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O método de resoluções de problemas

A Educação sempre esteve apoiada no princípio de que o conhecimento do passado conduz à percepção da imagem do futuro. Atualmente, passando o mundo por contínuas transformações, com mudanças ocorrendo em grande velocidade e também em grande número, o futuro torna-se incerto e o princípio acima não mais é válido. A Educação assume, então, uma posição de crucial importância de como será a nossa Sociedade, já que a ela cabe também preparar o Homem para um futuro não previsível - o Homem que irá tomar as decisões do amanhã.

Isto exige da educação formal uma definição em relação ao que é mais importante: se apenas a tarefa de reter e compreender a vasta coleção de conhecimentos já adquiridos, se a busca de caminhos para novos conhecimentos e o uso destes de maneira criativa.

O Educador se vê, assim, forçado a assumir uma posição diante da seguinte alternativa: o educando torna-se-á mero espectador, ajustando-se às mudanças à medida em que elas apareçam, ou, ao contrário, preparar-se-á para tomar parte ativa nessa mudança?

De acordo com a escolha, o professor desenvolverá o seu trabalho educativo com métodos, técnicas e recursos que lhe permitam atuar segundo os propósitos que deseja.

Cabe aqui fazer uma distinção entre método e técnica, expressões que são empregadas indistintamente por grande parte dos professores, e que devem ser diferenciadas para que sua atuação seja mais consciente e eficaz.

Método refere-se a um modo básico de investigação; está relacionado com meios para se chegar a um fim determinado; ainda mais, método fundamenta-se em princípios filosóficos e psicológicos.

Como o processo ensino-aprendizagem visa o alcance de um fim envolvendo a relação entre professor e aluno, o método didático pode propiciar o encontro entre a estrutura psíquica do aluno e a estrutura lógica do conteúdo para que o educando possa alcançar os objetivos desejados. A base psicológica do método didático está relacionada com uma adequação do conteúdo ao aluno, atendendo à psicologia da aprendizagem. A base filosófica do método está ligada aos objetivos, ao que se pretende com a aprendizagem do aluno, ou seja, com o fim a ser alcançado.

Na escolha do método intervêm vá rios fatores entre os quais a filosofia de educação do professor, a sua concepção em relação ao educando, o tipo de formação acadêmica que recebeu, a sua experiência anterior; o nível de maturidade e o preparo dos alunos: a administração da escola e as condições sócio-econômicas em que esta se insere.

O método está pois, limitado por condições subjetivas (do professor e do aluno) e por condições objetivas (conteúdo e ambiente). Não há resultados de pesquisa que indiquem o “método didático ideal” para alcançar todos os fins desejados.

Técnica, por sua vez, é meio auxiliar, maneira particular de se aplicar o método; é um expediente específico e bem articulado em si mesmo, capaz de resolver certas situações particulares.

Um método pode utilizar várias técnicas, e uma mesma técnica pode ser usada em diferentes métodos. Assim, a simples observação das técnicas de ensino-aprendizagem é insuficiente para informar sobre o método que está sendo empregado, sobre o que se pretende e sobre a forma como se encara a educação. As técnicas são apenas maneiras do professor apresentar o conteúdo e organizar as experiências de aprendizagem; não são, em si, boas ou más, já que só podem ser avalia das dentro de um contexto que considere o objetivo para o qual procuram contribuir. Portanto, usar uma técnica por modismo ou gosto pessoal, sem ter em vista os objetivos educacionais, além de inútil pode ser contraproducente.

Desse modo e reforçando considerações feitas no início deste trabalho, o professor pode se perguntar que métodos didáticos possibilitam um maior auxílio no desenvolvimento de estratégias de pensamento que tornem o aluno capaz de enfrentar o futuro.

Entre outros, um método apropriado à educação do Homem, permanentemente solicitado a resolver problemas no mundo de hoje, é o método da resolução de problemas (problem-solving method).

Um modelo de ensino-aprendizagem que procure desenvolver um determinado processo mental pode ser formulado a partir da descrição deste. Daí, a resolução de problemas ser enfocada sob dois prismas como forma de aprendizagem e como método didático.

No primeiro caso, um dos recentes trabalhos no campo da teoria da aprendizagem é o de Robert GagnéGAGNÉ, Robert M. - Como se realiza a aprendizagem. Rio de Janeiro, Livro Técnico, 1971.. Este psicólogo propõe uma hierarquia de tipos, ou níveis de aprendizagem partindo do mais simples para o mais complexo.

Para apoiar sua teoria enfatiza os efeitos ordenados e cumulativos da aprendizagem e hierarquiza os tipos de tal modo que cada nível mais complexo exige como pré-requisito a aquisição do nível imediatamente abaixo.

Gagné considera a resolução de problemas como a forma mais complexa de aprendizagem. A aquisição deste tipo (nível 8) implica na combinação de princípios (nível 7) já aprendidos, formando um princípio de ordem superior, que produz a capacidade de resolver o problema. Quando isto acontece, a capacidade adquirida passa a fazer parle do repertório do indivíduo, ao enfrentar outra vez problemas semelhantes, a solução virá de modo mais fácil. A partir de sua idéia de hierarquia de conceitos e princípios, e de estruturação do conteúdo, GagnéGAGNÉ, Robert M. - Como se realiza a aprendizagem. Rio de Janeiro, Livro Técnico, 1971. propõe um planejamento especial da seqüência do que deve ser aprendido.

Desde os filósofos gregos até os dias de hoje, apareceram várias teorias para explicar o trabalho mental que o indivíduo realiza. Neste século, estudos sobre o pensamento estão sendo feitos através de experiências em laboratório, observação controlada de pessoas que estão resolvendo situações problemáticas e simulação de processos mentais em computadores. A partir desses resultados experimentais, torna-se possível propiciar modos de ação que visam desenvolver as estratégias de pensamento desejadas.

Neste trabalho, até o momento, foi a resolução de problemas vista como forma de aprendizagem, isto é, um dos modos que as pessoas podem utilizar para obter novos conhecimentos, novas formas de agir e novas atitudes. A partir de agora será tratada como uma das maneiras de possibilitar a aquisição desse tipo mais complexo de aprendizagem.

O método da resolução de problemas é o ataque planejado sobre uma dificuldade com o propósito de encontrar uma solução satisfatória. Como qualquer outro método didático, este também varia segundo o aluno, o professor e os recursos. Pode ser utilizado em todos os graus de escolaridade, e será mais efetivo se não se mantiver dentro de esquemas rígidos, pré-determinados, deixando ao aluno ampla possibilidade de utilização de qualquer meio que ele julgue necessário para a resolução do problema que está enfrentando.

O método da resolução de problemas apresenta elementos dedutivos e indutivos, e não há, em essência, diferença fundamental entre ele e o de uma investigação cientifica.

As etapas do método são as seguintes:

  1. reconhecimento e delimitação do problema;

  2. formulação de hipóteses;

  3. seleção de uma hipótese;

  4. verificação (testagem) da hipótese;

  5. conclusão.

Apesar de existirem diversos modelos do método de resolução de problemas, todos insistem em que o aluno não deve iniciar sua resolução sem compreender em que consiste o problema. O processo de resolução propriamente dito varia de acordo com o indivíduo e a natureza do problema.

As fases do método não precisam ser seguidas rigidamente, pois a solução não resulta de uma rotina. Novas observações decorrem do aperfeiçoamento de idéias, e novas avaliações podem ser feitas.

Sempre que aparece uma situação nova, ou quando há modificação na situação existente, o Homem se vê diante de um problema. A cada dia as pessoas encontram problemas novos, alguns facilmente solucionáveis, outros muito difíceis e, freqüentemente, alguns insolúveis.

O método, em consideração, tem como ponto de partida um desafio, que deve ser problema para o aluno e não para o professor. Todo o desenvolvimento da resolução exige um trabalho ativo por parte do aluno, já que as etapas são realizadas por ele, que possui o conhecimento anterior sobre o qual irá trabalhar. O aluno identifica o problema, propõe hipóteses, não no vácuo, mas baseado em conhecimento do conteúdo, testa aquela que selecionou; e, finalmente resolve o problema generalizando ou suspendendo um pré-julgamento. Assim, não só a habilidade de investigar, mas também o conteúdo devem ser enfatizados. Este precisa ser adquirido não apenas como produto acidental do método.

Outro ponto a ser abordado é o de ser a resolução de problemas um estágio no desenvolvimento da capacidade criadora. Comparando-se os passos desse método com os aspectos destacados por Torrance (1965)TORRANCE, E. Paul - Scientific views of creativity and factors afecting its growth. apud Washton. Nathan S. - Teaching science creatively - Philadelphia, W. B. Saunders, 1967, p. 218 na sua definição de criatividade: “o processo de tornar-se sensível a problemas, deficiências, falhas no conhecimento; desarmonias, etc.; identificar a dificuldade; procurar soluções, fazer suposições, ou formular hipóteses; testar e retestar essas hipóteses e finalmente, comunicar os resultados”, encontram-se muitos pontos em comum. A percepção, a identificação e a formulação de um problema podem propiciar excelente oportunidade para o desenvolvimento da criatividade.

É importante ressaltar que um problema percebido pelo professor pode não ter interesse para os alunos, bem como o que é desafiador para um estudante pode não ser para outro. Mais ainda, os melhores problemas são aqueles que os próprios alunos percebem e identificam.

No entanto, aguardar que o problema seja trazido pelo educando pode ser frustrante, tanto para o professor, como para os próprios alunos, se o educando não apresentar nenhum problema a ser trabalhado, o que até invalidaria a aplicabilidade do método a uma situação de ensino-aprendizagem. Isto pode ser contornado se o professor induzir e provocar um estado de dúvida, permitindo que o aluno resolva a situação problemática, individualmente ou em grupo, através de um trabalho que poderá ser ou não de caráter experimental. O professor pode provocar um estado de tensão psicológica que motive o aluno, através de perguntas do tipo “por quê?”

Outro meio a ser usado é a apresentação de dados que estejam fora do campo de percepção do aluno e que o coloquem diante de fatos contrários àqueles nos quais acreditava.

Uma sessão de encontro pode começar também pelo relato de uma situação, cabendo aos alunos estabelecer o problema e sugerir hipóteses que serão testadas. Uma maneira interessante de iniciar a resolução de problemas é através de uma demonstração que estimule a formulação de hipóteses. Até mesmo filmes que, em geral, apresentam soluções, podem servir para estabelecer uma dificuldade que deverá ser resolvida. O importante é que o problema seja significativo para o aluno e que as respostas não lhe sejam prontamente entregues ou que sejam simplesmente encontradas pela aplicação de fórmulas matemáticas.

O método da resolução de problemas é de grande valia no ensino em geral e especialmente no ensino médico, onde situações inusitadas surgem a cada momento exigindo do estudante uma série de habilidades inerentes ao reconhecimento, identificação e resolução de situações-problema.

No ensino médico, a apresentação de uma anamnese, a projeção de um filme e a utilização de outros recursos, podem ser usados para que o aluno identifique o problema, delimite-o, levante uma série de hipóteses que serão testadas experimental ou dedutivamente, e chegue à solução. Percorre, assim, as etapas do método da resolução de problemas.

É importantíssima a orientação do professor, não para dar as respostas ou indicar a linha de trabalho que o aluno deverá seguir, mas para discutir as decisões que o aluno toma e para verificar se o conteúdo da disciplina está sendo aprendido.

O método da resolução de problemas não é superior a outros métodos e nada indica que só ele deva ser usado. Contudo, se o objetivo for a aprendizagem de resolução de problemas e o desenvolvimento de atitudes científicas ele, sem dúvida, é o mais apropriado.

Referências Bibliográficas

  • GAGNÉ, Robert M. - Como se realiza a aprendizagem Rio de Janeiro, Livro Técnico, 1971.
  • SAETTLER, Paul “The problem-solving method: its dimentions and implications for teacher education”. In: Position paper, 3, 1970.
  • TORRANCE, E. Paul - Scientific views of creativity and factors afecting its growth. apud Washton. Nathan S. - Teaching science creatively - Philadelphia, W. B. Saunders, 1967, p. 218
  • WASHTON, Nathan S. - Teaching science creatively Philadelphia, W. B. Saunders, 1967.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1979
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