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Sobre a Aguaxima e outras peculiaridades da Flora Brasiliensis

EDITORIAL

Sobre a Aguaxima e outras peculiaridades da Flora Brasiliensis

Se folhearmos a Enciclopédia, ou Dicionário Lógico das Ciências, Artes e Ofícios, etc., esta monumental obra redigida sob a égide de Denis Diderot e Jean le Rond d'Alembert na segunda metade do século XVIII, encontraremos logo nas primeiras páginas (e do próprio punho de Diderot) um de seus mais instigantes verbetes. Para satisfazer a curiosidade de nossos leitores, transcrevo-o abaixo [1]:

*AGUAXIMA, (Hist. nat. bot.), planta do Brasil e outras ilhas da América do Sul. Isso é tudo que nos foi dito a seu respeito e eu gostaria de saber a quem se destinam tais descrições. Não deve ser para os nativos do país em questão, os quais certamente sabem mais sobre a Aguaxima do que o aqui contido e que não precisam ser ensinados que ela cresce em seu país; seria o mesmo que dizer a um francês que a pereira é uma árvore que cresce na França, na Alemanha, etc. Para nós também não é, pois o que nos importa saber que há no Brasil uma árvore por nome Aguaxima, se nada mais sabemos a seu respeito a não ser o nome? E a quem serve um nome? Ele deixa o ignorante no mesmo estado em que se encontra e ao resto nada ensina. E, mesmo assim, se cito aqui esta planta, junto a tantas outras tão pobremente descritas, é em consideração a certos leitores que preferem encontrar algo sem valor ou até estúpido em um verbete de um dicionário do que nem o verbete encontrar.

A quem serve uma descrição desprovida de conteúdo ou quiçá errada? Numa época em que somos constantemente bombardeados com notícias de livros didáticos um tanto quanto controversos, cabe a pergunta: e quem garante a qualidade da física por nós publicada? Em um país onde o "aguaximismo" parece estar se tornando cada vez mais a norma, onde o que importa é o dizer (ou publicar), independente se o material é ou não relevante ao contexto onde pretende se inserir, há de se manter um padrão de qualidade que não admita meios-termos quando se trata de uma revista de ensino de física. Isto vale também para aquilo que julgamos ser de interesse para nosso público: o que ele espera encontrar nas páginas da RBEF?

A tarefa não é simples: com 437 artigos submetidos via o sistema online e 218 anteriores a ele, temos procurado ser bastante rigorosos. Ao longo destes meses à frente da RBEF, constatamos que os artigos aceitos apresentam algumas características comuns:

(i) em primeiro lugar são textos bem redigidos, em uma linguagem precisa e bem estruturada, com clareza de propósitos e descrição de métodos. É enganoso pensar que a complexidade do tema seja uma condição sine qua non para que o artigo seja aceito. A aparente simplicidade de alguns temas escondem por vezes verdadeiras jóias. A formatação é também um ítem importante: se muitas vezes rejeitamos um artigo pedindo que os autores modifiquem este ou aquele formato, não estamos com isso fazendo um julgamento de valor, mas sim preocupando-nos em tornar o processo editorial mais eficiente e rápido. Uma vez aceito, um artigo já escrito dentro das especificações da revista poupa-nos tempo e recursos, que são oriundos de edital específico do CNPq para publicação de periódicos nacionais.

(ii) Artigos por muitas vezes específicos são aceitos, pois seus autores fizeram um grande esforço em torná-los acessíveis e interessantes. Por vezes uma pequena mudança de foco basta. Cito um exemplo: recebemos recentemente um excelente artigo acerca da dedução da lei de Stefan-Boltzmann usando ideias da teoria quântica de campos a temperatura finita, mas que partia do pressuposto que o leitor já dominasse as técnicas ali empregadas. Embora muito bem escrito, o artigo certamente atingiria um público muito restrito; deste modo nossa sugestão ao autor foi a de escrever um artigo que primeiro introduza a técnica em um contexto mais geral para então aplicá-lo a um problema mais específico. .

Em resumo: a qualidade da revista se deve não só ao seu corpo de pareceristas que, no anonimato, fazem seu trabalho com paciência e um profissionalismo ímpar como também ao esforço de nossos autores em tornar a física mais viva e interessante. Contrariando Diderot, talvez seja sim possível ensinar aos nativos que a Aguaxima tem lá suas facetas novas e inusitadas. Este é o objetivo que, acredito, deva nos nortear.

Em tempo: a Aguaxima (Urena lobata L.), também conhecida como Guaxima ou Carrapicho-do-Mato, não é nativa do nosso país, embora tenha sido eternizada pela pena de Diderot como se assim fora.

Sílvio R. Dahmen

Departamento de Física

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

  • [1] Encyclopédie, ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, etc., editado por Denis Diderot and Jean le Rond D'Alembert. Disponível em ARTFL Encyclopédie Project, University of Chicago editado por Robert Morrissey, (Spring 2011 ed.), http://encyclopedie.uchicago.edu Acessado em 11 de junho de 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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