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O PAPEL DOCENTE EM MEDICINA: AVALIAÇÃO PELOS ESTUDANTES

Resumo:

O autor relata um estudo das percepções de estudantes e mestrandos da área médica sobre funções e condutas especificas de ensino. Empregou-se a técnica do questionário, incluindo itens seletivos compilados da literatura especializada. Os resultados indicam que os participantes atribuem ampla importância a uma grande variedade de funções e condutas de ensino, mas demonstram preferência significativa por determinadas características, em termos da efetividade para a aprendizagem. Esse conjunto prioritário de condutas docentes representa cinco dimensões do ensino efetivo e pode constituir um indicador de proficiência docente. Outras implicações dos resultados são comentadas, em função de usos por estudantes e docentes.

Summary:

The author reports a study of medical undergraduate and graduate students perceptions of teaching functions and specific. behaviors. Questionaries containing selected items compiled from special references were used. The results indicate that most respondents give large importance to many types of teaching functions and behaviors. However, there is a meaningful preference for some specific teaching characteristics that are found to be most helpful in facilitating student learning. Such priority set of teaching behaviors reflects five known dimensions of effective teaching and it could be considered as an indicator of teaching effectiveness. Other implications of the results for teacher and student uses are mentioned.

INTRODUÇÃO

O aperfeiçoamento nas funções de ensino na área médica, ou em qualquer outra área, deve basear-se no diagnóstico do desempenho do professor, o que depende da definição das funções docentes e do reconhecimento das características da efetuação dessas funções na situação real.

Estudos no exterior303. IRBY, D. - Clinical teacher effectiveness in medicine. J. Med. Educ., Washington, 53(10): 808-815, 1978.),(808. STRITTER, F., HAIN, J.H. & GRIMES, D.A. - Clinical teaching reexamined. J. Med. Educ ., Washington, 50 (9): 876-882, 1975. indicam que os alunos de medicina podem ser fontes valiosas de informação nessa análise. Stritter808. STRITTER, F., HAIN, J.H. & GRIMES, D.A. - Clinical teaching reexamined. J. Med. Educ ., Washington, 50 (9): 876-882, 1975. identificou condutas docentes específicas que facilitam a aprendizagem, segundo os alunos. Irby303. IRBY, D. - Clinical teacher effectiveness in medicine. J. Med. Educ., Washington, 53(10): 808-815, 1978. mostrou que diversas dessas características de atuação, de caráter multifatorial, estão associadas ao reconhecimento da qualidade de ensino clínico. Irby & Rakestraw404. IRBY, D. & RAKESTRAW, P. - Evaluating clinical teaching in medicine. J. Med. Educ ., Washington, 56 (3): 181-186, 1981. e Rotem606. ROTEM, A. & GAARICK, C. - Teacher evaluation. Med. J. Australia, 2: 676-677, 1977., entre outros, indicaram que a aferição de características da atuação docente pelos alunos poderá ser útil para efeitos de decisões administrativas e de intervenções pessoais para a melhoria do ensino.

Essas observações se aplicam ao ambiente de ensino médico em nossas instituições? Este trabalho representa uma busca de resposta a essa indagação, a partir de um estudo em pequena escala das percepções de alunos e mestrandos da área médica sobre o papel docente, suas funções e condutas. Tais percepções foram identificadas mediante questionários aos quais se incorporaram elementos descritos nas referências citadas. Os resultados sugerem valorização da concepção multidimensional da atividade de ensino e correlação entre as perspectivas do aluno e do docente em formação na preferência por condutas efetivas específicas. Os subsídios obtidos na identificação das características prioritárias são descritos em conexão com os usos na avaliação da instrução.

MÉTODOS

PARTICIPANTES. O estudo, realizado na Universidade de Brasília, envolveu dois grupos: o primeiro formado por 52 estudantes, representando 21% dos alunos que concluíram a fase pré­clínica do curso de medicina no intervalo de 3 anos; o segundo, constituído por 20 mestrandos (docentes em formação) com vivência de ensino clínico. Cada participante preencheu um inventário de expectativas. O grupo de estudantes tinha características equivalentes ao alunado representado, em fatores demográficos (sexo, idade, origem) e de instrução (média global, motivação).

INSTRUMENTOS. No exame do papel docente pelos estudantes, utilizou-se um questionário desdobrado em duas partes. Na primeira parte, pedia-se: (a) classificação da importância de cada uma das doze funções docentes identificadas por Gilbert2, numa escala de cinco pontos; (b) escolha das sete funções principais; (c) classificação de cada função principal, segundo o nível de aquisição pelo corpo docente e o grau de responsabilidade atribuído ao seu desenvolvimento. A segunda parte do questionário incluía; (d) classificação, mediante questões do tipo Gagne101. GUILBERT, J.J. - Educational handbook for health personnel. 4a ed. Geneva, World Health Organization, 1977, pg. 329-332., da freqüência desejada e da freqüência observada (na situação real) de cada uma de vinte condutas docentes específicas referidas adiante; (e) escolha das sete condutas específicas prioritárias, em termos do benefício percebido para a aprendizagem estudantil.

No exame do papel docente pelos mestrandos, utilizou-se um questionário que consistia de duas partes: 1) classificação da importância, numa escala de cinco pontos, de cada uma de vinte e seis condutas docentes especificas; 2) escolha das dez condutas prioritárias, após conhecimento de resultados das classificações de importância feitas pelos estudantes e pelos demais mestrandos.

O conjunto de condutas docentes específicas foi selecionado pelo autor, após revisão da literatura303. IRBY, D. - Clinical teacher effectiveness in medicine. J. Med. Educ., Washington, 53(10): 808-815, 1978.),(505. MIRON, M. & SEGAL, E. - “The good university teacher” as perceived by the students. Higher Education, Amsterdam, 7 (1): 27-34, 1978.),(808. STRITTER, F., HAIN, J.H. & GRIMES, D.A. - Clinical teaching reexamined. J. Med. Educ ., Washington, 50 (9): 876-882, 1975. de forma a refletir as metas do curso de medicina e cinco dimensões do ensino clínico (organização, supervisão, conhecimento, expressividade e proficiência instrutiva), segundo a análise de Irby303. IRBY, D. - Clinical teacher effectiveness in medicine. J. Med. Educ., Washington, 53(10): 808-815, 1978..

ANÁLISE. Para cada classificação, efetuada em escala de resposta de cinco pontos, calculou-se a pontuação média. No caso das funções docentes, calculou-se também o índice de prioridade de cada uma, correspondente ao quociente do produto das pontuações médias de importância por responsabilidade, dividido pela pontuação média de aquisição. Por outro lado, para cada conduta docente específica, calculou-se o coeficiente de discrepância; esse coeficiente representa o quociente da diferença entre as pontuações médias de freqüências desejada e observada, dividida pela diferença entre a pontuação máxima da escala505. MIRON, M. & SEGAL, E. - “The good university teacher” as perceived by the students. Higher Education, Amsterdam, 7 (1): 27-34, 1978. e a pontuação média de freqüência desejada.

RESULTADOS

Que funções docentes são importantes no ensino médico, segundo as percepções dos alunos? Neste estudo, todas as doze funções descritas por Gilbert202. GUILBERT, J.J. - What is a medical theacher's job? Medical Teacher, 1 (1): 21-23, 1979. foram consideradas importantes pelo conjunto de estudantes. A pontuação média de importância variou de 65 a 92,5% da distância máxima (diferença entre as pontuações mínima e máxima da escala). A relação das funções, na ordem decrescente do grau de importância atribuído, é a seguinte: (4,7) capacitação dos alunos nos princípios das atividades clínicas; (4,6) desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas; (4,4) preparação de material e recursos de aprendizagens; (4,4) definição de objetivos de aprendizado; (4,3) supervisão do progresso dos alunos; (4,3) análise e avaliação dos problemas de saúde; (4,2) exemplificação de qualidades profissionais; (4,2) crítica construtiva de objetivos e métodos dos aluno; (4,0) avaliação do trabalho e da proficiência dos alunos; (3,9) identificação dos fatores implicados nos problemas de saúde; (3,7) escolha de atividades profissionais e (3,6) asseguramento de disciplina intelectual,

Existe uma preferência definida dos estudantes na escolha das funções principais, conforme se observa na Tabela I. Entretanto, o índice de prioridade calculado não apresentou grande diferença de uma função para outra, em virtude das variações existentes entre os graus de importância, responsabilidade e aquisição, atribuídos às diversas funções.

TABELA I
Distribuição da Escolha e Graduação da Prioridade de Funções Docentes por Estudantes

Em relação ao conjunto de condutas específicas, observou se também uma tendência dos estudantes a preferir algumas em relação a outras, em termos do benefício percebido. Seis dentre as vinte condutas discriminadas foram escolhidas por 54 a 69% dos estudantes. A Tabela II identifica essas condutas e a tendência na distribuição percentual de escolha, além de mostrar o coeficiente de discrepância calculado para cada item.

TABELA II
Distribuição de Escolha e Coeficiente de Discrepância de Condutas Docentes Especificas

O valor numérico desse índice variou de 1,0 a 8,5 entre os vinte itens, sendo significativamente maior para as condutas preferidas. Paralelamente, a pontuação média de freqüência desejada variou, entre as vinte condutas, de 4,0 a 4,8 (numa escala de 1 = muito raramente, até 5 = muito freqüentemente).

O grupo de docentes em formação também atribuiu importância a cada uma das condutas específicas. A pontuação média de importância variou de 70 a 90% do grau máximo, exceto para um item. Do conjunto de-vinte condutas, as seguintes foram consideradas prioritárias pela maioria dos mestrandos: 1) fixar e comunicar objetivos realistas; 2) enfatizar um enfoque de solução-de-problema; 3) dar conhecimento (“feed-back”) rápido e sistemático dos resultados do desempenho estudantil; 4) corrigir os alunos construtivamente e sem menosprezo; 5) demonstrar genuíno interesse pelos alunos como pessoas; 6) identificar e sintetizar os pontos importantes; 7) engajar os alunos em oportunidades de prática; 8) conduzir o ensino com entusiasmo e energia; 9) apresentar os tópicos de modo claro e organizado e 10) debater aplicações práticas de conhecimentos e habilidades. Essa relação exclui apenas uma das escolhas dos estudantes (“relacionar os tópicos a questões significativas para os alunos”), embora não guarde correspondência absoluta na ordem de preferência dos itens1 1 Itens restantes: demonstrar procedimentos e habilidades; permanecer acessível; relacionar conceitos com a aprendizagem previa; usar perguntas para estimular a memória; comparar pontos de vista e enfoques divergentes; atribuir responsabilidades específicas aos alunos; responder diretamente às questões dos alunos; debater sentimento e valores que influenciem decisões e identificar metas de compreensão antes que de memória. .

Observou-se, ainda, que, entre os nove itens prioritários compartilhados na escolha de estudantes e docentes em formação, existem exemplos das cinco dimensões do ensino clínico, a saber: proficiência instrutiva 1), organização 2), supervisão 3), conhecimento 5) e expressividade 7). (Os números entre parêntesis correspondem aos itens enumerados no Quadro II).

COMENTÁRIOS

Os resultados do estudo sugerem que os alunos de Medicina em Brasília têm uma expectativa elevada do papel docente, em termos de competência pedagógica geral e da atuação efetiva na situação de ensino. Essa inferência baseia-se nos valores dos índices de prioridade consignados a uma ampla variedade de funções de ensino e na atribuição de uma pontuação alta na freqüência desejada de cada uma de vinte condutas específicas de instrução. Além disso, a representação de cinco dimensões de efetividade no ensino clínico, dentre as condutas pro­ feridas por estudantes e docentes em formação, refletem uma percepção multidimensional da natureza do “bom ensino” clínico, de acordo com os achados de alguns investigadores.303. IRBY, D. - Clinical teacher effectiveness in medicine. J. Med. Educ., Washington, 53(10): 808-815, 1978.),(808. STRITTER, F., HAIN, J.H. & GRIMES, D.A. - Clinical teaching reexamined. J. Med. Educ ., Washington, 50 (9): 876-882, 1975.

Paralelamente, os estudantes revelaram uma preferência definida por algumas condutas docentes específicas. Para ilustrar, os cinco primeiros itens enumerados na Tabela II representam 47% do total de escolhas. Essa seletividade pode refletir algumas características dos alunos de Medicina, especialmente quanto ao estilo de aprendizagem predominante.

A gama de condutas efetivas, selecionadas por estudantes e docentes em formação, pode constituir um critério específico, ainda que restrito, de proficiência no ensino. Essa proposição se baseia na representatividade dos fatores de efetividade no ensino e na validade aparente dos itens, em termos do grau de importância atribuída e da responsabilidade potencial do professor no desenvolvimento das condutas em questão.

De fato, essa gama de condutas docentes efetivas constitui a base de itens do questionário de avaliação da instrução pelos alunos, utilizado pelo autor, nos últimos 4 anos. Esse processo de avaliação tem sido útil em conexão com dois propósitos: incentivar os estudantes a refletir sobre a própria aprendizagem e monitorar a qualidade da instrução em disciplinas definidas. Em função do segundo propósito, construiu-se um questionário de doze itens, incorporado ao protocolo de avaliação da fase pré-clínica do Curso de Medicina, já referido noutro trabalho707. SOBRAL, D.T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(3):216-21, 1981..

Entretanto, a expectativa mais relevante, em associação com a identificação de um critério válido e confiável de efetividade no ensino reside na possibilidade de indução de melhoria na proficiência de ensino, mediante conhecimento por parte dos docentes dos resultados da aferição da instrução feita pelos alunos. Nesse particular, as condutas de ensino que registrem elevados coeficientes de discrepância (a exemplo dos itens 2, 4 e 5 na Tabela II) podem ser consideradas elementos críticos num processo de renovação da instrução ou desenvolvimento docente. Evidências de potencialidade desse mecanismo de indução foram apresentadas recentemente pelo autor2 2 Avaliação da atividade de ensino: potencialidade para melhoria? In XX Congresso Brasileiro de Educação Médica. Resumo de temas livros. ABEM-FMRP, Ribeirão Preto, 1982, p. 28-29. .

Em conclusão, as indicações obtidas neste estudo sugerem que a identificação de condutas preferenciais de ensino, compartilhadas por alunos e docentes, pode ser efetuada e utilizada para diversos propósitos educativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 01
    GUILBERT, J.J. - Educational handbook for health personnel 4a ed. Geneva, World Health Organization, 1977, pg. 329-332.
  • 02
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  • 04
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    MIRON, M. & SEGAL, E. - “The good university teacher” as perceived by the students. Higher Education, Amsterdam, 7 (1): 27-34, 1978.
  • 06
    ROTEM, A. & GAARICK, C. - Teacher evaluation. Med. J. Australia, 2: 676-677, 1977.
  • 07
    SOBRAL, D.T. - Ensino integrado no pré-clínico: vale a pena? R. Bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro, 5(3):216-21, 1981.
  • 08
    STRITTER, F., HAIN, J.H. & GRIMES, D.A. - Clinical teaching reexamined. J. Med. Educ ., Washington, 50 (9): 876-882, 1975.
  • 1
    Itens restantes: demonstrar procedimentos e habilidades; permanecer acessível; relacionar conceitos com a aprendizagem previa; usar perguntas para estimular a memória; comparar pontos de vista e enfoques divergentes; atribuir responsabilidades específicas aos alunos; responder diretamente às questões dos alunos; debater sentimento e valores que influenciem decisões e identificar metas de compreensão antes que de memória.
  • 2
    Avaliação da atividade de ensino: potencialidade para melhoria? In XX Congresso Brasileiro de Educação Médica. Resumo de temas livros. ABEM-FMRP, Ribeirão Preto, 1982, p. 28-29.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1983
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