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Fluidos complexos na matéria condensada:os cristais líquidos

Complex fluids in condensed matter: The liquid crystals

Resumos

Cristais líquidos são estados intermediários em que a matéria pode se apresentar, entre o sólido cristalino e o líquido isotrópico. Materiais que podem apresentar esse tipo de estado são constituídos de moléculas, ou agregados de moléculas, que apresentam significativa anisotropia de forma. Os estados líquido cristalinos apresentam estruturas espaciais complexas, que colocam questões de natureza fundamental no estudo da estrutura da matéria. Se caracterizam por apresentar algum grau de ordem: orientacional de longo alcance e posicional de curto alcance. Suas aplicações tecnológicas são diversas, em particular, as eletro-ópticas (mostradores) de baixo consumo de energia. Neste artigo apresentamos uma revisão dessa área, enfatizando os cristais líquidos liotrópicos (formados por misturas de moléculas anfifílicas e solvente) que possui uma grande interface com sistemas biológicos. Discutimos, também, os modelos teóricos que descrevem diagramas de fase de estruturas nemáticas liotrópicas.

Palavras-chave
Cristais líquidos; Transições de fase; Liotrópicos


Liquid crystals are intermediate states in which matter can present itself, between the crystalline solid and the isotropic liquid. Materials that can present this type of state are made up of molecules, or aggregates of molecules, which present significant shape anisotropy. The liquid crystalline states present complex spatial structures, which pose fundamental questions in the study of the structure of matter. They are characterized by presenting some degree of order: long-range orientational and short-range positional. Its technological applications are diverse, in particular, the electro-optics (displays) with low energy consumption. In this article we present a review of this area, emphasizing lyotropic liquid crystals (formed by mixtures of amphiphilic molecules and solvent) that have a great interface with biological systems. We also discuss the theoretical models that describe phase diagrams of lyotropic nematic structures.

Keywords
Liquid crystals; Phase transitions; Lyotropics.


1. Introdução

Um dos exemplos mais espetaculares da chamada física da matéria condensada, tanto pelo seu impacto na vida cotidiana do cidadão, quanto pelas questões de natureza fundamental presentes em seu estudo, é o dos cristais líquidos [1[1] P.G. de Gennes e J. Prost, The Physics of Liquid Crystals (Oxford University Press, Oxford, 1993)., 2 [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005).].

O aparente paradoxo presente na denominação “cristal líquido” traz muitas vezes incompreensões e definições equivocadas desse intrigante material. O senso comum diria que o que é cristalino não pode ser líquido. Por exemplo, um cristal de quartzo é sólido à temperatura ambiente (25°C) e pressão de uma atmosfera, enquanto a água nessas mesmas condições, é líquida e flui. O que viria a ser, então, um cristal líquido?

Na verdade, o termo “cristal líquido” designa um estado em que a matéria pode se apresentar, intermediário entre o estado sólido cristalino e o estado líquido isotrópico. Vamos ver em um pouco mais de detalhes essa questão. Um dos conceitos fundamentais presentes nessa discussão é o de ordenamento. Em um sólido cristalino, seus constituintes básicos (átomos ou moléculas, por exemplo) estão organizados espacialmente em posições bem definidas. Dizemos que esses constituintes apresentam ordem posicional de longo alcance. Por outro lado, em um líquido isotrópico (como a água nas Condições Normais de Temperatura e Pressão), seus constituintes básicos não possuem ordem posicional de longo alcance. Materiais com essas propriedades são classificados como isotrópicos, pois não há nenhuma direção privilegiada no espaço que contém o líquido, e suas propriedades são as mesmas em qualquer direção investigada. Por isso os líquidos fluem.

Entretanto, a ordem posicional não é a única existente na natureza que pode se manifestar na estrutura da matéria. A ordem orientacional dos constituintes da matéria traz consigo novas e extraordinárias possibilidades de organização molecular em diferentes escalas de comprimento. É a exploração desse conceito que vai permitir entender os diferentes estados em que a matéria pode se apresentar na natureza além do sólido cristalino e do líquido isotrópico.

Vejamos, então, que tipo de organização espacial pode existir em substâncias formadas por constituintes básicos (moléculas ou agregados moleculares) que apresentam algum grau de anisometria (isto é, anisotropia de forma). Para fixar as ideias vamos considerar uma substância constituída de moléculas com a forma de um bastão (como um charuto), ou um elipsoide prolato. Substâncias que possuam moléculas desse tipo podem apresentar, entre o estado sólido cristalino (usualmente a baixas temperaturas) e o estado líquido isotrópico (usualmente a altas temperaturas), um estado líquido cristalino. E quais seriam as características de ordem molecular nesse estado? Vejamos, por exemplo, a Figura 1.

Figura 1
Moléculas ordenadas na fase nemática uniaxial calamítica. n representa um vetor com orientação média dos eixos de simetria cilíndricos dos constituintes do material.

Nela, se identificássemos os centros de massa de cada uma das moléculas, veríamos que esses centros de massa teriam uma disposição espacial como aquela presente na água, isto é, não apresentariam nenhum tipo de ordem posicional de longo alcance como no caso dos cristais sólidos. Por outro lado, nota-se claramente um ordenamento dessas moléculas: os eixos maiores das moléculas elipsoidais estão orientados segundo uma determinada direção preferencial no espaço, definida pelo vetor n. Assim, há um ordenamento orientacional (não posicional!) de longo alcance. Em outras palavras, se tomamos conhecimento da orientação preferencial de uma das moléculas podemos afirmar que outra molécula, bem distante daquela sobre a qual conhecemos a posição e orientação do eixo maior, estará também com seu eixo maior orientado segundo aquela direção preferencial. Entretanto, não poderemos dizer com certeza onde estará o seu centro de massa, como poderíamos dizer caso se tratasse de um cristal sólido. Temos, portanto, propriedades de um líquido isotrópico (a fluidez) convivendo com algum grau de ordem, no caso orientacional de longo alcance.

A propriedade de anisotropia de forma da molécula da substancia que pode se apresentar no estado líquido cristalino, como dissemos, é fundamental. Além da forma de bastão há outras formas de moléculas que podem originar estados líquido cristalinos, como a discótica (ou elipsoide oblato—Figura 2), aquela que sugere uma caixa de fósforos (simetria ortorrômbica) e a forma de banana. Voltaremos às estruturas existentes nos cristais líquidos mais a frente.

Figura 2
Moléculas ordenadas na fase nemática uniaxial discótica.

Apesar das aplicações tecnológicas dos cristais líquidos em mostradores terem se difundido mais amplamente no início da década de 70 do século XX, a primeira observação experimental de um cristal líquido foi feita no século XIX, em 1888 por um botânico austríaco Friedrich Richard Kornelius Reinitzer (1858–1927). Uma excelente revisão histórica sobre esses fascinantes fluidos pode ser encontrada na Ref. [3[3] P.I. Teixeira, Fluidos fora da lei—A história dos cristais líquidos: de curiosidade a tecnologia (Editora IST Press, Lisboa, 2006).]. Reinitzer investigava as propriedades macroscópicas do benzoato de colesterila, um derivado do colesterol. Observando as propriedades termo-ópticas desse material notou que ele apresentava dois “pontos de fusão” em função da temperatura: no primeiro, o material transitava do estado sólido cristalino para o estado “líquido translúcido” de aspecto leitoso e, no segundo, a uma temperatura mais elevada, transitava desse estado “líquido translúcido” para um “líquido transparente”. Além disso, observou que um filme fino desse material, na medida em que sua temperatura variava, ainda no estado líquido, refletia luz de cores características, que dependia da temperatura do material. Denominou essa observação de “fenômeno das cores”. Essas observações intrigaram Reinitzer que as apresentou a Otto Lehmann (1855–1922) em Aachen na Alemanha, que iniciou uma criteriosa investigação desse material tanto do ponto de vista de sua purificação química quanto de suas propriedades ópticas, em particular quando iluminados com luz polarizada. Lehmannn concluiu que não havia a hipótese que a substância investigada por Reinitzer tivesse algum tipo de contaminante, que poderia explicar a existência de duas temperaturas de fusão (mas não o fenômeno das cores!). Assim, concluiu que estava diante de um “novo material” que possuía tanto propriedades de um fluido isotrópico, no caso a fluidez, quanto de cristais sólidos, no caso a reflexão seletiva de luz. Denominou esse novo material “cristal líquido”, exatamente por possuir propriedades tanto de um tipo de estado da matéria quanto de outro. É interessante notar o título de seu artigo científico publicado em 1889 [4[4] O. Lehmann, Zeitschrift für Physikalische Chemie 4, 462 (1889).] “Sobre os cristais que fluem”, que trouxe uma discussão extremamente rica sobre a estrutura da matéria na época, envolvendo físicos brilhantes. Apenas em 1922 que o cristalógrafo francês Georges Friedel (1865–1933) publicou um longo artigo de revisão sintetizando todas as observações feitas até então sobre esse tipo de material, intitulando seu trabalho “Os estados mesomorfos da matéria”. Estava assim estabelecida em bases sólidas a compreensão da estrutura da matéria conhecida até aquele momento, na qual os cristais líquidos são identificados a um estado intermediário da matéria entre o sólido cristalino e o líquido isotrópico. Entretanto, o termo cristal líquido foi adotado pela comunidade científica internacional e, mais recentemente, pelo grande público, mesmo que o nome traga embutida uma aparente contradição resumida tão bem por Lehmann em seu artigo, como os cristais que fluem.

Neste artigo descrevemos os principais tipos e estruturas dos cristais líquidos, seus diagramas de fases e, em particular, descrevemos em mais detalhes as fases nemáticas uniaxiais e biaxial, tanto do ponto de vista experimental quanto teórico. Essa ênfase se justifica na medida em que os materiais que apresentam a fase nemática biaxial se constituem no único exemplo na natureza onde um líquido apresenta três índices de refração diferentes. Essa mesofase tem sido investigada há tempo e ainda coloca questões de natureza fundamental para pesquisadores na área dos fluidos complexos.

2. Tipos de Cristais Líquidos

Há duas grandes famílias de cristais líquidos, a dos termotrópicos e a dos liotrópicos.

Os termotrópicos são formados por moléculas, ou mistura de moléculas, que apresentam anisotropia de forma. Não há a formação de agregados moleculares. Essas moléculas podem ter forma de bastão (as mais comuns), discos e arcos, entre outras. Os químicos atualmente podem sintetizar moléculas com variadas simetrias, que podem originar estados líquido cristalinos. As diferentes estruturas e ordenamento local dessas moléculas individuais ocorrem em função da temperatura (e pressão) do material. Variações da temperatura (num experimento isobárico) podem acarretar transições—ou transformações—de fase no material. Por essa razão essa família é denominada de termotrópica.

Os liotrópicos, por outro lado, são misturas de moléculas anfifílicas e solventes que, em determinadas condições de temperatura, pressão e concentrações relativas dos diferentes componentes, apresentam a formação de superestruturas—agregados moleculares—que se organizam no espaço, exibindo algum grau de ordem. As moléculas anfifílicas são aquelas que, numa mesma estrutura, apresentam regiões que se comportam de forma muito diferente na presença de outras moléculas que possuam momento de dipolo elétrico ou não. Usualmente, um desses solventes é a água. Aqui há um fenômeno de auto agregação na qual interações do tipo hidrofóbica (“aversão à água”) e hidrofílica (“atração pela água”) estão presentes. Numa molécula anfifílica coexistem uma região altamente polar do ponto de vista elétrico, e outra apolar. Nas condições de formação do cristal líquido liotrópico as moléculas anfifílicas se auto organizam formando superestruturas para minimizar o contato entre a região apolar da molécula e o solvente polar (no caso a água). A parte polar da molécula anfifílica fica em contato com a água e a região apolar da molécula fica protegida do contato com a água. Quando esses agregados moleculares são de pequena anisotropia de forma e dimensões da ordem da dezena de nanômetros (1 nm = 10−9 m), são denominados micelas. As transições entre as diferentes fases líquido cristalinas se dão por variações na temperatura e/ou concentrações relativas dos componentes da mistura (num experimento isobárico).

2.1. Estrutura e ordem local

Vamos retornar à questão da estrutura e ordem local dos constituintes básicos de um cristal líquido. No caso dos termotrópicos esses constituintes básicos são as moléculas e nos liotrópicos as micelas. Como vimos, a fluidez do material coexiste com algum tipo de ordem.

2.2. A fase nemática uniaxial

O mais simples ordenamento possível de ser estabelecido com constituintes anisométricos como bastões, discos ou agregados com a forma de caixa de fósforos é o das fases nemáticas. Foram identificadas três fases nemáticas sendo duas uniaxiais e uma biaxial.

Na fase nemática, os centros de massa dos constituintes básicos estão numa ordem do tipo líquida isotrópica, isto é, sem ordem posicional de longo alcance. Entretanto, há um ordenamento orientacional de longo alcance desses constituintes. O caso de constituintes com a forma de bastão está representado na Figura 1 e aquele com constituintes com a forma de discos está representado na Figura 2. Essas fases são denominadas nemática calamítica (NC) e nemática discótica (ND), respectivamente [5[5] J. Charvolin, A.M. Levelut e E.T. Samulski, J. Phys. (Paris) Lett. 40, 587 (1979).]. A característica uniaxial vem do fato que o eixo definido pelo vetor n (Figs. 1 e 2) é um eixo de simetria infinita. Em outras palavras, todas as propriedades físico-químicas macroscópicas desses materiais nessas fases são as mesmas ao longo de qualquer direção perpendicular à n. Como exemplo, o índice de refração de um cristal líquido na fase nemática uniaxial possui um valor no caso de a luz incidir no material segundo uma direção perpendicular a n (seja ela qual for) e outro valor se a direção de incidência da luz for paralela a n. Dessa forma, são materiais birrefringentes, que é uma propriedade encontrada em muitos cristais sólidos.

É possível também se obter uma fase nemática uniaxial com constituintes básicos de mais baixa simetria, como aqueles com a forma aproximada de uma caixa de fósforos (simetria ortorrômbica) [6[6] A.M. Figueiredo Neto, Y. Galerne, A.M. Levelut e L. Liébert, J. Phys. (Paris) Lett. 46, 499 (1985).]. As Figuras 3a e 3b ilustram essa possibilidade.

Figura 3
Fases nemáticas uniaxiais com constituintes básicos ortorrômbicos. (a) nemática calamítica (NC); (b) nemática discótica (ND).

Note que para se obter a isotropia ao longo da direção do vetor n é necessário que os constituintes básicos apresentem flutuações de orientação que degenerem um dos eixos fixos neles. O ponto preto nas figuras exemplifica a particular flutuação de orientação que leva à degeneração de um dos eixos.

2.3. A fase nemática biaxial

Constituintes com a simetria ortorrômbica podem originar fases nemáticas biaxiais (NB). Nessa situação, as flutuações orientacionais desses constituintes não chega a degenerar nenhum dos eixos de simetria para formar um eixo de simetria infinita. A Figura 4 retrata essa situação.

Figura 4
Fase nemáticas biaxial com constituintes básicos ortorrômbicos.

Note que há flutuações orientacionais em torno dos três eixos de simetria de ordem 2, ortogonais dois a dois, entretanto, elas não são suficientes para degenerar um deles para formar um eixo de simetria infinita. Esses materiais existem na natureza e possuem três índices de refração diferentes segundo as três direções ortogonais no espaço. É o único exemplo na natureza de um líquido que possui essa propriedade.

2.4. A fase esmética

Outro arranjo encontrado em cristais líquidos é o da fase esmética. Nesse arranjo, os constituintes se organizam em camadas.

A Figura 5a representa a estrutura da fase esmética A, na qual os constituintes básicos do material estão organizados em camadas. Em cada camada os centros de massa de cada constituinte se encontram numa ordem do tipo líquida isotrópica. Entretanto, ao longo da direção perpendicular às camadas, há um ordenamento posicional de longo alcance dos centros de massa dos constituintes. Assim, podemos considerar essa estrutura como “um sólido cristalino unidimensional coexistindo com um líquido isotrópico bidimensional”. Os constituintes básicos em cada camada, embora não tenham ordem posicional de longo alcance, apresentam ordem orientacional de longo alcance, tendo seus eixos maiores perpendiculares às camadas.

Figura 5
Fases esméticas com constituintes básicos elipsoidais prolatos. (a) esmética A; (b) esmética C.

A Figura 5b representa o arranjo de uma fase esmética C. Além dos constituintes básicos se organizarem em camadas, como na fase esmética A, os eixos maiores dos constituintes elipsoidais estão organizados, em média, paralelos à direção definida pelo vetor B, isto é, inclinados de um ângulo θ em relação à normal às camadas. Há outras estruturas mais complexas que representam outras fases esméticas. Em geral, transições entre essas fases ocorrem por variações na temperatura da amostra (num experimento isobárico).

2.5. A fase colestérica

O arranjo característico da fase colestérica está representado na Figura 6. Essa estrutura pode ser visualizada como uma superposição contínua de planos nos quais há uma ordem do tipo nemática, com os constituintes básicos orientados segundo uma determinada direção preferencial. Essa direção vai se modificando continuamente de um plano nemático para o seguinte, formando uma estrutura helicoidal com um passo de hélice (P) característico. Foram identificadas três fases colestéricas em cristais líquidos liotrópicos, originadas a partir das três fases nemáticas calamítica, discótica e biaxial. A fase colestérica é aquela observada por Reinitzer em 1888 em seu microscópio óptico no benzoato de colesterila.

Figura 6
Estrutura da fase colestérica com constituintes básicos elipsoidais prolatos.

O passo da hélice é bastante sensível à temperatura do material. Uma das propriedades ópticas desses materiais é a reflexão seletiva da luz. Em outras palavras, há uma relação entre o passo da hélice e o comprimento de onda da luz refletida pela estrutura colestérica. Assim, uma das aplicações mais interessantes e práticas dos cristais líquidos na fase colestérica são os termômetros encapsulados em filmes finos. Quando em contato com uma superfície, entram em equilíbrio térmico com ela, de modo que o material líquido cristalino na fase colestérica sintoniza seu passo de hélice correspondente à temperatura do meio. Nessas condições apenas uma componente da luz branca incidente no termômetro vai ser refletida. Esses sensores térmicos são largamente utilizados em sessões de avaliação da temperatura corporal em grandes superfícies do corpo humano com a finalidade de identificar tanto regiões frias (baixa circulação sanguínea) quanto quentes (na presença de alta vascularização, como em tumores).

2.6. As fases “banana”

Até agora apresentamos apenas constituintes básicos com simetria uniaxial (calamítica e discótica) e biaxial (ortorrômbica). Entretanto, há outra família de moléculas que apresentam uma forma inusitada, batizada de “forma de banana” [7[7] G. Pezl, S. Diele e W. Weissflog, Advanced Materials 11, 707 (1999).].

A Figura 7 traz um exemplo de molécula com essa simetria. Os químicos orgânicos conseguem atualmente modificar o ângulo de dobra das duas pernas da molécula, bem como fazer essas pernas assimétricas colocando diferentes radicais. Apesar de já existir no ano de 1925 referencias a esse tipo de molécula, a “banana mania” realmente veio à tona em 1996. Essas moléculas originam novas estruturas e fases que foram denominadas Bi, com i = 1−7. Essas moléculas são aquirais, entretanto, podem originar fases quirais. Esse fato extraordinário se deve ao empacotamento espacial que moléculas com essa geometria podem apresentar. Há fases esméticas de complexidade muito maior do que aquelas representadas na Figura 6. Uma das promessas dos tecnólogos que trabalham com esse tipo de molécula é conseguir misturas que apresentem mesofases com efeitos eletro-ópticos a temperaturas próximas da ambiente, previsão esta ainda não realizada experimentalmente. Até o momento, essa propriedade essencial para qualquer aplicação dessas moléculas em dispositivos, só foi verificada em temperaturas muito elevadas. Por outro lado, elas apresentam algumas vantagens em relação às moléculas usualmente empregadas na indústria, como a elevada birrefringência óptica.

Figura 7
Moléculas com a forma de banana. R representa radicais dispostos nas extremidades.

2.7. Outras fases liotrópicas

Se a riqueza de estruturas já é grande nos cristais líquidos termotrópicos, nos liotrópicos ela é ainda maior. Das fases descritas anteriormente, as três nemáticas e as três colestéricas são encontradas nos liotrópicos. Como discutido anteriormente, as moléculas anfifílicas na presença de solventes, a partir de uma concentração micelar crítica, se auto organizam em superestruturas primárias. Essas superestruturas podem, por sua vez, se organizar em outras estruturas secundárias. Aquela equivalente à da fase esmética A no caso dos liotrópicos é a da fase lamelar. Suas dimensões no plano da lamela podem atingir 102 nm.

A Figura 8 representa a estrutura de um cristal líquido liotrópico na fase lamelar. As moléculas anfifílicas se organizam em camadas (cabeças polares em vermelho e cadeias carbônicas em azul) de modo a dificultar o contato da água que se localiza entre as lamelas. Essa estrutura apresenta grande semelhança com a membrana celular (Figura 9), o que faz com que essa área de pesquisa tenha fronteiras com outras das áreas de biologia e medicina.

Figura 8
Cristal líquido liotrópico na fase lamelar. Agregados de moléculas anfifílicas.
Figura 9
Representação esquemática de uma membrana celular.

Variações na temperatura e/ou concentrações relativas dos componentes da mistura liotrópica, podem levar a transições de fase. A fase denominada ripple é equivalente à lamelar, entretanto, apresenta uma ondulação da lamela (Figura 10).

Figura 10
Cristal líquido liotrópico na fase ripple. Agregados de moléculas anfifílicas.

Os agregados moleculares podem ainda apresentar outras geometrias. A Figura 11 representa duas estruturas possíveis em misturas liotrópicas nas quais os agregados de moléculas anfifílicas assumem a forma de cilindros. Dependendo do tipo de solvente utilizado e suas proporções, esses cilindros podem ser do tipo direto (com a região apolar das moléculas anfifílicas localizada na parte interna do cilindro—Figura 11a) ou reverso (com a região polar da molécula na parte interna—Figura 11b).

Figura 11
Fases hexagonais em cristais líquidos liotrópicos. (a) hexagonal direta; (b) hexagonal reversa.

No caso das fases hexagonais diretas, o solvente polar (como a água) se localiza na região externa aos cilindros. Nas reversas, o solvente polar fica aprisionado no interior das superestruturas cilíndricas. O comprimento aproximado dessas superestruturas cilíndricas pode atingir cerca de 102 nm. Os cilindros podem, também, assumir outro arranjo espacial, originando fases quadradas (Figura 12), onde os cilindros se localizam nos vértices de um quadrado. Estruturas retangulares também são encontradas.

Figura 12
Fase quadrada direta em cristais líquidos liotrópicos.

Estruturas cúbicas foram identificadas em cristais líquidos liotrópicos onde micelas esféricas apresentam ordem posicional de curto alcance em três dimensões. Vale ressaltar que estamos sempre nos referindo a cristais líquidos, isto é, mesofases fluidas ordenadas e não a cristais sólidos! A Figura 13 traz um exemplo de mesofase liotrópica na fase cúbica direta, no caso, na estrutura cúbica de corpo centrado.

Figura 13
Fase cúbica direta, de corpo centrado, em cristais líquidos liotrópicos.

A dimensão típica de uma micela na fase cúbica direta é da ordem de 10 nm, e o meio entre as micelas é preenchido com um solvente polar.

A Figura 14 traz uma representação esquemática de um diagrama de fases de uma mistura liotrópica (anfifílico e água), em função da temperatura e da concentração de moléculas anfifílicas. A linha Krafft limita a região cristalina do diagrama de fases. Para baixas concentrações de moléculas anfifílicas encontramos basicamente moléculas livres, após a concentração micelar crítica há o fenômeno de auto agregação dessas moléculas formando superestruturas (micelas, cilindros longos, lamelas, etc.). Para elevadas concentrações de anfifílicos há a formação de estruturas inversas, onde a água é aprisionada nas regiões internas aos cilindros.

Figura 14
Representação esquemática de diagrama de fases de mistura liotrópica binária (moléculas anfifílicas e água): temperatura em função da concentração de anfifílicos.

2.8. Diagramas de fases nemáticas

Uma vez que os sistemas liquido cristalinos que apresentam as três fases nemáticas (duas uniaxiais e uma biaxial) são as misturas liotrópicas, vamos discutir a seguir alguns dos diagramas de fase experimentais bem como a teoria atual que descreve esses diagramas de maneira completa.

A primeira evidência experimental da existência da fase nemática biaxial data de 1980, em uma mistura liotrópica de laurato de potássio/decanol/água pesada [8[8] L.J. Yue A. Saupe, Phys. Rev. Lett. 45, 1000 (1980).]. Além da fase NB, as uniaxiais também foram identificadas (Figura 15). As identificações das fases foram feitas por ressonância magnética nuclear (RMN) e conoscopia em microscópio óptico (MO). Essas observações em MO eram um tanto controversas, uma vez que devido à baixa birrefringência óptica dos liotrópicos (10−3), filmes finos observados no microscópio permitiam apenas verificar a parte central das franjas de conoscopia. Apenas em 1983 Galerne e Marcerou [9[9] A.M. Figueiredo Neto, L. Liébert e Y. Galerne, J. Phys. Chem. 89, 3737 (1985).] demonstraram indubitavelmente o caráter biaxial daquela mesofase, utilizando a conoscopia laser, onde amostras espessas (da ordem de 1,5 mm de espessura) puderam ser analisadas e as duas birrefringências na fase NB medidas com precisão. Os padrões de difração de raios X medidos em 1985 permitiram o estudo integrado da estrutura e ordem local das mesofases nemáticas [6[6] A.M. Figueiredo Neto, Y. Galerne, A.M. Levelut e L. Liébert, J. Phys. (Paris) Lett. 46, 499 (1985).].

Figura 15
Diagrama de fases da mistura liotrópica de laurato de potássio (LK)/1-decanol/água pesada. Adaptado de [7[7] G. Pezl, S. Diele e W. Weissflog, Advanced Materials 11, 707 (1999)., 8[8] L.J. Yue A. Saupe, Phys. Rev. Lett. 45, 1000 (1980).]. A concentração de 1-decanol foi mantida constante em 6,24 massa %.

Em anos posteriores outros diagramas de fase puderam ser identificados em misturas liotrópicas mostrando o caráter mais geral da existência da fase nemática biaxial [6[6] A.M. Figueiredo Neto, Y. Galerne, A.M. Levelut e L. Liébert, J. Phys. (Paris) Lett. 46, 499 (1985)., 10[10] T.J. Sluckin e G.R. Luckhurst, Biaxial Nematic Liquid Crystals: Theory, Simulation, and Experiment (John Wiley & Sons, New York, 2015).]. As linhas de transição de fase nemática-nemática são de segunda-ordem, descritas por uma teoria do tipo Landau-de Gennes [1[1] P.G. de Gennes e J. Prost, The Physics of Liquid Crystals (Oxford University Press, Oxford, 1993).]. Por outro lado, a transição nemática-isotrópica é de primeira-ordem. O ponto onde as duas linhas de segunda-ordem encontram a linha de primeira-ordem é denominado “ponto de Landau”, sendo acessível experimentalmente em diagramas de fase de misturas liotrópicas.

2.9. A transição de fase nemática uniaxial— nemática biaxial (teoria clássica)

Diferentemente de sistemas mais simples que apresentam transições de fase entre fases ordenadas e desordenada (isotrópica), o parâmetro de ordem que descreve as simetrias encontradas nessas fases é um tensor simétrico de traço nulo, Q¯¯, escrito na Equação 1:

(1) Q α β = ( - 1 2 ( S + η ) 0 0 0 - 1 2 ( S - η ) 0 0 0 S ) ;

onde S=P2(cosθ)=12(3cos2θ-1),θ é o ângulo entre o eixo de simetria (cilíndrico) das unidades básicas do material liquido cristalino e o eixo diretor da fase uniaxial e η≠0 é associado à simetria biaxial.

A energia livre do sistema (potencial termodinâmico), F, num modelo de campo médio (Landau) pode ser escrita em termos dos invariantes do tensor parâmetro de ordem (Equação 2):

(2) F = F 0 + 1 2 A T r Q ¯ ¯ 2 + 1 3 B T r Q ¯ ¯ 3 + 1 4 C ( T r Q ¯ ¯ 2 ) 2 + 1 6 E ( T r Q ¯ ¯ 3 ) 2 ;

onde C,E′ > 0, A e B são coeficientes de Landau e Tr representa o traço do referido tensor. A minimização da Equação 2 permite a parametrização do diagrama de fases em termos dos coeficientes A e B (Figura 16) [2 [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005).].

Figura 16
Diagrama de fases parametrizado em dois coeficientes de Landau (A e B) obtido a partir da minimização da Equação 2. ISO, NU1, NU2 e NB representam as fases isotrópica, nemática uniaxial 1, nemática uniaxial 2 e nemática biaxial, respectivamente. Adaptado de [2 [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005).].

As transições nemática-nemática e nemática-isotrópica são corretamente previstas pelo modelo, bem como a presença de um ponto multicrítico de Landau na confluência das duas linhas de segunda-ordem com a de primeira-ordem. Na Figura 16 as fases nemáticas uniaxiais ND e NC são representadas por NU1 e NU2, respectivamente.

Esse modelo descreve satisfatoriamente as vizinhanças do ponto de Landau observado experimentalmente (Figura 15), entretanto, não consegue prever a mudança nas inclinações das linhas de transição de segunda-ordem, nem a existência de uma fase isotrópica a baixas temperaturas. No modelo descrito pela Equação 2 o domínio biaxial sempre aumenta na medida em que nos afastamos do ponto de Landau, o que não é verificado em nenhum dos diagramas experimentais conhecidos.

Nas fases nemáticas uniaxiais há dois índices de refração principais e na biaxial três índices de refração principais. A parte anisotrópica do tensor dielétrico óptico, ε¯¯a, possui as simetrias necessárias para representar o parâmetro de ordem que descreve essas fases [11[11] Y. Galerne e J.P. Marcerou, J. Phys. (Paris) 46, 589 (1985).]. No sistema de referência dos eixos próprios (1, 2, 3), os elementos da diagonal principal desse tensor podem ser escritos em termos das birrefringências ópticas Δn = n2n1; δn = n3n2 e do índice de refração médio do material, ⟨n⟩, [11[11] Y. Galerne e J.P. Marcerou, J. Phys. (Paris) 46, 589 (1985).]:

(3) ε a 1 = - 4 n 3 ( Δ n + δ n 2 ) ; ε a 2 = 2 n 3 ( Δ n - δ n ) ; ε a 3 = 4 n 3 ( Δ n 2 + δ n ) .

Uma vez que as birrefringências ópticas podem ser obtidas experimentalmente, esses elementos podem ser calculados, bem como os invariantes simétricos do tensor, σ1,σ2,σ3:

(4) σ 1 = ε a 1 + ε a 2 + ε a 3 = 0 ; σ 2 = 2 3 ( ε a 1 2 + ε a 2 2 + ε a 3 2 ) ; σ 3 = 4 ε a 1 ε a 2 ε a 3 .

O primeiro invariante é trivialmente nulo devido à escolha do tensor de traço nulo. Os invariantes guardam relações em cada fase nemática: na fase ND, σ3=σ23/2, na NC, σ3=-σ23/2 e na NB, -σ23/2<σ3<σ23/2.

Do ponto de vista experimental, a conoscopia laser é a técnica que permite as medidas das birrefringências ópticas de amostras liotrópicas nemáticas [2 [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005)., 11[11] Y. Galerne e J.P. Marcerou, J. Phys. (Paris) 46, 589 (1985).]. Essa técnica difere da conoscopia usual, realizada em microscópio óptico de luz polarizada (MOLP), pois a birrefringência dos liotrópicos nemáticos é baixa (da ordem de 10−3). Na MOLP amostras com espessura da ordem de micrômetros são utilizadas, o que impede a visualização de diferentes ordens das franjas conoscópicas. Nesse caso, apenas a parte central da figura de conoscopia é visível (a denominada Cruz de Malta), implicando em erros experimentais grandes na determinação da birrefringência. Na conoscopia laser, amostras com espessuras da ordem do milímetro podem ser utilizadas, permitindo a visualização de um número suficiente de franjas de conoscopia para medidas precisas de Δn e δn nas diferentes fases nemáticas. A Figura 17 traz as birrefringências medidas nas três fases nemáticas de uma mistura liotrópica formada por DTMABr (brometo de dimetil trimetil amônio)/sunset yellow/1-dodecanol/água. A amostra é orientada por ação de campo magnético externo [2 [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005).]. Nas Figs. 18 a,b,c são apresentados os invariantes σ2 e σ3 em função da temperatura, bem como a parametrização das diferentes fases nemáticas em função desses invariantes.

Figura 17
Birrefringências das fases nemáticas uniaxiais (NC e ND) e da biaxial NB, em função da temperatura.
Figura 18
Dependência com a temperatura dos invariantes (a) σ2 (a) e (b) σ3; (c) parametrização das fases nemáticas em termos dos invariantes σ2 e σ3. Mesma mistura liotrópica da Figura 17.

Apesar do modelo clássico de Landau-de Gennes descrever de maneira conveniente a topologia do diagrama de fases nas vizinhanças do ponto de Landau, ele não prevê o comportamento das linhas de transição de segunda-ordem na medida em que nos afastamos desse ponto. O modelo prevê que as linhas continuam a se afastar (Figura 16), ampliando indefinidamente o intervalo da fase NB, o que não é visto experimentalmente (Figura 15). Outro problema do modelo clássico é a não previsão da fase isotrópica a baixas temperaturas, também observada experimentalmente. Isso fez com que uma abordagem mais abrangente fosse necessária, incluindo na teoria de campo médio um parâmetro de ordem não-crítico, que levasse em conta uma eventual modificação na forma/anisometria dos constituintes básicos dos cristais líquidos liotrópicos, a saber, as micelas.

2.10. Metamorfose topológica do diagrama de fases nemáticas

A estratégia de introdução do parâmetro de ordem não-crítico, que leva em conta a variação da anisotropia de forma das micelas em função da temperatura e concentrações relativas dos diferentes componentes da mistura liotrópica, produz uma metamorfose topológica no diagrama de fases usual dos liotrópicos nemáticos [12[12] P. Tolédano e A.M. Figueiredo Neto, Phys. Rev. Lett.73, 2216 (1994).], impondo uma reconstrução daquele diagrama de fases [13[13] V.I. Arnold, A.N. Varchenko e S.M. Gusein-Zade, Singularities of Differential Maps (Birkhaiiser, Boston, 1985), v. 1 e 2.]. Vamos denominar esse parâmetro de ordem não-crítico τ. Na teoria clássica o tensor de segunda ordem e traço nulo que representa o parâmetro de ordem tem dois invariantes, que denominaremos aqui I1 e I2 (o terceiro é o traço do tensor, I3, que é nulo). Na reconstrução do diagrama de fases, com a inclusão do parâmetro de ordem não crítico, há uma renormalização desses invariantes de modo que os novos invariantes serão: I1=I1±τ2, I2=I2 e I3=I3+τ=τ. Dessa forma, o potencial termodinâmico é escrito como [12[12] P. Tolédano e A.M. Figueiredo Neto, Phys. Rev. Lett.73, 2216 (1994).]:

(5) F ( I 1 , I 2 , I 3 ) = a 1 I 1 + a 2 I 1 2 + b 1 I 2 + b 2 I 2 2 + c 1 I 3 + c 2 I 3 2 ;

onde ai,bi,ci,i = 1,2são os coeficientes de Landau do desenvolvimento em série do potencial termodinâmico.

A presença do invariante I3 produz uma dobragem simétrica do diagrama de fases representado na Figura 16, com a presença de um segundo ponto de Landau e uma nova fase isotrópica. O novo diagrama de fases está representado na parametrização em termos de dois dos coeficientes de Landau, c1,b1, na Figura 19a. A dobragem se dá em relação ao eixo b1, mostrando, na parte inferior, a imagem especular da parte superior. A temperatura, T, e a concentração relativa de componentes da mistura liotrópica, x, são funções lineares dos coeficientes de Landau a1,b1,c1. Assim, para tornar a representação do diagrama de fases mais próxima àquela dos resultados experimentais, a Figura 19b traz as fases estáveis na parametrização T,x. As fases ISO1 e ISO2 são as fases isotrópicas a altas e baixas temperaturas, respectivamente. Os pontos de Landau são representados por PLi, com i = 1,2.

Figura 19
Diagrama de fases obtido após a minimização do potencial termodinâmico (Equação 5) nas parametrizações de (a) dois coeficientes de Landau, c1, b1, e (b) temperatura, T, concentração relativa de anfifílico da mistura liotrópica, x. Adaptado de [12[12] P. Tolédano e A.M. Figueiredo Neto, Phys. Rev. Lett.73, 2216 (1994).].

Assim, a introdução do parâmetro de ordem não-crítico é essencial para a teoria recuperar as características do diagrama de fases experimental. Do ponto de vista da Física envolvida nesse parâmetro de ordem, a informação primordial presente nessa formulação é a possibilidade de a micela modificar sua anisotropia de forma em função da temperatura e/ou da concentração relativa dos componentes da mistura liotrópica [14[14] E. Akpinar, O.D. Guner e A.M. Figueiredo Neto, European Physical Journal E 42, 1 (2019)., 15[15] E. Akpinar, N. Uygur, S. Uyanik e A.M. Figueiredo Neto, European Physical Journal E 42, 128 (2019)., 16[16] E. Akpinar, C. Canioz, M. Turkmen, D. Reis e A.M. Figueiredo Neto, Liquid Crystals 1, 1 (2017).].

3. Considerações Finais

Além das estruturas descritas neste texto, há outras ainda mais complexas existentes nos cristais líquidos, em particular nos liotrópicos. Esses ordenamentos espaciais dos constituintes básicos desses materiais conferem a eles possibilidades de uso em dispositivos megneto e eletro-ópticos com características únicas. Esses dispositivos ainda não encontraram um limite claramente definido [17[17] G. Barbero e L.R. Evangelista, Adsorption phenomena and anchoring energy in nematic liquid crystals(Taylor and Francis, London, 2005).]. Com o decorrer do tempo novas tecnologias baseadas nos princípios fundamentais desses materiais são desenvolvidas, incrementando o desempenho dos dispositivos e reduzindo o consumo de energia.

Do ponto de vista da ciência básica esses materiais colocam questões fundamentais que nos auxiliam a compreender em mais detalhes a estrutura da matéria [18[18] I. Dierking e A.M. Figueiredo Neto, Crystals 10, 604 (2020).]. Uma dessas questões, ainda não completamente respondida, é como a informação da quiralidade passa de uma micela (ou lamela) para outra, sendo que entre essas superestruturas há apenas água. Recentemente uma estrutura esmética C quiral (polar!) foi encontrada em misturas liotrópicas [19[19] J.R. Bruckner e F. Giesselmann, Crystals 9, 568 (2019).].

Trata-se, portanto, de uma área de pesquisa multidisciplinar extremamente motivadora e excitante.

Agradecimentos

Apoio financeiro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fluidos Complexos—INCT-FCx—CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; # 465259/2014-6), FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; # 14/50983-3), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; # 88887.136373/2017-00). FAPESP (Projeto Temático; # 2016/24531-3).

Agradeço o Dr. E. Akpinar (Bolu Abant Izzet Baysal University, Turkey) e o MSc. Dennys Reis (IFUSP) pelas medidas de conoscopia laser. Agradeço o Sr. Maurício Klein (IFUSP) pela competente confecção das figuras deste artigo.

Referências

  • [1] P.G. de Gennes e J. Prost, The Physics of Liquid Crystals (Oxford University Press, Oxford, 1993).
  • [2] A.M. Figueiredo Neto e S.R.A. Salinas, The Physics of Lyotropic Liquid Crystals, Phase Transitions and Structural Properties (Oxford University Press, Oxford, 2005).
  • [3] P.I. Teixeira, Fluidos fora da lei—A história dos cristais líquidos: de curiosidade a tecnologia (Editora IST Press, Lisboa, 2006).
  • [4] O. Lehmann, Zeitschrift für Physikalische Chemie 4, 462 (1889).
  • [5] J. Charvolin, A.M. Levelut e E.T. Samulski, J. Phys. (Paris) Lett. 40, 587 (1979).
  • [6] A.M. Figueiredo Neto, Y. Galerne, A.M. Levelut e L. Liébert, J. Phys. (Paris) Lett. 46, 499 (1985).
  • [7] G. Pezl, S. Diele e W. Weissflog, Advanced Materials 11, 707 (1999).
  • [8] L.J. Yue A. Saupe, Phys. Rev. Lett. 45, 1000 (1980).
  • [9] A.M. Figueiredo Neto, L. Liébert e Y. Galerne, J. Phys. Chem. 89, 3737 (1985).
  • [10] T.J. Sluckin e G.R. Luckhurst, Biaxial Nematic Liquid Crystals: Theory, Simulation, and Experiment (John Wiley & Sons, New York, 2015).
  • [11] Y. Galerne e J.P. Marcerou, J. Phys. (Paris) 46, 589 (1985).
  • [12] P. Tolédano e A.M. Figueiredo Neto, Phys. Rev. Lett.73, 2216 (1994).
  • [13] V.I. Arnold, A.N. Varchenko e S.M. Gusein-Zade, Singularities of Differential Maps (Birkhaiiser, Boston, 1985), v. 1 e 2.
  • [14] E. Akpinar, O.D. Guner e A.M. Figueiredo Neto, European Physical Journal E 42, 1 (2019).
  • [15] E. Akpinar, N. Uygur, S. Uyanik e A.M. Figueiredo Neto, European Physical Journal E 42, 128 (2019).
  • [16] E. Akpinar, C. Canioz, M. Turkmen, D. Reis e A.M. Figueiredo Neto, Liquid Crystals 1, 1 (2017).
  • [17] G. Barbero e L.R. Evangelista, Adsorption phenomena and anchoring energy in nematic liquid crystals(Taylor and Francis, London, 2005).
  • [18] I. Dierking e A.M. Figueiredo Neto, Crystals 10, 604 (2020).
  • [19] J.R. Bruckner e F. Giesselmann, Crystals 9, 568 (2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2020
  • Revisado
    19 Out 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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