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Oscilador quártico e funções elípticas de Jacobi

Quartic oscillator and Jacobi elliptic functions

Resumos

Tipicamente, pequenas oscilações em torno de um ponto de equilíbrio estável são movimentos harmônicos simples com frequência determinada pelo valor da segunda derivada da energia potencial no ponto de equilíbrio. Há casos anômalos, no entanto, em que a segunda derivada é nula e o termo de quarta ordem domina a expansão da energia potencial nas vizinhanças do mínimo. Neste caso, as pequenas oscilações são descritas pelo oscilador quártico. Por meio de um exemplo simples, em que ocorre a referida anomalia, discutimos o oscilador quártico e mostramos como sua equação de movimento pode ser resolvida em termos de funções elípticas de Jacobi. O exemplo oferece a oportunidade de familiarizar estudantes de graduação com essas funções importantes que não constam no currículo padrão dos cursos de física.

Palavras-chave:
pequenas oscilações; oscilador quártico; funções elípticas de Jacobi


Typically, small oscillations about a stable equilibrium point are simple harmonic motions with frequency determined by the second derivative of the potential energy evaluated at the equilibrium point. There are anomalous cases, however, in which the second derivative vanishes and the fourth order term dominates the expansion of the potential energy in the neighborhood of the minimum. In this case, the small oscillations are described by the quartic oscillator. By means of a simple example, in which the said anomaly occurs, the quartic oscillator is discussed and it is shown how its equation of motion can be solved in terms of Jacobi elliptic functions. The example affords the opportunity to familiarize undergraduate students with these important functions that do not appear in the standard physics curriculum.

Keywords:
small oscillations; quartic oscillator; Jacobi elliptic functions


1. Introdução

Livros de mecânica clássica mais antigos e aclamados, como Whittaker [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).], pressupõem da parte do leitor ampla familiaridade com as funções elípticas de Jacobi e de Weierstrass. A partir de meados do século passado as funções elípticas desapareceram do currículo padrão dos cursos de graduação e pós-graduação em física, e até mesmo textos avançados as evitam [2[2] J.V. José and E.J. Saletan, Classical Dynamics: A Contemporary Approach (Cambridge University Press, Cambridge, 1998).]. Assim, embora muitos problemas interessantes de mecânica sejam solúveis em termos de funções elípticas, essas funções adquiriram um certo ar mítico para o estudante de física de hoje. Parece útil buscar exemplos simples por meios dos quais apresentar essas funções importantes a estudantes de física da geração atual. Esses exemplos devem servir, também, para dissipar a aura misteriosa dessas funções e deixar claro que algumas das suas principais propriedades podem ser inferidas da física do problema.

O propósito deste artigo é estudar um caso anômalo da teoria das pequenas oscilações em uma dimensão no qual as funções elípticas de Jacobi aparecem naturalmente. Trata-se do caso em que a energia potencial passa por um mínimo mas sua segunda derivada no ponto de mínimo é zero. Nestas circunstâncias a expansão da energia potencial nas vizinhanças do ponto de mínimo é dominada pelo termo de quarta ordem, e as pequenas oscilações em torno do ponto de equilíbrio são descritas pelo oscilador quártico.

2. Pequenas Oscilações em Torno do Equilíbrio

Consideremos um sistema conservativo com um único grau de liberdade descrito pela lagrangiana

(1)L=m2q2-V(q).
Diz-se que a configuração q=q(0) é um ponto de equilíbrio se
(2)(dVdq)q=q(0)=0.
De fato, a equação de movimento produzida pela lagrangiana (1) é
(3)mq¨+dVdq=0,
que possui a solução q=q(0)=constante desde que (2) se verifique. Em outras palavras, se num dado instante o sistema encontra-se na configuração q=q(0) com velocidade q=0, o sistema permanecerá nessa situação para sempre.

Critério de Estabilidade

O equilíbrio é dito estável se uma perturbação suficientemente pequena não é capaz de afastar grandemente o sistema da condição de equilíbrio, mas provoca pequenas oscilações em torno da configuração de equilíbrio. Isto ocorre se o potencial passa por um mínimo na posição de equilíbrio. Se V passa por um máximo ou ponto de inflexão, o equilíbrio é instável. Como se depreende da Fig. 1, se uma pequena velocidade for imprimida à partícula na configuração de equilíbrio, aumentando ligeiramente sua energia, o deslocamento permanecerá pequeno se o potencial V for mínimo, mas não será pequeno, podendo crescer indefinidamente, quando V é máximo ou passa por um ponto de inflexão. Um critério de estabilidade é

(4)(d2Vdq2)q=q(0)>0,
que garante que V passa por um mínimo local em q=q(0). Destaque-se que esta é uma condição suficiente para a estabilidade, mas está longe de ser necessária: a condição necessária e suficiente é que q=q(0) seja um ponto de mínimo local de V, que pode ocorrer com V(q(0))=0.

Figura 1
Em (a) o equilíbrio é estável, mas em (b) e (c) é instável.

Pequenas Oscilações em Torno do Equilíbrio Estável

A fim de estudar as pequenas vibrações em torno de um ponto de equilíbrio estável, é conveniente escrever

(5)q=q(0)+x
onde x é o deslocamento da posição de equilíbrio. Supondo x suficientemente pequeno, podemos aproximar V(q) nas vizinhanças da posição de equilíbrio por
(6)V(q)=V(q(0)+x)=V(q(0))+(dVdq)q=q(0)x+12(d2Vdq2)q=q(0)x2+.
O termo linear em x nesta última equação é nulo em virtude da Eq.(2). Portanto, até segunda ordem em x,
(7)V(q)=V0+12k(0)x2,
onde, por hipótese,
(8)k(0)=(d2Vdq2)q=q(0)>0.
V0=V(q(0)) é o valor da energia potencial na posição de equilíbrio.

A condição (8) garante que o termo quadrático domina V nas vizinhanças do ponto de equilíbrio. Neste caso, a lagrangiana (1) escreve-se

(9)L=m2x2-k(0)2x2,
tendo sido descartada a constante V0, pois não afeta a equação de movimento para x. A lagrangiana (9) descreve um oscilador harmônico de massa m e “constante elástica” k(0), de modo que x executa oscilações harmônicas em torno de x=0 com frequência angular
(10)ω=k(0)m.

É necessário sublinhar a hipótese de que a expansão do potencial em torno da posição de equilíbrio seja dominada pelo termo de segunda ordem. Nos casos anômalos em que o termo de segunda ordem é zero, o movimento oscilatório em torno das posições de equilíbrio estável será periódico mas não será harmônico simples, de modo que a análise acima não se aplica.

3. Caso Anômalo: Oscilador Quártico

O sistema mecânico de interesse está representado na Fig. 2: a conta de massa m desliza ao longo de uma haste cilíndrica horizontal lisa ligada a uma mola com constante de força k e comprimento natural l.1 1 Este é um dos mais simples de alguns sistemas mecânicos que exibem quebra espontânea de simetria [3]. Se l>a ou l<a as posições de equilíbrio estável apresentam comportamento normal [3[3] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007).]. O caso a=l é anômalo.

Figura 2
Não há atrito entre a conta e a haste cilíndrica horizontal.

Com a=l a energia potencial

(11)V(x)=k2(l2+x2-l)2=kl22(1+x2l21)2
passa por um mínimo em x=0. Usando a expansão binomial
(12)(1+x2l2)1/2=1+x22l2+O(x4), |x|<l,
a energia potencial (11) se reduz a
(13)V(x)=k8l2x4+O(x6).
Obviamente, V(0)=0 e as pequenas oscilações em torno da posição de equilíbrio não são harmônicas. Note que as oscilações serão pequenas se xl.

A lagrangiana que descreve pequenas oscilações em torno de x=0 é

(14)L=m2x2-λ2x4,
onde
(15)λ=112d4Vdx4x=0=k4l2>0.
O gráfico de V(x)=λx42 é qualitativamente o mesmo que o da energia potencial do oscilador harmônico, de modo que para uma dada energia E>0 a partícula executa um movimento periódico entre os pontos extremos x=-A e x=A. A determinação de x(t) é um problema cuja solução se reduz a uma quadratura por meio da conservação da energia:
(16)m2x2+λ2x4=E.
A amplitude da oscilação é determinada por x=A e x=0, ou seja,
(17)A=(2Eλ)1/4.
Em termos da amplitude a Eq. (16) toma a seguinte forma:
(18)x2=λm(A4-x4).
Com as novas variáveis adimensionais y e τ definidas por
(19)y=xA,τ=αt,α=(2λEm2)1/4,
a Eq. (18) se reduz a
(20)y2=1-y4=(1-y2)(1+y2),y=dydτ.
Com as condições iniciais x(0)=0 e x(0)>0, a solução desta última equação é
(21)τ=0ydξ(1-ξ2)(1+ξ2).
Esta equação determina implicitamente y como função de τ, donde se obtém x(t). Vale notar que as condições iniciais escolhidas não implicam qualquer perda de generalidade, já que decorrem meramente de uma escolha do instante inicial para efeito de contagem do tempo.

4. Integrais e Funções Elípticas

A integral (21) não pode ser expressa em termos de funções elementares. A fim de pô-la numa forma padrão de integral elíptica, é necessário fazer uma mudança da variável de integração que é conveniente expressar sob a forma de duas mudanças de variável consecutivas sugeridas pela forma do integrando em cada estágio.

Comecemos com a mudança de variável

(22)ξ=tanψ,y=tanψ*,
que conduz a
(23)τ=0ψ*sec2ψdψ1-tan2ψsecψ=0ψ*dψcos2ψ-sen2ψ=0ψ*dψ1-2sen2ψ.
Em seguida, pondo
(24)2senψ=senθ,2senψ*=senθ*,
obtém-se
(25)τ=0θ*cosθdθ21-12sen2θcosθ=120θ*dθ1-12sen2θ.

A integral elíptica de primeira espécie é definida por [4[4] M.R. Spiegel, Cálculo Avançado (McGraw-Hill do Brasil, Rio de Janeiro, 1971).]

(26)u=F(κ,ϕ)=0ϕdθ1-κ2sen2θ,0<κ<1.
Como
(27)dudϕ=(1-κ2sen2ϕ)-12>0,
para cada κ fixo existe a função inversa
(28)ϕ=am(u)
chamada de função amplitude, sendo κ o seu módulo. A função seno elíptico de Jacobi de módulo κ é definida por
(29)snu=sen(am(u)).
Analogamente, o cosseno elíptico define-se por
(30)cnu=cos(am(u)).
Outras funções elípticas de Jacobi são
(31)dnu=1-κ2sn2u,tnu=snucnu.

A rigor, deveríamos escrever sn(u,κ), cn(u,κ), dn(u,κ) e tn(u,κ), mas costuma-se deixar o módulo implícito.

Portanto, com módulo κ=12, a Eq.(25)

(32)θ*=am(2τ),
Consequentemente, por (24),
(33)senψ*=12sen(am(2τ))=sn(2τ)2.
Finalmente, (22) dá
(34)y=tanψ*=senψ*cosψ*=senψ*1-sen2ψ*=12sn(2τ)1-12sn2(2τ).
Levando em conta (31), também podemos escrever
(35)y(τ)=12sn(2τ)dn(2τ).
É fácil mostrar que
(36)snu=cnudnu,
(37)dnu=-κ2snucnu.
De fato, de
(38)dϕdu=(dudϕ)1=1-κ2sen2ϕ=1-κ2sn2u=dnu,
das definições (29) e (30), e da regra da cadeia da diferenciação, tem-se
(39)snu=cosϕdϕdu=cnudnu.
Este resultado e a definição (31) conduzem diretamente à Eq. (37). Com base nas equações (36) e (37) é muito simples verificar que a função y(τ) dada pela Eq.(35) satisfaz a equação diferencial (20). A partir de (36) prova-se imediatamente que a função y=snu obedece à equação
(40)y2=(1-y2)(1-k2y2).
Esta é a equação diferencial que decorre da conservação da energia no problema do pêndulo simples quando se usa a variável y=sen(θ2) em vez do tradicional ângulo θ.

Exprimindo (35) em termos das variáveis originais, temos, finalmente,

(41)x(t)=A2snω0tdnω0t,ω0=(8λEm2)1/4.
Uma representação gráfica desta solução da equação de movimento do oscilador quártico encontra-se na Fig. 3.

Figura 3
Gráfico da função (41), em que as funções elípticas têm módulo κ=12. No eixo horizontal são representados os valores de ω0t e, no vertical, os valores de xA. O período é dado pela Eq. (48).

Recíprocos e quocientes das funções elípticas básicas também recebem nomes especiais [5[5] E.T. Whittaker and G.N. Watson A Course of Modern Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).]. Os recíprocos são denotados invertendo a ordem das letras que exprimem as funções:

(42)nsu=1snu,ncu=1cnu,ndu=1dnu;
>os quocientes são denotados escrevendo em ordem as primeiras letras das funções que aparecem no numerador e denominador:
(43)scu=snucnu,sdu=snudnu,cdu=cnudnu,
(44)csu=cnusnu,dsu=dnusnu,dcu=dnucnu.
Nesta notação, tnu=scu e a solução (41) da equação de movimento do oscilador quártico escreve-se x(t)=(A2)sd(ω0t).

O traçado de gráficos e o cálculo de valores numéricos das funções e integrais elípticas podem ser realizados gratuitamente em http://keisan.casio.com.

5. Periodicidade

O período T de oscilação é quatro vezes o tempo gasto pela partícula para viajar de x=0 até x=A. De acordo com a Eq.(21),

(45)αT=401dξ(1-ξ2)(1+ξ2).
Esta integral é um caso particular da integral (21) com y=1, e as mudanças de variável que conduziram a (25) permanecem válidas com θ*=π2.

Portanto,

(46)T=4ω00π2dθ1-12sen2θ.
Como a integral elíptica completa de primeira espécie é definida por
(47)K(κ)=0π2dθ1-κ2sen2θ,
segue-se que
(48)T=4ω0K(12)7,416ω0.
Note que o período é uma função decrescente da amplitude (e da energia). O movimento é periódico mas não é harmônico simples, pois este se caracteriza por período independente da amplitude. Vale a pena observar que dentre as energias potenciais da forma V(x)=α|x|ν, com α,ν>0, o caso do oscilador harmônico (ν=2) é um divisor de águas no seguinte sentido: para ν>2 o período decresce com o aumento da energia enquanto para 0<ν<2 o período cresce com o aumento da energia. Com efeito, uma análise dimensional simples permite mostrar que, para V(x)=α|x|ν, o período é proporcional a A(2-ν)2, sendo A a amplitude das oscilações (proporcional a E1ν). Cabe notar também que a frequência angular ω do oscilador quártico não é ω0, mas
(49)ω=2πT=πω02K(12).

O período (48) pode ser inferido diretamente das definições (28)-(31) das funções elípticas de Jacobi. Se ϕ=am(u) é acrescido de 2π os valores de snu e cnu não mudam. Logo, snu e snu são periódicas com período U dado por 2π=am(U), isto é,

(50)U=02πdθ1-κ2sen2θ=40π2dθ1-κ2sen2θ=4K(κ).
Assim, com o módulo κ subentendido, temos
(51)sn(u+4K)=snu,cn(u+4K)=cnu,
(52)dn(u+4K)=dnu,tn(u+4K)=tnu.

As funções seno elíptico e cosseno elíptico oscilam periodicamente entre -1 e 1 e guardam uma certa analogia com suas congêneres trigonométricas: sn(-u)=snu; cn(-u)=cnu; sn(0)=0; cn(0)=1; sn2u+cn2u=1. A função dnu é sempre positiva e oscila entre 1-κ2 e 1 (vide Fig. 4).

Figura 4
Gráficos das funções sn (linha cheia), cn (linha pontilhada) e dn (linha tracejada) com módulo κ=0,8.

Diversas propriedades das funções elípticas de Jacobi podem ser deduzidas e visualizadas a partir do estudo de uma particular trajetória com rapidez constante sobre a superfície de uma esfera, conhecida como espiral de Seiffert [6[6] P. Erdös, Am. J. Phys. 68, 888 (2000).].

Pode-se provar [5[5] E.T. Whittaker and G.N. Watson A Course of Modern Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).,7[7] J.V. Armitage and W.F. Eberlein, Elliptic Functions (Cambridge University Press, Cambridge, 2006).] que as funções elípticas de Jacobi têm um segundo período imaginário: snu tem período 2iK e cnu tem período 4iK onde

(53)K=0π2dθ1-κ2sen2θ,κ=1-κ2,
isto é,
(54)sn(u+2iK)=snu,cn(u+4iK)=cnu.
Diz-se que κ=1-κ2 é o módulo complementar das funções elípticas de módulo κ. Portanto, as funções elípticas de Jacobi pertencem à classe das funções duplamente periódicas [5[5] E.T. Whittaker and G.N. Watson A Course of Modern Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).]. A dupla periodicidade da função sn pode ser inferida a partir de considerações dinâmicas (vide §44 de [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).]).

6. Pequeno Catálogo de Aplicações

A fim de ressaltar a importância das funções elípticas, vale a pena listar alguns problemas de mecânica que podem ser resolvidos exatamente por meio dessas funções.

Problemas solúveis em termos das funções elípticas de Jacobi: pêndulo simples [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).]; conta numa haste circular girante sob a ação da gravidade [8[8] T.E. Baker and A. Bill, Am. J. Phys. 80, 506 (2012).]; corpo rígido assimétrico em rotação livre [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).,9[9] L.D. Landau and E. Lifshitz, Mechanics (Pergamon, Oxford, 1976), 3rd ed.]; diversos casos de movimento sob uma força central [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).]; movimento num potencial cúbico [10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).]; movimento no potencial de um oscilador harmônico com perturbação quártica [10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).]; órbitas planetárias na relatividade geral [7[7] J.V. Armitage and W.F. Eberlein, Elliptic Functions (Cambridge University Press, Cambridge, 2006).].

Problemas solúveis em termos das funções elípticas de Weierstrass: pêndulo simples [10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).]; pêndulo esférico [7[7] J.V. Armitage and W.F. Eberlein, Elliptic Functions (Cambridge University Press, Cambridge, 2006).,10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).]; pião simétrico com um ponto fixo [1[1] E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).,10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).].

A relação entre as funções elípticas de Jacobi e de Weierstrass é discutida num caso particular por meio do problema do pêndulo simples em [10[10] A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).]. A conexão geral encontra-se em Whittaker & Watson ([5[5] E.T. Whittaker and G.N. Watson A Course of Modern Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).], §22351).

A maioria dos textos introdutórios sobre funções elípticas de Jacobi e de Weierstrass são bastante antigos, alguns deles datam do fim do século XIX. Whittaker & Watson é um clássico um pouco menos antiquado (a quarta e última edição é de 1927) que, no entanto, introduz as funções elípticas de Jacobi a partir das funções teta, que são consideravelmente mais complicadas. Uma livro recente com aplicações físicas é Armitage & Eberlein [7[7] J.V. Armitage and W.F. Eberlein, Elliptic Functions (Cambridge University Press, Cambridge, 2006).], cuja motivação inicial é a solução da equação de movimento do pêndulo simples. Para um primeiro contato com as integrais elípticas e as funções elípticas de Jacobi, uma referência concisa, objetiva e acessível é Spiegel [4[4] M.R. Spiegel, Cálculo Avançado (McGraw-Hill do Brasil, Rio de Janeiro, 1971).].

7. Brevíssima História das Funções Elípticas

Segundo Bottazzini & Gray [11[11] U. Bottazzini and J. Gray, Hidden Harmony-Geometric Fantasies: The Rise of Complex Function Theory (Springer, New York, 2013), capítulo 1.], durante 40 anos Adrien Marie Legendre (1752–1833) publicou artigos e livros sobre integrais elípticas, assim chamadas porque aparecem no problema de calcular o comprimento de arco da elipse. Legendre mostrou que qualquer integral da forma R(x,w)dx onde R(x,w) é uma função racional2 2 Isto significa que R(x,w)=P(x,w)∕Q(x,w) onde P(x,w) e Q(x,w) são polinômios nas variáveis x e w. de x e w, sendo w a raiz quadrada de um polinômio do terceiro ou quarto grau em x, pode ser expressa como uma combinação da integral elíptica de primeira espécie

(55)F(κ,ϕ)=0ϕdθ1-κ2sen2θ;
da integral elíptica de segunda espécie
(56)E(κ,ϕ)=0ϕ1-κ2sen2θdθ;
e da integral elíptica de terceira espécie
(57)Π(κ,n,ϕ)=0ϕdθ(1+nsen2θ)1-κ2sen2θ.
Se ϕ=π2 as integrais elípticas são ditas completas.

Legendre estudou as integrais elípticas — por ele denominadas “funções elípticas” — como funções do extremo superior ϕ e parece ter ficado decepcionado com a reduzida repercussão dos três volumes do seu Traité des Fonctions Elliptiques.

Carl Friedrich Gauss (1777–1855) foi quem primeiro inverteu integrais elípticas para obter funções elípticas por volta de 1800, mas não houve impacto porque Gauss não publicou seus resultados. A situação se modificou radicalmente quando o jovem matemático norueguês Niels Henrik Abel (1802–1829) considerou as funções inversas das integrais elípticas — as hoje chamadas funções elípticas — e as estendeu como funções analíticas de uma variável complexa. Em 1827, Abel publicou uma teoria das funções elípticas em estreita analogia com a teoria das funções trigonométricas. Também em 1827, o ainda mais jovem matemático alemão Carl Gustav Jakob Jacobi (1804–1851) teve ideias semelhantes às de Abel. Jacobi introduziu a função composta seno da amplitude de u, que teve seu nome abreviado para sinamu e, finalmente, para snu. Jacobi também provou a dupla periodicidade das funções elípticas. É possível que Jacobi tenha tido acesso ao trabalho de Abel, que teria inspirado suas ideias iniciais sobre o assunto. Uma rivalidade amigável se desenvolveu entre os dois matemáticos, que competiam pela primazia na publicação de novas descobertas. A competição terminou abruptamente em 1829 com a morte prematura de Abel, de tuberculose, aos 26 anos. Novas ideias irromperam de Jacobi em ritmo explosivo [12[12] J. Stillwell, Mathematics and Its History (Springer, New York, 2010), 3rd ed. capítulo 12.] e ele publicou em 1829 o primeiro livro sobre funções elípticas, intitulado Fundamenta Nova Theoriae Functionum Ellipticarum. As funções elípticas acabaram por se tornar uma das áreas de pesquisa mais importantes da matemática no século XIX.

Já com idade avançada, Legendre expressou seu contentamento com o trabalho de Abel e Jacobi, numa carta enviada ao segundo em 1828, nos seguintes termos [11[11] U. Bottazzini and J. Gray, Hidden Harmony-Geometric Fantasies: The Rise of Complex Function Theory (Springer, New York, 2013), capítulo 1.]:

“É uma grande satisfação para mim ver dois jovens matemáticos, como você e ele, cultivarem com sucesso um ramo da análise que por tanto tempo tem sido o meu objeto de estudo favorito e que no meu país não atraiu a atenção que merece.”

  • 1
    Este é um dos mais simples de alguns sistemas mecânicos que exibem quebra espontânea de simetria [3[3] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007).].
  • 2
    Isto significa que R(x,w)=P(x,w)Q(x,w) onde P(x,w) e Q(x,w) são polinômios nas variáveis x e w.

Agradecimento

O autor é grato ao revisor anônimo por suas úteis e pertinentes sugestões.

Referências

  • [1]
    E.T. Whittaker, A Treatise on the Analytical Dynamics of Particles and Rigid Bodies (Dover, New York, 1944).
  • [2]
    J.V. José and E.J. Saletan, Classical Dynamics: A Contemporary Approach (Cambridge University Press, Cambridge, 1998).
  • [3]
    N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007).
  • [4]
    M.R. Spiegel, Cálculo Avançado (McGraw-Hill do Brasil, Rio de Janeiro, 1971).
  • [5]
    E.T. Whittaker and G.N. Watson A Course of Modern Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1927).
  • [6]
    P. Erdös, Am. J. Phys. 68, 888 (2000).
  • [7]
    J.V. Armitage and W.F. Eberlein, Elliptic Functions (Cambridge University Press, Cambridge, 2006).
  • [8]
    T.E. Baker and A. Bill, Am. J. Phys. 80, 506 (2012).
  • [9]
    L.D. Landau and E. Lifshitz, Mechanics (Pergamon, Oxford, 1976), 3rd ed.
  • [10]
    A.J. Brizard, arXiv:0711.4064 (2007).
  • [11]
    U. Bottazzini and J. Gray, Hidden Harmony-Geometric Fantasies: The Rise of Complex Function Theory (Springer, New York, 2013), capítulo 1.
  • [12]
    J. Stillwell, Mathematics and Its History (Springer, New York, 2010), 3rd ed. capítulo 12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2016
  • Revisado
    22 Ago 2016
  • Aceito
    22 Ago 2016
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