamento feminismo restaurou a integridade do ensino superior, assegurando que os preconceitos machistas não mais corrompam o conhecimento e o processo de ensino/aprendizagem de estudantes.

Para o ensinamento 17 a segregação racial é real, pois os estereótipos machistas e racistas, os assédios e os privilégios brancos ainda persistem. Assim, professoras negras devem se associar a outras colegas negras para criarem uma comunidade de aprendizagem.

Já o ensinamento 18 compreende que a ciência colonial tende a desmerecer o pensamento crítico e a sabedoria prática, assim como os pensadores negros podem mudar sua estrutura de poder/saber. Nesse sentido, estudantes e professores devem analisar o processo de produção de conhecimento com base na interseccionalidade, e não a partir de modelos sexistas e racistas que naturalizam quem pode fazer ciência.

O ensinamento 19 chama a atenção para o fato de que, embora exista a hierarquia entre professores e alunos, esta não pode ser imposta de forma opressora. É preciso ter uma parceria até para ocorrer a construção da comunidade de aprendizagem.

O ensinamento 20 entende que as salas de aula estão em conexão com o mundo e o entusiasmo perante a comunidade de aprendizagem e da participação de alunos/as, considerando que o conhecimento deve estar vinculado às práticas da vida cotidiana.

O ensinamento 21 explica que a autoestima deve ser apropriada para a vida e para as suas exigências. Contudo, as salas de aula podem promover a destruição da autoestima com modelos que, em vez de incluir, oprimem identidades marginais.

O ensinamento 22 é sobre a importância da leitura, ou seja, ler como um direito social e uma responsabilidade cívica das pessoas, sendo impossível, sem tal habilidade, promover o cuidado de si, dos outros e do ambiente.

O ensinamento 23 divulga a invisibilidade das mulheres negras e suas diversas dificuldades para se inserirem na academia, considerando que o pensamento crítico exige o desapego dos preconceitos, sendo ainda difícil porque nem todos os alunos e os professores brancos estão dispostos a incluir esses novos corpos/emoções na sala de aula.

O ensinamento 24 reflete sobre a demanda de pais e mães que a autora recebeu para escrever livros infantis que contribuíssem para descontruir os modelos pautados no masculino de supremacia branca; ao falar de meninas negras com autoestima ou de meninos negros estudiosos, suas obras infantis promovem uma educação antirracista e feminista.

O ensinamento 25 diferencia religião e espiritualidade, sendo a primeira vinculada a regras, condutas e códigos morais, e a segunda associada ao amor, compaixão, cuidado, responsabilidade etc. - comportamentos que devem ser incorporados nas relações educativas, para a autora.

O ensinamento 26 cogita o toque fora de uma socialização patriarcal, pois ele pode nos aproximar mas também pode ser coercitivo, dependendo da forma com que é realizado.

No ensinamento 27, verifica-se que é possível ensinar com amor por meio do cuidado, comprometimento, respeito, confiança, uma vez que não existe amor sem justiça. Conforme uma aluna sobre Hooks, “quanto mais você nos amava, mais a gente tinha que trabalhar” (Hooks, 2020HOOKS, Bell. Ensinando pensamento crítico, sabedoria prática. São Paulo: Elefante, 2020., p. 244, grifos meus).

Os ensinamentos 28 e 29 introduzem a transformação feminista na educação e a conquista do amor próprio, portanto ter lugar de fala e existir contra o patriarcado na educação. Sugere o amor próprio enquanto base revolucionária dos corpos/emoções socialmente excluídos, considerando que não há empoderamento sem a ideia de coletividade e justiça social.

O ensinamento 30 percebe que o erótico pode levar à autorrealização emocional e espiritual de corpos/emoções tanto dos estudantes quanto dos professores, ainda que o desejo possa parecer desigual nesta relação; não podemos negar a existência dele nas relações educacionais.

Os ensinamentos 31 e 32 observam a esperança de fazer com que os estudantes pensem criticamente e desenvolvam o intelecto, não se tornando discípulos dos professores. A autorresponsabilidade é sabedoria prática vital, pois o conhecimento não pode ser uma dissociação da experiência. O conhecimento não pode ser usado para dominar as outras, mas deve contribuir para vivermos melhor, logo o pensamento crítico é uma forma totalmente democrática de saber.

Os 32 ensinamentos desvendam os entraves que os estudantes e os professores de grupos historicamente excluídos vivenciam na cultura acadêmica por ser ainda um campo de poder/saber masculino, de supremacia branca. Hooks coteja o pensamento crítico com sua sabedoria prática, de modo que se apresenta, nesta obra, como aluna e professora. Considerando as inúmeras reflexões que seu pensamento abarca para a construção do ser professora despido de todos os disfarces incorporados, estes podem minar diálogos quando o assunto é ensinar/aprender sobre a sala de aula, pois, para Hooks, isso vai além dos muros da escola e da universidade.

REFERÊNCIAS

  • HOOKS, Bell. Ensinando pensamento crítico, sabedoria prática. São Paulo: Elefante, 2020.
  • Como citar este artigo:

    BITENCOURT, Silvana Maria. Pensamento crítico e sabedoria prática na sala de aula: contribuições de Bell Hooks para a formação de professores. Revista Brasileira de Educação, v. 29, e290024, 2024. http://doi.org/10.1590/S1413-24782024290024
  • Financiamento:

    O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2022
  • Revisado
    21 Fev 2023
  • Aceito
    03 Mar 2023
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