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Teoria quântica do gás ideal monoatômico: segundo tratado

Quantentheorie des einatomigen idealen gases: zweite abhandlung

ARTIGOS DE EINSTEIN E ENSAIOS SOBRE SUA OBRA

Teoria quântica do gás ideal monoatômico - segundo tratado* * Tradução de Sílvio R. Dahmen, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

Quantentheorie des einatomigen idealen gases - zweite abhandlung

A. Einstein

Em um tratado recentemente publicado nestes relatos (XXII 1924, p. 261) apresentou-se, utilizando um novo método do senhor dr. Bose para a dedução da fórmula da radiação de Planck, uma teoria da degenerescência de gases ideais1 1 Em junho de 1924 Einstein recebeu uma carta do jovem físico indiano Satyendranath Bose, onde este lhe pedia que lesse o trabalho que ele anexava e, em o julgando meritório, intercedesse para que fosse publicado no periódico Zeitschrift für Physik. Neste trabalho, que já havia sido rejeitado pela Philosophical Magazine, Bose deduzia ''independentemente da eletrodinâmica clássica" a fórmula de Planck para a densidade de radiação do corpo negro, ou seja, sem recorrer a argumentos da física clássica, como fizera Planck e posteriormente Einstein em seu artigo Zur Quantentheorie der Strahlung (p. 93 deste número de RBEF). Einstein não apenas traduziu o artigo de Bose como fê-lo publicar, acrescentando ao final de sua tradução: ''Em minha opinião a dedução de Bose para a fórmula de Planck representa um importante avanço. O método aqui utilizado produz também uma teoria quântica do gás ideal, como discutirei mais detalhadamente em outro lugar". Einstein cumpriu sua promessa com três trabalhos sobre a estatística quântica, do qual o presente artigo é o segundo da série. Nesta introdução ele se refere ao primeiro artigo (no qual desenvolve as equações para o gás ideal monoatômico) e ao artigo de Bose. Com relação à nomenclatura, ao longo do artigo Einstein usa o termo degenerado na correta acepção de um gás no regime quântico. Na literatura moderna é comum encontrar o termo gás degenerado como sinônimo de gás de Fermi, embora ele também se aplique a um gás de bósons. . O interesse nesta teoria reside no fato de ser ela baseada na hipótese de uma relação formal ampla entre radiação e gás2 2 Einstein, ao se referir à semelhança entre o gás de fótons e o gás molecular, utiliza o termo Verwandtschaft (s.f., cf. kinship) cujo tradução para o português seria parentesco. O termo alemão tem uma conotação um pouco mais forte que a nossa relação, mas pareceu-nos que traduzí-lo por parentesco representaria um preciosismo de linguagem. . De acordo com esta teoria o gás degenerado difere do gás da mecânica estatística de maneira análoga àquela pela qual a radiação, segundo as leis de Planck, difere da radiação segundo as leis de Wien3 3 No original alemão mechanische Statistik e não statistische Mechanik (mecânica estatística). Einstein se refere aqui à teoria clássica da mecânica estatística e esta inversão pode carregar em seu significado algo mais do que uma simples questão de semântica. . Se a dedução de Bose para a fórmula da radiação de Planck for considerada seriamente, não se poderá então passar ao largo de tal teoria para o gás ideal; pois, em sendo justificável o tratamento da radiação como um gás quântico, então a analogia entre o gás quântico e o gás molecular deve ser completa4 4 No original ernst nehmen (levar a sério, tomar seriamente) no sentido de ''aplicar de maneira consequente" . . No que segue complementar-se-ão as considerações anteriores com algumas novas, que a mim parecem tornar o assunto mais interessante. Por uma questão de conveniência, o texto que segue será por mim escrito como continuação formal do tratado citado.

1. O gás ideal saturado

Na teoria do gás ideal parece-nos óbvia a imposição de que volume e temperatura de uma quantidade de gás possam ser especificados arbitrariamente. A teoria determina então respectivamente a energia e a pressão. Porém, o estudo da equação de estado contida nas Eqs. (18), (19), (20) e (21) mostra que, para um dado número n de moléculas e uma dada temperatura T, o volume V não pode ser feito tão pequeno quanto se queira5 5 As Eqs. (18) e (19) para o número de partículas n e energia total são introduzidas no primeiro tratado: (18) (19) Vale notar que na expressão a s, s representa um índice de uma célula elementar ( s = 1,...,¥) pertencente ao intervalo de energia compreendido entre E e E + D E. As Eqs. (20) e (21) definem os parâmetros a s e c: (20) (21) k é a constante de Boltzmann k B. A maneira pela qual Einstein chega a estas equações no primeiro artigo é análoga àquela utilizada por Bose: partindo do volume F da hiperesfera do espaço de fase formado por todos os estados cuja energia e s = /2 m seja tal que e < E, então (1a) Einstein deduz, usando o método de contagem de Bose, o número zs de células que pertencem a uma região infinitesimal de energia D E e chega à Eq. (2a), reproduzida no §7 mais adiante, onde ele discute detalhadamente a questão da contagem estatística. Para manter o vínculo de conservação no número total de partículas Einstein introduz um potencial químico m. Em notação corrente teríamos a = (e s – m)/k B T e portanto A = –m/ kBT. Na continuação do texto Einstein introduz a grandeza l = e–A, ou seja, a fugacidade. . A Eq. (18) impõe que para todo s [tenhamos] as > 0, o que, de acordo com (20) , significa que A > 0 . Isto implica que [o parâmetro] l ( = e–A) na Eq. (18b) válida nestas circunstâncias deve ficar entre 0 e 1. De (18) segue consequentemente que o número de moléculas deste tipo de gás para um dado volume V não pode ser maior que6 6 Aqui se encontra o ponto-chave da polêmica Einstein-Uhlenbeck que se arrastou por 13 anos: como o próprio Einstein afirma em suas anotações no trabalho anterior ''... Pelas considerações feitas no § 4, a grandeza e–A, por nós representada por l, é uma medida da degenerescência do gás. Podemos então transformar as somas (18) e (19) em duplas somatórias ... onde podemos agora transformar a somatória em s numa integral, mudança esta justificável em função da lenta variação da exponencial em s". Einstein considera que, fazendo D E/E suficientemente pequeno, é possível tomar V suficientemente grande de tal modo a tornar zs praticamente infinito. Ele parte assim da Eq. (18) e chega à Eq. (18b), ou seja , simplesmente revertendo a fórmula da soma de uma progressão geométrica (surgindo assim uma soma em t) e tomando em seguida o limite de s contínuo na forma å s ® ò ds. Essa transformação é encontrada nos livros-texto de mecânica estatística, onde as somatórias, diferentemente da notação einsteniana, são comumente expressas em termos do momento tal que ® V/h 3ò d 3 p. Feita a integral chega-se à Eq. (24). A somatória restante é um caso particular da célebre função de Lerch, f ( z,m,a) = , para o caso z = 1, a = 0 e t ¹ 0 e recebe o nome de função zeta de Riemann z( m). Na fórmula temos z(3/2) = 2.612....

O que acontecerá porém se, para esta temperatura, eu permitir que a densidade n/V da substância aumente ainda mais (por exemplo, através de uma compressão isotérmica)?

Sustento neste caso que um número de moléculas - com a densidade total sempre crescente - passa para o primeiro estado quântico (estado sem energia cinética), enquanto as moléculas restantes distribuem-se de acordo com o valor do parâmetro l = 1. Esta afirmação conduz assim [à conclusão] que algo semelhante à compressão isotérmica de um vapor acima do volume de saturação acontece. Uma separação surge; parte [do gás] se condensa o resto permanece como um gás ideal saturado (A = 0 l = 1)7 7 Este é o parágrafo mais importante do texto, aquele no qual Einstein prevê a existência da condensação. Ele usa aqui o verbo behaupten (v.t.) = afirmar, manter, sustentar ( cf. to affirm, to maintain, to claim). A última opção pareceu-nos melhor traduzir a força da expressão em alemão. Na sequência ele utiliza a frase ''eine mit der Gesamtdichte stets wachsende Zahl von Molekülen", que resume bem o sintetismo do alemão. Optamos aqui por manter a tradução mais próxima do original, embora ela possa parecer inicialmente um pouco rebuscada. .

Que ambas as partes do gás encontram-se de fato em equilíbrio termodinâmico pode ser visto mostrando-se que a substância condensada e o gás ideal saturado possuem, por mol, a mesma função de Planck F = S,8 8 Os Potenciais de Massieu-Planck são obtidos na termodinâmica por transformações de Legendre da entropia. O potencial de Planck ao qual Einstein aqui se refere foi introduzido por Max Planck em seu livro Vorlesungen Über Thermodynamik, W. de Gruyter, Berlin, 1904 ( Treatise on Thermodynamics, Dover, NY, 1945). . Para a substância condensada F desaparece pois S, E e V desaparecem um a um9 9 A parte condensada da substância não requer qualquer volume adicional, uma vez que ela não contribui para a pressão. [AE] . Para o gás saturado tem-se, para A = 0, de acordo com (12) e (13)10 10 As equações às quais Einstein se refere são (12) que, comparada ao resultado d = TdS, levou-o a concluir, depois de alguma álgebra, que (13) onde c é definido por (20) e lg é o logarítmo neperiano na notação de Einstein.

A soma pode ser escrita como uma integral e rearranjada por integração parcial. Obtém-se primeiramente

ou, segundo (8), (11) e (15)11 11 As equações são (8) (11) (15)

De (25) e (26) segue portanto que para o ''gás ideal saturado"

S =

ou - como exigido para a coexistência do gás ideal saturado com a substância condensada -

Obtemos assim a lei:

Segundo a equação de estado do gás ideal [aqui] desenvolvida há, para cada temperatura, uma densidade máxima de moléculas em agitação. Ao superar-se esta densidade, as moléculas em excesso passam para um [estado] sem movimento (condensam-se sem forças atrativas). O curioso [deste resultado] está no fato que o gás ideal saturado representa tanto o estado de densidade máxima possível de moléculas em movimento como também aquela densidade para a qual o gás se encontra em equilíbrio termodinâmico com o condensado. Para o gás ideal não existe assim um análogo ao vapor supersaturado.

2. Comparação da teoria do gás [aqui] desenvolvida com aquela que segue da hipótese da independência estatística recíproca das moléculas

À teoria da radiação de Bose e a minha analogia do gás ideal foi colocada a objeção, por parte do senhor Ehrenfest e colegas, segundo a qual nestas teorias, e sem que tenhamos dado a devida atenção a estes fatos, os quanta e moléculas não são tratados como entidades estatisticamente independentes entre si. Esta [objeção] está completamente correta. Se tratarmos os quanta como estatisticamente independentes um dos outros em sua localização, chegar-se-á à equação de radiação de Wien; ao tratarmos as moléculas de modo análogo, chegar-se-á na equação do gás ideal clássico, mesmo que se proceda, no restante, da mesma maneira que Bose e eu fizemos. Quero aqui confrontar ambos os tratamentos12 12 No original Betrachtungen (s.f.pl.) = considerações, tratamentos ( cf. approaches, treatments, considerations). dos gases com o intuito de tornar clara a diferença e poder, de maneira conveniente, comparar nossos resultados com aqueles da teoria de moléculas independentes.

De acordo com ambas as teorias, o número zn de células contidas na região infinitesimal DE de energia da molécula (daqui por diante denominada região elementar) é dado por

Seja o estado do gás definido (macroscopicamente) fornecendo-se o número nn de moléculas que se encontram em cada uma destas regiões infinitesimais. Deve-se calcular o número W de realizações possíveis (probabilidade de Planck) do estado assim definido.

a) Segundo Bose:

Um estado é definido microscopicamente especificando-se quantas moléculas nn encontram-se em cada célula (complexos)13 13 No original alemão Komplexionen, na terminologia corrente microestados. O termo foi introduzido por Boltzmann em seu tratado de 1877 sobre a interpretação probabilística da segunda lei da termodinâmica. Boltzmann supõe, para um gás ideal, que a energia cinética de cada molécula pode ter valores discretos (!) na forma 0, Î, 2Î,..., pÎ. A distribuição de estados é definida de acordo como o p-tuplo ( n 0, n 1, n 2,..., np) onde nk representa o número de partículas com energia kÎ. A energia cinética e número total de partículas é fixado a priori, o que impõe condições sobre as respectivas distribuições de n's. A cada um destes n-tuplos Boltzmann dá o nome de complexos e o número de complexos que corresponde a um mesmo estado macroscópico do sistema é dado, para partículas distinguíveis, pelo número de permutações NP = n!/( n 0! n 1!... np!). . O número de complexos para a n-ésima região infinitesimal é então14 14 Esta equação é a que hoje aparece nos livros-texto de mecânica estatística e difere daquela usada por Bose. Einstein na realidade usou a mesma fórmula que Bose em seu primeiro artigo, mas para rebater a crítica de Ehrenfest, usa aqui uma dedução alternativa dos possíveis arranjos.

Através da produtória sobre todos as regiões infinitesimais obtemos o número total de complexos de um estado e disto, pelo teorema de Boltzmann, a entropia

Que neste método de cálculo a distribuição das moléculas por entre as células não tenha sido tratada como sendo estatisticamente independente, é fácil entender. Isto está relacionado ao fato que, segundo a hipótese da distribuição independente de moléculas individuais pelas células, os casos aqui chamados de complexos não deveriam ser vistos como casos de igual probabilidade. A contagem destes complexos de diferentes probabilidades não reproduziriam, sob estrita independência estatística das moléculas, a entropia correta. A fórmula expressa assim, indiretamente, uma certa hipótese a respeito de uma influência mútua entre moléculas de caráter até o momento misterioso e que conduz a exatamente a mesma probabilidade estatística que dos casos aqui chamados de complexos15 15 Ou seja, o que Einstein antecipa aqui, de modo intuitivo, é a correlação entre partículas que surge devido à simetrização da função de onda. É interessante notar que nesta passagem ela usa um enfático eben die gleiche Wahrscheinlichkeit, que teria no inglês the very same probability uma boa tradução. A expressão aqui traduzida como ''conduz", no sentido de äcarreta necessariamente", corresponde no original ao verbo bedingen ( cf. to entail). .

b) Segundo a hipótese da independência estatística das moléculas:

Um estado é definido microscopicamente especificando-se, para cada molécula, a célula na qual ela se encontra (complexo). Quantos complexos pertencem a um estado macroscópico definido? Posso distribuir um número específico nn de moléculas de

diferentes maneiras pelas zn células da n-ésima região elementar. Se a distribuição das moléculas pela região elementar for de alguma maneira especificada previamente, então existe ao todo

diferentes maneiras de distribuir as moléculas por todas as células. Para obter o número de complexos no sentido [acima] definido, deve-se multiplicar esta contribuição pelo número

de possíveis arranjos de todas as moléculas no intervalo elementar, para um dado nn. Do princípio de Boltzmann resulta assim, para a entropia, a expressão

O primeiro termo [do lado direito] desta expressão não depende da escolha da distribuição macroscópica, mas tão somente do número total de moléculas. Na comparação das entropias de diferentes estados macroscópicos do mesmo gás, este termo desempenha o papel de uma constante trivial que podemos desprezar. [E] devemos desprezá-la se quisermos chegar - como é usual na termodinâmica - a uma entropia que seja, para um dado estado interno do gás, proporcional ao número de moléculas. Temos então que colocar

Para gases justifica-se o abandono do fator n! em W levando-se em conta que complexos gerados pela simples troca de moléculas idênticas não são distintos e portanto devem ser considerados uma única vez [nos cálculos].

Resta-nos agora, em ambos os casos, maximizar S sob os vínculos

No caso a) obtém-se

que, a não ser por uma questão de notação, concorda com (13). No caso b) obtém-se

Em ambos os casos bkT = 1.

Além disso vê-se que do caso b) segue a distribuição de Maxwell. A estrutura quântica não se faz aqui perceptível (ao menos no caso de um gás de volume infinitamente grande). Vê-se também facilmente que o caso b) é incompatível com o teorema de Nernst16 16 O teorema de Nernst, de 1905, também conhecido como terceira lei da termodinâmica, diz que, ao tomarmos o limite T ® 0, a entropia de qualquer sistema tende a uma constante universal que independe de quaisquer parâmetros físicos que caracterizem o sistema, e portanto pode ser tomada como sendo igual a 0. . Neste caso então, para calcular o valor da entropia no zero absoluto de temperatura, é preciso calcular (29c) para [este valor de T]. Nela todas as moléculas encontrar-se-ão no primeiro estado quântico. Temos assim que fixar

[A Eq.] (29c) nos dá então, para T = 0,

De acordo com o método b) há então uma contradição com aquilo que diz o teorema de Nernst. Contrariamente, o método a) está em conformidade com ele, como se pode ver facilmente se considerarmos que segundo este método há apenas um único complexo disponível (W = 1) no zero absoluto. A abordagem b) conduz, de acordo com o que aqui foi mostrado, ou a uma violação do teorema de Nernst ou a uma violação da exigência que a entropia seja proporcional ao número de moléculas para um dado estado interno [do gás]. Por estas razões acredito que ao método a) ( i.e. a abordagem estatística de Bose) deve ser dada a preferência, embora esta preferência, face àquelas de outros métodos, não possa ser corroborada a priori17 17 O termo alemão original é Ansatz (s.m.) = hipótese, abordagem inicial. Entre as muitas acepções da palavra em alemão o termo mais próximo do português no contexto aqui usado seria hipótese inicial. . Este resultado representa, em si, um sustentáculo para uma concepção da profunda interrelação entre radiação e gás, na medida em que a mesma abordagem estatística que conduz à fórmula de Planck estabelece, quando aplicada a gases ideais, a concordância da teoria do gás com o teorema de Nernst18 18 No original um ''intraduzível" tiefe Wesensverwandtschaft, formado pela composição do substantivo neutro Wesen (o ser, a essência) com o feminino Verwandtschaft (parentesco, relação) e o qualificativo tiefe (profunda). No texto original lê-se ''Dies Ergebnis bildet seinerseits eine Stütze fuer die Auffassung von der tiefen Wesensverwandtschaft zwischen Strahlung und Gas". .

§8. Propriedades das flutuações do gás ideal

Imaginemos um gás de volume V que se comunique com outro de mesma natureza e de volume infinito e que ambos os volumes estejam separados por uma parede que permita a passagem apenas de moléculas com energia cinética de uma região infinitesimal DE, sendo todas as moléculas de outras energias cinéticas refletidas. A abstração de tal parede é análoga àquela da uma parede transparente quase-monocromática da teoria da radiação. Pergunta-se qual a flutuação Dn no número de moléculas nn pertencentes ao intervalo DE. Aqui pressupõe-se que uma troca de energia entre moléculas de diferentes regiões de energia em V não acontece, de modo que flutuações no número de moléculas que pertençam a energias fora de DE também não ocorram.

Seja nn o valor médio do número de moléculas pertencentes a DE e nn + Dn o valor momentâneo. Então a Eq. (29a) nos dá o valor da entropia como função de Dn pela substituição, nesta equação, de nn por nn + Dn. Mantendo apenas os termos até ordem quadrática obtém-se

Uma relação parecida se aplica ao sistema infinito, a saber

O termo quadrático aqui é infinitesimalmente pequeno [quando] comparado ao tamanho infinito do reservatório. Designando a entropia total por S (= S + S0), então = 0, uma vez que há, em média, equilíbrio19 19 No original: im Mittel Gleichgewicht besteht. O equivalente em inglês seria there is equilibrium in an average sense. . Através da adição destas equações obtém-se assim a relação para a entropia total

Segundo o princípio de Boltzmann deduz-se daqui a lei para a probabilidade da [flutuação] de Dn

Disto segue a expressão para o valor quadrático médio da flutuação

Considerando (29a) somos levados então à

Este lei de flutuação é completamente análoga àquela da radiação de Planck quase-monocromática. Nós a escrevemos na forma

O quadrado do valor médio da flutuação relativa das moléculas do tipo selecionado é formado pela combinação de dois somandos. O primeiro apareceria sozinho caso as moléculas fossem mutuamente independentes. A isto, soma-se uma contribuição da flutuação quadrática média, [contribuição esta] totalmente independente da densidade média de moléculas e determinada apenas pela região elementar DE e pelo volume. Ela corresponde no [contexto] da radiação a flutuações na interferência. Pode-se interpretá-la de uma certa maneira também no gás em se associando a ele, de maneira adequada, uma radiação e calculando-se as flutuações na interferência a ela associadas. Discuto mais detalhadamente esta interpretação, pois acredito que aqui estamos lidando com algo que é mais que uma simples analogia20 20 Aqui Einstein conclui, por meio de um argumento próprio, o fenômeno da dualidade onda-partícula para suas moléculas. A teoria de flutuações por ele desenvolvida para o problema da radiação de Planck, levou-o a concluir que a flutuação quadrática média < E 2 > – < E > 2 da energia E da radiação de um corpo negro em equilíbrio térmico a temperatura T era dada por < E 2 > – < E > 2 = hvr + r 2 vdn, onde r º r(n, T) representa a famosa função espectral de Planck, ou seja, a energia de radiação por unidade de volume no intervalo de freqüência entre n e n + dn e vale r(n, T) = . Se partirmos da fórmula de Wien para a radiação só o segundo termo da equação aparece. Com relação ao primeiro termo, em seu famoso trabalho sobre o efeito fotoelétrico de 1905, Einstein afirma de maneira muito análoga ao que diz no presente artigo: ''Se este termo aparecesse sozinho ele corresponderia a flutuações que surgiriam caso a radiação consistisse de quanta puntuais independentes se movendo com energia hn". Comparando esta expressão com a deduzida por Einstein no presente artigo entende-se assim como ele corretamente concluiu pela dualidade onda-partícula para as moléculas do gás. .

A maneira pela qual a uma partícula material ou a um sistema de partículas materiais podemos associar um campo ondulatório (escalar) foi-nos mostrada em um trabalho bastante notável do senhor L. de Broglie21 21 Louis de Broglie. Thèses. Paris. (Edit Musson & Co.), 1924. Nesta dissertação encontra-se também uma notável interpretação geométrica da regra de quantização de Bohr-Sommerfeld [AE]. . A uma partícula material de massa m associa-se uma freqüência n0 de acordo com a equação

[Consideremos agora] que a partícula se encontre em repouso num referencial galileano K', no qual imaginamos uma oscilação globalmente síncrona de freqüência n022 22 Einstein se refere aqui a eine überall synchrone Schwingung, ou seja, uma oscilação onde todos os pontos do espaço movem-se em fase. . Para um referencial K, em relação ao qual o sistema K' e a massa m se movem com uma velocidade v na direção (positiva) do eixo x, existe assim um processo ondulatório do tipo

A frequência n e a velocidade de fase V deste processo são então dadas por

v é assim - como mostrou o senhor de Broglie - também a velocidade de grupo desta onda. Além disso, é interessante [notar] que a energia mc2/ da partícula é igual a hn de acordo com as Eqs. (35) e (36), em concordância com as relações fundamentais da teoria quântica.

Vê-se deste modo que a um gás se pode associar um campo oscilatório escalar e convenci-me através de cálculos que 1/zn representa a flutuação quadrática média deste campo desde que ele corresponda à região de energia DE por nós acima estudada.

Essas considerações esclarecem o paradoxo enfatizado ao final do meu primeiro tratado23 23 Ao final do primeiro tratado Einstein diz: ''Para finalizar gostaria de chamar a atenção para um paradoxo cuja solução parece não querer se mostrar para mim. Segundo o método aqui mostrado não há qualquer dificuldade em tratar [o problema] da mistura de dois diferentes gases. Neste caso cada tipo de molécula tem sua própria célula ''especial" e disto segue a aditividade da entropia em cada componente da mistura. Assim cada componente se comporta, com respeito à energia, pressão e distribuição estatística, como se estivesse sozinha. Então, para uma dada temperatura, uma mistura n 1 e n 2 moléculas dos tipos 1 e 2 que se diferenciem o tão pouco quanto se queira (em particular em suas massas m 1 e m 2) tem uma pressão e uma distribuição de estados diferentes daqueles de um gás uniforme de número de partículas n 1 + n 2 formado de moléculas praticamente iguais, de mesma massa e de mesmo volume. Isto no entanto parece-nos uma impossibilidade". . Para que duas ondas interfiram de maneira observável, seus valores de V e v devem virtualmente coincidir. Para isto é necessário, de acordo com (35), (36) e (37) que tanto v quanto m de ambos os gases sejam praticamente iguais. Assim os campos ondulatórios associados a dois gases de massas moleculares notadamente diferentes não podem interferir. Disto deduz-se que, segundo a teoria aqui apresentada, a entropia de uma mistura de gases é aditiva nas componentes individuais que o formam do mesmo modo que na teoria clássica, pelo menos enquanto os pesos moleculares dos componentes diferirem pouco entre si.

§9. Comentário sobre a viscosidade de gases a baixas temperaturas

Após as considerações do parágrafo precedente parece que a cada movimento está associado um campo ondulatório da mesma maneira que ao movimento dos quanta de luz está associado um campo ondulatório óptico. Este campo ondulatório - cuja natureza física até o momento ainda é obscura - deve, em princípio, ser passível de verificação através dos fenômenos do movimento a ele associados. Assim um feixe de moléculas do gás deveria experimentar uma difração ao passar por uma abertura, de maneira análoga a um feixe de luz. Para que tal fenômeno seja observado é necessário que o comprimento de onda l seja de algum modo comparável às dimensões da abertura. Das [Eqs.] (35), (36) e (37) segue que para velocidades pequenas quando comparadas a c

Para moléculas de gás que se movem com velocidades térmicas, este l é sempre extremamente pequeno, até consideravelmente menor, na maior parte das vezes, que o diâmetro molecular s. Disto segue, primeiramente, que a observação desta difração através de aberturas ou anteparos fabricáveis é impensável24 24 Einstein refere-se aqui naturalmente a dispositivos disponíveis pela tecnologia da época. .

Ocorre porém que a baixas temperaturas o comprimento de onda l para o hidrogênio e hélio são da ordem de grandeza de s e parece que realmente esta influência se faz valer no coeficiente de atrito, como esperaríamos segundo a teoria.

Ou seja, se uma nuvem de moléculas de velocidade v se choca com outra molécula que, por questão de conveniência imaginamos estar parada, então tal [situação] é comparável àquela onde um pacote de ondas de um dado comprimento de onda l atinge uma folhinha de diâmetro 2s. Surge neste caso uma difração (de Fraunhofer) igual àquela que surgiria na presença de uma abertura de mesmo tamanho. Quando l é da ordem de grandeza de ou maior que s aparecem então grandes ângulos de difração. Assim, além dos desvios de trajetórias das moléculas explicados pela mecânica, surgirão outros desvios mecanicamente não explicáveis, que serão tão freqüentes quanto os primeiros e que tendem a diminuir o livre caminho médio. Com a queda da temperatura surgirá então abruptamente, nas proximidades daquela temperatura, uma queda mais acentuada na viscosidade25 25 Einstein usa o termo beschleunigtes Sinken, ou seja queda acelerada. Sinken, usado aqui como substantivo, vem do verbo alemão cujo significado é afundar, mergulhar ( sinken, cf. to sink). . Uma estimativa desta temperatura de acordo com a condição l = s dá 56º para o H2 e 40º para o He. Naturalmente estas estimativas são bastante grosseiras, mas elas podem ser substituídas por cálculos mais exatos. Trata-se aqui de uma nova interpretação para os resultados experimentais de P. Günther a respeito da dependência do coeficiente de viscosidade com a temperatura para o hidrogênio, realizados por instigação de Nernst, o qual já havia concebido para isto uma explicação teórica quântica26 26 Cf. W. Nernst. Sitzungsber. 1919, VIII, p. 118 - P. Günther. Sitzungsber. 1920, XXXVI, p. 720. [AE] .

§10. Equação de estado do gás saturado. Comentários a respeito da teoria da equação de estado de gases e da teoria de elétrons nos metais27 27 A teoria de férmions surgiria apenas em 1925 e 1926 com Pauli (o princípio da exclusão) e as estatísticas de Fermi e Dirac. Quando Einstein escreveu o artigo esse conceito era portanto desconhecido. Do ponto de vista histórico é interessante notar que Einstein se refere à supercondutividade como um possível exemplo da condensação aqui prevista - a teoria de Bardeen, Cooper e Schrieffer só surgiria em 1956 e vale lembrar que os pares de Cooper, por serem formados por dois elétrons, são bósons.

No §6 mostrou-se que, para um gás ideal que se encontra em equilíbrio com a substância condensada, o parâmetro de degenerescência l vale 1. A concentração, energia e pressão da fração de moléculas que estão em movimento são, de acordo com as Eqs. (18b), (22) e (15), determinadas apenas por T. Valem assim as equações

onde: h é a concentração em moles, N é o número de moléculas em um mol e M é a massa molar (peso molecular).

Com o auxílio de (39), mostra-se que gases reais não atingem o valor de densidade para o qual o gás ideal correspondente seria saturado. No entanto, a densidade crítica do hélio é apenas cinco vezes menor que a densidade de saturação h de um gás ideal de mesma temperatura e peso molecular. A relação para o hidrogênio é de aproximadamente 26. Uma vez que existem gases reais para os quais as densidades aproximam-se, em ordem de grandeza, das densidades de saturação e que, de acordo com [a Eq.] (41), a degenerescência influencia fortemente a pressão, então, se a teoria aqui apresentada estiver correta, um efeito quântico não tão desprezível far-se-á notar na equação de estado; em particular, será preciso estudar se deste modo poderemos explicar os desvios da lei dos estados correspondentes de Van der Waals28 28 Este não é o caso, como pude descobrir posteriormente por meio de comparação com a experiência. O efeito procurado é encoberto por efeitos moleculares de outro tipo. [AE] ,29 29 Einstein refere-se aqui à lei introduzida por van der Waals, segundo a qual há uma equação de estado universal de gases que não contém constantes arbitrárias quando expressa nas variáveis reduzidas V/Vcr, P/Pcr e T/Tcr onde o subescrito cr indica o valor dos parâmetros no ponto crítico. .

Aliás, é de se esperar que o fenômeno chamado no parágrafo anterior de difração, e que a baixas temperaturas causa um aparente aumento do volume molecular real, influenciará a equação de estado.

Há um caso no qual provavelmente a natureza tenha realizado, em grande parte, o gás ideal saturado: nos elétrons de condução no interior dos metais. A teoria eletrônica dos metais, como é sabido, explicou quantitativamente com impressionante precisão a relação entre as condutividades térmica e elétrica (a fórmula de Drude-Lorenz) com a hipótese que no interior dos metais há elétrons livres e que estes conduzem tanto a eletricidade quanto o calor. Apesar de seu sucesso, esta teoria não é atualmente vista como adequada pois, entre outros motivos, ela não explica o fato segundo o qual os elétrons não contribuem significativamente para o calor específico dos metais. Esta dificuldade porém desaparece quando tomamos por base a teoria do gás aqui apresentada. Pois de (39) segue que a concentração de saturação dos elétrons (móveis) a temperaturas usuais é da ordem de 5.5×10–5, de modo que apenas um número muito pequeno de elétrons podem contribuir para a energia térmica. A energia térmica média por elétron que toma parte no movimento térmico é aproximadamente metade da energia segundo a teoria molecular clássica. Se apenas forças muito débeis que mantêm os elétrons imóveis em suas posições de repouso se fizerem presentes, então entende-se porque estes [elétrons] não participariam do processo de condução. Possivelmente, o desaparecimento destas forças de ligação fracas a temperaturas muito baixas poderiam até acarretar a supercondutividade. Enquanto tratássemos o gás de elétrons como um gás ideal, as forças térmicas não se fariam compreender segundo esta teoria. Naturalmente a distribuição de velocidades de Maxwell não poderia estar na base de uma teoria eletrônica dos metais deste tipo, mas sim aquela [distribuição] do gás ideal saturado segundo a teoria [aqui] apresentada; de (8), (9) e (11) obtém-se para este caso especial:

Refletindo sobre esta possibilidade teórica chega-se à dificuldade que, para esclarecer as condutividades térmica e elétrica medidas nos metais, se faz necessário considerar livres caminhos médios muito grandes (da ordem de 10–3 cm) devido à pequeníssima densidade volumétrica dos elétrons térmicos deduzida de nossa teoria. Parece também impossível compreender, por meio desta teoria, o comportamento de metais frente à radiação infravermelha (reflexão, emissão).

§11. Equação de estado do gás não saturado

Queremos agora olhar mais detalhadamente o desvio da equação de estado do gás ideal [comparativamente] à equação clássica, na região não saturada. Para isto, reportamo-nos novamente às Eqs. (15), (18b) e (19b). Definimos a notação

e nos colocamos a tarefa de expressar z como função de y (z = F(y)). A solução deste problema, que devo ao senhor J. Grommer, baseia-se no seguinte teorema geral (Lagrange):

Sob as condições aqui satisfeitas, [ou seja] que y e z desapareçam para l = 0 e que ambos sejam funções regulares de l em uma determinada região próxima de zero, existe, para um y suficientemente pequeno, uma expansão de Taylor

onde os coeficientes das funções y(l) e z(l) podem ser expressos através da relação de recorrência

No nosso caso obtém-se então uma expansão convergente até l = 1 e conveniente para cálculos

z = y – 0.1768 y2 – 0.0034 y3 – 0.0005 y4.

Introduzimos agora a notação

Então, para o gás ideal não saturado e y entre 0 e 2.615 valem as relações

onde se colocou

De (19b) obtém-se o calor específico molar a volume constante cV:

Reproduzimos graficamente as funções F(y) e G(y) para uma mais fácil compreensão30 30 No original Übersicht (cf. overview).

Considerando o curso aproximadamente linear de F(y), chega-se a uma boa aproximação para p

Dezembro 1924

Publicado nos Sitzungsberichte der Preussischen Akademie der Wissenschaften I, 3-14 (1925)

  • *
    Tradução de Sílvio R. Dahmen, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
  • 1
    Em junho de 1924 Einstein recebeu uma carta do jovem físico indiano Satyendranath Bose, onde este lhe pedia que lesse o trabalho que ele anexava e, em o julgando meritório, intercedesse para que fosse publicado no periódico Zeitschrift für Physik. Neste trabalho, que já havia sido rejeitado pela Philosophical Magazine, Bose deduzia ''independentemente da eletrodinâmica clássica" a fórmula de Planck para a densidade de radiação do corpo negro, ou seja, sem recorrer a argumentos da física clássica, como fizera Planck e posteriormente Einstein em seu artigo
    Zur Quantentheorie der Strahlung (p. 93 deste número de
    RBEF). Einstein não apenas traduziu o artigo de Bose como fê-lo publicar, acrescentando ao final de sua tradução: ''Em minha opinião a dedução de Bose para a fórmula de Planck representa um importante avanço. O método aqui utilizado produz também uma teoria quântica do gás ideal, como discutirei mais detalhadamente em outro lugar". Einstein cumpriu sua promessa com três trabalhos sobre a estatística quântica, do qual o presente artigo é o segundo da série. Nesta introdução ele se refere ao primeiro artigo (no qual desenvolve as equações para o gás ideal monoatômico) e ao artigo de Bose. Com relação à nomenclatura, ao longo do artigo Einstein usa o termo
    degenerado na correta acepção de um gás no regime quântico. Na literatura moderna é comum encontrar o termo gás degenerado como sinônimo de gás de Fermi, embora ele também se aplique a um gás de bósons.
  • 2
    Einstein, ao se referir à semelhança entre o gás de fótons e o gás molecular, utiliza o termo
    Verwandtschaft (s.f., cf.
    kinship) cujo tradução para o português seria
    parentesco. O termo alemão tem uma conotação um pouco mais forte que a nossa
    relação, mas pareceu-nos que traduzí-lo por
    parentesco representaria um preciosismo de linguagem.
  • 3
    No original alemão
    mechanische Statistik e não
    statistische Mechanik (mecânica estatística). Einstein se refere aqui à teoria clássica da mecânica estatística e esta inversão pode carregar em seu significado algo mais do que uma simples questão de semântica.
  • 4
    No original
    ernst nehmen (levar a sério, tomar seriamente) no sentido de ''aplicar de maneira consequente" .
  • 5
    As Eqs. (18) e (19) para o número de partículas
    n e energia total
    são introduzidas no primeiro tratado:
    (18)
    (19)
    Vale notar que na expressão a
    s,
    s representa um índice de uma
    célula elementar (
    s = 1,...,¥) pertencente ao intervalo de energia compreendido entre
    E e
    E + D
    E. As Eqs. (20) e (21) definem os parâmetros a
    s e
    c:
    (20)
    (21)
    k é a constante de Boltzmann k
    B. A maneira pela qual Einstein chega a estas equações no primeiro artigo é análoga àquela utilizada por Bose: partindo do volume F da hiperesfera do espaço de fase formado por todos os estados cuja energia e
    s =
    /2
    m seja tal que e
    <
    E, então
    (1a)
    Einstein deduz, usando o método de contagem de Bose, o número
    zs de células que pertencem a uma região infinitesimal de energia D
    E e chega à Eq. (2a), reproduzida no §7 mais adiante, onde ele discute detalhadamente a questão da contagem estatística. Para manter o vínculo de conservação no número total de partículas Einstein introduz um potencial químico m. Em notação corrente teríamos a = (e
    s – m)/k
    B
    T e portanto
    A = –m/
    kBT. Na continuação do texto Einstein introduz a grandeza l =
    e–A, ou seja, a fugacidade.
  • 6
    Aqui se encontra o ponto-chave da polêmica Einstein-Uhlenbeck que se arrastou por 13 anos: como o próprio Einstein afirma em suas anotações no trabalho anterior ''... Pelas considerações feitas no § 4, a grandeza
    e–A, por nós representada por l, é uma medida da
    degenerescência
    do gás. Podemos então transformar as somas (18) e (19) em duplas somatórias ... onde podemos agora transformar a somatória em
    s numa integral, mudança esta justificável em função da lenta variação da exponencial em
    s". Einstein considera que, fazendo D
    E/E suficientemente pequeno, é possível tomar
    V suficientemente grande de tal modo a tornar
    zs praticamente infinito. Ele parte assim da Eq. (18) e chega à Eq. (18b), ou seja
    , simplesmente revertendo a fórmula da soma de uma progressão geométrica (surgindo assim uma soma em t) e tomando em seguida o limite de
    s contínuo na forma å
    s ® ò
    ds. Essa transformação é encontrada nos livros-texto de mecânica estatística, onde as somatórias, diferentemente da notação einsteniana, são comumente expressas em termos do momento
    tal que
    ®
    V/h
    3ò
    d
    3
    p. Feita a integral chega-se à Eq. (24). A somatória restante é um caso particular da célebre função de Lerch, f (
    z,m,a) =
    , para o caso
    z = 1,
    a = 0 e t ¹ 0 e recebe o nome de função zeta de Riemann z(
    m). Na fórmula temos z(3/2) = 2.612....
  • 7
    Este é o parágrafo mais importante do texto, aquele no qual Einstein prevê a existência da condensação. Ele usa aqui o verbo
    behaupten (v.t.) = afirmar, manter, sustentar (
    cf. to affirm, to maintain, to claim). A última opção pareceu-nos melhor traduzir a força da expressão em alemão. Na sequência ele utiliza a frase ''eine mit der Gesamtdichte stets wachsende Zahl von Molekülen", que resume bem o sintetismo do alemão. Optamos aqui por manter a tradução mais próxima do original, embora ela possa parecer inicialmente um pouco rebuscada.
  • 8
    Os Potenciais de Massieu-Planck são obtidos na termodinâmica por transformações de Legendre da entropia. O potencial de Planck ao qual Einstein aqui se refere foi introduzido por Max Planck em seu livro
    Vorlesungen Über Thermodynamik, W. de Gruyter, Berlin, 1904 (
    Treatise on Thermodynamics, Dover, NY, 1945).
  • 9
    A parte
    condensada
    da substância não requer qualquer volume adicional, uma vez que ela não contribui para a pressão. [AE]
  • 10
    As equações às quais Einstein se refere são
    (12)
    que, comparada ao resultado
    d
    =
    TdS, levou-o a concluir, depois de alguma álgebra, que
    (13)
    onde
    c é definido por (20) e
    lg é o logarítmo neperiano na notação de Einstein.
  • 11
    As equações são
    (8)
    (11)
    (15)
  • 12
    No original
    Betrachtungen (s.f.pl.) = considerações, tratamentos (
    cf. approaches, treatments, considerations).
  • 13
    No original alemão
    Komplexionen, na terminologia corrente
    microestados. O termo foi introduzido por Boltzmann em seu tratado de 1877 sobre a interpretação probabilística da segunda lei da termodinâmica. Boltzmann supõe, para um gás ideal, que a energia cinética de cada molécula pode ter valores discretos (!) na forma 0, Î, 2Î,...,
    pÎ. A distribuição de estados é definida de acordo como o p-tuplo (
    n
    0,
    n
    1,
    n
    2,...,
    np) onde
    nk representa o número de partículas com energia
    kÎ. A energia cinética e número total de partículas é fixado
    a priori, o que impõe condições sobre as respectivas distribuições de
    n's. A cada um destes n-tuplos Boltzmann dá o nome de complexos e o número de complexos que corresponde a um mesmo estado macroscópico do sistema é dado, para partículas distinguíveis, pelo número de permutações
    NP = n!/(
    n
    0!
    n
    1!...
    np!).
  • 14
    Esta equação é a que hoje aparece nos livros-texto de mecânica estatística e difere daquela usada por Bose. Einstein na realidade usou a mesma fórmula que Bose em seu primeiro artigo, mas para rebater a crítica de Ehrenfest, usa aqui uma dedução alternativa dos possíveis arranjos.
  • 15
    Ou seja, o que Einstein antecipa aqui, de modo intuitivo, é a correlação entre partículas que surge devido à simetrização da função de onda. É interessante notar que nesta passagem ela usa um enfático
    eben die gleiche Wahrscheinlichkeit, que teria no inglês
    the very same probability uma boa tradução. A expressão aqui traduzida como ''conduz", no sentido de äcarreta necessariamente", corresponde no original ao verbo
    bedingen (
    cf. to entail).
  • 16
    O teorema de Nernst, de 1905, também conhecido como terceira lei da termodinâmica, diz que, ao tomarmos o limite
    T ® 0, a entropia de qualquer sistema tende a uma constante universal que independe de quaisquer parâmetros físicos que caracterizem o sistema, e portanto pode ser tomada como sendo igual a 0.
  • 17
    O termo alemão original é
    Ansatz (s.m.) = hipótese, abordagem inicial. Entre as muitas acepções da palavra em alemão o termo mais próximo do português no contexto aqui usado seria hipótese inicial.
  • 18
    No original um ''intraduzível"
    tiefe Wesensverwandtschaft, formado pela composição do substantivo neutro
    Wesen (o ser, a essência) com o feminino
    Verwandtschaft (parentesco, relação) e o qualificativo
    tiefe (profunda). No texto original lê-se ''Dies Ergebnis bildet seinerseits eine Stütze fuer die Auffassung von der tiefen Wesensverwandtschaft zwischen Strahlung und Gas".
  • 19
    No original:
    im Mittel Gleichgewicht besteht. O equivalente em inglês seria
    there is equilibrium in an average sense.
  • 20
    Aqui Einstein conclui, por meio de um argumento próprio, o fenômeno da dualidade onda-partícula para suas moléculas. A teoria de flutuações por ele desenvolvida para o problema da radiação de Planck, levou-o a concluir que a flutuação quadrática média <
    E
    2 > – <
    E >
    2 da energia
    E da radiação de um corpo negro em equilíbrio térmico a temperatura
    T era dada por <
    E
    2 > – <
    E >
    2 =
    hvr +
    r
    2
    vdn,
    onde r º r(n,
    T) representa a famosa função espectral de Planck, ou seja, a energia de radiação por unidade de volume no intervalo de freqüência entre n e n +
    dn e vale r(n,
    T) =
    . Se partirmos da fórmula de Wien para a radiação só o segundo termo da equação aparece. Com relação ao primeiro termo, em seu famoso trabalho sobre o efeito fotoelétrico de 1905, Einstein afirma de maneira muito análoga ao que diz no presente artigo: ''Se este termo aparecesse sozinho ele corresponderia a flutuações que surgiriam caso a radiação consistisse de
    quanta puntuais independentes se movendo com energia
    hn". Comparando esta expressão com a deduzida por Einstein no presente artigo entende-se assim como ele corretamente concluiu pela dualidade onda-partícula para as moléculas do gás.
  • 21
    Louis de Broglie. Thèses. Paris. (Edit Musson & Co.), 1924. Nesta dissertação encontra-se também uma notável interpretação geométrica da regra de quantização de Bohr-Sommerfeld [AE].
  • 22
    Einstein se refere aqui a
    eine überall synchrone Schwingung, ou seja, uma oscilação onde todos os pontos do espaço movem-se em fase.
  • 23
    Ao final do primeiro tratado Einstein diz: ''Para finalizar gostaria de chamar a atenção para um paradoxo cuja solução parece não querer se mostrar para mim. Segundo o método aqui mostrado não há qualquer dificuldade em tratar [o problema] da mistura de dois diferentes gases. Neste caso cada tipo de molécula tem sua própria célula ''especial" e disto segue a aditividade da entropia em cada componente da mistura. Assim cada componente se comporta, com respeito à energia, pressão e distribuição estatística, como se estivesse sozinha. Então, para uma dada temperatura, uma mistura
    n
    1 e
    n
    2 moléculas dos tipos 1 e 2 que se diferenciem o tão pouco quanto se queira (em particular em suas massas
    m
    1 e
    m
    2) tem uma pressão e uma distribuição de estados diferentes daqueles de um gás uniforme de número de partículas
    n
    1 +
    n
    2 formado de moléculas praticamente iguais, de mesma massa e de mesmo volume. Isto no entanto parece-nos uma impossibilidade".
  • 24
    Einstein refere-se aqui naturalmente a dispositivos disponíveis pela tecnologia da época.
  • 25
    Einstein usa o termo
    beschleunigtes Sinken, ou seja
    queda acelerada.
    Sinken, usado aqui como substantivo, vem do verbo alemão cujo significado é
    afundar, mergulhar (
    sinken, cf. to sink).
  • 26
    Cf. W. Nernst. Sitzungsber. 1919, VIII, p. 118 - P. Günther. Sitzungsber. 1920, XXXVI, p. 720. [AE]
  • 27
    A teoria de férmions surgiria apenas em 1925 e 1926 com Pauli (o princípio da exclusão) e as estatísticas de Fermi e Dirac. Quando Einstein escreveu o artigo esse conceito era portanto desconhecido. Do ponto de vista histórico é interessante notar que Einstein se refere à supercondutividade como um possível exemplo da condensação aqui prevista - a teoria de Bardeen, Cooper e Schrieffer só surgiria em 1956 e vale lembrar que os pares de Cooper, por serem formados por dois elétrons, são bósons.
  • 28
    Este não é o caso, como pude descobrir posteriormente por meio de comparação com a experiência. O efeito procurado é encoberto por efeitos moleculares de outro tipo. [AE]
  • 29
    Einstein refere-se aqui à lei introduzida por van der Waals, segundo a qual há uma equação de estado universal de gases que não contém constantes arbitrárias quando expressa nas variáveis reduzidas
    V/Vcr, P/Pcr e
    T/Tcr onde o subescrito
    cr indica o valor dos parâmetros no ponto crítico.
  • 30
    No original
    Übersicht (cf. overview).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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    E-mail: marcio@sbfisica.org.br