Acessibilidade / Reportar erro

Uma Análise do Ensino Atual da Oncologia e Proposta de um Conteúdo Curricular Mínimo para o Curso de Graduação

Analysis of Current Physician Training in Oncology an Proposal for a Minimum Undergraduate Course Curriculum

Resumo

O ensino da oncologia clínica em nível de graduação carece da tradição que outras disciplinas no curso de Medicina possuem. O rápido desenvolvimento da especialidade, motivado por uma importância cada vez maior das neoplasias no contexto da saúde pública do nosso país, não tem sido acompanhado por programas bem estabelecidos no processo de ensino. O questionamento fundamental que deve ainda ser respondido é qual o conjunto de conhecimentos, atitudes e habilidades que qualquer acadêmico deve possuir ao completar o curso de Medicina. Uma análise de diferentes programas demonstra problemas similares em escolas médicas americanas, européias e latino-americanas. É crítico reconhecer que o ensino da oncologia tem uma característica muito singular que o diferencia da maior parte das matérias clínico-cirurgicas do curso médico. Diferentes aspectos relacionados à oncologia são ensinados em praticamente todas as disciplinas. Isto resulta em fragmentação dos conteúdos e até mesmo na apresentação de informações contraditórias que confundem o processo de aprendizado. Após uma revisão dos problemas identificados em diferentes programas, este trabalho procura iniciar um processo de definição de metas e objetivos para o ensino de graduação na área de oncologia. Pretendemos, com isto, motivar uma discussão ampla e multidisciplinar que resulte no aperfeiçoamento desta proposta.

Descritores:
Oncologia - educação; Currículo; Educação médica

Abstract:

The teaching of cancer lacks the tradition other diciplines have in the medical curriculum . The rapid development of clinical oncology, led by cancer 's increasing public health importance in Brazil, has not been matched by well-established programs in the teaming process. The main question that remains to be answered is what oncological knowledge, attitudes, and skills students should have at the end of their basic undergraduate medical training. Different programs show similar problems in North American, European, and Latin American schools. It is critical to recognize a characteristics that is unique to the teaching of oncology and that distinguishes it from most other clinical and surgical courses, i.e., the fact that different cancer-related aspects are presented in practically every discipline in medical school. This results in fragmentation of information and even presentation in a contradictory manner; thereby confounding the learning process. After reviewing problems identified in different programs, the current study attempts to define objectives for the oncology teaching curriculum. We hope to motivate an extended and multidisciplinary discussion that will result in the enhancement of this proposal.

Keywords:
Medical oncology - education; Curriculum; Medical education

INTRODUÇÃO

A oncologia é urna especialidade relativamente nova no cenário médico-científico, com algumas décadas de desenvolvimento apenas, mas com uma perspectiva de futuro realmente promissora. Em poucos anos, o estudo das neoplasias tem propiciado desenvolvimentos que transcendem suas fronteiras e que estão beneficiando o conhecimento da biologia básica de forma fundamental. O crescimento da biologia molecular, com todas as suas conseqüências, é o exemplo mais claro de como a pesquisa das neoplasias propiciou uma explosão de conhecimentos que estão sendo utilizados de forma generalizada.

As perspectivas são alentadoras, mas, por ser uma área nova, carece de tradição, e a transmissão de conhecimentos específicos (fundamentalmente na graduação médica) não está ainda bem caracterizada no que diz respeito tanto à sua melhor forma quanto ao seu conteúdo mais adequado. Uma revisão de programas de diferentes disciplinas de oncologia em várias escolas médicas no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa demonstra claramente a falta de denominadores comuns. A maior parte dos programas, quando existem, preocupa-se apenas com uma discussão sumária e incompleta de três ou quatro dos tumores mais comuns, quando não faz urna listagem pró-forma de assuntos que não são discutidos adequadamente. Alguns “programas” limitam-se somente a descrever o índice de um livro-texto de oncologia.

Frente a esta situação, propomos um conteúdo mínimo para o ensino de oncologia nos cursos de graduação das Faculdades de Medicina do Brasil. O questionamento fundamental é definir os conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados à oncologia que um médico recém-formado deve possuir para enfrentar seu treinamento em qualquer outra especialidade ou eventualmente iniciar sua pratica médica geral.

Este trabalho objetiva estimular o desenvolvimento de um projeto de ensino em oncologia no nível de graduação em faculdades onde ele ainda não existe. Ao mesmo tempo, serve como base de discussão e reavaliação dos objetivos estabelecidos em cursos existentes.

Em todo o conteúdo desta proposta devem permear de forma implícita dois conceitos a serem destacados. Em primeiro lugar, as idéias de progressão, modificação e aperfeiçoamento permanentes. Este programa deve ser constantemente reavaliado, já que não é um produto acabado, mas um primeiro esforço que deverá ser complementado com mui­tas contribuições. Em segundo lugar, ressaltamos o conceito de multidisciplinaridade que deverá ser uma presença constante tanto na formulação como na aplicação deste modelo.

O PROBLEMA DO CÂNCER

A conceituação do câncer como um problema de saúde pública deve ser entendida como uma realidade que faz parte do dia-a-dia de todos os médicos, independentemente de especialidade ou de local de trabalho. É dentro deste conceito que queremos qualificar o ensino curricular de oncologia. O câncer, no Brasil, representa urna realidade que vem tomando proporções cada vez mais importantes. O Ministério da Saúde estima 269 mil casos novos para 1998, com urna taxa bruta de incidência de 176,8/100 mil para homens e 189,3/100 mil para mulheres. As neoplasias representam a terceira causa de morte no Brasil, com 107.950 óbitos esperados em 1998. Nas regiões Sul e Sudeste, onde se concentra a maior parte dos casos, o câncer representa a segunda causa de morte, superada apenas por patologias cardiovasculares11. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil, 1998. INCA Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Pro-Onco, 1998.),(22. Estatísticas de Saúde. Mortalidade 1992, vol. 18, Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, Porto Alegre, RS, 1993..

A maior parte das pessoas com diagnóstico de câncer que chegam aos centros de referência à procura de atendimento o fazem quando já se encontram em estágios muito avançados da doença, muito além das possibilidades de cura33. O Problema do Câncer no Brasil. Ministério da Saúde. INCA, Pro­Onco, Rio de Janeiro, 1997.),(44. Eichenberg, A.; Kappes, D.; Silva, A. et al. Será que o brasileiro com câncer chega muito tarde aos serviços de atendimento terciário? Avaliação dos dados de sete registros hospitalares. III Congresso de Registros de Câncer, Curitiba, PR, 1998.. Tem sido estimado que até 20% dos pacientes com câncer na Comunidade Européia deixam de ser curados por uma demora no diagnóstico inicial55. Armand, J.P. et al. European School of Oncology Advisory Report to the Commission. Europ. J. Cancer 30:1145, 1994.. Os prováveis motivos para esta “demora” vão desde preconceitos fatalistas (medo e falta de informações adequadas), até eventuais erros de orientação por parte do médico responsável pela avaliação inicial (treinamento inadequado).

Por mais impactante que esta realidade possa ser, mais provocante ainda é a estimativa de que entre 30 e 50% dos óbitos por câncer a cada ano poderiam ser evitados. De acordo com dados da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, uma política adequada de prevenção e de diagnóstico precoce poderia diminuir em até 35% a mortalidade por câncer no nosso estado66. Daudt, A.W. et al. Tobacco-Related Diseases: A 21-year Study (1970- 1990) of the mortality rate in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. J. Smoking-Related Dis 4:155, 1993.. Para enfrentar esta situação, a educação é fundamental. Reduções significativas na mortalidade por câncer em nosso pais necessitam de urna política integrada de educação pública, com participação ativa do governo, da equipe de saúde, da sociedade e da mídia.

Também devem ser estabelecidos programas de educação continuada para clínicos gerais e concebida uma profunda reformulação curricular da oncologia no nível da graduação e pós-graduação. Somente desta forma será possível proporcionar às futuras gerações de médicos o conhecimento, treinamento e habilidades adequados que os tornem agentes eficazes no processo de controle do câncer. Políticas amplas neste sentido já estão sendo implementadas nos Estados Unidos e na Europa com objetivos bem definidos quanto à redução da mortalidade por neoplasias até o ano 200077. Greenwood, P. et al. Cancer Control objectives for the Nation -1985- 2000. NO Monograph 2:3, 1986.)-(99. Austoker, J. Cancer Prevention: Setting the Scene. BJM 308:1415, 1994..

O ENSINO DA ONCOLOGIA EM NÍVEL INTERNACIONAL

A preocupação em relação ao ensino da oncologia não é nova. No fim da década de 70, a American Association for Cancer Education desenvolveu um trabalho que avaliou o ensino de oncologia em praticamente todas as escolas de Medicina dos Estados Unidos. Essa pesquisa detectou uma série de problemas e resultou em recomendações publicadas no início dos anos 80 sob a forma de metas a serem cumpridas por cada estudante no curso de graduação em oncologia1212. Bender, W. et al. Faculty questionnaire: Preliminary Report. Second WHO/UICC Survey. Undergraduate Medical Cancer Education in Europe. April 1992. In: Cancer Education for Undergraduate Medical Students. Curricula from Around The World. Robinson, E.; Sherman. C.D.; Love, R.R. Eds. UICC, Geneva, 1994.. A pesquisa foi repetida em 1992 e detectou problemas na implementação das recomendações propostas. Alguns aspectos, como a falta de uma coordenação central no ensino da oncologia, haviam se deteriorado em comparação aos resultados do levantamento anterior. As barreiras identificadas para a implementação das recomendações variavam da falta de professores e de recursos a um maior tempo curricular para o ensino da oncologia1313. Estevez, R.A. et al. La Educación Oncológica em Latino-américa. Revista Latino-americana de Oncologia Clínica 23, Nov., 1991.. Em várias escolas médicas norte-americanas não existia ainda, em 1992, um currículo básico em oncologia e não haviam sido estabelecidos os objetivos nem definidas as metas.

Um processo de análise similar pode ser observado na Europa. Um relatório da Comunidade Européia e da European Organization for Research and Treatment of Cancer, em 1988, concluia que o ensino da oncologia na Europa era inadequado e precisava de maior atenção. De acordo com um relato mais recente, até 40% das escolas européias não possuíam em 1994 um currículo definido em oncologia1414. Gadelha, MI. Pro-Onco/ INCA, 1992..

Informações da América do Sul publicadas em 19911515. Sherman, CD. Implementing Curricular Change. In Cancer Education for Undergraduate Medical Students, Curricula from around the World, International Union Against Cancer. Robinson, E.; Sherman, C.D.; Love, R.R. Eds, Cap 5, pag 51, UICC Geneva, 1994. documentam que o ensino de oncologia é feito de forma integrada e curricular em somente 10% das escolas médicas latino-americanas e que 80% do corpo docente das diferentes escolas considera o ensino inadequado nesta área. No Brasil, uma iniciativa muito importante do Ministério da Saúde, por intermédio do Pro-Onco, tentou, a partir dos anos 90, auxiliar no desenvolvimento curricular de oncologia nas escolas médicas brasileiras1616. Guilbert, J.J. Educational Handbook for Health Personnel. WHO Offset Publication 35, WHO, Geneva, 1977.. A aceitação inicial do programa proposto foi promissora em muitas escolas, mas a eficácia a longo prazo ainda não tem sido avaliada de forma definitiva. Diferenças regionais, de estrutura e recursos materiais, e a filosofia básica de cada escola são bloqueios importantes para a implementação de qualquer planejamento geral. A necessidade de flexibilidade no planejamento deste tipo de iniciativa é fundamental, pois existem diferenças docentes e de recursos nas várias regiões do País. A colaboração dos educadores de todas as escolas no desenvolvimento e aperfeiçoamento deste conteúdo básico deverá, sem dúvida alguma, contribuir para sua instalação e implementação mais generalizada.

Como pode ser observado, o ensino da oncologia em nível internacional está em processo de evolução. Características regionais de cada país e de cada escola estabelecem enormes variações nos métodos de ensino e no conteúdo ensinado. Entretanto, várias publicações têm identificado alguns pontos que são freqüentemente deficientes nos pro­gramas de formação médica em oncologia em grande parte das escolas: (a) epidemiologia, (b) princípios de radioterapia, (c) prevenção do câncer, (d) aspectos psicossociais do câncer, (e) cuidados paliativos, incluindo fundamentalmente o controle da dor, (f) rastreamento e detecção precoce e (g) aplicações clínicas da biologia tumoral1717. I Fórum de Ensino de Graduação em Medicina Interna. Stumpf, M. K. Ed. pág. 41. Faculdade de Medicina, UFRGS. Porto Alegre, Março de 1992..

POPULAÇÃO-ALVO E FILOSOFIA DE ENSINO

Para definir adequadamente nossos objetivos, devemos ter presente que a grande maioria dos alunos-alvo não serão oncologistas. Nosso objetivo final não é produzir oncologistas. O enfoque fundamental está na identificação do problema câncer em todos os níveis e principalmente na atividade básica não só do médico generalista mas também de qualquer especialista. Neste sentido, é importantíssimo ressaltar a função do médico (qualquer médico) como educador e promotor de saúde. Esta função deve ser “ressuscitada” urgentemente em nosso currículo. Nossa intenção básica é semear em cada aluno as bases necessárias para implementar uma mudança de comportamento neste sentido (educação implica possibilitar esta mudança)1010. Bakemeier, R.F. Cancer Education Objectives for Medical Schools. Med Pediat Oncol 9:585, 1981..

Em segundo lugar, na maior parte dos programas de ensino, a população de alunos é heterogênea. Nem todos têm os mesmos interesses, as mesmas capacidades, a mesma iniciativa ou as mesmas condi­ções. Adequar o programa com base em objetivos bem definidos é um passo importante, que poderá resultar na formação de médicos com atitudes, conhecimentos e habilidades mínimos para cada área.

Na prática, o câncer tem urna abrangência muito ampla. Isto faz com que conteúdos de oncologia sejam discutidos e apresentados formalmente em diversas disciplinas ao longo do curso. Acreditamos que isto deva ser desta forma, até porque a idéia de multidisciplinaridade no manejo de um problema clínico raramente é tão bem representada como na abordagem do paciente oncológico. Entretanto, esta fragmentação pode resultar numa repetição por vezes contraditória da informação administrada. Este problema tem sido identificado em vários estudos que analisam o processo de educação médica em geral.

Uma iniciativa recente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul levou a algumas reflexões sobre o ensino da Medicina Interna em nosso meio que podem ser aplicadas à área de oncologia. Entre os problemas identificados, foram ressaltadas a transmissão fragmentada do conhecimento, a repetição de conteúdos e a desvinculação do ensino da realidade social. Isto leva à desmotivação do aluno e a um baixo rendimento no processo de aprendizado. As conclusões desse trabalho destacam que o ensino da Medicina Interna necessita de melhor integração entre as diferentes disciplinas, melhor definição de objetivos, melhor planejamento de programas de ensino e definição de critérios de avaliação mais adequados1111. O'Donell, J. et al. Survey Design and Observations Related to Cancer Education. J. Cancer Education 7:85, 1992..

DEFINIÇÃO DE METAS E OBJETIVOS

As metas e objetivos específicos aqui apresentados foram desenvolvidos e encontram-se em processo de aplicação na disciplina de oncologia da Faculdade de Medicina da PUCRS. Esta é uma proposta para definir o conteúdo mínimo que qualquer médico deve dominar na área de oncologia. Ela tem por objetivo servir como um controle individual (check list) para cada aluno. Os conhecimentos, habilidades e atitudes aqui descritos deverão ser adquiridos até o fim do curso de Medicina. Alguns destes conhecimentos e habilidades poderão e deverão ser adquiridos na disciplina de oncologia, outros serão adquiridos em outras disciplinas antes ou depois do curso de oncologia.

Se o aluno sentir que sua formação em qualquer dos aspectos citados é insuficiente, deverá ser estimulado a procurar ajuda para suplementar e conseguir alcançar a competência necessária.

METAS FUNDAMENTAIS DE UMA DISCIPLINA EM ONCOLOGIA

Proporcionar ao aluno informações básicas para que identifique o câncer como um problema de saúde pública, reconhecendo as principais causas de morte por neoplasia no Brasil e em sua região.

Enfatizar os princípios fundamentais da biologia tumoral e da abordagem terapêutica em oncologia, com ênfase especial para as medidas de prevenção e diagnóstico precoce.

Proporcionar ao aluno a possibilidade de adquirir e desenvolver o conhecimento, as habilidades e as atitudes necessárias para avaliar qualquer paciente com uma perspectiva oncológica, seja ele portador ou não de uma neoplasia.

Proporcionar condições para o desenvolvimento de um espírito crítico e inquisitivo no aluno, estimulando a geração de idéias e a formulação de perguntas a serem canalizadas em eventuais projetos de pesquisa.

Atingindo os objetivos acima, espera-se modificar de forma significativa o posicionamento do aluno frente aos problemas do paciente com câncer, desfazendo medos e preconceitos com informações e condutas adequadas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Conhecimentos, habilidades e atitudes referentes à oncologia que deverão ser adquiridos ao término do curso de Medicina

Ao terminar o curso de Medicina, o estudante deve:

  1. Reconhecer o câncer como um problema de saúde pública, identificando os tumores mais freqüentes na população de sua região. Conhecer a abordagem diagnóstica e terapêutica para cada um deles.

  2. Ter condições de realizar uma história clínica adequada num paciente com neoplasia, reconhecendo aspectos particulares que são importantes no paciente oncológico, tais como: exposição a agentes carcinogênicos, história pregressa, história familiar e avaliação dos aspectos psicossociais que podem estar participando na reação do paciente e de sua família à doença.

  3. Sentir-se apto a realizar e descrever de forma adequada o exame físico completo de um paciente oncológico. Em particular, o exame de um tumor cervical, um nódulo de tireóide, um nódulo mamário, um tumor abdominal, hepatomegalia, esplenomegalia, gânglios periféricos aumentados, toque retal e coleta do esfregaço vaginal.

  4. Ter condições de apresentar oralmente, de forma concisa e completa, os aspectos pertinentes da história e do exame físico de um paciente portador de neoplasia.

  5. Ser consciente da importância de registrar, de forma completa, as informações de história, exame físico e resultados laboratoriais no prontuário médico. Reconhecer a importância da lista de problemas e da folha de fluxo de exames laboratoriais.

  6. Estar familiarizado com a abordagem diagnóstica adequada para os sinais e sintomas que mais comumente se associam a um diagnóstico de câncer: gânglio cervical, nódulo de tireóide, nódulo mamário, dor, tosse, hemoptise, hematemese, nódulo pulmonar na radiografia de tórax, derrame pleural, ascite, esplenomegalia, sangramento vaginal anormal, tumor ovariano. hematúria, alterações no fluxo urinário, alterações do trânsito intestinal, enterorragia, lesão cutânea nova ou de crescimento recente e perda de peso.

  7. Conhecer o planejamento geral do manejo de um paciente com câncer:

    • 7.1

      Diagnóstico: indicações e limitações de biópsias, citologia, histologia, patologia e marcadores tumorais.

    • 7.2

      Estagiamento: sistema TNM. Indicação de estudos de imagem, endoscopia, cirurgia. Valor prognóstico e limitações.

    • 7.3

      Definição de tratamento: tratamento curativo versus paliativo. Tratamento adjuvante e neoadjuvante.

    • 7.4

      Determinação e avaliação da resposta ao tratamento: definir resposta completa, resposta parcial e progressão da doença.

    • 7.5

      Acompanhamento dos pacientes: definir sobrevida, sobre­vida livre de doença, recorrência e qualidade de vida.

  8. Reconhecer a natureza, indicação, limitações e para efeitos da cirurgia, da radioterapia e do tratamento quimioterápico sistémico.

  9. Reconhecer a necessidade do tratamento multidisciplinar, sua importância e suas limitações.

  10. Definir o conceito de cura de um paciente com neoplasia como o de apresentar expectativa de vida similar à de uma população saudável de igual idade.

  11. Reconhecer que a probabilidade de sobrevida a longo prazo e a cura dependem da localização do tumor, estágio, grau histológico e administração de tratamento adequado. Reconhecer as neoplasias curáveis com os tratamentos disponíveis atualmente: coriocarcinoma, câncer de cérvix, câncer de mama, câncer de testículo, câncer colo-retal, doença de Hodgkin, linfomas nao­Hodgkin, câncer de prostata.

  12. Reconhecer, diagnosticar e ser capaz de indicar o manejo inicial para algumas síndromes clinicas freqüentes em oncologia: síndrome de compressão medular, síndrome de compressão da veia cava superior, hipercalcemia, síndrome de Lise tumoral, ascite, derrame pleural.

  13. Reconhecer as particularidades psicológicas do paciente com câncer e de sua família. Sentir-se em condições de comunicar-se com o paciente oncológico e seus familiares e discutir um diagnóstico de câncer.

  14. Ter consciência dos preconceitos associados ao diagnóstico de câncer e aos pacientes portadores de neoplasia. Ser consciente de que estes preconceitos estão presentes na população leiga e na comunidade médica em geral.

  15. Sentir-se em condições de manejar os sintomas mais freqüentes em pacientes terminais: dor, constipação, diarreia, náuseas, vómitos, anorexia, ansiedade e insônia.

  16. Sentir-se capacitado a aconselhar um paciente quanto aos procedimentos para o diagnóstico precoce das neoplasias, suas indicações e limitações.

  17. Sentir-se capacitado a aconselhar um paciente quanto à prevenção do câncer.

  18. Sentir-se capacitado a discutir com um paciente diferentes abordagens para parar de fumar.

  19. Conhecer os princípios básicos da biologia molecular e suas aplicações no diagnóstico e manejo terapêutico dos pacientes oncológicos.

Sentir-se capacitado a avaliar criticamente trabalhos publicados na literatura médica.

Cada um destes objetivos encontra-se num processo de análise crítica. Adequar e limitar cada conteúdo ao que é realmente importante deverá contribuir com a implementação do programa e permitirá um processo de avaliação mais eficaz.

IMPLEMENTAÇÃO - COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DO ENSINO DE ONCOLOGIA

A implementação de um programa complexo como este, com participaçao multidisciplinar e com um conteúdo muito amplo no campo do conhecimento médico moderno, não deverá ser fácil. As diferentes realidades e peculiaridades político-administrativas de cada escola tornam muito difícil ou talvez até impossível propor mecanismos ou procedimentos de implementação universais para este tipo de programa. Cada unidade deverá desenvolver sua forma de elaborar os conceitos aqui apresenta­dos para que o projeto tenha as melhores condições de sucesso.

Como já comentado, a abrangência do problema do câncer faz com que ele seja apresentado aos alunos em várias etapas do processo de formação. Na situação atual, isto é feito de fo1ma individual e por iniciativa própria de cada disciplina. Uma das consequências, já discutidas, desta forma de transmitir o conhecimento é sua fragmentação. Isto certamente não colabora para o melhor aproveitamento do tempo disponível de cada disciplina para interagir com o aluno e confunde o processo de aprendizado.

Com o objetivo de superar algumas das dificuldades na implementação deste programa, é sugerida a criação de uma Comissão de Coordenação do Ensino de Oncologia. Esta comissão deve ser nomeada pela direção da escola e será composta por representantes de todas as áreas envolvidas no ensino da oncologia. Ela deverá identificar as etapas do curso em que são apresentados conteúdos de oncologia e integrar as mesmas da forma mais eficaz. Esta coordenação é de fundamental importância para o sucesso deste projeto. O funcionamento interno desta comissão será determinado por seus membros, e suas decisões serão apresentadas à direção da escola antes de sua implementação, para permitir melhor interação entre as diferentes disciplinas.

Como parte integrante e fundamental desta comissão, deverá ser estabelecida uma consultoria educacional permanente. Esta assessoria pode ser ativamente procurada dentro dos Serviços de que cada Universidade dispõe para este fim. É imperativa a procura de uma profissionalização realista do processo ensino-aprendizado na área de oncologia.

CONCLUSÕES

O ensino da Medicina tem por base um compromisso social. É imperativa a necessidade de enfrentar o desafio do problema do câncer num país como o Brasil, com realidades tão diferentes em cada uma de suas regiões. Formar profissionais médicos capacitados a enfrentar os problemas mais frequentes e prevalentes em cada comunidade é um propósito de importância indiscutível. Nesta perspectiva, este projeto é uma proposta para definir os objetivos com base nos quais serão transmitidos os conhecimentos de oncologia no processo de formação médica.

Uma avaliação da situação internacional com referência ao ensino da oncologia identifica problemas comuns em praticamente todas as escolas. Várias iniciativas em andamento procuram a melhor forma de inserir esta nova área na estrutura tradicional do ensino médico. Por ser este um processo dinâmico, a idéia evolutiva, de modificação e de reavaliação, deve ser considerada implícita neste documento.

Toda a estrutura universitária deverá estar comprometida a participar ativamente para que este esforço seja bem-sucedido. Aspectos ad­ministrativos básicos e técnico-científicos das diferentes unidades (Educação, Comunicação, Psicologia, Odontologia, Serviço Social, entre outras) deverão ser coordenados para aprimorar este programa. Consideramos que esta integração é necessidade básica e pré-requisito fundamental para atingir nossos objetivos.

A participação de todos os envolvidos na educação e treinamento médico em cada Faculdade de Medicina deverá ser solicitada. A melhor forma de coordenar este trabalho ainda deverá ser discutida com a direção da escola, mas é para nós evidente que esta iniciativa deverá ser multidisciplinar. A criação de uma Comissão de Coordenação Geral do Ensino de Oncologia, com participação de todas as áreas envolvidas, deverá ser estruturada.

Esperamos que a discussão intensa e a construção de idéias estimulada por este trabalho colaborem para o seu aperfeiçoamento, a fim de que seus objetivos sejam alcançados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil, 1998. INCA Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Pro-Onco, 1998.
  • 2
    Estatísticas de Saúde. Mortalidade 1992, vol. 18, Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, Porto Alegre, RS, 1993.
  • 3
    O Problema do Câncer no Brasil. Ministério da Saúde. INCA, Pro­Onco, Rio de Janeiro, 1997.
  • 4
    Eichenberg, A.; Kappes, D.; Silva, A. et al. Será que o brasileiro com câncer chega muito tarde aos serviços de atendimento terciário? Avaliação dos dados de sete registros hospitalares. III Congresso de Registros de Câncer, Curitiba, PR, 1998.
  • 5
    Armand, J.P. et al. European School of Oncology Advisory Report to the Commission. Europ. J. Cancer 30:1145, 1994.
  • 6
    Daudt, A.W. et al. Tobacco-Related Diseases: A 21-year Study (1970- 1990) of the mortality rate in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. J. Smoking-Related Dis 4:155, 1993.
  • 7
    Greenwood, P. et al. Cancer Control objectives for the Nation -1985- 2000. NO Monograph 2:3, 1986.
  • 8
    Europe Against Cancer Programme. Commission of European Communities, 1988, citado em Cancer Education for Undergraduate Medical Students. Curricula from Around The World. Robinson, E.; Sherman, C.D.; Love, R.R. Eds. Cap 1, pag 1, UICC, Geneva, 1994.
  • 9
    Austoker, J. Cancer Prevention: Setting the Scene. BJM 308:1415, 1994.
  • 10
    Bakemeier, R.F. Cancer Education Objectives for Medical Schools. Med Pediat Oncol 9:585, 1981.
  • 11
    O'Donell, J. et al. Survey Design and Observations Related to Cancer Education. J. Cancer Education 7:85, 1992.
  • 12
    Bender, W. et al. Faculty questionnaire: Preliminary Report. Second WHO/UICC Survey. Undergraduate Medical Cancer Education in Europe. April 1992. In: Cancer Education for Undergraduate Medical Students. Curricula from Around The World. Robinson, E.; Sherman. C.D.; Love, R.R. Eds. UICC, Geneva, 1994.
  • 13
    Estevez, R.A. et al. La Educación Oncológica em Latino-américa. Revista Latino-americana de Oncologia Clínica 23, Nov., 1991.
  • 14
    Gadelha, MI. Pro-Onco/ INCA, 1992.
  • 15
    Sherman, CD. Implementing Curricular Change. In Cancer Education for Undergraduate Medical Students, Curricula from around the World, International Union Against Cancer. Robinson, E.; Sherman, C.D.; Love, R.R. Eds, Cap 5, pag 51, UICC Geneva, 1994.
  • 16
    Guilbert, J.J. Educational Handbook for Health Personnel. WHO Offset Publication 35, WHO, Geneva, 1977.
  • 17
    I Fórum de Ensino de Graduação em Medicina Interna. Stumpf, M. K. Ed. pág. 41. Faculdade de Medicina, UFRGS. Porto Alegre, Março de 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    May-Sep 2000
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com